Resumo
Este trabalho focaliza a imagem Ceci n’est pas vingt cents, que circulou nos protestos de junho de 2013, como parte dos eventos que marcaram esse acontecimento. A imagem é uma releitura do quadro La trahison des images (1928/1929), de René Magritte, conhecido pelo enunciado que o integra, Ceci n’est pas une pipe. A investigação trabalha o conceito de estranho em Freud (1969), relacionado com o que mobiliza a produção de linguagens e com o que escapa ao discurso e, na tradição da Análise de Discurso de orientação francesa, examina a imagem como lócus de uma memória discursiva. O artigo mobiliza também leituras de Foucault (2001), que desnaturaliza a função da linguagem na obra de Magritte; e de Lacan (2005) sobre o objeto a - que mobiliza o dizer, mas está invisível nele. A análise permitiu aferir a imagem como uma materialidade significante que evidencia o deslocamento discursivo para a produção de novos sentidos.
Palavras-chave: Memória discursiva; Análise do discurso; Protestos
Abstract
This work focuses on the image Ceci n'est pas vingt cents, which circulated in the protests of June 2013, as part of the events that marked this episode. The image is a re-reading of the painting La trahison des images (1928/1929), by René Magritte, known by the statement that integrates it, Ceci n'est pas une pipe. The research works on Freud's (1969) concept of odd, related to what mobilizes the production of languages and what escapes the discourse, and in the tradition of French-oriented Discourse Analysis, examines the image as a locus of a memory discourse. The article also mobilizes readings by Foucault (2001), who denatures the function of language in Magritte's work, and by Lacan (2005) on object the [a] - which mobilizes the saying, but is invisible in it. The analysis allowed gauging the image as a significant materiality that evidences the discursive displacement to the production of new senses.
Keywords: Discursive memory; Discourse analysis; Protests
Resumen
Este trabajo tiene foco en la imagen Ceci n’est pas vingt cents, que circuló en las protestas de junio de 2013 como parte de los eventos que marcaron ese acontecimiento. La imagen es una relectura del cuadro La trahison des images (1928/1929), de René Magritte, conocido por el enunciado que lo integra, Ceci n’est pas une pipe. La investigación trabaja el concepto de extraño en Freud (1969), relacionado con lo que moviliza la producción de lenguajes y con lo que escapa al discurso, y en la tradición del Análisis de Discurso de orientación francesa, examina la imagen como locus de una memoria discursiva. El artículo moviliza también lecturas de Foucault (2001), que desnaturaliza la función del lenguaje en la obra de Magritte; y de Lacan (2005) sobre el objeto la [a] - que moviliza el decir, pero está invisible en ello. El análisis ha permitido evaluar la imagen como una materialidad significante que hace evidente el desplazamiento discursivo para la producción de nuevos sentidos.
Palabras-clave: Memoria discursiva; Análisis del discurso; Protestas
Não descobrimos, pois, o real: a gente se depara com ele,
dá de encontro com ele, o encontra.
(PÊCHEUX, 1990, p. 29)
1 O “ESTRANHO” OBJETO NOS PROTESTOS DE JUNHO DE 2013
A palavra estranho, neste artigo, desloca-se de sua função adjetiva e adquire a noção de um conceito. O estranho objeto, que não se enquadra nas representações da linguagem, é articulado com base na noção desenvolvida por Sigmund Freud em O estranho (Das Unheimliche), de 1919, no qual o conceito adquire o sentido paradoxal de estranho familiar. O termo alemão Das Unheimliche tem vários sentidos, no entanto, “de fato, o adjetivo ‘unheimlich’, de uso corrente, revela sentimentos paradoxais, e alia o familiar - heimlich - e o não familiar - un-heimlich -, ou seja, o estranho” (QUINODOZ, 2007, p. 185). Em Freud (1969, p. 297), “o estranho é aquela categoria do assustador que remete ao que é conhecido, de velho, e há muito familiar”. Esse conhecido a que Freud faz referência é, também, o que foi recalcado e retorna. Como mostra Garcia-Rosa (2003, p. 24), “o estranho é algo que retorna, algo que se repete, mas que, ao mesmo tempo, se apresenta como diferente”.
O objeto de que trata este artigo está inserido no contexto de sucessivas manifestações, desde 2011, que se espraiaram do Oriente ao Ocidente. Começando pelo norte da África - na Tunísia, no Egito, na Líbia e no Iêmen -, derrubando ditaduras. Depois, os indignados da Europa, as revoltas dos subúrbios de Londres, o grito dos estudantes no Chile e os protestos do Occupy Wall Street, nos Estados Unidos. Como não ver desejos mobilizados em redes difusas, rizomáticas, ou mesmo não sentir vertigem diante de muitos enunciados sem territorialidade e que poderiam ser de protestos de diferentes lugares?
No Occupy Wall Stret, um rapaz levanta um cartaz: “Estão nos perguntando qual é o nosso programa. Não temos programa.” (ŽIŽEK, 2012, p. 16). Poderia, tranquilamente, ser um cartaz de um dos manifestantes de junho de 2013 no Brasil. Há, em certa medida, cólera contra a época, um gesto de resistir ao jogo que está sendo jogado que pode ser sentido em diversos lugares, como um estranho objeto que não se enquadra nos modelos já conhecidos de fazer política e de promover manifestações. Uma sequência de mobilizações marcadas por uma diferença em curso.
Não teríamos nos protestos de junho de 2013 algo similar? Não haveria algo que se repete, que nunca se encaixa completamente nas materialidades significantes? Luta pela redução de R$ 0,20 da tarifa de ônibus; contra a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 37; por mais educação e saúde; pelo fim da corrupção; até a variada temática de demandas específicas das cidades por onde as mobilizações se espalharam. Há, em todas as manifestações, sempre um tema a mais, como se todos os enunciados marcassem o retorno de um estranho objeto que ignora completamente o gesto de simbolização. É como se os territórios conceituais, que têm a função de sustentar a realidade - as balaustras sólidas no mirante social -, perdessem sua capacidade diante de um movimento estranho que não se deixa representar.
Esse a mais observado na variação dos temas vem como expressão desse objeto inquietante que mobiliza o sujeito, que o faz existir na busca desse desconhecido. Na abordagem psicanalítica, esse objeto aparece na teoria de Jacques Lacan como objeto a: “A demanda surge inevitavelmente no lugar do que é escamoteado, a, o objeto” (LACAN, 2005, p. 77). A demanda surge no que ali está para além dos objetos parciais e falta ao sujeito.
O que salta aos olhos na série de mobilizações de junho de 2013 é a maneira como esse objeto estranho se dá a ver. É o que torna a linguagem sempre vertiginosa, na qual o movimento contínuo de representar o que sempre escapa constitui a presença de algo assignificante. Um eterno retorno do que não pode integrar-se ao simbólico. As marcas de algo que sempre retorna (repetição) e se manifesta (atualiza) na diferença (atual) - na qual se busca investigar essa diferença irredutível nas tramas, nos protestos de junho de 2013 - é também o que faz de todo o tempo presente um tempo subjetivo.
Esse a mais é analisado pela via da análise do discurso francesa por intermédio da materialidade de duas imagens: a pintura de René Magritte conhecida popularmente no Brasil como Isto não é um cachimbo e a imagem digital que circulou nas redes sociais durante os protestos e se apresenta como uma releitura, sob o nome que poderíamos traduzir como Isto não são vinte centavos. Isso que fica sempre faltando no dizer, mas que o mobiliza, adquire, em Pêcheux (1990), a forma de real, como consta da epígrafe deste trabalho.
A imagem Ceci n’est pas vingt cents é tomada aqui como uma materialidade significante, inserindo essa análise numa investigação teórico-metodológica que vem sendo desenvolvida com destaque por Lagazzi (2010). A analista do discurso tem realizado estudos com diferentes materialidades, nos quais procura “compreender funcionamentos do social em composições contraditórias” (LAGAZZI, 2010, p. 173). Nessa perspectiva, Ceci n’est pas vingt cents como materialidade significante é tomada como um dos eventos de uma série que funda o acontecimento de junho de 2013.
Na imagem, é evidenciada a contradição constitutiva da relação entre materialidade significante e história, seja na relação da releitura de uma obra de arte, separando a materialidade e a história no tempo histórico e no campo discursivo em que cada uma se insere, seja naquilo que fica sempre faltando dizer de uma sucessão de protestos e pelo qual a nova imagem se configura como uma das materialidades discursivas.
Unindo-se à abertura para a análise de diferentes materialidades discursivas, Orlandi (2004) ressalta a interpretação, buscando “pensar os diferentes gestos de interpretação, uma vez que as diferentes linguagens, com suas diferentes materialidades, significam de modos distintos.” (ORLANDI, 2004, p. 9).
Assim, pretende-se, neste artigo, interpretar, via análise do discurso, a imagem que circulou pelas redes sociais durante os protestos de junho de 2013 como um dos eventos pelos quais se processa o discurso e se determina o que pode e não se ler e dizer. Nesse caminho, “a imagem seria um operador de memória social” (PÊCHEUX, 1999, p. 51). No gesto de releitura da obra Ceci n’est pas une pipe, a nova imagem funciona como um operador de uma memória discursiva4 que vai sendo atualizada ou esquecida de acordo com os processos discursivos. Como observa Indursky (2011, p. 86), a memória discursiva “diz respeito à existência histórica do enunciado no seio de práticas discursivas reguladas pelos aparelhos ideológicos”. Neste trabalho, é a imagem que tem uma existência histórica e que passa a ser regulada por deslocamentos discursivos.
2 DUAS IMAGENS NA MESMA DISCURSIVIDADE?
Ceci n’est pas une pipe. A afirmação funciona como uma contradição na pintura de Magritte, em cujo plano de expressão explode, um pouco acima da inscrição, a imagem de um cachimbo com traços realistas. É sobre esse mesmo movimento de contradição no interior de um regime discursivo que circula essa análise, partindo de uma releitura do quadro La trahison des images (1928/1929), de René Magritte. Na nova imagem, vê-se a afirmação Ceci n’est pas vingt cents saltando aos olhos na imagem de quatro moedas de cinco centavos.
A releitura circulou pelas redes sociais, sobretudo pelo Facebook, mas também em blogs durante os protestos de junho de 2013, quando o Movimento Passe Livre (MPL) promoveu, começando por São Paulo, uma luta organizada contra o aumento de 20 centavos nas tarifas do transporte público. Mas não demorou muito para o país ser sacolejado por manifestantes de sul a norte, de leste a oeste, sem, dessa vez, uma pauta específica que unificasse as manifestações.
3 A IMAGEM COMO DISCURSIVIDADE
A releitura do quadro de Magritte é aqui tomada como discursividade. Ou seja, o que está em questão é seu funcionamento na produção de sentido. Mais do que sua composição, marcada pela diferença visual e verbal, as condições de produção ligam a imagem a sua exterioridade. Orlandi (2006, p. 16) afirma:
Esta ligação [ligá-lo a sua exterioridade], no entanto, não coloca o texto [imagem] como um documento no qual veríamos ilustrados os sentidos já constituídos em outro lugar, mas como monumento, como diria Foucault, em que a própria textualidade traz nela mesma sua historicidade, isto é, o modo como os sentidos se constituem, considerando a exterioridade inscrita nela e não fora dela.
Assim, a relação contraditória, nesse recorte, é o motor do efeito de sentido não somente no interior da imagem, mas produzido nessa exterioridade interior, dada pelas condições de produção que determinam o já lá do sentido construído historicamente. Aqui, aderimos às pistas de Pêcheux sobre o On a gagné (Ganhamos), que “‘faz trabalhar’ o acontecimento (o fato novo, as cifras, as primeiras declarações) em seu contexto de atualidade e no espaço de memória que ele convoca e que já começa a reorganizar.” (PÊCHEUX, 1990, p. 19). Seria prematuro, contudo, tomar a imagem Ceci n’est pas vingt cents como um acontecimento discursivo tal qual Pêcheux analisou o On a gagné na vitória de François Mitterrand nas eleições de 1981, na França. Não há dúvida de que, de início, somos seduzidos a esse passo, sendo percebido de forma literal o movimento de reprodução e de transformação.
Nesse espaço do óbvio, a forma literal de perceber a reprodução/transformação de uma obra de arte para uma imagem de protesto do primeiro gesto de interpretação conduz, ao contrário, a um acontecimento enunciativo, entendendo que a mudança não pressupõe a abertura de uma nova formação discursiva. Para fazer funcionar assim a análise de discurso, a começar por esse primeiro gesto de leitura, parece fundamental descrever/interpretar sua projeção com base em determinada formação discursiva, como a materialização, na linguagem, das formações ideológicas.
4 ISTO NÃO É UM CACHIMBO E CECI N’EST PAS VINGT CENTS ECOAM A MESMA FORMAÇÃO IDEOLÓGICA?
Para Pêcheux (1995, p. 160), as formações discursivas constituem aquilo que, “numa formação ideológica dada, isto é, a partir de uma posição dada numa conjuntura dada, determina o que pode e deve ser dito”. Os indivíduos então passam a ser interpelados em sujeitos-falantes pelas formações discursivas, “que representam na linguagem as formações ideológicas que lhes são correspondentes” (PÊCHEUX, 1995, p. 161).
Ora, ao tomar a releitura como uma textualidade, ou seja, como uma materialidade específica do discurso, há certa regularidade no dizer que evoca uma posição do sujeito numa formação discursiva que, por sua vez, determina o seu dizer. Há, na releitura, identificação (estabilização) de sentido (sentido do quadro de Magritte e sentido da releitura), fazendo funcionar, na afirmação/contradição (texto/imagem), uma negação em relação a outros discursos, como se a própria tensão interna fosse também o dado a ver de um movimento de luta de classes.
Tomemos o discurso do comentarista do Jornal da Globo Arnaldo Jabor, que, no dia 12, seis dias após o primeiro protesto nas escadarias do Theatro Municipal de São Paulo, comparou as ações do MPL com as do Primeiro Comando da Capital (PCC) - comentário noticiado pela mídia corporativa5 como criminoso:
Mas, afinal, o que provoca um ódio tão violento contra a cidade? Só vimos isso quando a organização criminosa de São Paulo queimou dezenas de ônibus. Não pode ser por causa de 20 centavos. A grande maioria dos manifestantes são filhos de classe média, isso é visível. Ali não havia pobres que precisassem daqueles vinténs, não. Os mais pobres ali eram os policiais apedrejados, ameaçados com coquetéis-molotovs, que ganham muito mal6.
Podemos considerar que o efeito de sentido da releitura está associado, em certa medida, a outros dizeres determinados pelas condições de sua produção. Assim, teríamos dois deslocamentos de sentido: o primeiro relaciona a obra à releitura; e o segundo, o que a mobilizou, refere-se ao jogo de luta de classes, no qual se configura o complexo de formações discursivas, definido aqui pelo recorte do comentário de Jabor: “Eles são a caricatura violenta da caricatura de um socialismo dos anos 50 que a velha esquerda ainda defende aqui. Realmente, esses revoltosos de classe média não valem nem 20 centavos”7.
A luta de classes aparece enunciada, de forma explícita, no discurso do próprio comentarista, ao produzir sentido como o outro no confronto (que desestabiliza o sentido dominante), do que é ser de esquerda. A luta ideológica materializa-se nos discursos sob determinadas condições de produção.
O acontecimento da releitura está relacionado, enquanto plano de expressão, com o quadro de Magritte, o que nos leva a observar certa identificação dos sentidos entre quadro e imagem.
5 ISTO NÃO É UM CACHIMBO E O EFEITO MÜNCHHAUSEN
O filósofo francês Michel Foucault destaca do quadro de Magritte um ponto que vem ao encontro da análise da releitura: “Ele me parece ser feito dos pedaços de um caligrama desfeito. Sob as aparências de um retorno a uma disposição anterior, ele retoma suas três funções, mas para pervertê-las, e perturbar com isso todas as correspondências tradicionais da linguagem e da imagem.” (FOUCAULT, 2001, p. 251).
Figurar e dizer, dois movimentos presentes na obra de arte, deveriam, no esperado, funcionar como num caligrama, por tautologia, mas, ao criar tensão entre os dois, parecem desmontar a função da ideologia dominante. Isto não é um cachimbo vem logo abaixo da imagem realista de um cachimbo, como se quisesse denunciar (desfetichizar) um processo de naturalização da linguagem (fetichização).
Seria como a cabeça do Barão de Münchhausen suspensa do próprio corpo? No filme O (re)encontro do Barão de Münchhausen com o rei da Lua, de 1988, do diretor Terry Gilliam, funciona esse lugar de desnaturalização. Nesse caso, a crítica é para o lugar ocupado pela razão no auge do pensamento iluminista, no século XVIII. Quando o barão interroga a cabeça suspensa do corpo, mas integrada à lua, se está um tanto desconfortável, é então surpreendido: “Nada! Não está vendo que estou integrado ao cosmo? [...] Aquilo que não conheço eu crio”.
Pêcheux usa como ironia outra passagem das aventuras do barão para nos falar do efeito Münchhausen: “Vamos nos deter, propondo atribuir a esse efeito fantástico - pelo qual o indivíduo é interpelado em sujeito - o nome de ‘efeito Münchhausen’, em memória do imortal barão que se elevava nos ares puxando-se pelos próprios cabelos” (PÊCHEUX, 1995, p. 157). Suspender-se pelos ares é, também, o “sujeito como origem do sujeito, isto é, no caso de que estamos tratando, colocando o sujeito do discurso como origem do sujeito do discurso.” (PÊCHEUX, 1995, p. 158).
O descompasso das aventuras do barão com a crença da ciência do século XVIII, na efervescência da filosofia moderna de desenvolver um saber para além da ideologia, como se se pudesse tocar o real, é apropriado por Pêcheux (1995) como o sujeito que não percebe o que o mantém suspenso, ou seja, a ideologia.
A ideologia, para Pêcheux, com base em Althusser, “não possui um exterior (para si mesma) mas [...] ao mesmo tempo ela é exterioridade (para a ciência e para a realidade)” (PÊCHEUX, 1995, p. 177, grifos do original). Isso leva-nos a entender que a releitura não pode acontecer fora de uma posição ideológica.
Assim, a releitura da pintura de Magritte não é somente uma modificação nos dois campos de visibilidade (figurar e dizer), porém muito mais. Trata-se de uma mudança de posição do sujeito.
6 ISTO DENTRO E FORA DO QUADRO E DA IMAGEM
Tomemos o pronome demonstrativo isto (ceci), que abre as afirmações na obra de Magritte e na releitura. Os pronomes demonstrativos situam, na língua, os seres no tempo e no espaço. Essa regra da gramática tem valor semelhante para a análise do discurso, acrescido de que para a segunda o sujeito está implicado na língua, que, por sua vez, materializa a ideologia. Assim, seria mais correto dizer que o caminho é invertido: o sujeito da e na língua é determinado por sua posição ideológica, quando a língua determina somente os seres da gramática no tempo e no espaço.
Convém agora interrogar, primeiramente, a função do isto na obra de Magritte. Foucault (2001, p. 252-253) dá a chave desse processo:
“Isto” (este desenho que você vê e do qual, sem dúvida alguma, reconhece a forma) “não é” (não está substancialmente ligado a..., não é constituído por..., não recobre o mesmo material que...) “um cachimbo” (quer dizer que essa palavra que pertence à sua linguagem, feita de sonoridade que você pode pronunciar, e que traduzem as letras que você está atualmente lendo).
Nesse primeiro gesto de leitura, Foucault (2001) mostra a contradição entre figurar e dizer no quadro. Isto não é um cachimbo poderia ser lido, simplesmente: não é um cachimbo, mas isto funciona como um indiciamento para o nosso olhar se mover para a forma cachimbo, e daí vem a afirmação de que não há nada além da imagem. Isto afirma que aquilo não é um cachimbo.
Mas outra leitura poderia ser feita:
“Isto” (este enunciado que vocês estão vendo se ordenar sob seus olhos em uma linha de elementos descontínuos, e do qual isto é ao mesmo tempo o designante e a primeira palavra) “não é” (não poderia equivaler nem tomar o lugar de..., não poderia representar adequadamente...) “um cachimbo” (um dos objetos que vocês podem ver, ali, acima do texto, uma figura possível intercambiável, anônima, portanto inacessível a qualquer nome (FOUCAULT, 2001, p. 253).
Nesse segundo gesto de leitura, a contradição (mesmo que Foucault negue esse termo) não diz respeito a uma referência, mas simplesmente à diferença dos significantes linguístico (isto) e icônico (imagem), em que um não pode, nunca, ocupar/representar o lugar do outro, cujo valor se dá pela diferença, como demonstra Foucault (2001): /isto... / [a afirmação] não é [a imagem].
A operação, por fim, diz Foucault (2001), fez com que a pintura cessasse de afirmar. Mas não seria o inverso dessa operação o discurso na releitura dos protestos de junho de 2013?
Tomemos agora a imagem com a afirmação Isto não são vinte centavos e acima os elementos plásticos com a figuração de quatro moedas somando 20 centavos, alternadas entre cara e coroa. Diferentemente da imagem de um cachimbo e da palavra cachimbo, temos quatro imagens de moedas que só poderiam representar R$ 0,20 na soma. Intensifica-se mais ainda essa lógica ao passo que os elementos plásticos são representados de forma alternada entre cara e coroa.
À análise deve-se, talvez, proceder não pela tensão entre os elementos linguístico e plástico que compõem a mesma imagem, mas por sua função indiciária (exterioridade), que caracteriza a releitura, de que isto não é o quadro de Magritte, ao passo que esse jogo de presença e ausência passa a ter outro sentido na posição ocupada pelo autor (função-autor). Ceci n’est pas vingt cents poderia agora ser lido como: nossa luta não é pelos R$ 0,20, mas pelo “transporte [gratuito] como direito, aliás fundamental para a efetivação de outros direitos, na medida em que garante o acesso aos demais serviços públicos”8 (JUDENSNAIDER et al., 2013, p. 16), no entanto nota-se que, além do valor da tarifa do transporte, havia um a mais anunciado pelo pronome demonstrativo isto. A imagem colocava os sujeitos diante de um deslocamento de sentidos. Ela fazia circular a memória discursiva de uma conhecida obra de arte, ao mesmo tempo que produzia um novo sentido.
Nessa releitura, que não funciona como paráfrase, impõem-se necessariamente relações de contradição, e se “abre possibilidade de deslocamento porque expõe o sujeito ao sentido” (LAGAZZI, 2010, p. 181). Esse deslocamento tem relação com o estranho, já citado, e também com a falta que mobiliza o sujeito e produz deslocamento na cadeia significante. Retorna-se novamente ao texto de Lagazzi (2010), quando apresenta a fórmula de Lacan - “o deslocamento é uma metonímia” -, o qual expressa que “o desejo de outra coisa é o que falta sempre” (LAGAZZI, 2010, p. 180). Logo, a imagem organiza a relação do sujeito com a falta e com o desejo, pelos quais o sentido se formula a partir das materialidades significantes. As inquietações acerca da representação no campo da arte produzidas por Magritte em 1928/29 naquele contexto específico não foram necessariamente lembradas na produção desse novo sentido; antes, a memória discursiva foi mobilizada para, em outro contexto, dizer sobre o indizível nos protestos de 2013.
Há sempre outra cena a que o discurso se refere. Essa outra cena, que na psicanálise diz respeito ao inconsciente, para a análise do discurso constitui o interdiscurso, ou seja, o já-dito, no sentido de um dizer que antecede o próprio sujeito assujeitado à língua, na ideologia, por meio das formações discursivas. Nessa teia discursiva, pouco importa se a releitura é anônima (embora a própria assinatura de Magritte integre a nova imagem), já que o sujeito decorre de uma posição e, na imagem em questão, funciona na posição discursiva em que o MPL está inscrito.
Há a função-autor na releitura, e seu sentido está previamente demarcado, estruturando a posição do sujeito do discurso. Para Orlandi (2001), na produção do discurso há a inscrição do “outro”, para quem se endereça a produção de sentido, e a função-autor tem seu duplo efeito-leitor.
Não se pode falar do lugar do outro; no entanto, pelo mecanismo da antecipação, o sujeito-autor projeta-se imaginariamente no lugar em que o outro o espera como sua escuta e, assim, “guiado” por esse imaginário, constitui, na textualidade, um leitor virtual que lhe corresponde, com um seu duplo. (ORLANDI, 2001, p. 61)
Há em Ceci n’est pas vingt cents identificação com a discursividade do MPL. Há uma forma-sujeito (Althusser) que constitui o imaginário (Lacan) em que o sujeito do discurso está implicado, o que nos leva a articular o sujeito como efeito de discurso. Temos aqui uma relação com a tese de Foucault (2001) à obra de Magritte, de que é a ausência de lugar-comum que passa a sustentar a tensão entre os elementos do quadro. Somos tentados a dizer que é na luta de classes, ou, para dizer de outro modo, que é na tensão entre diferentes posições de sujeito, sustentadas pelo complexo de formações discursivas, que o sujeito do discurso se sustenta, ou seja, como um efeito (ou, em termos lacanianos, como semblante do outro).
Se há um gesto de leitura (recorte) na releitura do quadro de Magritte, o sentido constitui-se como um feixe (efeito de completude) na sua relação de luta de classes. Um bom exemplo disso é o caso já citado do comentarista do Jornal da Globo Arnaldo Jabor, ocupando uma posição ideológica nos protestos de junho de 2013.
Poderíamos interrogar: a quem Jabor está servindo? De quem ele se projeta como representante? Não basta dividir a sociedade entre aqueles que enfrentam os governantes e aqueles que os defendem. Retomemos uma parte já citada: “Eles são a caricatura violenta da caricatura de um socialismo dos anos 50 que a velha esquerda ainda defende aqui”9.
Ora, quando Jabor diz que aqui ainda se defende uma caricatura violenta da velha esquerda, é, sobretudo, aos governos de Luiz Inácio Lula da Silva, presidente de 2003 a 2011, e de Dilma Rousseff, presidente de 2011 a 2016, ambos do Partido dos Trabalhadores (PT), que ele se refere.
Não seria isso que Pêcheux quis nos dizer quando falou do caráter material do sentido?
O sentido de uma palavra, de uma expressão, de uma proposição, etc., não existe “em si mesmo” (isto é, em sua relação transparente com a literalidade do significante), mas, ao contrário, é determinado pelas posições ideológicas que estão em jogo no processo sócio-histórico no qual as palavras, expressões e proposições são produzidas (isto é, reproduzidas) (PÊCHEUX, 1995, p. 160, grifo do original).
Tomemos o texto A derrubada do aumento: uma narrativa política, em que os autores descrevem os passos, dia após dia, do MPL durante os protestos, de 6 a 19 de junho, e a repercussão na grande mídia comercial. Ao apresentar o discurso de Jabor, os autores localizam o articulista: “Já no Jornal da Globo, o comentarista ultraconservador Arnaldo Jabor faz longo comentário que prepara a recepção dos protestos do dia seguinte” (JUDENSNAIDER et al., 2013, p. 81). Na sequência vem o texto já reproduzido, em parte, neste artigo.
Se, por um lado, Jabor posiciona os manifestantes do MPL como “a caricatura violenta da caricatura de um socialismo dos anos 50 que a velha esquerda ainda defende aqui”, por outro o discurso dos autores, em sintonia com o MPL, posiciona o comentarista como ultraconservador. É nessa relação que o sentido faz sentido, estando, antes mesmo de ser materializado, presente no complexo de formações discursivas.
Ora, evidencia-se que o comentário de Jabor no Jornal da Globo, em 13 de junho de 2013, está inscrito em uma formação discursiva que, ao mesmo tempo que busca encobrir a luta de classes, se constitui como dominante.
7 DUAS IMAGENS, UM ACONTECIMENTO
Retomemos o efeito Münchhausen. Estar suspenso nos ares pelos próprios cabelos pode ser o mesmo que estar alienado à força que faz gravitar, ou que naturaliza a realidade construída. A releitura, aqui, pode funcionar nesse lugar, alienada à formação discursiva? Há sempre outra cena que nos move, a do interdiscurso.
Se a identificação da releitura com a obra de Magritte e, ao mesmo tempo, com o MPL se destaca, isso leva-nos a defender a tese de que estamos diante de um acontecimento discursivo. O processo é bem diferente do exemplo citado por Pêcheux, de On a gagné, em que o “grito marca o momento em que a participação passiva do espectador-torcedor se converte em atividade coletiva gestual e vocal, materializando a festa da vitória da equipe, tanto mais intensamente quanto era mais improvável.” (PÊCHEUX, 1990, p. 21).
O improvável pode ser lido como um processo de desidentificação da forma-sujeito-eleitor. Ou seja, a formação discursiva constitui o território do interdiscurso, do que pode ser dito em determinada posição discursiva. É o rompimento de uma estrutura, caracterizando um acontecimento discursivo, com a abertura para uma nova estrutura.
Quando Marcelo Pomar (2013), que participou da fundação do MPL, faz um panorama histórico do movimento destacando a Revolta do Buzu, de Salvador, em 2003, passando pela Revolta da Catraca, de Florianópolis, em 2004, com a defesa pela lei do passe livre, depois a participação no Fórum Social Mundial de 2005, em Porto Alegre, etc., ele acaba materializando um campo discursivo. É nesse sentido que a releitura passa a ser analisada como um acontecimento enunciativo, que, ao mesmo tempo, marca uma mudança de posição discursiva em relação à obra de Magritte. O sentido integra um já dito (interdiscurso) cuja condição de produção ocorre no campo da luta de classes.
Outra imagem digital, publicada na Folha Online10, em 23 de junho de 2013, um desenho com duas moedas de 10 centavos e, logo abaixo, Ceci n’est pas 20 centavos11, difere totalmente da posição discursiva da imagem anônima que analisamos neste trabalho. Nessa imagem, vê-se a assinatura Bybia, como se o desenho fosse a extensão de um autor e no qual o jornal ancora a interpretação do leitor com a legenda: “Cartaz para dizer [sic] que a luta não é apenas pelos vinte centavos fazendo referência à obra ‘Ceci n’est pas une pipe’ (isto não é um cachimbo), de René Magritte”.
8 CONSIDERAÇÕES
O estranho objeto em análise é o que mobiliza novos processos de subjetivação, produzindo mudanças no que Pêcheux (1995) chama de forma-sujeito. Em Semântica e discurso (PÊCHEUX, 1995), o sujeito é designado por determinada formação discursiva, o que constitui sua forma-sujeito, produzindo efeito de unidade do sujeito. Para o autor, “a forma-sujeito do discurso, na qual coexistem, indissociavelmente, interpelação, identificação e produção de sentido, realiza o non-sens da produção do sujeito como causa de si sob a forma da evidência primeira.” (PÊCHEUX, 1995, p. 266). O non-sens estaria na ordem desse estranho objeto, que em Lacan (2005) é nomeado como objeto a.
Os momentos de mudança, como a crise de representação que contribuiu para a tomada das ruas por manifestantes pelo país afora em junho de 2013, contribuem para processos de dessubjetivação, tornando mais evidente a abertura para novos processos de subjetivação.
Nos jogos de poder que envolveram a produção discursiva de junho de 2013 - como o processo de criminalização dos manifestantes na primeira semana de paralisações pela mídia corporativa e, posteriormente, sua adesão aos protestos ao incluir entre as pautas críticas ao governo federal -, talvez tenham sido fortalecidas mais ainda as forças conservadoras deste país, mas isso não exclui discursos de ruptura que colocaram sob rasura os sentidos dominantes e de controle da sociedade.
REFERÊNCIAS
- ADORNO, T.; HORKHEIMER, M. Dialética do esclarecimento: fragmentos filosóficos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985.
- FOUCAULT, M. Estética: literatura e pintura, música e cinema. Ditos e Escritos III. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001.
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1
Este estudo integra um conjunto de material trabalhado na tese Da cólera ao acontecimento junho de 2013: do que escapa à representação em Deleuze e Lacan, defendida na Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul) em 2017.
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Outra importante pesquisa pela análise do discurso tendo entre imagens as materialidades é o artigo “Acidente ou ataque? Leituras de imagens e imagens de leitura”, de Souza (2001). Para o analista, a “memória discursiva é que funda semanticamente sobre a série de eventos o acontecimento do 11 de setembro em Nova York” (SOUZA, 2001, p. 4).
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5
O termo mídia corporativa inclui os conhecidos meios de comunicação de massa que compõem a cena da indústria cultural, e foi cunhado por Adorno e Horkheimer na publicação de Dialética do esclarecimento (1985), de 1944, para destacar a dimensão estrutural das sociedades totalitárias e, também, das democracias capitalistas, em que impera, nessas últimas, a ditadura do mercado. A indústria cultural é, assim, uma das estruturas de alienação responsáveis pela reprodução do status quo. Mídia corporativa refere-se também aos conglomerados de meios de comunicação que não se limitam mais aos consagrados meios de comunicação de massa - jornais, rádio, cinema, TVs -, mas que adquirem uma plasticidade pouco mensurável do ponto de vista de seu alcance e estratégias, por intermédio da internet e de negócios em âmbito global.
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Trecho do comentário de Arnaldo Jabor disponível em: http://tinyurl.com/m6y3fa7. Acesso em: 18 jul. 2017.
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7
Trecho do comentário de Arnaldo Jabor disponível em: http://tinyurl.com/m6y3fa7. Acesso em: 18 jul. 2017.
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O MPL de São Paulo produziu um capítulo do livro Cidades Rebeldes (2013), editado pela Boitempo e pelo portal Carta Maior.
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9
Trecho do comentário de Arnaldo Jabor disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=RsYB2XpC7l0. Acesso em: 13 maio 2019.
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10
Disponível em: https://fotografia.folha.uol.com.br/galerias/17234-v-de-versos#foto-291891. Acesso em: 2 ago. 2018.
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11
Diferentemente na imagem selecionada como objeto de instigação neste artigo, nesta outra imagem publicada na Folha online a inscrição final aparece em português: “centavos”.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
01 Ago 2019 -
Data do Fascículo
May-Aug 2019
Histórico
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Recebido
05 Ago 2018 -
Aceito
02 Maio 2019