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Regime de informação e a noção relacional para a comunicação da ciência

Information regime and the relational notion for science communication

Resumo

A atividade científica e seus produtos têm assumido o papel de dispositivos mediadores na rede digital de informação e conhecimento, o que exige novas formas de mediação, novos agentes mediadores, novas competências, novos hábitos de produzir, acessar e disseminar pesquisas. O objetivo deste ensaio teórico é a análise interpretativa do regime de informação da comunicação científica contemporânea, por meio da abordagem latouriana, considerando os desafios e as oportunidades das tecnologias digitais no contexto contemporâneo. Discute-se as diferentes perspectivas sobre o processo de construção do conhecimento, sobretudo, o papel do cientista frente às novas configurações do atual contexto da revolução científica, a partir das relações conceituais e marcos históricos da comunicação científica, em especial, no que tange ao acesso aberto. A discussão aponta para uma mediação múltipla, quando a própria pesquisa pode ser também um dispositivo de mediação, elemento que integra uma rede complexa na qual humanos e não-humanos são, de forma simultânea, atores, mediadores e intermediários da informação. Conclui-se que a abordagem da noção relacional para o regime de informação da rede digital de informação e conhecimento amplia o escopo de análise para além das interações exclusivamente humanas na comunicação da ciência, contribuindo para uma visão mais holística e precisa das redes complexas que influenciam e moldam as práticas científicas e sociais.

Palavras-chave:
regime de informação; rede de conhecimento; rede digital; comunicação científica

Abstract

Scientific activity and its products have assumed the role of mediating devices in the digital information and knowledge network, which requires new forms of mediation, new mediating agents, new skills, and new habits of producing, accessing, and disseminating research. The objective of this theoretical essay is the interpretative analysis of the information regime of contemporary scientific communication, through the Latourian approach, considering the challenges and opportunities of digital technologies in the contemporary context. Different perspectives on the process of knowledge construction are discussed, and above all, the role of the scientist in the face of the new configurations of the current context of the scientific revolution, based on the conceptual relationships and historical milestones of scientific communication, especially with regard to open access. The discussion points to multiple mediations when the research itself can also be a mediation device, an element that integrates a complex network in which humans and non-humans are, simultaneously, actors, mediators, and information intermediaries. It is concluded that the relational notion approach to the information regime of the digital information and knowledge network expands the scope of analysis beyond exclusively human interactions in science communication, contributing to a more holistic and precise view of the complex networks that influence and shape scientific and social practices.

Keywords:
information regime; knowledge network; digital network; scientific communication

1 Introdução

O desenvolvimento do ser humano, ao longo de sua história, está relacionado aos fenômenos que circunstanciaram a produção de conhecimento, a criação da ciência. Isto, em boa parte se dá em virtude da natureza humana, sempre inquieta por desbravar o desconhecido. As grandes invenções deste século e dos anteriores, por exemplo, vêm a constituir o que aprendemos a conceituar como atividades de pesquisa científica, embora muitas delas não necessariamente foram criadas por quem entendemos, hoje, como cientistas.

Contudo, sabe-se que tais atividades não existiriam sem a coletividade, pois são práticas resultantes da conexão entre sujeitos e objetos, concretude e abstração, início e fim, verdadeiro e falso, e todas as outras multiplicidades que possam modificar a natureza daquilo que se relaciona. Nesta perspectiva, a construção do conhecimento científico na modernidade é marcada pela característica da dimensionalidade, ou seja, para compreendê-lo é importante considerar suas relações em diferentes níveis, seja com a tecnologia, com a política, com a sociedade, ou ainda, com a própria ciência.

É múltipla e é em rede a maneira que se faz ciência. A configuração desse novo regime de informação e comunicação científica tem exigido novas formas de mediação, novos agentes mediadores, novas competências, novos hábitos de produzir, acessar e disseminar pesquisas e, sobretudo, a troca de função na rede de conhecimento, cada vez mais digital, superando barreiras geográficas e institucionais. Assim, procura-se discutir sobre o processo de construção do conhecimento a fim potencializar a reflexão sobre como se dá o regime de informação para a transmissão do conhecimento científico. Para isso, parte da noção relacional entre atores, mediadores e intermediários em uma rede de informação e conhecimento.

Trata-se, portanto, de uma pesquisa teórica, definida por Demo (1985DEMO, Pedro. Introdução à metodologia da ciência. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1985., p. 23), como “[...] aquela que monta e desvenda quadros teóricos de referência.” Por sua natureza reflexiva e interpretativa, é caracterizada como ensaio teórico (Meneghetti, 2011MENEGHETTI, Francis. K. O que é um ensaio-teórico? Revista Administração Contemporânea, Rio de Janeiro, v. 15, n. 2, p. 320-332, 2011. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S1415-65552011000200010 . Acesso em: 20 dez. 2023.
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), e tem como técnica a meta-análise, a qual integra e sintetiza os dados a partir de estudos relevantes sobre o tema, buscando-se argumentar sobre a abordagem da noção relacional, latouriana, para o regime de informação da comunicação científica contemporânea. Embora evidências empíricas não sejam necessárias em um ensaio teórico, a partir de correntes teóricas que trazem como tema de pesquisa o objeto de estudo em tela, fez-se um levantamento de diferentes autorias que abordaram o assunto, apresentando seus argumentos e contra-argumentos para defender a ideia proposta, a fim de trazer originalidade a esses pontos de vista.

Nessa construção, adotou-se como aporte teórico-metodológico, as considerações de J. D. Bernal (1939BERNAL, J. Structure of Proteins. Nature, United Kingdom, n. 143, p. 663-667, 1939. Disponível em: https://doi.org/10.1038/143663a0 . Acesso em: 9 jan. 2024.
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) para delinear o potencial da atividade científica na sociedade em geral e as possíveis mudanças que provoca, acentuando sua função social. A interpretação de Pierre Bourdieu (2004BOURDIEU, Pierre. Para uma sociologia da ciência. Lisboa: Edições 70, 2004.) acerca dos fatos científicos como fatos sociais para acentuar a discussão sobre o campo científico e as negociações realizadas pela comunidade científica. Contudo, para validação da argumentação defendida, recorreu-se a Bruno Latour (2000LATOUR, Bruno. Ciência em ação: como seguir cientistas e engenheiros sociedade afora. São Paulo: Editora da UNESP, 2000., 2013LATOUR, Bruno. Redes, sociedades, esferas: reflexões de um teórico ator-rede. Informática na Educação: teoria e prática, Porto Alegre, v. 16, n. 1, p. 23-36, 2013. Disponível em: https://doi.org/10.22456/1982-1654.36933 . Acesso em: 15 out. 2023.
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) para refletir sobre as construções coletivas como fatos científicos e a configuração da ciência como uma rede, que se conecta por meio de atores humanos e não-humanos, este último, podendo ser dispositivos das tecnologias de informação e comunicação (TIC). Essa diversidade relacional nas agências de atores cria um ambiente complexo, onde diferentes atores têm relevâncias distintas em cada etapa do processo em rede, sendo que nem sempre esse processo segue uma lógica sistêmica. No entanto, essa falta de uniformidade pode trazer riqueza e variedade às interações entre os atores envolvidos.

Acerca desta argumentação, no âmbito da Ciência da Informação, explora-se as influências foucaultianas nas construções teóricas de regime de informação, as quais mostram-se relevantes para a compreensão das dinâmicas de poder presentes nesse campo, permitindo uma análise mais crítica e contextualizada sobre os tipos de relações. Ao incorporar elementos da Teoria do Ator-rede de Latour e o conceito de dispositivo (Foucault), os estudos de Frohmann (1995FROHMANN, Bernd. Taking information policy beyond information science: applying actor network theory. In: ANNUAL CONFERENCE OF THE CANADIAN ASSOCIATION FOR INFORMATION SCIENCE / ASSOCIATION CANADIENNE DES SCIENCES DE L’INFORMATION, 23., 1995. Proceedings [...]. Otawa: CAIS, 1995. ) e González de Gomez (2003GONZÁLEZ DE GÓMEZ, Maria Nélida. Escopo e abrangência da Ciência da Informação e a Pós-Graduação na área: anotações para uma reflexão. Transinformação, Campinas, v. 15, n. 1, p. 31-43, 2003. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/tinf/v15n1/02.pdf . Acesso em: 12 jun. 2023.
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) oferecem uma abordagem interdisciplinar e multifacetada para compreender a complexidade e a influência da informação no mundo contemporâneo.

A partir do dissenso e consenso entre os autores, acredita-se chegar a convergência necessária para reflexão que se objetiva neste trabalho, a qual reside na noção de relação e/ou associação existente no regime de informação para a comunicação da ciência. Assim, utiliza-se de pontos de vista do mesmo objeto, sob perspectivas diferentes, a fim de discutir possibilidades de se vislumbrar potenciais aprofundamentos sobre a temática da comunicação da ciência, sobretudo, no que tange a rede do fluxo informacional da ciência, a qual vem sendo estabelecida, especialmente, pela mediação e uso de TIC.

2 Ressignificação das formas de mediação da comunicação científica

O que realmente significa “o social na ciência” e “a ciência no social”, talvez seja uma forma de conscientizar a importância de ações políticas de informação, e que vem em certas linhas justificar, ou não, a importância do acesso aberto à informação caracteriza a necessidade de recriar ou de criar novas medidas que solucionem os problemas recorrentes.

Visualizando a trajetória da discussão e a projeção da comunicação científica no que diz respeito ao acesso aberto, Harnad (2012aHARNAD, Stevan. Finch fiasco in figures. United Kingdom, 2012a. , 2012bHARNAD, Stevan. Hybrid gold open access and the Cherise cat's grin: how to repair the new open access policy of RCUK.The London School of economics and political science. Departament of Government. The Impact of Social Sciences Blog. London, 3 Sept. 2012b. , 2012cHARNAD, Stevan. Why the UK should not heed the Fich report. The London School of Economics and Political Science. Departament of Government. Impact of Social Sciences Blog. London, 4 July 2012c. ) aponta que os repositórios institucionais e adoção de políticas, por instituições de ensino, pesquisa e agências de fomento, para promoção do autoarquivamento da produção científica certificada são o que mais representam o alcance do objetivo principal do acesso aberto. No entanto, menciona alguns pontos negativos que sugere uma reflexão sobre as possíveis barreiras que impedem o tão sonhado acesso aberto propriamente dito:

  1. pagamento de taxas por parte do autor;

  2. crescimento do acesso aberto dourado1 1 No modelo proposto pela Declaração de Budapeste, a “via dourada” (golden Road) possibilita o acesso livre e imediato às publicações garantido pelas próprias editoras dos periódicos. No entanto, com o Relatório Frinch II, tal acesso passou a ter custos cobertos pelo pagamento de Article Processing Charge (APC). em detrimento do acesso aberto verde2 2 Nesta opção, a “via verde” (green road) os pesquisadores são responsáveis no depósito de seus artigos em repositórios e/ou espaços alternativos de comunicação científica abertos ao público. ;

  3. periódicos certificados estar sob o domínio de grandes corporações que visam lucros;

  4. indústria editorial de periódicos interessada em vender o acesso aberto e obter maiores rendimentos;

  5. lentidão na adoção de novas políticas, por instituições de ensino, pesquisa e agências de fomento para promover o autoarquivamento da produção científica certificada em nível global.

Sem dúvida, as questões que envolvem o acesso aberto à informação científica estão, também, relacionadas ao retorno das pesquisas científicas para o público em geral, principalmente pelo fato de que todas elas são financiadas direta ou indiretamente pela sociedade, conforme já havia sinalizado J. D. Bernal em 1939. Contudo, há os que defendem, por exemplo, que embora a comunicação da informação científica seja benéfica à sociedade, ainda assim, não faz dela um bem público, baseando-se no direito à propriedade legal que garante aos produtores o domínio sobre suas criações (Anderson, 2004ANDERSON, Rick. Open access in the real world: confronting economic and legal reality. College & Research Libraries News, Chicago, v. 65, n. 4, p. 206-208, 2004.).

De fato, como alertou Bourdieu (2004BOURDIEU, Pierre. Para uma sociologia da ciência. Lisboa: Edições 70, 2004., p. 34) “A atividade científica implica custo econômico e o grau de autonomia de uma ciência depende, por sua vez, do grau de necessidade de recursos econômicos que ela exige para se concretizar [...]”. Os países em desenvolvimento e/ou emergentes, por exemplo, teriam alguns obstáculos em ampliar a visibilidade de sua produção científica por não disporem de recursos suficientes para publicar e acessar artigos em periódicos de alto padrão, todavia, teriam os dispositivos de comunicação científica aliados ao Movimento de Acesso Aberto - repositórios institucionais, bibliotecas digitais, arquivos de dados abertos, sites de redes sociais acadêmicas, etc. - que os auxiliariam nesse processo. Tal Movimento, ganhou força com a publicação da Declaração de Budapeste, em 2002, quando foi proposto o acesso à produção científica a todos, o autoarquivamento de artigos em repositórios e a alteração estrutural dos periódicos científicos, indicando com isso a criação de periódicos de acesso aberto, tornado a pesquisa um bem público com acesso sem restrições e custos aos leitores (Budapest Open Access Initiative, 2002BUDAPEST OPEN ACCESS INITIATIVE. Read the original BOAI declaration. Budapest, 2002. ).

Os movimentos de ciência aberta e ciência cidadã são dimensões assumidas do acesso aberto e vêm mesclar suposições herdadas das comunidades de open source com as idiossincrasias das políticas públicas em democracia. Esses movimentos têm proporcionado ferramentas úteis para estabelecer relações frutíferas entre a comunidade científica e os demais atores sociais, ao mesmo tempo que proporcionam uma oportunidade para reafirmar o próprio ethos e as normas estruturantes da chamada república da “ciência polanyiana” (M. Polanyi), bem como os valores da sociologia mertoniana (R. Merton) - sobretudo comunalismo e universalidade (Brandão; Moreira; Tanqueiro, 2021BRANDÃO, Tiago; MOREIRA, Amilton; TANQUEIRO, Sara Ramalho. As políticas de acesso aberto: história, promessas e tensões. Ler História, Lisboa, n. 78, p. 253-276, 2021. Disponível em: https://doi.org/10.4000/lerhistoria.8560 . Acesso em: 8 nov. 2023.
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).

Em contrapartida, grandes instituições de pesquisa, não teriam o financiamento necessário para continuar a desenvolver suas pesquisas (Guédon, 2010GUÉDON, Jean-Claude. Acesso aberto e divisão entre ciência predominante e ciência periférica. In: FERREIRA, Sueli Mara S. Pinto; TARGINO, Maria das Graças (org.). Acessibilidade e Visibilidade de Revistas Científicas Eletrônicas. São Paulo: Senac, 2010. ). A questão financeira permeia esta discussão, pois se torna inviável produzir e publicizar o conhecimento científico sem considerar os custos envolvidos. Alternativas para conceber a distinção entre as tipologias de acesso aberto em periódicos científicos vêm sendo sugeridas, tais como categorias, por exemplo, dourado, verde, híbrido, bronze, fechado, diamante3 3 Para estabelecer uma distinção entre periódicos de acesso aberto da via dourada que não cobram taxa de submissão, Fuchs e Sandoval (2013), sugeriram classificá-los como “diamantes”. .

A Figura 1, ilustra uma síntese de principais iniciativas, declarações e projetos decorrentes da participação conjunta de sociedades e organizações científicas, universidades, editores, cientistas e bibliotecários que em seis décadas contribuíram para o livre acesso à informação.

Figura 1 -
Infográfico da evolução histórica em favor do acesso aberto à informação

Iniciativas para o acesso aberto indicam um novo redimensionamento na estrutura de geração, armazenamento, comunicação e acesso à informação, o que Lévy (2000LÉVY, Pierre. A revolução contemporânea em matéria de comunicação. In: MARTINS, Francisco Menezes; SILVA, Juremir Machado (org.). Para navegar no século XXI: tecnologias do imaginário e cibercultura. 2 ed. Porto Alegre: Sulina, 2000., p. 198) descreve como desintermediação. O termo “desintermediação”, no âmbito das áreas do conhecimento que têm como objeto a informação e a comunicação, significa o acesso a informações sem a assistência ou interferência de um profissional da informação, ou ainda de intermediários institucionais - bibliotecas, escolas, televisão, rádio, editoras, etc. Esse fenômeno, desencadeado pelo surgimento do ciberespaço, permite que qualquer pessoa, por exemplo, possa publicar um texto sem a avaliação de uma editora.

Essa tendência preconiza o renascimento ou a ressignificação das formas de mediação da informação tradicionais, ou ainda, uma mudança no papel dos agentes de mediação, direcionando a questões que envolvem, por exemplo, a autonomia do usuário - autor, leitor - em escolher o dispositivo de comunicação que será disponibilizado o seu documento, mas que nesse momento não fazem parte do objeto desta pesquisa. Obviamente que, em certas situações onde há problemas de alfabetização e/ou competências em informação, falta de acesso à internet ou outros dispositivos de comunicação e informação, a mediação da informação tradicional e seus agentes manterão seus papéis, mas reflete-se aqui sobre o encadeamento de mudanças na comunicação científica, sobretudo, nos aspectos contemporâneos que envolvem o acesso, uso e produção.

Para Fourie (2001FOURIE, Ina. Debemos tomarnos en serio la desintermediación? Anales de Documentación: Revista de Biblioteconomía e Documentación, Murcia, v. 4, p. 267-282, 2001. , p. 269) mesmo na busca de informações por um usuário final sem a necessidade de interferência de terceiros “[...] não significa que a figura do profissional da informação como mediador esteja obsoleta: nem todos os usuários finais têm tempo ou interesse em realizar suas próprias buscas”, mas sim o empoderamento e autonomia desses usuários. O acesso aberto à informação, potencializado pelas TIC, abre possibilidades para formas inovadoras de mediação. No que concerne às instituições, organizações e/ou profissionais responsáveis pela disseminação da informação científica, por exemplo, editoras, bibliotecas, universidades, que irão mediar tais informações, mas os serviços e produtos informacionais que desenvolvem, ou quem sabe, as análises que fazem sobre a organização, busca e recuperação da informação na web, a melhoria dos sistemas de informação e suas interfaces, tornado tal processo mais transparente e acessível ao usuário final, observando-se sob o viés da CI.

Em virtude desses avanços e reconstruções para criação de um novo modelo para o sistema de comunicação científica, é necessário pensar sobre o comportamento dos usuários e produtores da informação frente aos canais formais e informais de informação. Nessa diversificação, chamada por Bauman (2001BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.) de “sociedade da modernidade líquida” e por Castells (1999CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra, 1999.) de “sociedade em rede”, “As novas tecnologias da informação estão integrando o mundo em redes globais de instrumentalidade. A comunicação mediada por computadores gera uma gama enorme de comunidades virtuais.” (Castells, 1999CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra, 1999., p. 57).

No cenário atual, considera-se a inexistência de lugar para uma ciência isolada, mesmo em disputas orientadas pelo prestígio e reconhecimento dentro de um campo científico. A produção científica está também associada à cooperação em rede, quando cada ator dessa rede tem autonomia para receber, produzir e distribuir mensagens e, diante das possibilidades promovidas pela web, tal rede é caraterizada não mais de um para todos, pois passa a ser de todos para todos, criando com isso, espaço para outros tipos de mediadores e mediações.

2.1 As redes de informação e conhecimento como um fenômeno social e tecnológico

As redes de informação contemporâneas estão diretamente associadas ao uso da tecnologia. Entretanto, importante ressaltar, conforme apresentado por Burke (2003BURKE, Peter. Uma história social do conhecimento - I: de Gutemberg a Diderot. Rio de Janeiro: Zahar, 2003.), que as redes de informação surgiram bem antes da revolução tecnológica. Na Idade Média, grupos de estudiosos leigos cultos, chamados de letrados por Burke, organizavam-se para “manter” o conhecimento, ou ainda, o seu domínio. O surgimento de cidades e das universidades possibilitaram construir “rotas de conhecimento” e, em alguns casos, estudiosos migravam de seus lugares de origem - distantes dos centros de saber - para outras regiões em busca de conhecimento.

A partir de então, mais precisamente com o Renascimento, surgem as sociedades científicas, sugerindo o aparecimento também de uma identidade coletiva, encorajando o desenvolvimento de comunidades intelectuais. Nesse cenário, as bibliotecas, as livrarias e as salas de café se constituem como sedes de conhecimento, facilitando sua circulação:

Os espaços públicos das cidades facilitavam a interação entre homens de ação e homens do conhecimento, entre nobres e artesãos, entre o trabalho de campo e o gabinete, em suma entre diferentes conhecimentos. As formas de sociabilidade tinham - e ainda têm - influência sobre a distribuição e até mesmo sobre a produção do conhecimento (Burke, 2003BURKE, Peter. Uma história social do conhecimento - I: de Gutemberg a Diderot. Rio de Janeiro: Zahar, 2003., p. 57).

As rotas comerciais estavam alinhadas aos fluxos de informação sobre dados geográficos de outras terras, ou ainda, de outras tantas informações importantes para a cultura mercantil. Fato esse que potencializou a invenção de fontes de informação que auxiliassem tais viagens, surgindo assim as obras de referências - atlas, enciclopédias, bibliografias, dicionários etc. A dessacralização do livro e o aumento do número de periódicos - importantes aliados para a aquisição do conhecimento, pois facilitavam o aprendizado - impulsionaram ainda mais o desenvolvimento de redes de informação (Burke, 2003BURKE, Peter. Uma história social do conhecimento - I: de Gutemberg a Diderot. Rio de Janeiro: Zahar, 2003.).

Assim, entende-se que as redes de informação são um fenômeno social. Há uma necessidade mútua de comunicar e fazer o intercâmbio de informações. No âmbito da comunicação científica, tais redes são concretizadas por meio de canais de comunicação formal, que envolvem as informações que são publicadas, a exemplo dos livros e periódicos. Já os canais de comunicação informal, embora limitados a destinatários específicos, são mais rápidos e eficazes para a transmissão de informação. Os mais tradicionais são as palestras, seminários e conferências, grupos de pesquisa, e de forma mais inovadora, possibilitada pelas TIC, os blogs, aplicativos móveis de mensagens, sites de redes sociais.

Mas, destaca-se que essas redes de informação e comunicação não existiriam se não houvesse as redes humanas e, ao se tratar da comunidade científica, essas redes possuem como atores mais influentes os principais pesquisadores de uma determinada área do conhecimento, elas são os nós fundamentais para a disseminação de informações, seriam assim, tal como colégios invisíveis, que para Meadows (1999MEADOWS, Arthur Jack. A comunicação científica. Brasília: Briquet de Lemos, 1999., p. 143) “[...] teriam a aparência de uma rede totalmente interconectada para a transferência melhor possível de informações.”.

Por outro lado, a concepção que se tem sobre colégios invisíveis, como uma relação hierárquica orientado a um status quo definida por regras e normas, um grupo dominante, uma elite científica, conforme foi discutido por Price e Beaver (1966PRICE, Drerek de Solla; BEAVER, Donald B. Collaboration in an invisible college. The American Psychologist, Washington, v. 21, n. 11, p. 1001-1018, 1966. Disponível em: https://doi.org/ 10.1037/h0024051 . Acesso em: 20 dez. 2023.
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), pode impossibilitar o fluxo informacional. Nesse formato, é natural um pesquisador aprendiz esperar pelas informações que o pesquisador experiente trará ao grupo a partir das relações que possui com outros pesquisadores do mesmo nível. Esse tipo de barreira na troca de informação vem sendo suplantada pelas TIC, quando possibilita novas oportunidades de pesquisa colaborativa, além da “[...] tendência a igualar as diferenças entre distintos níveis de usuários.” (Meadows, 1999MEADOWS, Arthur Jack. A comunicação científica. Brasília: Briquet de Lemos, 1999., p. 113).

Esse movimento em torno do trabalho coletivo, isto é, que não é exclusivo para alguns privilegiados, é chamado por Lévy (2000LÉVY, Pierre. A revolução contemporânea em matéria de comunicação. In: MARTINS, Francisco Menezes; SILVA, Juremir Machado (org.). Para navegar no século XXI: tecnologias do imaginário e cibercultura. 2 ed. Porto Alegre: Sulina, 2000., p. 28) de inteligência coletiva, que é “[...] uma inteligência distribuída por toda parte, incessantemente valorizada, coordenada em tempo real, que resulta em uma mobilização efetiva das competências.”. Para o autor a inteligência coletiva é potencializada no ciberespaço, onde a interação e a colaboração acontecem com maior velocidade, desprezando as barreiras de tempo e espaço, fortalecendo a participação mais ativa de seus usuários, instaurando um processo colaborativo por meio das relações e das redes.

A comunicação, então mediada pelo computador, impacta diretamente nos fluxos de informações e nas interações que essas trocas sociais desencadeiam, ou seja, na rede não há como isolar uma informação, nela tudo é percebido, pois, todos estão estruturalmente conectados. A inteligência coletiva fundamenta, ainda segundo Lévy e Authier (1995LÉVY, Pierre; AUTHIER, Michel. As árvores de conhecimentos. São Paulo: Escuta, 1995.), a concepção da “Árvore do Conhecimento”, que para os autores permite representar e organizar uma comunidade científica, ao identificar a partir das singularidades de cada um dos sujeitos que a compõem, o saber coletivo.

Contudo, faz-se necessário pontuar que o uso de tecnologias como parte do processo relacional das redes de informação da comunicação científica traz consigo desafios relacionados à necessidade de desenvolvimento de novas competências e hábitos para produzir, acessar e disseminar pesquisas científicas. A era digital demanda novas formas de mediação e agentes mediadores aptos a lidar com a complexidade destas redes, além de se adaptarem às constantes mudanças no ambiente digital.

É essencial garantir que o acesso equitativo às tecnologias de comunicação científica seja uma prioridade, a fim de promover uma participação mais ampla e representativa na comunidade científica. Isso pode ser alcançado por meio de políticas e investimentos que visem reduzir a disparidade no acesso e uso de tecnologias. Outro aspecto crucial, é assegurar a qualidade e a confiabilidade das informações científicas on-line, dada a facilidade de acesso e disseminação, que pode resultar na propagação de informações imprecisas ou falsas. Portanto, é fundamental que os mediadores da informação científica na rede digital tenham habilidades em avaliar criticamente e organizar as informações disponíveis, garantindo, assim, a qualidade e a confiabilidade das informações compartilhadas.

3 Os atores sociais, os mediadores e os intermediários da rede de informação e conhecimento

Se a desintermediação da informação indica a existência de novas formas de mediação e novos agentes mediadores, qual o papel do cientista no processo de produção científica frente às novas configurações do atual contexto da revolução científica? Vimos até aqui que a partir de uma demanda, também social, um cientista não é mais interpretado como um criador solitário dentro de um laboratório, contudo, isso não é suficiente para justificar a existência de uma comunidade científica. Na verdade, fundamentar a importância da comunidade científica, significa dizer que a figura do cientista está relacionada a tantos outros que, ao acreditarem em suas pesquisas, tornam-se aliados.

Tal parceria pode ser entendida como uma negociação, um elemento do atual estágio da ciência baseada na comunicação, uma rede digital de informação que possibilita uma atividade científica adquirir valor e autenticidade à medida em que é conhecida por outros. Nessa perspectiva, a atividade científica, pode ser compreendida como dispositivo mediador no processo de comunicação científica, e não apenas a figura do cientista em si mesmo.

Na perspectiva de Foucault (2005FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. 21ed. Rio de Janeiro: Graal, 2005. ), entende-se por dispositivo:

[...] um conjunto decididamente heterogêneo que engloba discursos, instituições, organizações arquitetônicas, decisões regulamentares, leis, medidas administrativas, enunciados científicos, proposições filosóficas, morais, filantrópicas. Em suma, o dito e o não dito são os elementos do dispositivo. O dispositivo é a rede que se pode tecer entre estes elementos. [...] entendo dispositivo como um tipo de formação que, em um determinado momento histórico, teve como função principal responder uma urgência. O dispositivo tem, portanto, uma função estratégica dominante (Foucault, 2005FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. 21ed. Rio de Janeiro: Graal, 2005. , p. 244, grifo nosso).

A partir do ponto de vista de Foucault, infere-se que o dispositivo tem um caráter híbrido e é constituído a partir de uma necessidade comum a um grupo e/ou comunidade. No contexto deste estudo, o dispositivo se configura como uma atividade científica, a qual também exerce a função de mediação numa rede de informação e conhecimento, formada por elementos que se articulam em torno de um poder simbólico, representado pela produção científica.

Por esse aspecto, o dispositivo também é um instrumento de poder com variadas dimensões, sendo que as ações produzidas em conjunto são resultados das práticas e mecanismos criados em torno de um objetivo comum, estabelecendo-se, dessa maneira, como uma estratégia neste regime de informação. No contexto da compreensão do regime de informação, enquanto a representação de uma rede, González de Gómez (2003GONZÁLEZ DE GÓMEZ, Maria Nélida. Escopo e abrangência da Ciência da Informação e a Pós-Graduação na área: anotações para uma reflexão. Transinformação, Campinas, v. 15, n. 1, p. 31-43, 2003. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/tinf/v15n1/02.pdf . Acesso em: 12 jun. 2023.
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), aponta que:

[...] um modo de produção informacional dominante em uma formação social, conforme o qual serão definidos sujeitos, instituições, regras e autoridades informacionais, os meios e os recursos preferenciais de informação, os padrões de excelência e os arranjos organizacionais de seu processamento seletivo, seus dispositivos de preservação e distribuição. Um ‘regime de informação’ constituiria, logo, um conjunto mais ou menos estável de redes sociocomunicacionais formais e informais nas quais informações podem ser geradas, organizadas e transferidas de diferentes produtores, através de muitos e diversos meios, canais e organizações, a diferentes destinatários ou receptores, sejam estes usuários específicos ou públicos amplos (González de Gómez, 2003GONZÁLEZ DE GÓMEZ, Maria Nélida. Escopo e abrangência da Ciência da Informação e a Pós-Graduação na área: anotações para uma reflexão. Transinformação, Campinas, v. 15, n. 1, p. 31-43, 2003. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/tinf/v15n1/02.pdf . Acesso em: 12 jun. 2023.
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, p. 34, grifo nosso).

Já para Frohmann (1995FROHMANN, Bernd. Taking information policy beyond information science: applying actor network theory. In: ANNUAL CONFERENCE OF THE CANADIAN ASSOCIATION FOR INFORMATION SCIENCE / ASSOCIATION CANADIENNE DES SCIENCES DE L’INFORMATION, 23., 1995. Proceedings [...]. Otawa: CAIS, 1995. , p. 5-6, tradução nossa), o regime de informação na contemporaneidade está associado às relações sociais e as formas específicas de poder exercidas entre seus atores, um mapeamento dos processos que o envolvem e que resultam da mediação de conflitos entre grupos sociais e seus discursos, é “[...] qualquer sistema ou rede mais ou menos estável em que fluxos de informação transitam por determinados canais - de produtores específicos, por meio de estruturas organizacionais - para consumidores ou usuários específicos [...]”. Esses atores sociais coadunam dos mesmos conceitos, pois compartilham de um contexto possível de ações e estão de acordo em suas ações porque compartilham de uma rede comum de conceitos, de ideias.

Assim, ao observar a pesquisa científica a partir da análise da informação e suas ações, conforme as modalidades expostas por González de Gómez (2003GONZÁLEZ DE GÓMEZ, Maria Nélida. Escopo e abrangência da Ciência da Informação e a Pós-Graduação na área: anotações para uma reflexão. Transinformação, Campinas, v. 15, n. 1, p. 31-43, 2003. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/tinf/v15n1/02.pdf . Acesso em: 12 jun. 2023.
http://www.scielo.br/pdf/tinf/v15n1/02.p...
), apresenta-se algumas categorias:

  1. modo restrito: relacionadas às múltiplas formas culturais de produção de sentido - ação de mediação - ontologias classificatórias, regras e usos coletivos de narradores -;

  2. meta-informacional: estipula um domínio relacional, representa o valor da informação - ação formativa - regulatória, enquadramento, monitoramento, controle da informação;

  3. mediação sociocultural: aquilo que disponibiliza e deixa disponível - ação relacional -regras de uso para geração e transmissão, padrões organizacionais, modelos técnicos.

Essas categorias das ações de informação regulam e dão forma aos regimes de informação. Ao tratar sobre o regime de informação de uma rede de informação e conhecimento, tendo como dispositivo mediador a pesquisa:

O que ‘fixa’ um significado, um discurso, ou pode pré-configurar um ‘artefato de informação’ em alguma de suas dimensões, não seria logo e em primeiro lugar a base material da inscrição, e sim as condições institucionais e as relações socioculturais entre os sujeitos - incluídas as relações de poder que articulam os artefatos e as infraestruturas de informação em regimes de informação (González de Gómez 2003GONZÁLEZ DE GÓMEZ, Maria Nélida. Escopo e abrangência da Ciência da Informação e a Pós-Graduação na área: anotações para uma reflexão. Transinformação, Campinas, v. 15, n. 1, p. 31-43, 2003. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/tinf/v15n1/02.pdf . Acesso em: 12 jun. 2023.
http://www.scielo.br/pdf/tinf/v15n1/02.p...
, p. 35).

Na ação formativa, por exemplo, a pesquisa ao ser apresentada e comunicada, seja em um congresso ou outro canal de comunicação científica, adquire autenticidade, prestígio, o caráter de pesquisa científica. Isso dá-se em virtude das interações entre os atores sociais que partilham de uma mesma ideia, configurando uma relação de poder ao se articularem.

3.1 O regime de informação e a noção de relacional

A atividade científica e seus produtos assumem o papel de dispositivos mediadores em uma rede digital de informação e conhecimento, espaço de interação entre a sabedoria prática - práxis -, o saber-fazer - poiesis -, e a experimentação - legein -, ao estabelecerem conexões entre os nós, que são seus produtores juntamente com seus pares e/ou aliados, que para Latour (2000LATOUR, Bruno. Ciência em ação: como seguir cientistas e engenheiros sociedade afora. São Paulo: Editora da UNESP, 2000.), esses produtos são vistos como fatos científicos ou artefatos.

Nesta lógica, a ciência é percebida como mobilizadora do mundo por meio de seus produtos. As ações de informação promovem a inovação dentro e fora da rede, pois essas ações não são geradas por um único produtor, um indivíduo isolado, mas apoiado no partilhamento da memória, da percepção e da imaginação, da aprendizagem coletiva e troca de conhecimentos, que articulam entre si e o mundo (Figura 2).

Figura 2 -
Regime de informação da rede digital de informação e conhecimento

No livro Ciência em Ação: como seguir cientistas e engenheiros sociedade afora, Latour (2000LATOUR, Bruno. Ciência em ação: como seguir cientistas e engenheiros sociedade afora. São Paulo: Editora da UNESP, 2000.) traz a figura do laboratório, como espaço de tradução, intermediação e/ou mediação entre humanos - pesquisadores, colaboradores, aprendizes, técnicos - e não humanos - computadores, instrumentos, dados etc. -, para analisar o conjunto de práticas e métodos usados para produzir informação e conhecimentos no contexto sociocultural, na dinâmica das redes sociais que dão sustentabilidade a produção científica.

No contexto apresentado na Figura 2, fazendo analogia ao discurso de Latour, a produção científica, resultado do trabalho desenvolvido em laboratório, desloca-se em direção à rede de ações que se amplia até os mais dispares atores. Isso nos dá a compreensão que nesse regime de informação o deslocamento se torna imprescindível para que, de fato, a pesquisa se torne científica.

O regime de informação da rede digital de informação e conhecimento, enquanto representação do fluxo informacional da comunicação da ciência, enfatiza a importância das relações entre os diferentes atores envolvidos. Isso significa que a troca de informações não é apenas unilateral, mas também baseada em diálogo e interação mútua. Essa representação reconhece que a comunicação da ciência é um processo dinâmico e complexo, onde a construção de conhecimento ocorre através do engajamento e colaboração entre cientistas e outros atores relevantes. Através da noção relacional para o regime de informação da comunicação da ciência, potencializa-se a compreensão e o envolvimento do público com a ciência, promovendo uma comunicação mais efetiva e inclusiva.

Portanto, são as ações de mediação, as ações relacionais e as ações formativas promotoras das mudanças necessárias para que uma pesquisa, um fato científico, possa interessar a outros além do laboratório - outros cientistas, indústrias, aprendizes, universidades, governo, etc. Esse movimento, quando se pensa em rede, acontece coletivamente. Latour (2000LATOUR, Bruno. Ciência em ação: como seguir cientistas e engenheiros sociedade afora. São Paulo: Editora da UNESP, 2000., p. 260) adverte que “[...] esquecemos de acompanhar simultaneamente os cientistas de dentro e de fora; esquecemo-nos das muitas negociações que os de fora precisam realizar para que os de dentro existam.”

Essas negociações são resultantes das relações entre ciência e sociedade, ciência e política, política essa, atrelada aos interesses desses atores sociais que possibilitam um fato se tornar científico. Talvez esteja aqui o ponto convergente entre o discurso de Bourdieu e Latour, ambos apresentam a noção de relacional, em que para o primeiro, respectivamente, as relações estão condicionadas ao poder, um capital simbólico, negociado em um campo científico, e para o outro, essas relações se baseiam na construção de alianças entre os atores sociais, explicada por meio da Teoria Ator-Rede, do inglês Actor-Network Theory (ANT).4 4 Também conhecida como Sociologia das Associações e Sociologia do Social, a Teoria Ator-Rede, desenvolvida a partir da década de 1970, tem como precursores Michel Callon, John Law e Bruno Latour. Analisa os fluxos de produção do conhecimento, considerando os atores humanos e os não humanos. Considera, portanto, que cada nó em uma rede é criado a partir de suas conexões, associações com outros nós em uma perspectiva relacional e complexa, isto é, todos possuem a mesma relevância dentro da rede.

Em suma, na perspectiva sociológica da ciência bourdieusiana, vê-se um tipo de relação, já para a sociologia latouriana, há muitos e variados tipos de relações ou associações. É nesse conceito que os dois convergem, mas é no mesmo lugar que suas posições estão dispersas. Assim, a convergência entre as perspectivas apresentadas é o ponto de reflexão neste ensaio, pois acredita-se que as relações promovem o fluxo e movimentação das pesquisas e seus objetos.

Nessa circulação, todos são produtores e ao mesmo tempo usuários, pois o conhecimento produzido é distribuído e redistribuído, se espalha, se divide, se amplia, se entrelaça entre seus atores. Tem-se com isso o ponto de partida para a noção de rede apresentada na nova história da ciência, em que é “[...] útil sempre que a ação seja redistributiva” (Latour, 2013LATOUR, Bruno. Redes, sociedades, esferas: reflexões de um teórico ator-rede. Informática na Educação: teoria e prática, Porto Alegre, v. 16, n. 1, p. 23-36, 2013. Disponível em: https://doi.org/10.22456/1982-1654.36933 . Acesso em: 15 out. 2023.
https://doi.org/10.22456/1982-1654.36933...
, p. 24).

Contudo, é importante ressaltar que tal como fora debatido no século passado, a informação não deve ser vista apenas como matéria-prima para o conhecimento, com direcionamento já preestabelecido - da mente humana para a mente humana, conforme proposto por Shannon e Weaver em 1949 (Shannon; Weaver, 1975SHANNON, Claude E.; WAEVER, Warren. A teoria matemática da comunicação. São Paulo: DIFEL, 1975.) na Teoria Matemática da Comunicação. Ou ainda, em uma concepção mais moderna, que a máquina - o computador, ou qualquer objeto não humano - tenha potencial cognitivo para estabelecer relações.

Os aspectos cognitivos humanos, por exemplo, compreendidos por meio da abordagem piagetiana, podem exemplificar as principais diferenças entre o homem e a máquina. É verdade que já houve comparações entre o cérebro humano e o sistema de armazenamento de dados de um computador - memória RAM -, entretanto, essa comparação é incoerente. A mente humana, ao armazenar informações, passa por um processo cognitivo contínuo de acumulação, que se associa a cada nova informação, sendo impossível voltar ao início desse processo exatamente como ele começou. Já a máquina, as informações armazenadas podem ser apagadas a qualquer momento por um agente humano, bem como a realização de um backup, corrigindo erros, ou até mesmo voltar às configurações anteriores, o que torna impossível tal semelhança (Primo, 2011PRIMO, Alex. Interação mediada por computador: comunicação, cibercultura, cognição. 3. ed. Porto Alegre: Sulina , 2011. ).

Nesse sentido, ao compreender os aspectos semânticos e cognitivos da informação efetivados pelos agentes humanos, acredita-se na impossibilidade de um agente não humano - uma máquina - evoluir no mesmo sentido interacional que um ser humano, salvo se este lhe der comandos para tal. Por isso, entende-se aqui, que a interação pode ser compreendida como a ação que estimula a comunicação entre os indivíduos (Recuero, 2009RECUERO, Raquel. Redes sociais na Internet. Porto Alegre: Sulina , 2009. , p. 30).

Primo (2011PRIMO, Alex. Interação mediada por computador: comunicação, cibercultura, cognição. 3. ed. Porto Alegre: Sulina , 2011. ) defende que a interação é uma ‘ação entre’, uma relação que se estabelece de forma dinâmica e colaborativa entre os participantes do encontro. O termo “Interação Mediada por Computador (IMC)” desenvolvido pelo mesmo autor, a partir de estudos sobre interatividade baseados nas definições de teóricos, tais como Warren Weaver (1978WAEVER, Warren. A teoria matemática da comunicação. In: COHN, Gabriel (ed.). Comunicacão e indústria cultural. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1978.) e Jens F. Jensen (1999JENSEN, Jens F. The concept of “Interactivity” in interactive television. In: JENSEN, Jens F.; TOSCAN, Cathy (ed.). Interactive Television: TV of the future or the future of TV? Aalborg: Aalborg Universitetsforlag, 1999. ), foi interpretado sob uma abordagem sistêmico-relacional em que o computador é observado como o canal de diálogo e o interagente é o responsável pela transmissão do conteúdo intercambiado.

A interação mediada por computador pode ser analisada sob duas perspectivas: a interação mútua e a interação reativa (Primo, 2011PRIMO, Alex. Interação mediada por computador: comunicação, cibercultura, cognição. 3. ed. Porto Alegre: Sulina , 2011. ). A interação mútua é percebida quando não há um padrão específico para a comunicação. Ela é baseada nas mudanças que ocorrem dentro de um relacionamento e que, por sua vez, estimulam a atualização dos comportamentos em relação ao outro. Primo (2011PRIMO, Alex. Interação mediada por computador: comunicação, cibercultura, cognição. 3. ed. Porto Alegre: Sulina , 2011. ) apresenta características primárias e secundárias para qualificar a interação. As primárias são relacionadas ao tempo - descontinuidade, sintonia, reciprocidade, intimidade -, as secundárias relacionadas às emoções - intensidade, intimidade, confiança e compromisso.

Diferentemente do que ocorre na interação mútua, que envolve as emoções humanas e as consequências oriundas da relação que é estabelecida, na interação reativa se tem uma relação preestabelecida. O programador executa comandos para a máquina (computador) e este, independentemente das reações humanas, conclui sua tarefa, ou seja, a máquina recebe ordens e segue um padrão (Primo, 2011PRIMO, Alex. Interação mediada por computador: comunicação, cibercultura, cognição. 3. ed. Porto Alegre: Sulina , 2011. ).

Outra diferença a salientar é que, ao contrário da interação mútua, quando os conflitos ajudam a melhorar uma relação, na interação reativa, os conflitos representam um erro, um choque, a parada de algo sendo processado. Isso ocorre porque entre máquinas não existe cooperação, e sim a simples ação de funcionar.

Tomando-se o entendimento sobre o ciclo do desenvolvimento humano, segundo Floridi (2014FLORIDI, Luciano. The fourth revolution. How the infosphere is reshaping human reality. Oxford: Oxford University Press, 2014.), desencadeada pela infosfera, a humanidade está vivenciando uma quarta revolução, que envolve a internet das coisas (IoT) e inteligência artificial (IA). Sobre esta última inteligência, para Santaella (2023SANTAELLA, Lucia. A inteligência artificial é inteligente? São Paulo: Almedina/Edições 70, 2023.), tanto o aprendizado de máquina quanto o aprendizado humano têm potencial e limitações. A aprendizagem é a base da inteligência, comparando a inteligência humana e os algoritmos. A autora traz a reflexão sobre pressupostos antropocêntricos que elevam os humanos como os únicos seres inteligentes e destaca a importância da aprendizagem em ambos os contextos, bem como as diferenças fundamentais entre os humanos e a inteligência artificial. Traz, portanto, a problemática em torno da consciência, mostrando que ser inteligente não significa necessariamente estar consciente, chegando-se à compreensão de que a inteligência humana e a inteligência artificial não competem, ao contrário, complementam-se.

Em suma, as discussões acima suscitadas são para enfatizar que a mediação múltipla que se presume ocorrer no regime de informação de uma rede digital de informação científica, quando a própria pesquisa pode ser também um dispositivo de mediação, e ainda, integrante dessa rede complexa na qual humanos e não-humanos são vistos como atores, não significa comparar a máquina ao humano, mas, sobretudo, considerar os meios tecnológicos como mediadores e intermediadores das redes sociais de informação, coadunando neste ponto, com a sociologia latouriana, em que uma rede é formada e caracterizada por todos os elementos que possibilitam a interação e construção do conhecimento.

Pensar o regime de informação da comunicação científica contemporânea, sob a abordagem relacional, baseada na Teoria Ator-Rede, não significa dizer que o regime já vivenciado não seja necessariamente relacional, mas nos permite compreender as relações sociais entre a ciência e a sociedade em geral, levando em conta a multiplicidade de mediadores e a complexidade da rede de informação e conhecimento, a partir de uma interação não-hierárquica. Assim, a expressão “rede”, aqui empregada, engloba a diversidade de agências e atuações, reunindo dispositivos que facilitam a interação e construção do conhecimento, incluindo atores humanos e não-humanos, tecnologias de informação e comunicação (TIC) e outros mediadores, reconhecendo que todos desempenham papéis fundamentais na produção e estabilização das redes de conhecimento. Dessa forma, a rede é uma estrutura que possibilita a conexão entre diversos elementos e atores, contribuindo para a construção coletiva do conhecimento científico.

Nos últimos anos, com o surgimento da ciência aberta e a promoção de políticas de acesso aberto, bem como o incentivo a publicação de preprints, prepapers, e o surgimento de novas instâncias de comunicação científica, tais como sites de redes sociais acadêmicas (ResearchGate, Academia.edu, Mendeley, Citeulike, Collabrx, por exemplo), assistimos a transformação na forma como a ciência é comunicada. Estas inovações redefinem o regime de informação em contextos científicos, e os coloca em constante adaptação às demandas sociais.

4 Conclusões

O conhecimento científico tem seu lugar de destaque na sociedade devido as descobertas científicas que, consequentemente, vêm favorecer a evolução da humanidade. Dessa maneira, entende-se que a comunicação da ciência como uma estratégia organizacional para possibilitar o compartilhamento do conhecimento com a sociedade e, sobretudo, possibilitar a troca de informação entre os cientistas. Este ensaio buscou refletir como os paradigmas que norteiam as relações sociais estão repercutindo entre os diversos atores do sistema de comunicação da ciência. Assim, buscou explorar como se dá as relações em uma rede de informação e conhecimento científico, a partir da categorização das ações de informação que dão forma e manutenção ao regime de informação desta rede.

A abordagem da noção relacional, amparada em Latour, para discutir sobre o regime de informação da comunicação científica, visou desvelar e problematizar as redes de interações entre cientistas, instituições, tecnologias e outros dispositivos que moldam a comunicação científica atual. Tal análise contribui para uma compreensão holística e contextualizada desse processo, permitindo, assim, uma reflexão crítica sobre os desafios e possibilidades das dinâmicas presentes na produção e disseminação do conhecimento científico. Destaca-se, ainda, como base da argumentação deste ensaio, a pesquisa científica não apenas como um resultado, mas um dispositivo de mediação direta entre a ciência e a sociedade em geral.

Entende-se que a comunicação científica é um produto das práticas sociais. A concepção da ciência como atividade social, potencializa a premissa de que as relações entre a ciência e outras instituições sociais são imprescindíveis para a construção e formação do conhecimento científico - o ethos científico - um conjunto de métodos, valores e normas culturais que regem as atividades científicas. Uma ciência, baseada no conceito de rede, envolve tanto atores humanos (pesquisadores, universidades, instituições, sociedade como um todo) quanto atores não humanos (computadores, softwares e tecnologias de comunicação), além de outros tipos de mediadores e mediações, seus agentes podem acompanhar todas as suas atividades de pesquisa através da rede, pois agora tudo está mais visível.

Contudo, é importante considerar que para haver comunicação científica são necessários outros elementos além da produção e a relação com os pares, é necessário o vínculo e apoio de instituições de pesquisa, para a manutenção dos grupos de pesquisa, uma boa equipe para desenvolver os projetos e, meios de transmissão para difusão da produção científica. Ações de acesso aberto à produção científica, criação e manutenção de canais de informação, cada vez mais informais, evidencia uma nova revolução da informação e comunicação científica, potencializando o surgimento de novas instâncias de produção, comunicação, colaboração e comunicação do conhecimento científico, corroborando para a desintermediação na estrutura do fluxo da pesquisa, e adaptações no regime informacional da rede, agora muita mais digital.

A mediação múltipla dessa rede digital de informação e comunicação, quando os atores, mediadores e intermediadores são protagonistas em modo cíclico, onde não se consegue perceber quem são coadjuvantes, ampliou o acesso à informação científica para além da comunidade acadêmica, configurando-se como uma reação social aos impactos e oportunidades que as tecnologias digitais associadas à internet oferecem, mais um indicador da revolução em curso.

Frente a isso, a ideia do acesso aberto não surge apenas como uma alternativa ao problema de restrição ao acesso de periódicos, mas, principalmente, como um dos pilares da reestruturação e ressignificação do acesso ao conhecimento científico. Assim, o regime de informação da rede digital de informação e conhecimento, tem revelado novas formas de mediação e novos agentes mediadores, não apenas relacionados ao uso de tecnologias, mas as relações sociais entre a ciência e a sociedade em geral, ou ainda, a noção de relação e/ou associação existente no regime de informação para a comunicação da ciência.

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  • 1
    No modelo proposto pela Declaração de Budapeste, a “via dourada” (golden Road) possibilita o acesso livre e imediato às publicações garantido pelas próprias editoras dos periódicos. No entanto, com o Relatório Frinch II, tal acesso passou a ter custos cobertos pelo pagamento de Article Processing Charge (APC).
  • 2
    Nesta opção, a “via verde” (green road) os pesquisadores são responsáveis no depósito de seus artigos em repositórios e/ou espaços alternativos de comunicação científica abertos ao público.
  • 3
    Para estabelecer uma distinção entre periódicos de acesso aberto da via dourada que não cobram taxa de submissão, Fuchs e Sandoval (2013FUCHS, Christian; SANDOVAL, Marisol. The diamond model of open access publishing: why policy makers, scholars, universities, libraries, labour unions and the publishing world need to take non-commercial, non-profit open access serious. TripleC: Communocation, Capitalism & Critique, Paderdorn, v. 11, n. 2, p. 428-43, 2013. Disponível em: https://doi.org/10.31269/triplec.v11i2.502 . Acesso em: 12 ago. 2023.
    https://doi.org/10.31269/triplec.v11i2.5...
    ), sugeriram classificá-los como “diamantes”.
  • 4
    Também conhecida como Sociologia das Associações e Sociologia do Social, a Teoria Ator-Rede, desenvolvida a partir da década de 1970, tem como precursores Michel Callon, John Law e Bruno Latour. Analisa os fluxos de produção do conhecimento, considerando os atores humanos e os não humanos. Considera, portanto, que cada nó em uma rede é criado a partir de suas conexões, associações com outros nós em uma perspectiva relacional e complexa, isto é, todos possuem a mesma relevância dentro da rede.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Jun 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    11 Set 2023
  • Aceito
    21 Dez 2023
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