Open-access As três programações constitucionais contra crises políticas: sistemas de governo e estabilidade governamental em grandes democracias

THREE CONSTITUTIONAL PROGRAMS APPLIED AGAINST POLITICAL CRISIS: SYSTEMS OF GOVERNMENT AND GOVERNMENTAL STABILITY IN LARGE DEMOCRACIES

TRES PROGRAMAS CONSTITUCIONALES APLICADOS CONTRA LA CRISIS POLÍTICA: SISTEMAS DE GOBIERNO Y ESTABILIDAD GUBERNAMENTAL EN GRANDES DEMOCRACIAS

Resumo

O artigo realiza uma investigação comparada sobre as instituições políticas das 18 maiores democracias em população e Portugal. Em seguida, avalia o papel dessas configurações institucionais na estabilidade governamental. São propostas duas visões sobre os sistemas de governo: (a) a tradicional, presidencialismo, parlamentarismo ou semipresidencialismo; e (b) uma transversal, focada na programação constitucional contra crises políticas, classificada como rígida, resiliente ou flexível. A pesquisa recorre a modelos de regressão logística e a dados em painel. É proposta a inferência de que programações constitucionais flexíveis (no parlamentarismo e no semipresidencialismo) apresentam menor estabilidade governamental. Os resultados são submetidos a uma análise comparativa que valida a interpretação e destaca as características institucionais cuja intencionalidade é a produção de estabilidade governamental.

Palavras-chave Presidencialismo; parlamentarismo; semipresidencialismo; política comparada

Abstract

The paper presents a comparative investigation on the political institutions of the 18 largest democracies in population and Portugal. Subsequently it assesses the role of these institutional configurations in governmental stability. Two views on government systems are being proposed: (a) the traditional, presidentialism, parliamentarism, or semi-presidentialism; and (b) a cross-cutting one, focused on constitutional programming against political crises, classified as rigid, resilient, or flexible. The research relies on logistic regression models and panel data. It is proposed that flexible constitutional programs (in parliamentarisms and semi-presidentialism) present lower governmental stability. The results are subjected to a comparative analysis that validates the interpretation and highlights the institutional characteristics whose intentionality is the production of governmental stability.

Keywords  Presidential system; parliamentary system; semi-presidential system; comparative politics

Resumen

El artículo presenta una investigación comparativa sobre las instituciones políticas de las 18 mayores democracias en población y Portugal. Posteriormente, evalúa el papel de estas configuraciones institucionales en la estabilidad gubernamental. Se proponen dos perspectivas sobre los sistemas de gobierno: (a) la tradicional, presidencialismo, parlamentarismo o semipresidencialismo; y (b) una perspectiva transversal, centrada en la programación constitucional contra las crisis políticas, clasificadas como rígidas, resilientes o flexibles. La investigación se basa en modelos de regresión logística y datos de panel. Se propone que los programas constitucionales flexibles (en parlamentarismos y semipresidencialismos) presentan menor estabilidad gubernamental. Los resultados se someten a un análisis comparativo que valida la interpretación y destaca las características institucionales cuya intencionalidad es la producción de estabilidad gubernamental.

Palabras clave  Sistema presidencial; sistema parlamentario; sistema semipresidencial; política comparada

Introdução

O debate sobre sistemas de governo é um dos mais antigos e desenvolvidos da ciência política e da teoria constitucional comparada. Não seria difícil defender a tese de que a investigação sobre a classificação e a oportunidade das diferentes formas de governar está na origem das disciplinas. Esse debate encontrou um momento de forte interesse devido aos processos de democratização na América Latina, na Península Ibérica e no Leste Europeu. Quais fatores conduzem aos processos de abertura democrática? Quais seriam as instituições constitucionais mais adequadas para assegurar a transição e a consolidação das novas democracias? Algumas das contribuições dadas em resposta a esses questionamentos assumiram, para a ciência política contemporânea, o status de clássicos da disciplina.

Talvez em virtude desse amplo e relativamente recente desenvolvimento do estudo sobre sistemas de governo, pôde-se notar nos últimos anos uma mudança na agenda de pesquisa: passou-se a focar com mais atenção os elementos e procedimentos específicos das práticas governativas democráticas em vez do funcionamento amplo do sistema. Da mesma forma, em que pese elevada atividade legislativa do constituinte derivado sobre a organização dos poderes no Brasil, ela dedicou-se a elementos secundários do sistema político, como o processo legislativo, o sistema partidário e as regras eleitorais (Maués, 2020). Em decorrência do contexto político brasileiro, ressurgiram no cenário público interrogações sobre seu sistema de governo presidencial e reemerge embrionária discussão sobre a sua reforma e a adoção do parlamentarismo ou do semipresidencialismo1 (Katz, 2018; Amaral Júnior; Amaral, 2017).

Este artigo procura retomar a discussão clássica da teoria constitucional e da ciência política sobre os sistemas de governo, isto é, sobre o presidencialismo, o parlamentarismo e o semipresidencialismo. Uma visão alternativa é acrescida à discussão por meio de análise institucional comparada: as programações constitucionais contra crises políticas, uma ramificação da visão inicialmente apresentada por Linz (1985). Segundo Linz, faltaria ao presidencialismo a flexibilidade conveniente ao enfrentamento de crises políticas. A análise institucional resulta na adoção de três tipos de programações constitucionais contra crises políticas: flexível, resiliente e rígido. A visão clássica é apresentada na seção 1, e a visão alternativa, na seção 2.

O artigo busca investigar empiricamente em que medida as duas diferentes visões sobre as instituições políticas estão relacionadas à estabilidade governamental. A seleção de casos inclui as 18 maiores democracias e Portugal,2 por ser uma referência para o debate brasileiro na matéria.3 As 18 maiores democracias qualificam a amostra por sua pluralidade e englobam quatro continentes (Europa, América, Ásia e África), ampla diversidade cultural, social e econômica.4 Por constarem alterações em suas instituições políticas, Índia e Portugal foram inseridos na pesquisa como casos prévios e posteriores às reformas.

A dimensão temporal foi estabelecida em até 20 anos de dados para cada caso de pesquisa. O banco de dados trabalhado organiza informações sobre as visões institucionais destacadas, a presença de governos com maioria parlamentar unipartidária na câmara baixa ou única dos parlamentos (variável de controle) e a ocorrência de crise política (Oliveira, 2023). O conceito operacional de crise política é o de alteração no titular da chefia de governo, exceto em decorrência de processo eleitoral, incapacidade por motivo de saúde ou morte.

A informação descritiva sobre a frequência de crises por caso de pesquisa é apresentada na seção 3. Para análise empírica, são empregados dois modelos de regressão logística para dados em painel. O modelo A trata da visão clássica sobre sistemas de governo; e o modelo B, da visão sobre programações constitucionais contra crises políticas. Os dados são apresentados nos relatórios e nas projeções marginais para valores representativos, discriminados por ausência ou presença de governo de maioria parlamentar unipartidária.

Na visão dos sistemas de governo (modelo A), a chance de que em determinado ano ocorra uma crise no presidencialismo é menor do que no semipresidencialismo e marginalmente menor do que no parlamentarismo. Na visão das programações constitucionais (modelo B), a chance de que em determinado ano ocorra uma crise política em um país que adote uma programação constitucional flexível é muito superior à dos que adotam programações constitucionais resilientes ou rígidas. Nas duas visões, a ausência de maioria parlamentar do partido político do chefe de governo agrava a chance de crise.

A pesquisa conclui que sistemas de governo parlamentaristas e semipresidenciais com programações constitucionais flexíveis são mais propensos a crises políticas e mais instáveis, sobretudo se o partido político do chefe de governo não tiver maioria parlamentar. Sistemas de governo presidencialistas, que têm programações constitucionais rígidas, são menos propensos a crises políticas; eles apresentam maior estabilidade governamental mesmo na ausência de maioria parlamentar do partido do presidente.

Uma discussão comparativa adicional é realizada com o objetivo de avançar na compreensão dos potenciais efeitos de instituições sobre a estabilidade governamental (seção 4). Essa discussão final valoriza a costura entre o acúmulo da produção científica, os achados das análises anteriores e as preocupações do debate público. Destacam-se as diferentes estratégias adotadas pelas democracias para tornarem mais estáveis seus sistemas de governo, bem como os motivos institucionais pelos quais se pode compreender as dificuldades dos países que convivem com alta taxa de crises no governo. O limitado número de casos da pesquisa, se restringe sua validade externa, permite, neste momento adicional da investigação, o recurso a formulações teóricas de médio alcance e o interesse pela dimensão da aplicabilidade. O objetivo é apresentar uma abordagem que ultrapasse o mecanicismo, ou seja, a visão de que as constituições são diretamente capazes de estruturar o jogo político nacional (François, 2011, p. 7).

1. Sistemas de governo: análise institucional clássica

Por sistema de governo compreendem-se conjuntos de disposições institucionais com características solidamente estabelecidas na literatura. Tipicamente, são empregados dois sistemas de governo - presidencialismo, parlamentarismo - e uma variação, de certa forma, intermediária - semipresidencialismo. Embora haja especificidades em cada sistema realmente existente, as nomenclaturas referidas captam as instituições básicas da organização política presente nas constituições estudadas.

Consolidando uma discussão acadêmica profícua (Cheibub, 2007; Shugart; Carey, 1997; Lijphart, 2003; Sartori, 1994; Elgie, 2011; Shugart, 2005; Lacerda, 2016), as diferenças dos sistemas de governo presidencialistas, parlamentaristas e semipresidencialistas podem ser sintetizadas em seis regras, mais duas regras inversas, na forma do Quadro 1.

Quadro 1 -
Regras de diferenciação entre sistemas de governo

O sistema presidencialista e o sistema parlamentarista possuem três regras de identidade cada. A primeira diz respeito à unidade ou dualidade do exercício das funções típicas de chefe de Estado e de chefe de governo. Por função típica de chefe de Estado compreende-se as de representação cerimonial e nas relações internacionais, mas o cargo pode comportar poderes legislativos específicos (como o veto e a promulgação de leis) e governamentais extraordinários (como a convocação e a dissolução do parlamento, a indicação do chefe de governo, a declaração de emergência e do estado de sítio). Por função de chefe de governo compreende-se a gestão superior da administração pública, em especial por meio da direção política do gabinete5 (próxima seção) e da adoção de normas regulamentadoras próprias.

A unidade em um mesmo cargo deste conjunto de funções (chefia de Estado e de governo) é uma característica essencial do presidencialismo (regra 1) e deve estar absente do semipresidencialismo (regra 7), embora possa ou não constar em sistemas parlamentaristas. As demais regras estruturam os processos de investidura e remoção do titular da chefia de Estado e da chefia de governo, em especial atenção à participação do parlamento. Como regras básicas, observa-se a responsabilidade parlamentar sobre o chefe de governo no parlamentarismo e a bifurcação dessa responsabilidade entre parlamento e chefe de Estado no semipresidencialismo. O sistema semipresidencialista retira, de cada um dos dois sistemas puros, uma regra (“2” e “6”) mais o inverso de uma regra (“7” e “8”).

O Quadro 2 relaciona os países investigados por sistemas de governo. Adicionalmente, apresenta informações sobre unidade e dualidade da chefia de Estado e governo (características “a” e “b”), estrutura do gabinete (“c”, “d”, “e” e “f”) e forma de chefatura de Estado (“g” e “h”). Tais características, acessórias no presente artigo, são retomadas na análise institucional da seção 2 e na análise comparativa da seção 4.

Quadro 2 -
Sistemas de governo das 18 grandes democracias e Portugal

2. Programações constitucionais contra crises políticas: outra análise institucional

Este artigo propõe que programações constitucionais podem ser identificadas como resposta a crises políticas, seguindo um grau de flexibilidade do sistema - uma noção já presente em Linz (1985). Por crise política compreende-se a situação de remoção do governo sem a ocorrência de eleições. Ela pode ocorrer, por exemplo, pelo estresse das relações entre o parlamento e o governo. As programações de respostas constitucionais a esse momento podem prever alterações no âmbito da titularidade do gabinete ou da chefia de governo. Quanto maior a abertura institucional para remoção dos titulares do governo de seus cargos, maior a flexibilidade prevista para responder às crises em determinada estrutura política. As próximas subseções analisam comparativamente as instituições presentes nos sistemas de governo presidencialistas, parlamentaristas e semipresidenciais, com o objetivo de formar uma classificação sobre a flexibilidade ou rigidez de programações constitucionais encontradas em tais sistemas.

2.1. Programações constitucionais no presidencialismo

Sete grandes democracias adotam o sistema de governo presidencial, com unidade entre chefe de Estado e de governo na figura do presidente, o qual recebe um mandato por tempo determinado, proveniente dos cidadãos e sem a interferência do parlamento. A separação política de funções e de propósito6 é a característica inerente ao sistema.

A separação de propósito decorre primariamente da eleição independente do presidente e dos membros do parlamento: cada um carrega a própria legitimidade democrática, bem como diferentes incentivos eleitorais (Shugart; Haggard, 2001, p. 89). Nos sistemas presidenciais, a eleição direta do chefe de Estado - como órgão unipessoal - ocorre por meio de sistema majoritário simples ou com segundo turno, com a exceção do colégio eleitoral dos Estados Unidos. Esses modos de eleger divergem da formação dos órgãos legislativos, seja pelo tempo da eleição do presidente e do Legislativo (que pode ter seus membros renovados de forma intercalada), seja pelo sistema eleitoral, seja pela circunscrição geográfica na qual a agregação de votos ocorre para efeitos de aplicação da fórmula eleitoral.

Como destacado, no presidencialismo vigora a regra de mandato presidencial temporalmente determinado e independente da confiança parlamentar. Uma diferença significativa que existe entre os regimes presidenciais estudados é a presença ou ausência de participação parlamentar sobre a investidura e no controle dos membros do gabinete. Para Shugart e Carey (1997, p. 106), a presença dessa característica é um desvio do padrão ideal do presidencialismo. Em quatro países, existe participação parlamentar sobre o gabinete. Nos Estados Unidos, os membros do gabinete são apontados pelo presidente e aprovados pelo Senado, após arguição em comissão. Ocasiões nas quais o apontamento é bloqueado ou rejeitado são raras, mas a percepção de inconformidade pode levar à retirada do nome. Isso torna o processo efetivo mesmo quando não resulta em uma decisão final do Senado (Senado dos Estados Unidos, s.d.).

A Argentina e, principalmente, a Coreia do Sul são casos de sistemas presidenciais atípicos (Rojo, 1998; Croissant, 2002), com gabinetes colegiados e chefe de gabinete. Eles estão sujeitos à confirmação pelo parlamento (Coreia do Sul) ou à censura e remoção (Argentina). No entanto, o primeiro-ministro coreano não pode ser removido sem a concordância do presidente, o chefe de gabinete argentino não precisa ser confirmado. Ambos, ademais, respondem pessoal e individualmente perante o parlamento e não em nome do gabinete. A Colômbia, embora não possua um gabinete com funções colegiadas, dota qualquer casa do parlamento da capacidade de censurar um ministro (Daza, 2015).

O controle político sobre o gabinete no presidencialismo é, portanto, uma ferramenta débil (quando muito, preventiva). E não atinge a autoridade governamental superior, o presidente. Atendo-se à proposição original de Linz (1985), pode-se considerar que a programação constitucional do presidencialismo para situações de crise política é sempre rígida. Isto é, responsabiliza o presidente na condução do gabinete e, se não o mantém blindado à intervenção parlamentar, torna esse processo penoso.

2.2. Programações constitucionais do parlamentarismo

Os sistemas parlamentaristas são aqueles nos quais o governo é constituído pelo parlamento e depende de sua confiança. Essas são suas características essenciais, o que não importa em outras, como a dualidade entre chefia de Estado e chefia de governo ou o modelo de governo de gabinete colegiado. Ao contrário do sistema presidencial, o sistema parlamentarista não conta com qualquer nível institucional de separação de propósito entre os ramos executivo e legislativo do Estado. O chefe de governo (genericamente chamado de premier ou primeiro-ministro) carrega o propósito e a legitimidade democrática decorrente da eleição do Legislativo.

A formação do governo em todos os sistemas parlamentaristas das grandes democracias depende, essencialmente, do apoio da maioria dos membros do parlamento. Como exceção, pode haver a participação do chefe de Estado. Reino Unido e Japão são exemplos nos quais a responsabilidade pela formação do governo é interna ao parlamento. O premier é tão somente cerimonialmente reconhecido pelo chefe de Estado (monarca). Nas outras duas monarquias, a participação do chefe de Estado é limitada: no Canadá, é desempenhada pelo governador geral; na Espanha, depende da chancela do presidente da câmara alta. A ausência de relevância do chefe de Estado nesse assunto também ocorre na África do Sul (considerando o presidente em exercício). Nos outros casos, o parlamento recebe uma indicação externa, do chefe de Estado - Alemanha, Itália e Índia (Spadaro, 2011; Thakur, 1995). Isso, no entanto, não muda a natureza parlamentarista dos seus sistemas de governo: a indicação externa precisa estar em consonância expressa ou tácita da maioria parlamentar, sem a qual é inútil.7

Após a constituição do governo, em sistemas parlamentaristas, o chefe de governo e o gabinete continuam responsáveis perante o parlamento. Isso implica a possibilidade de o Poder Legislativo intervir no gabinete e remover o premier. A forma de realizar essa intervenção é o voto de desconfiança. Sua consequência pode ser a queda do governo. De acordo com Lacerda (2016, p. 23), são os institutos do voto de confiança e desconfiança uma característica central do sistema de governo parlamentarista.

O voto de desconfiança está geralmente atrelado a duas circunstâncias imediatas. A primeira é uma alteração de ânimo político no seio do parlamento, que faz o primeiro-ministro perder o apoio com o qual foi constituído. A segunda está atrelada a um tipo específico de processo legislativo (como, usualmente, a aprovação do orçamento) ou à aplicação discricionária do governo à tramitação de um projeto. Nesse caso, com o objetivo de blindar a coalizão governamental contra deserções e favorecer sua aprovação.

Entre os casos analisados, ocorrem duas espécies de restrições ao voto de desconfiança. Uma é o voto de desconfiança construtivo, criado pela lei fundamental alemã e posteriormente adotado na Espanha. Nele, o voto de desconfiança só acarreta a queda do gabinete caso venha acompanhado da indicação de um novo premier. A solução torna mais rígida a programação constitucional tanto por aumentar o custo de adoção da desconfiança quanto por evitar o vácuo governativo decorrente de um governo de transição (entre a perda de confiança e a escolha de um novo ou uma nova premier). Lacerda (2016, p. 27) indica que esse arranjo, direcionado para ressalvar eventual instabilidade governamental, pode caracterizar o parlamentarismo como de tipo “positivo”.

A segunda restrição ocorre na Índia e na África do Sul. Procurando evitar que a baixa coesão partidária indiana continuasse inviabilizando a estabilidade dos governos indianos (tanto nacional quanto estadual), foi adotada uma norma constitucional de não deserção parlamentar em 1985 (Hardgrave; Kochanek, 2008, p. 295; Nikolenyi, 2016). Essa regra prevê que o parlamentar que votar contra a instrução partidária, quando assim for exigido pela liderança, ficará desqualificado para concorrer nas próximas eleições (a menos que seja acompanhado por um terço ou mais dos membros do partido na infidelidade). Assim, o parlamentar não pode deixar o partido ou votar contra sua orientação. Na África do Sul, ocorre uma regra ainda mais rígida: a liderança do partido pode causar a expulsão do próprio parlamento do membro que não seguir a linha partidária, removendo-o da agremiação (Mattes, 2002).8

Nos dois casos, o chefe de governo está protegido, inclusive, contra a deserção de parlamentares do próprio partido ou dos partidos que o investiram enquanto usufruir de apoio, ao menos, da facção majoritária (Índia) ou dominante (África do Sul) das agremiações. Nos demais casos (Reino Unido, Canadá e Japão), o voto da maioria da câmara baixa do parlamento pode derrubar o governo; na Itália, é necessária a deliberação nesse sentido das duas casas do parlamento (o que não chega a ser uma limitação profunda, em razão do bicameralismo congruente).9

A partir das características estudadas, podem ser descritos dois níveis de flexibilidade nas programações constitucionais dos sistemas parlamentaristas. Ambos são inferiores ao presidencialismo. O menos flexível indica programações constitucionais que encarecem a adoção do voto de desconfiança pelo sistema do voto de desconfiança construtivo ou regras de não deserção, que protegem os grupos parlamentares de defecções. Tal programação pode ser considerada resiliente, pois institucionalmente mais propícia à preservação da formatação do gabinete em momentos de ameaça por crises políticas. Nas outras programações, que podem ser ditas flexíveis, tais empecilhos não estão presentes e a desconfiança do governo pode ser deliberada pelo órgão legislativo sem entraves adicionais. Portanto, são casos de instituições nas quais vigora elevada flexibilidade sobre a formatação do gabinete, sob a discricionariedade da confiança parlamentar.

2.3. Programações constitucionais no semipresidencialismo

No semipresidencialismo típico, o parlamento e o chefe de Estado colaboram na investidura e/ou no controle do governo, que é exercido pelo premier e por seu gabinete colegiado. Outra característica é o presidente com legitimidade democrática própria, proveniente de sua eleição direta pelos cidadãos. Isso conduz à separação institucional de propósito na formação do poder legislativo e do chefe de Estado, a qual precisa ser trabalhada para instituição do governo (premier e gabinete). Assim, o presidente do semipresidencialismo típico é fundamentalmente mais poderoso do que seu congênere no parlamentarismo e mais fraco do que no presidencialismo.

Entre as grandes democracias, existem três países com esse sistema: França, Polônia e Peru. Além dessas, foi incluído na pesquisa Portugal, que apresentou dois sistemas de governo semipresidenciais, identificados como Portugal 1 (anterior à reforma constitucional de 1982) e Portugal 2 (posterior à reforma) (Amorim Neto; Lobo, 2009). Podem ser identificados dois tipos do sistema semipresidencial (Shugart; Carey, 1997; Shugart, 2005; Elgie, 2011). França, Polônia e Portugal 2 têm o tipo chamado premier-presidencial. Peru e Portugal 1, o tipo presidente-parlamentar. Lacerda (2016, p. 84) denomina esses sistemas, respectivamente, de responsabilidade exclusiva e de dupla responsabilidade.

A principal diferença dos dois tipos de sistema é que no premier-presidencial (responsabilidade exclusiva) o chefe de Estado decide ou participa da investidura do chefe de governo, que posteriormente governa sob controle político exclusivo ou determinante do parlamento. No tipo presidente-parlamentar (dupla responsabilidade), o controle sobre o chefe de governo é dual: tanto o parlamento quanto o chefe de Estado possuem o poder de encerrar o governo, removendo o premier e/ou membros do gabinete. Portanto, no segundo tipo, o premier permanece em uma posição subalterna ao relacionamento direto entabulado entre presidência e parlamento.

Como resultado da composição dessas regras, decorre a possibilidade de coabitação no Poder Executivo em sistemas semipresidenciais de responsabilidade exclusiva. O exemplo típico é o francês (Raynaud, 2017, p. 127; Lacerda, 2016, p. 80). Essa é a situação que aparece quando a maioria parlamentar é formada em oposição política ao presidente, levando o Poder Executivo a ser compartilhado por um chefe de Estado e um chefe de governo pertencentes a grupos antagônicos. Embora a coabitação seja institucionalmente possível quando houver dupla responsabilidade, ela é politicamente difícil de ser suportada pelo presidente. O presidente permanece integralmente capaz de remover os opositores da chefia de governo e do gabinete, entregando-os a aliados. Assim, a estabilidade no caso da dupla responsabilidade depende da dominância do chefe de Estado sobre o parlamento, ou, ao menos, da aquiescência do parlamento com um governo dominado politicamente pelo presidente.

Os dois tipos de sistemas de governo semipresidenciais podem ser traduzidos como diferentes programações constitucionais contra crises políticas. O semipresidencialismo com dupla responsabilidade é mais flexível, pois a reforma do governo pode ser originada tanto no órgão legislativo, via voto de desconfiança ou desconstituição, quanto por deliberação particular do chefe de Estado. Já o semipresidencialismo de responsabilidade exclusiva é mais resiliente em situações de crise política, posto que apenas o parlamento pode provocar unilateralmente a alteração do gabinete. O semipresidencialismo da França é especialmente resiliente, por duas características de suas instituições. O calendário eleitoral enfraquece a separação de propósito, pois favorece o partido ou a coalizão do presidente eleito. Diferentemente dos demais casos, as indicações dos titulares aos postos do gabinete não precisam ser chanceladas pelo órgão legislativo. Isso diminui os incentivos para que os legisladores intervenham no governo.

2.4. Programação constitucional: visão alternativa para análise institucional

A partir da análise institucional realizada nas seções anteriores, emergem duas visões interpretativas sobre configurações de relações entre os órgãos dos poderes Executivo e Legislativo. A primeira é a visão clássica que identifica os sistemas de governo, nomeadamente: presidencialismo, parlamentarismo e semipresidencialismo (Quadros 1 e 2). Na presente seção, articulou-se a possibilidade de outra interpretação, focada na programação constitucional que regula as possibilidades institucionais de desfecho de crises na relação entre os órgãos dos poderes Executivo e Legislativo.

O Quadro 3 apresenta as características institucionais das três programações constitucionais: flexível, resiliente e rígida.

Quadro 3 -
Regras de diferenciação entre programações constitucionais

Considerando a visão clássica sobre sistemas de governo (Quadro 1), a interpretação proposta pode ser considerada transversal, pois utiliza elementos específicos dos sistemas de governo que ultrapassam as fronteiras estipuladas para a classificação das grandes democracias entre presidencialismo, parlamentarismo e semipresidencialismo. O Quadro 4 identifica os casos de análise de acordo com a programação constitucional adotada.

Quadro 4 -
Programação constitucional em 19 democracias

3. Instituições políticas, sistema partidário e estabilidade governamental: análise empírica

Considerando o conjunto das 18 grandes democracias e Portugal, as instituições políticas inerentes aos diferentes sistemas de governo podem ser relacionadas a diferentes níveis de estabilidade governamental? Esta seção procura responder à questão, além de produzir informações sobre a capacidade de as diferentes visões sobre os sistemas de governo explicarem a ocorrência de estabilidade e instabilidade governamentais. A instabilidade governamental pode indicar um problema de funcionamento do sistema político com reflexos relevantes, por exemplo, existem evidências de que está associada à redução do crescimento econômico (Arezki; Fetzer, 2019).

A literatura destaca que há vários fatores associados à estabilidade governamental. As instituições do sistema de governo são referidas em obras citadas anteriormente, por exemplo, Shugart e Carey (1997) e Elgie (2011). Regras específicas da relação entre Executivo e Legislativo recebem atenção recente (Rubabshi-Shitrit; Hasson, 2021; Nikolenyi, 2022). Não obstante, a interação entre o sistema partidário e a formação de maiorias parlamentares favoráveis ao governo é um tema relevante nessa área. Taylor e Herman (1971) apontam que a fragmentação partidária é um elemento essencial para compreender instabilidade em sistemas em que o governo depende do parlamento. Os autores destacam que governos apoiados por maiorias unipartidárias no parlamento tendem a ser mais estáveis do que governos minoritários ou coalizões. Pesquisas atuais tendem a reforçar essa compreensão, ainda que ressaltem a importância de outros elementos, como a ideologia e o recrutamento político (Carozzi; Cipullo; Repetto, 2020; Maoz; Somer-Topcu, 2010).

Para operacionalizar o conceito de estabilidade governamental, adota-se o critério de alteração na titularidade do chefe de governo na ausência de processo eleitoral, no decurso de um ano-calendário. Os anos nos quais não ocorreu alteração do titular da chefia de governo, ou nos quais a alteração decorreu de processo eleitoral, são considerados com estabilidade governamental. Em contraponto, os anos nos quais ocorreu a substituição do chefe de governo, exceto quando decorrente de eleição, são considerados resultado de uma situação de instabilidade governamental. Por simplificação, essa situação é denominada “crise”.

Foram levantadas informações para as 18 grandes democracias e para Portugal no período de 20 anos, incluídas no banco de dados (Oliveira, 2023). O Gráfico 1 apresenta uma análise descritiva, com o número de anos em que não ocorreu e no qual ocorreu crise por país estudado.

Gráfico 1 -
Estabilidade governamental nas 19 democracias estudadas, anos sem e com crise (alteração do chefe de Estado sem processo eleitoral)

Uma rápida análise descritiva indica que os países com maior frequência de anos com crises são aqueles com programações constitucionais flexíveis: Peru, Itália, Portugal 1. Todos com 40% ou mais de anos com crises. Dois, Peru e Portugal 1, têm sistemas de governo semipresidenciais, e um, Itália, sistema parlamentarista. Outros dois sistemas semipresidenciais, porém com programações constitucionais resilientes, França e Polônia, apresentam relativamente alta frequência de crises, bem como Japão (parlamentarista). Entre os países que passaram por crises nos últimos 20 anos, mas em número reduzido, encontram-se parlamentarismos flexíveis (Reino Unido, Canadá, Índia 1) e resiliente (África do Sul), semipresidencialismo resiliente (Portugal 2) e presidencialismo/rígido (Brasil, Argentina e Coreia do Sul). Já os países que não passaram por crises no período estudado adotam presidencialismo/rígido (Indonésia, México, Colômbia e Estados Unidos) ou parlamentarismo resiliente (Índia 2, Alemanha e Espanha).

Para analisar se, e em que medida, existe relação entre as instituições políticas adotadas e a estabilidade governamental, foram empregados dois modelos de regressão logística aplicados para dados desbalanceados em painel cross-section (21 grupos). Ao todo, a amostra possui 399 observações, um número adequado para o método.

Como apontam Fernandes et al. (2020), a regressão logística é a melhor ferramenta para lidar com variáveis dicotômicas, como é o caso da crise política: em cada ano, ou ocorreu uma crise, ou não ocorreu. A regressão logística permite descobrir a probabilidade condicional de determinada ocorrência (Bonney, 1987). No presente caso, ela indica qual a probabilidade de que uma crise ocorra de acordo com a presença dos fatores institucionais estudados. Os modelos apresentados a seguir são limitados de duas formas importantes. Em primeiro lugar, como destacado anteriormente, a amostra da presente pesquisa é discricionária, embora plural em relação às características políticas, culturais, sociais e econômicas dos casos. Em segundo lugar, os modelos são restritos no que concerne às variáveis independentes.10

O modelo A testa a visão tradicional, por sistemas de governo parlamentaristas, semipresidenciais e presidencialistas. O modelo B testa a visão que distingue entre as programações constitucionais flexíveis, resilientes e rígidas.

Os modelos A e B também utilizam, como variável de controle, se o partido do chefe de Estado possui maioria na câmara baixa ou única do parlamento. A literatura específica sobre estabilidade governamental no parlamentarismo costuma trabalhar com noções mais complexas, como a de maioria partidária ou por coalizões, se as coalizões são minimamente vitoriosas ou se maximizam o apoio parlamentar. Entretanto, o papel das coalizões no presidencialismo ainda é um tema debatido, especialmente acerca da estabilidade governamental (Abranches, 2018). A forma mais simples de tratar o tema é observar se o chefe de governo possui apoio na maioria parlamentar por força de sua própria agremiação política. Por hipótese, espera-se que a maioria partidária em suporte ao chefe de governo possua um efeito negativo sobre a probabilidade de crise do governo.

Os relatórios dos modelos podem ser consultados na Tabela 1.

Tabela 1 -
Instituições e estabilidade governamental: relatório dos modelos

Para interpretação, a Tabela 2 apresenta os efeitos marginais para os valores representativos dos fatores incluídos nos modelos.

Tabela 2 -
Previsões ajustadas das chances de ocorrer crise política no ano (modelos A e B)

De acordo com o modelo A, o presidencialismo é o sistema de governo com maior estabilidade governamental. Os sistemas de governo parlamentarista e semipresidencial têm uma possibilidade distintiva significativa de ocorrência de crises. No semipresidencialismo, a chance de crise em um ano aleatório é de 34% em caso de governo sem maioria partidária no parlamento e de 18%, caso possua maioria. No parlamentarismo, a chance cai para 18%, sem maioria, e 8%, com maioria. Ainda que o presidencialismo seja mais estável, existe uma probabilidade pouco significativa de 5% de crise por ano se o partido do presidente não possuir maioria parlamentar.

Quando a ótica de análise é alterada para a programação constitucional, modelo B, observa-se que aquelas constituições que adotam instituições flexíveis concentram a maior probabilidade de crise. Nessa programação, a chance de crise no governo em um ano é de 34%, caso não possua maioria parlamentar, e de 16%, caso possua. Ambas as estatísticas com elevada significância. No caso de o partido do chefe de governo não possuir maioria parlamentar, existe uma fraca chance de crise nas constituições resilientes (10%) e nas rígidas (5%); com a presença de maioria parlamentar, não existe efeito com significância estatística.

4. Instituições políticas e estabilidade governamental: uma discussão comparativa

Os sistemas presidenciais são sempre programados para serem resistentes em razão do presidente com mandato fixo e não politicamente responsável perante o parlamento. As remoções de presidentes listadas no Brasil, na Argentina e na Coreia do Sul foram decorrentes de renúncia ou do juízo de contravenção por meio de impeachment.11 Habilitado em todos os sistemas, ocorreram impeachments no Brasil e na Coreia do Sul. Na Argentina, foram constatadas renúncias presidenciais. Em que pese a dimensão jurídico-penal do instituto do impeachment, que o distingue do voto de desconfiança do parlamentarismo (Megali Neto, 2020; Lacerda, 2016, p. 50), ao menos em sua dimensão procedimental há incontornável contaminação política. Nesse sentido, a adequada classificação do impeachment como alteração da titularidade do chefe de governo sem processo eleitoral (crise), na classificação adotada pelo presente artigo.

Como indicado na seção 2.1, os presidencialismos da Coreia do Sul e da Argentina adotam um gabinete atípico com elementos de responsabilização política perante o parlamento, com previsão do exercício do voto de desconfiança. Esses sistemas permitem ao presidente conceder poder político por conta do gabinete colegiado, administrando o pluripartidarismo ou a oposição parlamentar. A vantagem deles em relação a uma coalizão presidencial em governo pessoal puro está no nível da formalidade, mas este parece ser um recurso bastante tímido diante da derradeira responsabilidade do presidente. De qualquer forma, os dados disponíveis na pesquisa não permitem inferir com precisão o quanto tais mecanismos preventivos e paliativos, nos quais podem ser incluídos os existentes nos Estados Unidos e na Colômbia, foram úteis para evitar a superveniência de crises políticas por moderarem o comportamento do presidente e dos membros do gabinete.

As crises políticas que levaram à alteração do presidente na Coreia do Sul e na Argentina sucederam eleições parlamentares de meio-termo, nas quais forças oposicionistas obtiveram maiorias parlamentares. Sabe-se que o gabinete presidencial atípico do presidencialismo argentino e sul-coreano não foi útil para uma solução do tipo de “coabitação” do semipresidencialismo francês. Nem foram empregadas as medidas menos extremas de controle parlamentar sobre o gabinete, como o voto de desconfiança contra membros do órgão.

Os parlamentarismos são claramente mais propensos à alteração do chefe de governo sem processo eleitoral do que os presidencialismos, confirmando-se a característica abertura desse sistema de governo para adaptações ao cenário político. No entanto, este artigo demonstra que nem todos os parlamentarismos funcionam de forma semelhante. Os dados descritivos no Gráfico 1 indicam que os parlamentarismos considerados resilientes (Índia 2, Alemanha, Espanha, África do Sul) são mais estáveis do que os considerados flexíveis (Canadá, Índia 1, Reino Unido, Japão e Itália).

Os dados do modelo B fortalecem a percepção de que programações constitucionais resilientes são favoráveis à estabilidade governamental. Ainda incipiente, a discussão acadêmica parece corroborar essa conclusão. Rubabshi-Shitrit e Hasson (2021) estudaram a duração dos governos e descobriram que a adoção de voto de não confiança construtivo está associada a maior tempo de permanência. Nikolenyi (2022) analisa as regras de não deserção partidárias adotadas em Israel, na Índia e na Nova Zelândia. Conclui-se que, embora raras, essas regras são eficientes para a finalidade de evitar a instabilidade governamental.

No presente artigo, o caso indiano apresenta valor experimental: a adoção de instituição restritiva ao comportamento parlamentar foi adequada para reduzir a instabilidade governamental. Outro exemplo: os parlamentarismos da Alemanha e do Japão. Caso a programação constitucional alemã fosse igualmente flexível à japonesa, teria o sistema da Alemanha o mesmo incentivo para governos estáveis de grandes coalizões? Certamente outros elementos podem ser relevantes, especialmente derivados da engenharia do sistema eleitoral.12 Ainda assim, há razões para justificar a programação resiliente como favorável a maior estabilidade, na medida em que restringe o uso estratégico da dissolução do parlamento e da renúncia do premier. O caso da Espanha oferece uma evidência mais forte nesse sentido, pois a extrema estabilidade de seus governos não seria justificável considerando a maior frequência de governos sem maioria parlamentar partidária. Portanto, as diferenças que tornam os sistemas de governo resilientes parecem ser eficientes para a finalidade da estabilidade governamental.

Como revela a comparação entre as chances de crise no modelo A, a existência de governo de maioria unipartidária é um fator relevante para explicar a estabilidade governamental. Observa-se a diferença das chances de crise nos sistemas parlamentaristas (modelo A) com e sem maioria partidária na Tabela 2. Revela-se que a ausência de instituições resilientes pode, em parte, ser compensada pela estrutura partidária, quando condizente à formação de maiorias unipartidárias nos parlamentos. O caso da Itália (Gráfico 1) exemplifica como a ausência destes dois elementos - programação constitucional resiliente e capacidade de formar maiorias partidárias no parlamento - associa-se à elevada instabilidade governamental. O caso antitético é o do Reino Unido, no qual a frequente presença do segundo elemento (governo de maioria unipartidária) ajuda a explicar a estabilidade governamental relativamente maior.

A análise dos sistemas semipresidenciais apresenta uma complexidade maior, tendo em vista sua diversidade institucional. Como sistema, ele é o mais propenso à instabilidade (Tabelas 1 e 2). Ainda assim, a existência de maioria parlamentar unipartidária possui o efeito de reduzir a chance de crise política no semipresidencialismo. Sob a ótica da programação constitucional, a inovação institucional em Portugal pode ser tomada como um experimento. O país conseguiu diminuir a instabilidade governamental a partir da inovação de seu sistema de governo, adotando um semipresidencialismo de responsabilidade exclusiva do parlamento, com programação constitucional resiliente.

Deve-se destacar que os sistemas semipresidenciais do Peru e da França adotam um gabinete colegiado com a presença do presidente. Isto é, o presidente pode intentar o papel diretivo na gestão superior do governo. Nesse sentido, a instabilidade denotada pela frequente alteração do premier pode ser balanceada pela concentração da direção do governo na figura do próprio presidente. Como referido, de acordo com Elgie (2011), a estabilidade governamental do tipo de semipresidencialismo peruano tende a depender da dominância do presidente sobre o parlamento, enquanto o francês mais facilmente pode recorrer a um arranjo de coabitação.

A crise política no Peru pós-2017 parece exemplificar o problema institucional do semipresidencialismo de dupla responsabilidade. Em que pese a eleição concomitante do presidente e do parlamento unicameral, com mitigação da separação de propósito, forças políticas antagônicas passaram a dominar os distintos ramos do governo. No lugar de uma situação de coabitação, presidente e parlamento avançaram contra os limites constitucionais em uma situação de elevada instabilidade política e risco democrático (Aredes; Encinas, 2020). Decorre instabilidade não apenas em âmbito do governo, mas, também, da própria chefia de Estado. De qualquer forma, o risco institucional do semipresidencialismo de dupla responsabilidade peruano já é reconhecido na literatura (Shugart; Carey, 1997, p. 113; Elgie, 2011, p. 153).

Em comparação, tanto na França quanto em Portugal 2 o governo tende a seguir a preferência do presidente, exceto na presença de uma maioria parlamentar que lhe seja contrária. Nesses casos, pode surgir a coabitação, sendo a última resposta possível do presidente à dissolução do parlamento. Não considerada crise nos termos desta pesquisa, Portugal 2 recorreu à segunda solução três vezes no período da pesquisa (Carneiro; Eanes, 2021). O presidente francês, no entanto, também no período de pesquisa, manteve afastada a necessidade de coabitação e não recorreu à dissolução do parlamento. Ou seja, exerceu uma autoridade, de fato, presidencial sobre o governo. Como destacam Dupoirier e Sauger (2010), a atual capacidade do presidente francês pode ser atribuída à mitigação da separação de propósito pelo ciclo eleitoral de “lua de mel”.13

A Polônia adota um sistema de investidura do premier complexo, no qual a rejeição da confiança da indicação presidencial pelo parlamento abre a possibilidade para composição de um governo da maioria parlamentar (Millard, 2008). Em que pese não contar com a mitigação da separação de propósito existente na França nem com a mesma frequência de governos de maioria partidária no parlamento, a Polônia recente realizou um percentual de crises semelhante ao francês (Gráfico 1). Um fator favorável à estabilidade governamental na Polônia é a adoção do voto de desconfiança construtivo, semelhante ao da Alemanha e da Espanha.

França, Polônia e Portugal 2 são mais estáveis do que Portugal 1 e Peru. Especialmente para o caso da França, Raynaud (2017) e François (2011) destacam elementos atitudinais como favoráveis à estabilidade governamental: o exemplo da primeira experiência de coabitação, dirigida por François Mitterrand, e a deferência estratégica da liderança política da maioria parlamentar ao cargo da presidência, que, em tese, desejará ocupar. Em sentido semelhante, Amorim Neto (2006, p. 189) propôs que o sucesso do semipresidencialismo de França, Polônia e Portugal 2 depende de “líderes comprometidos com o fortalecimento dos partidos e regras eleitorais que facilitem esta tarefa”. Portanto, para além do destacado no presente artigo, a intricada funcionalidade do sistema semipresidencial pode depender de elementos extrainstitucionais.

Esses elementos podem, inclusive, modular a relevância do que se considera uma crise governamental. Os reflexos da alteração do chefe de governo podem ser menos relevantes caso a fundação da estabilidade governamental esteja depositada em outro lugar, não na titularidade desse órgão. Esse pode ser o caso, em parte, das observações de crise anotadas para França, Polônia e Peru (nesse caso, excetuando-se o conturbado período pós-2017). Enquanto existir concordância entre o chefe de governo e a maioria parlamentar, os efeitos da substituição do chefe de governo podem ser limitados pela continuidade de determinado arranjo político. O mesmo pode ser dito de determinadas crises no Reino Unido e no Japão, quando motivadas por estratégia ou alteração de preferência do seio de um partido majoritário na câmara baixa do parlamento.

Conclusão

Como observou Linz (1985), ao apostar em um governo forte e institucionalmente separado do parlamento, o sistema presidencial cria as bases para uma relação democrática direta entre os cidadãos e o governo. Seu contraponto é a reduzida capacidade de adaptação, caso as coisas não ocorram bem. Este artigo extrapola essa preocupação para analisar a institucionalidade constitucional de grandes democracias para além da visão tradicional sobre os sistemas de governo. Revela um contraponto à problemática exposta por Linz: a adoção de programação constitucional flexível pode favorecer a instabilidade governamental.

De acordo com os dados apresentados para a amostra deste artigo (Tabela 2), a chance de que em determinado ano ocorra uma crise política com a substituição do chefe de governo sem processo eleitoral é de 16% com a programação constitucional flexível e maioria parlamentar do partido do chefe de governo. Caso o partido do chefe de governo seja minoritário, a chance de crise no ano sobe para 34%. Países parlamentaristas e semipresidenciais como Itália, Peru, Japão e Portugal (antes da reforma constitucional de 1985) exemplificam essa situação de instabilidade governamental.

Como destaca a discussão realizada na seção 4, a instabilidade na chefia de governo tende a ser mais problemática caso não existam fundamentos alternativos à estabilização das relações entre Executivo e Legislativo, por exemplo, no âmbito das atitudes políticas ou do sistema partidário.14 Ou seja, para parafrasear uma constatação de Mainwaring e Shugart (1997): a substituição de uma programação constitucional rígida por uma flexível tende a exacerbar o problema de instabilidade governamental na ausência de partidos políticos disciplinados. Esforços investigativos posteriores podem ampliar o número de observações e avançar nos conceitos e métodos utilizados, buscando uma visão integrada entre os diferentes fatores analisados. Nos limites do presente artigo, espera-se que a pesquisa auxilie na reflexão sobre as oportunidades e os desafios da engenharia constitucional, sobretudo quando reformas no sistema de governo são aventadas.

REFERÊNCIAS

  • ABRANCHES, Sérgio. Presidencialismo de coalizão: raízes e evolução do modelo político brasileiro. São Paulo: Companhia das Letras, 2018.
  • AMARAL JÚNIOR, José Levi do; AMARAL, João Marcos. Multipartidarismo atomístico e (semi)presidencialismo de coalizão. Revista de Estudos Constitucionais, Hermenêutica e Teoria do Direito (RECHTD), [s.l.], v. 9, n. 3, p. 355-365, set./dez. 2017.
  • AMORIM NETO, Octavio. Presidencialismo e governabilidade nas Américas Rio de Janeiro: FGV, Konrad Adenauer Stiftung, 2006.
  • AMORIM NETO, Octavio; LOBO, Marina Costa. Portugal’s Semi-Presidentialism (Re)considered: An Assessment of the President’s Role in the Policy Process, 1976-2006. European Journal of Political Research, [s.l.], v. 48, n. 2, p. 234-255, fev. 2009.
  • ANDEWEG, Rudy. Collegiality and Collectivity: Cabinets, Cabinet Committees and Cabinet Ministers. In: WELLER, Patrick; BAKVIS, Herman; RHODES, Roderick A. William (eds.). The Hollow Crown: Countervailing Trends in Core Executives. Londres: Palgrave Macmillan, 1997. p. 58-84.
  • AREDES, Maritza; ENCINAS, Daniel. Perú 2019: crisis política y salida institucional. Revista de Ciência Política, Santiago, v. 40, n. 2, p. 483-510, jun. 2020.
  • AREZKI, Rabah; FETZER, Thiemo. Executive Branch Turnover, Policy Uncertainty and Growth. International Growth Centre, Working Paper S-89326-CCN-1, mar. 2019. Disponível em: Disponível em: https://www.theigc.org/wp-content/uploads/2019/04/Arezki-Fetzer-2019-Working-paper.pdf Acesso em: 14 jan. 2024.
    » https://www.theigc.org/wp-content/uploads/2019/04/Arezki-Fetzer-2019-Working-paper.pdf
  • BANCO MUNDIAL. Population, total 2023. Disponível em: Disponível em: https://data.worldbank.org/indicator/SP.POP.TOTL Acesso em: 14 jan. 2024.
    » https://data.worldbank.org/indicator/SP.POP.TOTL
  • BONNEY, George Edward. Logistic Regression for Dependent Binary Observations. Biometrics, [s.l.], v. 43, n. 4, p. 951-973, 1987.
  • BRANDÃO, Francisco. Lira defende adoção do semipresidencialismo para enfrentar crises políticas. Câmara dos Deputados, 15 nov. 2021. Disponível em: Disponível em: https://www.camara.leg.br/noticias/827233-LIRA-DEFENDE-ADOCAO-DO-SEMIPRESIDENCIALISMO-PARA-ENFRENTAR-CRISES-POLITICAS Acesso em: 14 jan. 2024.
    » https://www.camara.leg.br/noticias/827233-LIRA-DEFENDE-ADOCAO-DO-SEMIPRESIDENCIALISMO-PARA-ENFRENTAR-CRISES-POLITICAS
  • CAMPBELL, James E. The Presidential Surge and its Midterm Decline in Congressional Elections, 1868-1988. The Journal of Politics, [s.l.], v. 53, n. 2, p. 477-487, maio 1991.
  • CARNEIRO, Francisco; EANES, Ramalho. Três dissoluções resultaram em maiorias absolutas e três em governos de coligação. Diário de Notícias, 4 nov. 2021. Disponível em: Disponível em: https://www.dn.pt/politica/tres-dissolucoes-resultaram-em-maiorias-absolutas-e-tres-em-governos-de-coligacao-14286365.html Acesso em: 22 mar. 2022.
    » https://www.dn.pt/politica/tres-dissolucoes-resultaram-em-maiorias-absolutas-e-tres-em-governos-de-coligacao-14286365.html
  • CAROZZI, Felipe; CIPULLO, Davide; REPETTO, Luca. Divided They Fall. Fragmented Parliaments and Government Stability. CEPR Discussion Paper, n. DP14619, abr. 2020. Disponível em: Disponível em: https://ssrn.com/abstract=3594249 Acesso em: 14 jan. 2024.
    » https://ssrn.com/abstract=3594249
  • CHEIBUB, José Antonio. Presidentialism, Parliamentarism, and Democracy Cambridge: Cambridge University Press, 2007.
  • CHHIBBER, Pradeep; KOLLMAN, Ken. Party Aggregation and the Number of Parties in India and the United States. The American Political Science Review, [s.l.], v. 92, n. 2, p. 329-342, 1998.
  • CROISSANT, Aurel. Electoral Politics in South Korea. In: CROISSANT, Aurel; BRUNS, Gabriele; JOHN, Marei (eds.). Electoral Politics in Southeast & East Asia Singapura: Friedrich Ebert Stiftung, 2002. p. 233-276.
  • D’ALIMONTE, Roberto. Italy: A Case of Fragmented Bipolarism. In: GALLAGHER, Michael; MITCHELL, Paul (eds.). The Politics of Electoral Systems Oxford: Oxford University Press, 2005. p. 253-276.
  • DAZA, Javier Duque. La moción de censura en Colombia. Reglas, coaliciones e intentos fallidos. Colombia Internacional, [s.l.], n. 83, p. 43-75, 2015.
  • DUPOIRIER, Elisabeth; SAUGER, Nicolas. Four Rounds in a Row: The Impact of Présidential Election Outcomes on Legislative Elections in France. French Politics, [s.l.], v. 8, n. 1, p. 21-41, 2010.
  • ECONOMIST INTELLIGENCE UNIT. Democracy Index 2019: A Year of Democratic Setbacks and Popular Protest. Londres: EIU, 2020. Disponível em: Disponível em: https://www.eiu.com/n/campaigns/democracy-index-2019/ Acesso em: 29 fev. 2024.
    » https://www.eiu.com/n/campaigns/democracy-index-2019/
  • ELGIE, Robert. Semi-Presidentialism: Sub-Types and Democratic Performance. Nova York: Oxford University Press, 2011.
  • ELKINS, Zachary; GINSBURG, Tom; MELTON, James. Constitute: The World’s Constitutions to Read, Search, and Compare. Constitute Project, [s.d] Disponível em: Disponível em: https://www.constituteproject.org/content/about Acesso em: 5 mar. 2024.
    » https://www.constituteproject.org/content/about
  • FARINHO, Domingos Soares. A responsabilidade do primeiro-ministro perante o presidente da República e a condição material do artigo 195.o/2 da Constituição da República Portuguesa: entre a exceção e a inconfessada política. In: PINTO, António Costa; RAPAZ, Paulo José Canelas (orgs.). Presidentes e (semi)presidencialismo nas democracias contemporâneas Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais, 2018. p. 179-191.
  • FERNANDES, Antônio Alves Tôrres et al Leia este artigo se você quiser aprender regressão logística. Revista de Sociologia e Política, [s.l.], v. 28, n. 74, p. 1-20, 2020.
  • FRAIN, Maritheresa. Relações entre o presidente e o primeiro-ministro em Portugal: 1985-1995. Análise Social, [s.l.], v. 30, n. 133, p. 653-678, 1995.
  • FRANÇOIS, Bastien. Le régime politique de la Ve République Paris: La Découverte, 2011.
  • GALLAGHER, Michael. Electoral Systems. Trinity College Dublin, 2020. Disponível em: Disponível em: https://www.tcd.ie/Political_Science/about/people/michael_gallagher/ElSystems/index.php Acesso em: 14 jan. 2024.
    » https://www.tcd.ie/Political_Science/about/people/michael_gallagher/ElSystems/index.php
  • GEDDES, Barbara. How the Cases You Choose Affect the Answers You Get: Selection Bias in Comparative Politics. Political Analysis, Cambridge, v. 2, p. 131-150, 1990. https://doi.org/10.1093/pan/2.1.131
    » https://doi.org/10.1093/pan/2.1.131
  • GOLDER, Matt. Presidential Coattails and Legislative Fragmentation. American Journal of Political Science, [s.l.], v. 50, n. 1, p. 34-48, jan. 2006.
  • HARDGRAVE, Robert; KOCHANEK, Stanley A. India: Government and Politics in a Developing Nation. Boston: Thomson, 2008.
  • KATZ, Andrea Scoseria. Making Brazil Work? Brazilian Coalitional Presidentialism at 30 and its Post-Lava Jato Prospects. Revista de Investigações Constitucionais, Curitiba, v. 5, n. 3, p. 77-102, set./dez. 2018.
  • LACERDA, Alan Daniel Freire de. Sistemas de governo: organizando a relação entre Executivo e Legislativo. Curitiba: Appris, 2016.
  • LEE, Youngjae. Law, Politics, and Impeachment: The Impeachment of Roh Moo-hyun from a Comparative Constitutional Perspective. The American Journal of Comparative Law, [s.l.], v. 53, n. 2, p. 403-432, 2005.
  • LIJPHART, Arend. Modelos de democracia: desempenho e padrões de governo em 36 países. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.
  • LINZ, Juan J. Democracy: Presidential or Parliamentary. Does it Make a Difference? Latin American Program of the Woodrow Wilson International Center for Scholars, and the World Peace Foundation, 1985. Disponível em: Disponível em: https://pdf.usaid.gov/pdf_docs/PNABJ524.pdf Acesso em: 14 jan. 2024.
    » https://pdf.usaid.gov/pdf_docs/PNABJ524.pdf
  • LUIZ, Bruno; NEVES, Giordanna. Gilmar Mendes defende semipresidencialismo e critica baixa responsabilidade do Congresso. UOL, 21 fev. 2022. Disponível em: Disponível em: https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2022/02/21/gilmar-defende-semipresidencialismo-e-critica-baixa-responsabilidade-do-congresso.htm Acesso em: 14 jan. 2024.
    » https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2022/02/21/gilmar-defende-semipresidencialismo-e-critica-baixa-responsabilidade-do-congresso.htm
  • MAINWARING, Scott; SHUGART, Matthew Soberg. Juan Linz, Presidentialism, and Democracy: A Critical Appraisal. Comparative Politics, [s.l.], v. 29, n. 4, p. 449-471, jul. 1997.
  • MAOZ, Zeev; SOMER-TOPCU, Zeynep. Political Polarization and Cabinet Stability in Multiparty Systems: A Social Networks Analysis of European Parliaments, 1945-98. British Journal of Political Science, [s.l.], v. 40, n. 4, p. 805-833, out. 2010.
  • MATTES, Robert B. South Africa: Democracy without the People? Journal of Democracy, [s.l.], v. 13, n. 1, p. 22-36, 2002.
  • MAUÉS, Antonio Moreira. 30 anos de Constituição, 30 anos de reforma constitucional. Revista Direito GV, São Paulo, v. 16, n. 1, p. 1-30, e1941, jan./abr. 2020.
  • MEGALI NETO, Almir. Impeachment, direito e política: lições a partir do caso Andrew Johnson. Revista Digital Constituição e Garantia de Direitos, Natal, v. 13, n. 1, p. 148-172, ago./dez. 2020. Disponível em: Disponível em: https://periodicos.ufrn.br/constituicaoegarantiadedireitos/article/view/23303/13970 Acesso em: 1o fev. 2024.
    » https://periodicos.ufrn.br/constituicaoegarantiadedireitos/article/view/23303/13970
  • MILLARD, Frances. Executive-Legislative Relations in Poland, 1991-2005: Institutional Relations in Transition. The Journal of Legislative Studies, [s.l.], v. 14, n. 4, p. 367-393, 2008.
  • NIKOLENYI, Csaba. Government Termination and Anti-Defection Laws in Parliamentary Democracies. West European Politics, [s.l.], v. 45, n. 3, p. 638-662, abr. 2022.
  • NIKOLENYI, Csaba. The Adoption of Anti-Defection Laws in Parliamentary Democracies. Election Law Journal: Rules Politics and Policy, [s.l.], v. 15, n. 1, p. 96-108, mar. 2016.
  • OLIVEIRA, Augusto. Dados de replicação para: as três programações constitucionais contra crises políticas. SciELO Data, 2023. Disponível em: https://doi.org/10.48331/scielodata.FVWSSF. Acesso em: 25 fev. 2024.
    » https://doi.org/10.48331/scielodata.FVWSSF
  • RAYNAUD, Philippe. L’Esprit de la Ve République: l’histoire, le régime, le système. Paris: Perrin, 2017.
  • ROJO, Raúl Enrique. El sistema político argentino. In: TAVARES, José Antônio Giusti; ROJO, Raúl Enrique (orgs.). Instituições políticas comparadas dos países do Mercosul Rio de Janeiro: FGV, 1998. p. 23-152.
  • RUBABSHI-SHITRIT, Ayelet; HASSON, Sharon. The Effect of the Constructive Vote of No-Confidence on Government Termination and Government Durability. West European Politics, [s.l.], v. 45, n. 3, p. 576-590, 2021.
  • SAALFELD, Thomas. Germany: Stability and Strategy in a Mixed-Member Proportional System. In: GALLAGHER, Michael; MITCHELL, Paul (eds.). The Politics of Electoral Systems Oxford: Oxford University Press, 2005. p. 209-230.
  • SARTORI, Giovanni. Comparative Constitutional Engineering: An Inquiry into Structures, Incentives and Outcomes. Londres: Macmillan, 1994.
  • SCHLEITER, Petra; MORGAN-JONES, Edward. Presidents. Assembly Dissolution, and the Electoral Performance of Prime Ministers. Comparative Political Studies, [s.l.], v. 51, n. 6, p. 730-758, 2018.
  • SENADO DOS ESTADOS UNIDOS. Cabinet Nominations Rejected, Withdrawn, or no Action Taken, [s.d.]. Disponível em: Disponível em: https://www.senate.gov/legislative/NominationsRejectedorWithdrawn.htm Acesso em: 14 jan. 2024.
    » https://www.senate.gov/legislative/NominationsRejectedorWithdrawn.htm
  • SHUGART, Matthew Soberg. Semi-Presidential Systems: Dual Executive and Mixed Authority Patterns. French Politics, [s.l.], v. 3, p. 323-351, 2005.
  • SHUGART, Matthew Soberg; CAREY, John M. Presidents and Assemblies: Constitutional Design and Electoral Dynamics. Cambridge: Cambridge University Press, 1997.
  • SHUGART, Matthew Soberg; HAGGARD, Stephan. Institutions and Public Policy in Presidential Systems. In: HAGGARD, Stephan; MCCUBINS, Mathew D. (eds.). Presidents, Parliaments, and Policy Cambridge: Cambridge University Press, 2001. p. 64-102.
  • SILVA, José Afonso da. Presidencialismo e parlamentarismo no Brasil. Revista de Ciência Política, Rio de Janeiro, v. 33, n. 1, p. 9-32, 1989-1990.
  • SOARES, Davi. Temer diz que semipresidencialismo faria “Revolução dos Cravos” no Brasil. Diário do Poder, 3 fev. 2023. Disponível em: Disponível em: https://diariodopoder.com.br/brasil-e-regioes/csa-brasil/temer-diz-que-semipresidencialismo-faria-revolucao-dos-cravos-no-brasil Acesso em: 14 jan. 2024.
    » https://diariodopoder.com.br/brasil-e-regioes/csa-brasil/temer-diz-que-semipresidencialismo-faria-revolucao-dos-cravos-no-brasil
  • SPADARO, Antonio. I diversi tipi di responsabilità del Capo dello Stato nell’attuale forma di governo italiana. Rivista telematica giuridica dell’Associazione Italiana dei Constituzionalisti, [s.l.], n. 1, p. 1-40, 2011.
  • SULISTYO, Hermawan. Electoral Politics in Indonesia: A Hard Way to Democracy. In: CROISSANT, Aurel; BRUNS, Gabriele; JOHN, Marei (eds.). Electoral Politics in Southeast & East Asia Singapura: Friedrich Ebert Stiftung, 2002. p. 75-100.
  • TAYLOR, Michael; HERMAN, V. M. Party Systems and Government Stability. American Political Science Review, [s.l.], v. 65, n. 1, p. 28-37, 1971.
  • THAKUR, Ramesh. The Government and Politics of India Londres: MacMillan, 1995.
  • THEODORO JÚNIOR, Humberto. O parlamentarismo no Brasil. Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, v. 30, n. 28/29, p. 187-210, maio/out. 1985-1986.
  • TOFFOLI defende a adoção do semipresidencialismo no Brasil. Carta Capital, 16 nov. 2021. Disponível em: Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/politica/toffoli-defende-a-adocao-do-semipresidencialismo-no-brasil/ Acesso em: 29 fev. 2024.
    » https://www.cartacapital.com.br/politica/toffoli-defende-a-adocao-do-semipresidencialismo-no-brasil/
  • 1
    Para uma revisão do parlamentarismo na experiência histórica e política brasileira, consultar Silva (1989-1990) e Theodoro Júnior (1985-1986).
  • 2
    Justifica-se o recorte restrito do número de casos por três motivos. Primeiro, pelo esforço de análise institucional desenvolvido na segunda seção, que envolve o levantamento detalhado na construção dos tipos analíticos que poderão ser desdobrados para maior número de casos em futura pesquisa. Segundo, pela ausência de banco de dados sistematizados sobre formação de gabinetes e términos de governo fora da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento (OCDE). Terceiro, pelo trabalho de comparação focada em casos como parte da análise empírica, apresentado na seção 4. A ampliação do número de casos, mantida a estratégia de investigação quantitativa e qualitativa, além de academicamente onerosa, é limitada pelo espaço regularmente disponível nas publicações acadêmicas atuais.
  • 3
    Por exemplo, o ex-presidente Michel Temer afirmou em fevereiro de 2023 que o “semipresidencialismo faria ‘Revolução dos Cravos’ no Brasil”, em clara referência positiva à adoção do sistema de governo português no Brasil (Soares, 2023). O Presidente da Câmara dos Deputados, Artur Lira, manifestou apoio à proposta em análise para adoção do semipresidencialismo no Brasil, com referência ao caso de Portugal (Brandão, 2021). O ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes citou Portugal como um exemplo de semipresidencialismo a ser adotado pelo Brasil (Luiz; Neves, 2022). Outros ministros da Suprema Corte, Dias Toffoli e Roberto Barroso, também fizeram referência ao tema (Toffoli..., 2021).
  • 4
    O critério democrático foi dado pelo Democracy Index (Economist Intelligence Unit, 2020) e o de tamanho, pela dimensão populacional (Banco Mundial, 2023). A amostra qualifica-se por não presumir nenhum comportamento específico da variável de interesse (Geddes, 1990, p. 135), embora não seja aleatória e exaustiva. De qualquer forma, destaca-se que o recorte discricionário restringe a segurança em inferir generalizações. A presente pesquisa, nesse sentido, deve ser complementada por esforços posteriores de investigação com um rol de casos exaustivo, de modo a contribuir com a construção de categorias de análise e de expectativas sobre o comportamento da estabilidade governamental.
  • 5
    A palavra “gabinete” é empregada para o conjunto dos titulares de cargos do Poder Executivo que exercem a função de direção superior da administração pública. Os cargos são chamados de ministros ou secretários, podendo haver títulos específicos vinculados a determinadas funções e estar, ou não, fixados ou limitados quanto ao número nas constituições. Restritivamente, o governo de gabinete é aquele no qual o órgão decide de forma colegiada.
  • 6
    Só existe separação institucional de propósito entre os poderes quando, presumindo um regime democrático: (a) os poderes estão institucionalmente protegidos em relação à capacidade superior de produzir e reformar as normas legais que regem a separação de funções por uma constituição escrita e não flexível e um tribunal constitucional; e (b) o investimento e o controle do ramo executivo do Estado não são dependentes do ramo legislativo (como ocorre no parlamentarismo).
  • 7
    A importância da indicação externa do premier cresce em caso de impasse no parlamento, e pode, eventualmente, determinar a formação do governo ou a necessidade/oportunidade de dissolver o parlamento (Schleiter; Morgan-Jones, 2018).
  • 8
    Regras menos rigorosas, sem impacto em seu comportamento, são encontradas em países com outros sistemas de governo, como em Portugal (cláusula checoslovaca) e no Brasil (fidelidade partidária).
  • 9
    Uma possibilidade adicional é a dissolução do órgão legislativo por convocação antecipada de eleições. Nas repúblicas parlamentaristas, tal capacidade é atribuída ao chefe de Estado. Já nas monarquias parlamentaristas, é atribuída ou ao premier (Reino Unido, Canadá), ou a uma decisão colegiada do gabinete (Espanha, Japão). Na África do Sul, cabe ao presidente. O âmbito da dissolução costuma ser a câmara baixa, com exceção da Itália, na qual atinge ambas as casas do parlamento.
  • 10
    Idealmente, os controles poderiam ser ampliados para incorporar questões econômicas (por exemplo, crises de inflação ou desemprego), sociais (protestos e greves) e políticas (crises de confiança, como denúncias de corrupção). Não existem, salvo melhor juízo, dados sistematizados para essas informações, exceto as econômicas. Portanto, os modelos devem ser compreendidos como um esforço inicial de operacionalização dos conceitos institucionais produzidos nas seções anteriores e interpretados em conjunto com a análise comparativa que segue na próxima seção.
  • 11
    O uso do instrumento para fins de controle político é uma questão recorrente da relação entre poderes no presidencialismo, como expõe Linz (1985). Uma diferença ocorre na Coreia do Sul, que parece dificultar esse uso, pois o impeachment adotado pela câmara única do parlamento deve ser chancelado pela Corte Constitucional (Lee, 2005).
  • 12
    Podem ser referidos: a elevada cláusula de barreira; o favorecimento dos partidos mais votados na obtenção de maioria parlamentar; a abertura para o voto estratégico dos eleitores em favor de partidos aptos para se coligarem no gabinete; o incentivo à nacionalização dos partidos políticos (Saalfeld, 2005).
  • 13
    Também contribui para a mitigação da separação de propósito o sistema eleitoral majoritário com segundo turno da eleição parlamentar, semelhante ao presidencial, o que reproduz localmente as condições de vitória do partido do presidente (sempre que não houver padrões regionais acentuados na preferência eleitoral).
  • 14
    Um exemplo ocorre na Itália. A legislação eleitoral foi alterada com o objetivo de desfragmentar o sistema partidário, o que propiciou coalizões em torno das principais lideranças aptas a obterem a chefia de governo. No entanto, essa coerência não é preservada após as eleições, quando o interesse de assegurar a identificação partidária autônoma em relação à coalizão e ao governo, inclusive para fins eleitorais, incentiva a dispersão da base parlamentar do gabinete e gera instabilidade governamental (D’Alimonte, 2005).
  • Como citar este artigo
    OLIVEIRA, Augusto Neftali Corte de. As três programações constitucionais contra crises políticas: sistemas de governo e estabilidade governamental em grandes democracias. Revista Direito GV, São Paulo, v. 20, e2406, 2024. https://doi.org/10.1590/2317-6172202406
  • Declaração de Disponibilidade de Dados
    O conjunto de dados deste artigo está disponível no SciELO Dataverse da Revista Direito GV, no link: https://doi.org/10.48331/scielodata.FVWSSF.
  • Editora responsável
    Catarina Helena Cortada Barbieri (Editora-chefe)

Disponibilidade de dados

O conjunto de dados deste artigo está disponível no SciELO Dataverse da Revista Direito GV, no link: https://doi.org/10.48331/scielodata.FVWSSF.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Mar 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    21 Fev 2021
  • Aceito
    10 Ago 2023
location_on
Fundação Getulio Vargas, Escola de Direito de São Paulo Rua Rocha, 233, 11º andar, 01330-000 São Paulo/SP Brasil, Tel.: (55 11) 3799 2172 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revistadireitogv@fgv.br
rss_feed Acompanhe os números deste periódico no seu leitor de RSS
Acessibilidade / Reportar erro