Resumo
Este artigo tem por objetivo identificar as estratégias cognitivas e metacognitivas utilizadas por pedagogos escolares, responsáveis pela coordenação e articulação do processo pedagógico no interior das escolas, em um programa de formação continuada. A metacognição não é normalmente relacionada ao desenvolvimento docente e/ou profissional; portanto, abordar a importância do desenvolvimento metacognitivo na formação continuada de pedagogos escolares perpassa tanto a necessidade de uma melhor compreensão do termo, como os caminhos para sua identificação. A pesquisa qualitativa de abordagem fenomenológica hermenêutica foi desenvolvida em um programa de formação continuada com dezesseis pedagogos de escolas públicas e privadas e diferentes segmentos de atuação. Para a pesquisa, foram utilizados uma entrevista semiestruturada e um instrumento para identificação do uso de cinco estratégias cognitivas (reflexividade, consciência da realidade, verbalização, atenção e pensamento/atitude) e três metacognitivas (tomada de consciência, autocontrole e autopoiese), utilizando-se a escala Likert. Os resultados obtidos indicaram um alto nível de concordância dos participantes com os itens descritos no instrumento; além disso, ao relacionar os relatos verbais dos participantes com os resultados obtidos a partir do instrumento aplicado, foi possível compreender que o programa de formação continuada proposto pode viabilizar reflexões sobre o “aprender a aprender” articuladas à realidade do contexto de atuação. São necessários maiores estudos sobre pedagogos escolares, assim como o desenvolvimento de propostas de formação (tanto a inicial quanto a continuada) que promovam o desenvolvimento de estratégias metacognitivas, contribuindo para a prática cotidiana junto aos docentes.
Metacognição; Formação continuada; Pedagogo escolar; Estratégias cognitivas
Abstract
This article aims to identify the cognitive and metacognitive strategies utilized by school pedagogues responsible for the coordination and articulation of the pedagogic process inside schools in a continuous training program. Metacognition is not usually examined in connection with teachers and/or professional development; therefore, to analyze the importance of metacognitive development for school pedagogues, attention to continuous training is essential both to attain a better comprehension of the term and to establish ways to identify it. This qualitative research taking a phenomenological and hermeneutic approach was developed based on a continuous training program with 16 pedagogues from public and private schools and different segments of activity. Semi-structured interviews and an instrument for the identification of the utilization of five cognitive strategies (reflexivity, reality conscious, verbalization, attention and thought/attitude) and three metacognitive (awareness-making, self-control and autopoiesis) were administered. The results indicate a high level of agreement by participants with the items described by the instrument; in addition, when relating verbal reports from participants to the results obtained with the instrument, it was noted that the proposed continuous training program could facilitate reflections about “learn to learn” as articulated within the activity context. Further studies are needed of school pedagogues, as well the development of training processes (both initial and continued) that promote the development of metacognitive strategies, contributing to daily activity together with the teachers.
Metacognition; Continuous training; School pedagogue; Cognitive strategies
Introdução
O objetivo deste artigo foi identificar as estratégias metacognitivas e cognitivas utilizadas por pedagogos escolares responsáveis pela coordenação e articulação do processo pedagógico no interior de diferentes instituições escolares, durante sua participação em um programa de formação continuada.
A pedagogia como ciência da prática, nesse contexto tão amplo de práticas consideradas educacionais, precisou de delimitação. Logo, fez-se necessário utilizar a nomenclatura pedagogia escolar em decorrência da expansão do campo de intervenção e estudo da pedagogia inserida na realidade social ( PINTO, 2011 ). Junto a essa delimitação, surgiram diversas questões sobre os reflexos desse contexto de mudanças na identidade profissional do pedagogo e em sua formação.
Para compreender esse cenário, foi realizado, no primeiro semestre de 2019, um levantamento de artigos com o tema “metacognição” na plataforma da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Verificou-se que, dos 217 artigos desenvolvidos nos últimos dez anos, apenas 8 por cento tiveram como enfoque a questão da formação docente. De todos os artigos verificados, nenhum trouxe como enfoque a identificação do desenvolvimento de estratégias metacognitivas para pedagogos escolares em programas de formação.
A importância de pesquisas com esse enfoque reside no fato de que conhecer o que professores sabem acerca de seu próprio processo de ensino pode ser um ponto de partida para a mudança na formação desses profissionais ( BALÇIKANLI, 2011 ). O pensar sobre o pensar se opõe à mera conformidade técnica ( DUFFY, 2005 ), e o pedagogo escolar, responsável pela articulação da organização do trabalho pedagógico dos professores, precisa proporcionar momentos de reflexão teórica no que diz respeito às situações da prática docente e em situações de mediação envolvendo outros atores no cotidiano escolar.
O cenário educacional e os desafios na atuação do pedagogo
A contemporaneidade é marcada por mudanças culturais e políticas, que apresentam à educação diversos desafios. Críticas são projetadas sobre a instituição escolar, principalmente em relação à sua função social na contemporaneidade. Apesar delas, Libâneo (2011) afirma que ainda existe lugar para a escola na sociedade tecnológica, pois ela será responsável pela síntese entre cultura experienciada e cultura formal – o aluno como sujeito do seu próprio conhecimento. Dessa forma, professores são indispensáveis na criação das condições cognitivas e afetivas para que os estudantes possam operar a construção de significados a partir das informações recebidas.
Faz-se necessária a acentuação de habilidades cognitivas para fazer frente às (sempre) novas necessidades de qualificação profissional. Não se pode deixar de investir numa proposta de educação democrática que contemple aspectos para a sobrevivência no mundo contemporâneo: capacidades cognitivas, pensamento crítico, criativo etc. ( LIBÂNEO, 2011 ).
A figura do pedagogo e sua identidade profissional alcançam relevo nesse cenário. Segundo Janz (2015) , ele é visto como o profissional que possui as características imprescindíveis para a reflexão, junto aos docentes, das perspectivas exercidas por estes, confrontando-os por meio de postulados teóricos e metodológicos e da leitura da realidade sociocultural dos educandos. Sendo assim, seu papel no contexto escolar se insere num processo de legitimação, por intermédio de um conjunto de ações que são articuladas de maneira orgânica, direcionadas ao desenvolvimento da aprendizagem, e que podem contribuir para a promoção do desenvolvimento intelectual e cultural dos alunos, assim como para sua inserção social.
A fim de atender aos desafios inerentes a essa função, o profissional pedagogo deve possuir uma formação consistente dentro do campo teórico-investigativo para que, ao passo que assume sua função no contexto escolar, possa se aprofundar naquilo que lhe cabe no campo de atuação ( PINTO, 2011 ). Contudo, observa-se que surgem inúmeras problemáticas que comprometem a ação didático-pedagógica: esse profissional tem assumido atribuições que não são de sua competência, ocasionando em situações de frustração e descontentamento com sua prática. Estas situações, por sua vez, desencadeiam a descaracterização da função e de sua identidade profissional ( HADDAD, 2016 ).
Essa problematização remete à importância da formação do pedagogo escolar como meio de incidir na qualificação da atuação cotidiana. Freire (1996) afirma que o “pensar certo” pressupõe uma disponibilidade à aceitação e ao risco do novo, que não pode ser acolhido ou negado somente por ser novo. Sob essa perspectiva, o entendimento é intrínseco ao pensar porque “[…] o entendimento, do ponto de vista do pensar certo, não é transferido, mas coparticipado” ( FREIRE, 1996 , p. 37).
Nesse sentido, a formação:
[…] não é uma resposta a um projeto ideal de escola, a uma organização ideal de currículo e a um perfil ideal de professores e alunos. Tem a ver, ao contrário, com as tensões, os desequilíbrios, os sofrimentos e os anseios que refletem as confusas relações entre as pessoas na escola e na sociedade […]. Essas realidades condicionam o conhecimento docente ao desenvolvimento da metacognição. ( PORTILHO; TESCAROLO, 2015 , p. 275).
Logo, o desenvolvimento metacognitivo na formação continuada, tanto de docentes como de pedagogos, perpassa a necessidade de uma melhor compreensão do que é metacognição e quais caminhos são necessários para sua identificação e evolução.
Metacognição e formação continuada
Flavell (1979) apontou o caráter promissor e emergente da metacognição, como conceito que contribuiria significativamente em estudos da teoria da aprendizagem social, da modificação comportamental e cognitiva, do desenvolvimento da personalidade, e, por fim, da educação. Sua obra surge em uma época em que a preocupação com a aprendizagem se voltou para a complexidade dos processos cognitivos, direcionando as pesquisas à metacognição como forma de compreensão e melhoria da aprendizagem ( RIBEIRO, 2003 ).
O marco inicial das pesquisas sobre metacognição foi o artigo de Flavell (1971) , intitulado “ What is memory development the development of ?” (ROSA et al. , 2020). Posteriormente aos achados de Flavell, diversos autores pesquisaram a metacognição como uma ideia oriunda de distintas epistemologias e tradições teóricas. É importante partir do pressuposto de que a metacognição se trata de um processo cognitivo básico, definido como
[…] um conhecimento a respeito do seu próprio processo cognitivo e produtos ou qualquer coisa relacionada a eles […] refere-se, entre outras coisas, ao monitoramento ativo e consequente regulação e orquestramento desses processos com relação a objetos cognitivos. ( FLAVELL, 1979 , p. 232, tradução nossa).
O conceito de metacognição utilizado neste artigo está baseado no modelo metacognitivo proposto por Mayor Sánchez, Suengas e González Marqués (1995). Estes autores concebem que a atividade metacognitiva possui os dois componentes básicos de todos os outros modelos epistemológicos – tomada de consciência e autocontrole –, mais um terceiro elemento denominado autopoiese.
A autopoiese ( MATURANA ROMESÍN; VARELA GARCÍA, 1997 , p. 9) surge de uma tentativa de “sintetizar ou resumir em uma expressão simples e evocadora, o que […] parecia o centro da dinâmica constitutiva dos seres vivos”. A compreensão da autopoiese em relação ao estudo dos seres vivos tem como cerne o “levar em conta sua condição de entes separados, autônomos, que existem como unidades independentes”. Sendo assim:
É a esta rede de produções de componentes, que resulta fechada sobre si mesma, porque os componentes que produz a constituem ao gerar as próprias dinâmicas de produções que a produziu e ao determinar sua extensão como um ente circunscrito, através do qual existe um contínuo fluxo de elementos que se fazem e deixam de ser componentes segundo participam ou deixam de participar nessa rede, o que neste livro denominamos autopoiese. ( MATURANA ROMESÍN; VARELA GARCÍA, 1997 , p. 15).
Portanto, como “[…] uma síntese entre a autogeração e a interação com o mundo” (MAYOR SÁNCHEZ; SUENGAS; GONZÁLEZ MARQUÉS, 1995, p. 56), a autopoiese é um componente fundamental da metacognição. É graças a ela que a pessoa que realiza a atividade metacognitiva pode estar consciente de si mesma, ter controle sobre si mesma e, indo mais além da consciência e do controle, pode construir-se a si mesma.
Diante disso, é importante a reflexão sobre o papel da metacognição na aprendizagem escolar ( GÓES; BORUCHOVITCH, 2020 ; LOCATELLI, 2014 ; PORTILHO; MEDINA, 2014 ) e da possibilidade do ensino metacognitivo aos estudantes, integrando o currículo escolar ( DUFFY, 2005 ; FLAVELL; MILLER; MILLER, 1999). Contudo, ainda há muito a caminhar na articulação entre habilidades metacognitivas e a formação continuada de profissionais da educação.
Grendene (2007) aponta que parte dos estudos sobre metacognição foi desenvolvida com crianças em idade escolar. Isso se deve ao fato de os estudos focarem em atividades básicas, como é o caso da leitura e da matemática. Entre diversos estudos que correlacionam metacognição e seus benefícios para a aprendizagem, Balçikanli (2011) cita um estudo que descobriu a relação do monitoramento metacognitivo com a aprendizagem de línguas. Aprendizes com maior sucesso estavam atentos aos processos dentro de seu próprio processo de aprendizagem, apoderando-se de estratégias para gerenciar sua própria efetividade na aprendizagem.
Contudo, observa-se que a metacognição não é normalmente relacionada ao desenvolvimento docente ou profissional nas pesquisas desenvolvidas ( DUFFY, 2005 ). Quando se fala em formação docente, refere-se a treinamento, fato este que carrega uma implicação de que a tarefa de ensinar é algo mecânico que acontece por meio da implementação de técnicas em determinado planejamento.
Há uma possibilidade de maior envolvimento do aprendiz quando se adotada uma abordagem metacognitiva durante a formação, já que
Na perspectiva metacognitiva, a formação continuada coloca o professor no centro de sua aprendizagem, pois oportuniza a reflexão sobre o que, como, quando e onde aprende. Esse movimento leva o docente a se instrumentalizar para atender as diferenças de aprendizagem de seus alunos. ( PORTILHO; MEDINA, 2014 , p. 236).
Nesse sentido, a literatura aponta que conhecer o que professores sabem acerca de seu próprio processo de ensino poderia ser um ponto de partida para a mudança na formação desses profissionais ( BALÇIKANLI, 2011 ). Essa premissa pode ser considerada quando se fala da atuação do pedagogo escolar, que deveria ter a tarefa de acompanhar os processos de aprendizagem dos estudantes e desenvolver programas de formação na escola que contribuíssem para o desenvolvimento da metacognição, oferecendo uma alternativa promissora, uma vez que o “pensar sobre o pensar” se opõe à mera conformidade técnica ( DUFFY, 2005 ) e se aproxima do desenvolvimento do pensamento crítico ( LOCATELLI, 2014 ).
Mayor Sánchez, Suengas e González Marqués (1995) afirmam que duas fases são necessárias em programas de formação que tenham como intuito o desenvolvimento de estratégias metacognitivas. A primeira diz respeito à intervenção dirigida externamente por meio de instruções, isto é, de “ensinagem”. A segunda é composta da participação mais ativa do sujeito, possibilitando assim o “aprender a aprender”, e o “aprender a pensar”. Essas duas fases, que combinam o papel do interventor com a atividade crescentemente autônoma do sujeito participante, teriam como objeto o desenvolvimento da metacognição por meio da utilização de estratégias de aprendizagem e pensamento, resultado da multiplicação entre a função do conhecimento (primeira fase) com a participação ativa do sujeito (segunda fase).
Dessa forma, acredita-se que não basta a constatação da importância da metacognição, mas, sim, que se faz necessário contribuir para a análise da atividade metacognitiva por meio da construção de instrumentos de avaliação, bem como para o desenvolvimento de programas de intervenção que objetivem a aquisição, o desenvolvimento e a aplicação de estratégias metacognitivas.
Instrumento de avaliação metacognitiva
Evidencia-se um desafio nesse campo: como detectar, assimilar ou até mesmo manipular essas estratégias metacognitivas. Esse problema “[…] surge da dificuldade intrínseca que existe para operacionalizar a atividade metacognitiva” (MAYOR SÁNCHEZ; SUENGAS; GONZÁLEZ MARQUÉS, 1995, p. 145), pois esta não é observável.
Em concordância com Vuckman (2005 apudGRENDENE, 2007 ), as maneiras mais comuns de se validar a metacognição têm sido os registros de observação e os informes verbais. Damiani, Gil e Protásio (2006) utilizaram essa forma de validação num estudo sobre a aplicação do conceito de metacognição como forma de auxiliar o processo de formação inicial de professoras em uma universidade pública brasileira. Alguns instrumentos estruturados também têm sido propostos, e, muitas vezes, focam em estratégias de tomada de decisão e resolução de problemas, ou em estratégias metacognitivas utilizadas pelos participantes.
Para Mayor Sánchez, Suengas e González Marqués (1995), pesquisadores confeccionam seus próprios instrumentos de avaliação de acordo com a abordagem e o referencial teórico de que partem. Assim, construir um instrumental de avaliação metacognitiva perpassa tanto os pressupostos teóricos quanto a intencionalidade da pesquisa. Um exemplo é o instrumental proposto por Balçikanli (2011) , que parte da premissa de que, se os professores conhecem seu próprio método de ensino, este seria um ponto de partida para a mudança em seu próprio desenvolvimento como professor. Sendo assim, o autor propõe um instrumento que propiciaria aos professores identificarem seu próprio nível metacognitivo de ensinar.
De acordo com Portilho (2009) , pesquisas desenvolvidas evidenciam que exercitamos a atividade metacognitiva, na maioria das vezes, de maneira inconsciente. Sendo assim, a aprendizagem pode se tornar mais significativa e explícita se tomarmos consciência e utilizarmos a autorregulação nas atividades desenvolvidas no cotidiano. Neste ponto, reside a importância da avaliação metacognitiva, pois, sendo essa utilização possível, leva o aprendiz a tomar consciência de suas fragilidades e fortalezas no processo de aprendizagem, com vistas à transformação.
A construção do instrumento utilizado no processo de pesquisa partiu do princípio de que a avaliação metacognitiva deve ser multidimensional e sistêmica (MAYOR SÁNCHEZ; SUENGAS; GONZÁLEZ MARQUÉS, 1995). Ou seja, ela precisa permitir a construção de instrumentos tão exaustivos e sistemáticos quanto forem necessários para que, a partir dessa avaliação, seja possível construir programas de intervenção para aplicar, desenvolver e possibilitar a aquisição de estratégias metacognitivas.
E o que são estratégias? Estratégias são o conjunto de procedimentos utilizados para se chegar a um objetivo, plano ou meta (MAYOR SÁNCHEZ; SUENGAS; GONZÁLEZ MARQUÉS, 1995). Estratégias de aprendizagem são, portanto, a sequência de “procedimentos utilizados para facilitar a aprendizagem” ( GÓES; BORUCHOVITCH, 2020 , p. 7). Sendo assim, é possível conceber que a utilização de estratégias de aprendizagem se relaciona com a capacidade que um indivíduo tem de selecionar qual o melhor procedimento em cada situação que exige determinado objetivo de aprendizagem ( PORTILHO; DREHER, 2012 ).
Logo, aprender envolve uma postura ativa. Essa premissa está baseada em três princípios:
[...] aprender é uma atividade primordialmente social; novas aprendizagens são construídas baseando-se no que já se sabe ou acredita; e a aprendizagem se desenvolve pelo emprego de estratégias flexíveis e efetivas, que contribuam para o entendimento, raciocínio, memorização e resolução de problemas. ( HATTIE, 2012 , p. 117, tradução nossa).
Logo, para Hattie (2012) , os estudantes precisam saber como planejar e monitorar suas aprendizagens, como corrigir seus próprios equívocos e como estabelecer suas próprias metas de aprendizagem. Para tanto, fazem-se necessárias estratégias cognitivas e metacognitivas ( GÓES; BORUCHOVITCH, 2020 ).
As estratégias cognitivas estão relacionadas às “ações realizadas no momento em que se precisa aprender um determinado conteúdo ou realizar uma dada tarefa” ( GÓES; BORUCHOVITCH, 2020 , p. 7). Elas levam o indivíduo a atingir objetivos cognitivos, como, por exemplo, distinguir, em um exercício de matemática, se determinada operação básica diz respeito a uma soma ou subtração.
Já as estratégias metacognitivas estão relacionadas ao “planejamento, ao monitoramento e à regulação da própria aprendizagem” ( GÓES; BORUCHOVITCH, 2020 , p. 8), e podem ser utilizadas antes ou depois das estratégias cognitivas. Hattie (2012) descreve o “pensar sobre o pensar” como uma das grandes estratégias de aprendizagem.
Precisamos desenvolver uma consciência do que estamos fazendo, para onde estamos indo, e como estamos indo; nós precisamos saber o que fazer quando nós não sabemos o que fazer. Essas habilidades de autorregulação, ou metacognitivas, são um dos objetivos finais de toda aprendizagem […]. ( HATTIE, 2012 , p. 102, tradução nossa).
Hattie (2012) faz recomendações para programas voltados ao “aprender a aprender”. Dentre elas, para se desenvolver a habilidade de pensar e estudar, faz-se necessário promover um alto grau de atividade nos aprendizes, assim como sua consciência metacognitiva. A partir dessa consciência, seria possível então a utilização das estratégias metacognitivas que, segundo Carrasco (2004 apudPORTILHO; DREHER, 2012 ), se referem a
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saber avaliar a própria execução cognitiva;
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saber selecionar uma estratégia adequada para solucionar determinado problema;
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saber dirigir, focar a atenção a um problema;
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saber decidir quando parar a atividade em um problema difícil;
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saber determinar a compreensão do que se está lendo ou escutando;
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saber transferir os princípios ou estratégias aprendidas de uma situação para outra;
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saber determinar se as metas ou os objetivos propostos são consistentes com suas próprias capacidades;
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conhecer as demandas da tarefa;
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conhecer os meios para chegar às metas ou objetivos propostos;
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conhecer as próprias capacidades e como compensar suas deficiências. (CARRASCO, 2004 apudPORTILHO; DREHER, 2012 , p. 185).
O instrumento empregado contém quinze afirmativas que buscam o reconhecimento da utilização de cinco estratégias cognitivas (reflexividade, consciência da realidade, verbalização, atenção e pensamento/atitude) e três dimensões metacognitivas (tomada de consciência, autocontrole e autopoiese) (MAYOR SÁNCHEZ; SUENGAS; GONZÁLEZ MARQUÉS, 1995; PORTILHO, 2009 ).
Para exemplificar as relações entre elas, o Quadro 1 demonstra cada uma das estratégias, tanto as cognitivas como as metacognitivas.
Ressalta-se que a intenção dessa divisão não corresponde a uma tentativa de atribuir uma lógica de causalidade entre as variáveis, mas, sim, ao apontamento do como a metacognição, como mais uma das atividades cognitivas (FLAVELL; MILLER; MILLER, 1999), está em constante relação com outras atividades cognitivas. Dessa forma, atribui-se às funções cognitivas uma forma de operar que é complexa e interrelacional, e não linear e fragmentada.
“Reflexividade” é concebida como a capacidade do sujeito de utilizar a reflexão em seu cotidiano, buscando ir além do dado apresentado. Já a “consciência da realidade” refere-se à atividade cognitiva que possibilita relacionar conhecimentos ao seu contexto de atuação profissional, vislumbrando articulações de como o self se projeta no mundo.
“Verbalização” indica a atividade cognitiva de expor ideias e conhecimentos por meio da fala, externalizando aquilo que se pensa, que se sente e que se espera. A “atenção”, de característica mais familiar, é a atividade cognitiva de estar presente em um determinado assunto ou momento, dando prioridade a tais situações em detrimento de outras ocorrências ao redor. Por fim, “pensamento/atitudes” diz respeito à atividade cognitiva que possibilita, para além da consciência da realidade, transpor conteúdos para a realidade de forma a sentir-se motivado com a idealização de ações que visam à transformação da realidade de atuação.
Metodologia
A pesquisa qualitativa, de abordagem fenomenológica-hermenêutica, almejou interpretar aquilo que a realidade comunicou, buscando sua transformação. Essa abordagem possibilita a busca do alcance do “sentido do texto penetrando no passado, na tradição, no outro, no diferente” ( TAQUETTE; BORGES, 2020 , p. 127). Isso implica dizer que não há participação neutra ou imparcialidade, sendo os pesquisadores figuras centrais no processo de descrição e interpretação dos dados.
Logo,
A formação continuada dos professores e sua prática pedagógica se fundamentam em três dimensões que caracterizam um paradigma emergente – identificar, analisar e operacionalizar sua ação – tendo em conta as variáveis localizadas no entorno do sistema (contextos político, social, econômico e cultural) […]. Tal constatação supõe o uso de instrumentos eficazes de descrição e interpretação das realidades sociais a partir da fenomenologia, como método de descrição, e da hermenêutica, como técnica de interpretação, dialeticamente estruturadas. ( PORTILHO; TESCAROLO, 2015 , p. 272).
Iniciou-se a pesquisa com a identificação do problema e seguiu-se para a análise dos dados oriundos dos instrumentos de pesquisa escolhidos (entrevista por meio de questionário semiestruturado e instrumento de avaliação metacognitiva) a partir do exercício da compreensão das relações entre os sujeitos e seu contexto de atuação, traçando leituras interpretativas possíveis dos fenômenos apresentados em forma de texto e de respostas quantitativas. Com base nisso, foi possível caminhar em direção à compreensão de meios possíveis para a qualificação tanto da mensuração das estratégias cognitivas e metacognitivas, quanto da prática e formação dos pedagogos participantes no contexto de atuação.
Os dados foram coletados durante sete encontros de um programa de formação continuada desenvolvido pelo Grupo de Pesquisa Aprendizagem e Conhecimento na Prática Docente da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR). Ao final de cada um, era entregue a cada participante o instrumento de avaliação metacognitiva, com vistas à identificação das estratégias utilizadas durante a reunião. A Tabela 1 apresenta a quantidade de participantes e o tema por encontro.
Dos vinte participantes iniciais, dezesseis pedagogos continuaram até o final. Esses profissionais eram oriundos de escolas públicas municipais e estaduais e de escolas privadas de diferentes segmentos de atuação (educação infantil, ensino fundamental I e II e ensino médio).
Em um primeiro momento (da entrevista realizada por meio do questionário semiestruturado), foram utilizadas, para esta pesquisa, duas questões: “Como você faz seu plano de ação e como organiza o seu trabalho pedagógico?” e “Quais desafios que você encontra na sua rotina diária?”. As duas questões foram selecionadas para identificar a percepção do pedagogo sobre a importância do planejamento pedagógico e a maneira como ele lida com desafios no contexto escolar. Tais percepções trouxeram elementos de análise que puderam elucidar estratégias e conhecimentos metacognitivos utilizados pelos participantes.
O instrumento metacognitivo possuía quinze situações referentes ao encontro vivido na formação continuada, com escala Likert para quatro itens, possibilitando ao respondente assinalar as alternativas “nunca”, “poucas vezes”, “muitas vezes” e “sempre”. Dessa forma, foi possível identificar como os pedagogos entendiam seu desempenho na utilização de estratégias cognitivas e metacognitivas por meio da somatória das respostas atribuídas a cada uma das questões. A partir do resultado, foi possível realizar a comparação percentual do resultado do grupo por encontro, nas categorias cognitivas e metacognitivas, permitindo o comparativo entre elas.
Por fim, a descrição dos fenômenos possibilitou realizar interpretações que buscaram uma relação entre bibliografia, dados e análises, com o intuito de identificar a percepção dos pedagogos sobre sua aprendizagem, oportunizando reflexões sobre a importância da capacidade de gestão da aprendizagem a partir de estratégias metacognitivas. Sendo assim, considerando que participaram dezesseis pedagogos, será utilizada uma nomenclatura específica – P1 a P16 – para cada fala descrita neste artigo, buscando identificar a especificidade de cada fala e, ao mesmo tempo, preservando a identidade dos participantes.
A pesquisa contou com a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisas com Seres Humanos da PUC-PR, por meio do Parecer nº 2.632.541.
Descrição e interpretação
Os resultados serão explicitados a seguir por meio de cada uma das estratégias metacognitivas (tomada de consciência, controle e autopoiese) e de sua relação com as estratégias cognitivas, todas elas analisadas a cada encontro, considerando a porcentagem de respostas atribuídas pelos pedagogos a cada assertiva contida no questionário.
Tomada de consciência
O Gráfico 1 apresenta as porcentagens relacionadas à tomada de consciência.
– Porcentagem de respostas, por encontro, relacionadas à estratégia metacognitiva “tomada de consciência”
Percebe-se que as dimensões da escala Likert “muitas vezes” e “sempre” foram as mais escolhidas pelos participantes em todos os encontros. A maior porcentagem na dimensão “muitas vezes” aconteceu no último encontro (53 por cento), que abordou a temática “avaliação e registro”. Na dimensão “sempre”, a maior porcentagem aconteceu no quinto encontro (46 por cento), que teve como temática o processo grupal. Já as dimensões “poucas vezes” e “nunca” tiveram maiores porcentagens no primeiro (16 por cento) e no terceiro encontro (17 por cento), que trouxeram como temáticas a formação continuada e a comunicação, respectivamente.
Tal resultado pode indicar que os participantes se identificaram com afirmativas relacionadas à tomada de consciência, inferindo que utilizaram tais estratégias durante os encontros formativos. Apesar disso, ressalta-se que, nesta categoria, houve as maiores porcentagens nas categorias “poucas vezes” e “nunca” em relação às categorias que serão apresentadas posteriormente.
Quando se analisam as estratégias cognitivas subjacentes às assertivas presentes no questionário relacionadas à tomada de consciência, percebe-se que a “consciência da realidade” obteve o maior número de respostas nas dimensões “muitas vezes” e “sempre” (99, ao todo), seguida de “pensamento/atitudes” (98) e “reflexividade” (93). A estratégia cognitiva que obteve maior número de respostas nas dimensões “nunca” e “poucas vezes” foi a “atenção”, com um total de 88 respostas.
Contudo, deve-se analisar esse fenômeno a partir de um ponto de vista crítico, já que os altos índices indicados pelos resultados estão atravessados pela subjetividade e voluntariedade inerente à característica auto-aplicativa do instrumento com escala Likert. Segundo Pasquali (2010) , tal escala serve para medir o nível de concordância do participante com uma série de objetos psicológicos, que podem indicar que o sujeito é favorável ou desfavorável a esses objetos representados no instrumento. Sendo assim, pode-se afirmar que o nível de concordância dos participantes com a estratégia metacognitiva “tomada de consciência” é consideravelmente alta, principalmente quando tal estratégia se relaciona com a reflexividade, com a consciência da realidade e com pensamentos e atitudes cotidianos.
Esse dado pode ter uma aproximação com o processo de assimilação e acomodação propostos pelo modelo piagetiano, no qual o sistema cognitivo adapta a realidade à sua própria estrutura e, simultaneamente, se adapta à estrutura do ambiente, caminhando dessa forma para a tomada de consciência (FLAVELL; MILLER; MILLER, 1999). Pensar que os participantes se reconheceram em tais estratégias cognitivas, que, por muitas vezes, são confundidas com a metacognição em si, pode indicar que a formação contribuiu para a possibilidade de os participantes se adaptarem – do ponto de vista cognitivo – a novas possibilidades, acenando para um caminho pelo qual pedagogos podem colaborar com sua equipe docente na promoção de habilidades metacognitivas.
Dessa forma, a compreensão dos participantes sobre seu próprio processo de tomada de consciência esteve mais próxima de sua percepção acerca da importância de pensar em suas próprias atitudes para, a partir disso, planejar a mudança. Tal compreensão esteve presente em algumas das respostas dadas à questão sobre como planejam seu cotidiano de trabalho, que evidenciaram como a motivação para a atuação pedagógica é prejudicada por variáveis cotidianas:
P1: Assim, a gente faz o cronograma, mas nem sempre a gente consegue seguir por conta dos imprevistos. Às vezes se planeja para aquela semana de sentar-se realmente com o professor, acompanhar o planejamento, olhar atividade de aluno, acompanhar como está esse processo, ver questão de avaliação. Mas às vezes naquela semana acontece alguma coisa e acabamos tendo que atender pais, fazendo outras coisas além daquilo que tínhamos previsto…
P3: A gente busca atender as necessidades da escola, traçar os objetivos diante das necessidades da escola que a gente encontra aqui, mas a gente encontra um distanciamento muito grande do nosso plano de ação para a nossa ação efetiva na escola.
Percebe-se, nas falas apresentadas, que os pedagogos compreendem a importância do planejamento, mas que as demandas cotidianas acabam por frustrar tais ações planejadas, chegando até ao ponto de se sentirem descaracterizados em suas funções. Os pedagogos reconhecem a importância da estratégia metacognitiva “tomada de consciência”; contudo, podem apresentar desafios para tal em decorrência da atuação cotidiana que os chama muito mais para a burocracia e intervenções descontextualizadas de sua função do que para o acompanhamento pedagógico próprio da profissão.
Logo, se tomarmos a reflexão como “[…] o processo mental de estruturar ou reestruturar uma experiência, um problema, conhecimentos existentes ou insights” (KORTHAGEN; WUBBELS, 1995, p. 55 apud RISKO; ROSKOS; VUKELICH, 2005, p. 321, tradução nossa), ou, conforme afirma Alarcão (1996 , p. 175), para a qual “[…] ser-se reflexivo é ter a capacidade de utilizar o pensamento como atribuidor de sentido”, essa estratégia cognitiva foi importantíssima para a assimilação e acomodação direcionada à tomada de consciência. Contudo, é evidente como, nas situações vivenciadas e relatadas, pode-se perceber o quão desafiador é, de forma deliberada e consciente, utilizar estratégias metacognitivas, já que a burocracia e demais desafios vivenciados levam pedagogos escolares a um automatismo, dificultando o caminho para se conhecerem as demandas e os meios para o cumprimento de tarefas e objetivos inerentes à atuação pedagógica, assim como suas próprias capacidades ( PORTILHO; DREHER, 2012 ), indo além das queixas.
É correto afirmar, então, que programas de formação que privilegiam a reflexividade e a articulação entre conhecimentos e a realidade vivida junto aos seus participantes podem também contribuir para a promoção de estratégias metacognitivas de tomada de consciência. Tal contribuição pode ser ampliada para a forma como docentes e estudantes lidam com sua aprendizagem, já que, quanto mais consciente da utilização de estratégias metacognitivas estiver o pedagogo, maiores as chances de se utilizar o desenvolvimento metacognitivo no cotidiano como apoio à aprendizagem e avaliação da aprendizagem ( DUFFY, 2005 ; FLAVELL, 1979 ; HATTIE, 2012 ).
Controle
O Gráfico 2 ilustra as porcentagens relacionadas às respostas dadas pelos pedagogos em relação à estratégia metacognitiva “autocontrole”.
– Porcentagem de respostas por encontro relacionadas à estratégia metacognitiva autocontrole
Percebe-se, em maior porcentagem do que no Gráfico 1 , que as dimensões da escala Likert “muitas vezes” e “sempre” foram as mais escolhidas pelos participantes em todos os encontros. A maior porcentagem na categoria “muitas vezes” aconteceu no penúltimo encontro (66 por cento), que teve como tema a mediação. Já na categoria “sempre”, a maior porcentagem aconteceu no terceiro encontro (46 por cento), que teve como tema a comunicação, assim como ocorreu na estratégia “tomada de consciência”. Já as dimensões “poucas vezes” e “nunca”, com menores porcentagens do que no Gráfico 1 , tiveram como maiores resultados os dois primeiros encontros (19 e 5 por cento, respectivamente).
Tal resultado pode indicar que os participantes se identificaram mais com afirmativas relacionadas à estratégia metacognitiva de “autocontrole” durante os encontros. Quando se analisam as estratégias cognitivas subjacentes às assertivas presentes no questionário relacionadas ao “autocontrole”, percebe-se que “pensamento/atitude” obteve o maior número de respostas nas dimensões “muitas vezes” e “sempre” (98), seguido de “consciência da realidade” (95) e “atenção” (93). A estratégia cognitiva que obteve maior número de respostas nas dimensões “nunca” e “poucas vezes” foi a “verbalização”, com um total de 26 respostas, seguido de “reflexividade”, com 22.
Considerar que as subestratégias cognitivas que tiveram maior número de respostas pelos participantes em autocontrole metacognitivo foram “pensamento/atitude”, “consciência da realidade” e “atenção” indica uma relação entre a forma como os pedagogos percebem sua participação nos encontros e a necessidade de desenvolvimento de tais estratégias para uma maior valorização da “[…] experiência como fonte de aprendizagem […]” e da “[…] metacognição como processo de conhecer o próprio modo de conhecer […]”, reconhecendo a necessidade de “[…] tomar em mãos a própria gestão da aprendizagem”( ALARCÃO, 1996 , p. 175).
Além disso, as estratégias metacognitivas de regulação ou controle são utilizadas para modificar condutas ou mantê-las, por meio do monitoramento que permite indicar se tal modo de lidar com determinada tarefa ou objetivo cognitivo é positivo ou necessita de mudança (GÓES; BUROCHOVITCH, 2020). Elas se aproximam da concepção de autoaprendizagem, na qual estudantes podem melhorar sua aprendizagem por meio da utilização de táticas que contribuam para a seleção das melhores estratégias cognitivas e metacognitivas, incluindo criar ambientes propícios para a motivação (MAYOR SÁNCHEZ; SUENGAS; GONZÁLEZ MARQUÉS, 1995).
Essa concepção dialoga com Portilho (2009 , p. 113) pois, quando se fala de controle, fala-se sobre a capacidade de dirigir a ação ao alcance de metas, apontando para a “[…] seleção das estratégias a serem utilizadas para que o objetivo proposto se realize”. Contudo, nas respostas dos pedagogos sobre seu próprio planejamento, assim como sobre como lidam com desafios em seu cotidiano, a utilização do autocontrole como estratégia metacognitiva, direcionada a atingir aquilo que o pedagogo escolar precisa acompanhar em sua função, fica na maioria das vezes em segundo plano, em decorrência do número de demandas e da falta de tempo:
P7: A gente faz um plano de ação em conjunto com as outras pedagogas, objetivando o atendimento aos professores, aos alunos, ao nosso trabalho nesse cotidiano de atendimento aos pais, bem como olhar toda a documentação que rege as normas da escola… Nem sempre a gente consegue levar esse plano de ação corretamente, mas a gente tenta.
P11: Meu Deus, no aperto do dia a dia. Plano de ação, até para a gente se juntar no dia a dia é difícil, o tempo é nosso inimigo, mas é via WhatsApp e não concretiza, sabe, nunca finaliza, sempre lembrando e registrando e trocando pelo WhatsApp e esporadicamente a equipe pedagógica da escola se reúne e a gente traça alguns planos de ações ali, mas nem sempre são concretizadas. É bem difícil a realidade que nós temos.
A partir de tais recortes, assim como das respostas contidas nos instrumentos de avaliação metacognitiva, percebe-se que há um distanciamento entre aquilo que os pedagogos percebem de seu processo metacognitivo e sua capacidade de aplicar tais estratégias de autocontrole no cotidiano de atuação. Os apontamentos de Libâneo (2011) sobre a importância dos aspectos cognitivos para o desenvolvimento profissional, assim como para uma proposta de educação para a contemporaneidade, são importantes na compreensão desses resultados. Quanto maior a demanda que descaracteriza a atuação dos pedagogos escolares, maior a probabilidade de atuação em urgências, prejudicando o planejamento cotidiano, imprescindível para uma atuação que privilegie o monitoramento metacognitivo destinado à regulação da conduta.
A metacognição se mostra como auxiliar na identificação de possibilidades de tomada de consciência e autorregulação diante de situações complexas como essa. Ela pode proporcionar a criação de estratégias de superação de tais desafios por meio de uma expertise adaptativa que define o que é ser metacognitivo, indicando um sentimento de estar no controle ( DUFFY, 2005 ), o que suscita a importância de se conhecer
[...] como se exerce esse controle e como se pode aprender a fazê-lo melhor. Isto se refere ao aspecto procedimental da consciência, que implica que aprendamos a realizar certas tarefas com nossos próprios recursos cognitivos, de maneira estratégica para atingirmos as metas determinadas. ( PORTILHO, 2009 , p. 112).
Logo, pode-se considerar que os desafios vivenciados por eles, oriundos das variáveis metacognitivas de contexto e atividade, tendem a distanciá-los do processo de monitorar seu próprio trabalho pedagógico, o que, consequentemente, dificulta o autocontrole e planejamento, com vistas ao sentido de novas aprendizagens e de metas estabelecidas – tais características relacionadas aos subcomponentes motivação e vontade (MAYOR SÁNCHEZ; SUENGAS; GONZÁLEZ MARQUÉS, 1995). Ou seja, há relação entre o desafio de utilização de estratégias metacognitivas de consciência e de controle, já que um dos passos para se estabelecer metas é justamente “tomar conhecimento e avaliar os planos para se atingir a meta” ( GÓES; BORUCHOVITCH, 2020 , p. 35).
Autopoiese
O Gráfico 3 ilustra as porcentagens relacionadas às respostas dadas pelos pedagogos em relação à estratégia metacognitiva “autopoiese”.
– Porcentagem de respostas por encontro relacionadas à estratégia metacognitiva “autopoiese”
Percebe-se, seguindo a tendência das respostas nas outras estratégias metacognitivas, que, novamente, as dimensões da escala Likert “muitas vezes” e “sempre” foram as mais escolhidas pelos participantes em todos os encontros, sendo a maior porcentagem na categoria “muitas vezes” no penúltimo encontro (72 por cento) e na categoria “sempre” no terceiro encontro (51 por cento). Já as dimensões “poucas vezes” e “nunca” tiveram os maiores resultados no primeiro e no terceiro encontro (21 e 7 por cento, respectivamente).
Quando se analisam as estratégias cognitivas subjacentes às assertivas presentes no questionário relacionadas à autopoiese, nota-se que a “atenção” obteve o maior número de respostas nas dimensões “muitas vezes” e “sempre” (92), seguido de “pensamento/atitude” (89) e “reflexividade” (83). A estratégia cognitiva que obteve maior número de respostas nas dimensões “nunca” e “poucas vezes” foi também a “verbalização”, com um total de 29 respostas, seguida de “consciência da realidade”, com 23.
Sobre tal incidência de respostas na estratégia “atenção”, assim como em “pensamento/atitude”, é possível inferir que os pedagogos, ao responder o instrumento, identificaram-se com as afirmativas que tiveram relação com a mudança ou transformação de sua realidade. A afirmação “Durante o encontro, prestei atenção em algo e fiquei motivado(a) a transpor para a realidade o que foi discutido”, que corresponde à autopoiese e à atenção, tem relação com a forma como os participantes lidam com seu cotidiano de atuação, em que não necessariamente superam todos os desafios, mas, sim, demonstram vontade de melhorar sua prática no contexto escolar:
P15: A cada início de ano o grupo escolar senta e define as ações do ano coletivamente, juntamente com o gestor e o coordenador vemos quais atividades serão desenvolvidas, como será conduzido o trabalho, como vai ser o acompanhamento da aprendizagem dos alunos, portanto é definido no início do ano traçando um plano com base no que foi feito no ano vigente, avaliamos o que deu certo e o que não deu.
P11: (sobre os desafios cotidianos) “Eu acho que indisciplina a cada dia, os fatores sociais, voltados ao social, esses desajustes sociais da família, que reflete no aluno. As dificuldades que os alunos trazem dos anos anteriores, de onde eles são egressos, é um desafio constante… Comportamento que não traz compreensão até a gente buscar, investigar o que aconteceu. Então assim, a escola é um espaço também para isso, de novidades cotidianamente, e a gente tem que buscar, parar, pensar e buscar…”.
Sendo assim, os participantes sinalizaram nos instrumentos, além da forma como concebem seu desempenho na aprendizagem durante os encontros, aquilo que almejam desenvolver e utilizar em seu cotidiano. Isso se deve ao movimento de pensar sua própria prática, proposta pelo processo formativo ( ALARCÃO, 1996 ; DUFFY, 2005 ; MAYOR SÁNCHEZ; SUENGAS; GONZÁLEZ MARQUÉS, 1995), que, assim como evidencia por vezes a pouca familiaridade, por parte de alguns participantes, com o processo de refletir sobre sua própria forma de aprender e realizar afazeres e atividades, também permite o autoconstruir-se a partir de um movimento interno, que se articula com a realidade externa. Essa característica está relacionada ao significado da palavra autopoiese: “o autofazer-se, a produção de si mesmo ou a auto-organização de um sistema orgânico” ( PORTILHO, 2009 , p. 113), que se define como
[...] um componente da metacognição tão básico como a consciência e o controle: graças a ele, a atividade metacognitiva não só é consciente de si mesma, não somente se controla a si mesma, como vai mais além da consciência e do controle, construindo-se a si mesma. (BRUNER, 1987 apud MAYOR SÁNCHEZ; SUENGAS; GONZÁLEZ MARQUÉS, 1995, p. 59, tradução nossa).
Em outras palavras, esse processo de reconhecimento das limitações evidenciado nos relatos, assim como as respostas dadas no instrumento, demonstram um movimento de abertura dos pedagogos escolares participantes que contribui com a continuidade do processo metacognitivo num sentido de transformação, e não de manutenção, de condutas. Esse movimento é preponderante na autopoiese enquanto dimensão do fenômeno metacognitivo, que estaria representada na abertura, adaptação e regulação por interação, promovidas pela experiência formativa vivenciada (MAYOR SÁNCHEZ; SUENGAS; GONZÁLEZ MARQUÉS, 1995).
Nesse sentido, o monitoramento metacognitivo poderá impactar e ser impactado pelas experiências metacognitivas vivenciadas durante os encontros formativos, num movimento dialético que contribui para a modificação de crenças que limitam o sentido de autoeficácia, importante para o controle e regulação direcionada ao alcance de metas e objetivos na prática pedagógica ( GÓES; BORUCHOVITCH, 2020 ; MAYOR SÁNCHEZ; SUENGAS; GONZÁLEZ MARQUÉS, 1995).
Considerações
A pesquisa demonstrou que, em um programa de formação continuada, sob uma perspectiva metacognitiva, os participantes podem refletir sobre sua atuação e, consequentemente, sobre sua aprendizagem durante os encontros e trocas de experiência vivenciadas, incidindo na consciência da utilização de estratégias cognitivas e metacognitivas. Isso decorre da evidência de que o monitoramento metacognitivo poderá impactar e ser impactado pelas experiências metacognitivas vivenciadas durante os encontros formativos, num movimento dialético, que contribui para a modificação de crenças que limitam o sentido de autoeficácia, importante para o controle e regulação direcionada ao atingimento de metas e objetivos na prática pedagógica.
Observou-se a importância do desenvolvimento de programas de formação iniciada para pedagogos que privilegiem estratégias do “pensar sobre o pensar”. Isso significa dizer que se faz necessário o desenvolvimento de uma “expertise adaptativa”, um sentimento de estar no controle, habilidade metacognitiva indispensável em um cenário de constante incerteza vivenciado pelos pedagogos escolares em seu cotidiano de atuação.
Há a necessidade de maiores pesquisas sobre a perspectiva de desenvolvimento de estratégias metacognitivas na formação inicial e continuada de pedagogos, a fim de contribuir para novas práticas que qualifiquem processos pedagógicos e impactem positivamente a aprendizagem dos estudantes.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
13 Fev 2023 -
Data do Fascículo
2023
Histórico
-
Recebido
07 Fev 2021 -
Revisado
06 Maio 2021 -
Aceito
21 Jun 2021