RESUMO
Objetivo: avaliar a saúde mental de crianças e adolescentes de acordo com a teoria de Calista Roy.
Método: pesquisa quantitativa realizada com cuidadores e/ou responsáveis de crianças e adolescentes do município de Lagarto/SE - BR, de novembro de 2022 a março de 2023. Realizou-se a coleta de dados com caracterização sociodemográfica e clínica da criança/adolescente, além do Questionário de Capacidades e Dificuldades, de Goodman, analisados por frequência relativa e absoluta e associação.
Resultados: das 102 crianças e adolescentes, 59% apresentaram perfil clínico, sugerindo problemas de saúde mental, com destaque para o domínio de hiperatividade e falta de atenção. Os modos adaptativos se mostraram integrados, o fisiológico com maior coesão e o autoconceito com maior alteração.
Conclusão: os resultados sugerem presença de problemas de saúde mental, com manutenção dos processos adaptativos, em que os modos de Roy respondem de maneira coordenada aos estímulos externos. A enfermagem pode atuar no fortalecimento de fatores protetores, promovendo bem-estar mental a crianças e adolescentes.
DESCRITORES: Avaliação em Enfermagem; Teoria de Enfermagem; Saúde Mental; Atenção Integral à; Saúde da Criança e do Adolescente.
ABSTRACT
Objective: To evaluate the mental health of children and adolescents according to Calista Roy’s theory.
Method: Quantitative research was carried out with caregivers or guardians of children and adolescents in Lagarto/SE - BR from November 2022 to March 2023. Data was collected using sociodemographic and clinical characterization of the child/adolescent and Goodman’s Capabilities and Difficulties Questionnaire, analyzed by relative and absolute frequency and association.
Results: Of the 102 children and adolescents, 59% had a clinical profile suggesting mental health problems, with the hyperactivity and inattention domain standing out. The adaptive modes were found to be integrated, the physiological with greater cohesion and the self-concept with more remarkable alteration.
Conclusion: The results suggest the presence of mental health problems, with the maintenance of adaptive processes, in which Roy’s modes respond in a coordinated way to external stimuli. Nursing can act to strengthen protective factors, promoting mental well-being in children and adolescents.
KEYWORDS: Nursing Assessment; Nursing Theory; Mental Health; Comprehensive Health Care.
RESUMEN
Objetivo: Evaluar la salud mental de niños y adolescentes según la teoría de Calista Roy.
Método: Investigación cuantitativa realizada con cuidadores y/o tutores de niños y adolescentes del municipio de Lagarto/SE - BR, de noviembre de 2022 a marzo de 2023. Los datos fueron recolectados con una caracterización sociodemográfica y clínica del niño/adolescente, así como el Cuestionario de Capacidades y Dificultades de Goodman, analizados por frecuencia y asociación relativa y absoluta.
Resultados: De los 102 niños y adolescentes, el 59% presentaba un perfil clínico que sugería problemas de salud mental, especialmente en el ámbito de la hiperactividad y la falta de atención. Los modos adaptativos se mostraron integrados, el fisiológico con mayor cohesión y el autoconcepto con mayor alteración.
Conclusión: Los resultados sugieren la presencia de problemas de salud mental, con mantenimiento de los procesos adaptativos, en los que los modos de Roy responden de forma coordinada a los estímulos externos. La enfermería puede actuar para fortalecer los factores protectores, promoviendo el bienestar mental en niños y adolescentes.
DESCRIPTORES: Evaluación en Enfermería; Teoría de Enfermería; Salud Mental; Atención Integral de Salud.
HIGHLIGHTS
A maioria das crianças e adolescentes apresenta problemas de saúde mental.
Os sintomas prevalentes foram hiperatividade e falta de atenção.
Os modos adaptativos se mantiveram integrados.
A enfermagem pode fortalecer os fatores protetivos e promover bem-estar.
INTRODUÇÃO
O estudo da área da saúde mental na infância e adolescência é muito recente, pois havia o julgamento da criança e do adolescente como seres em formação, sem a psique desenvolvida, de modo que não poderiam ser acometidos por transtornos mentais como a depressão1.
Por muito tempo, a saúde mental de crianças e adolescentes seguiu sem atenção específica, sendo desassistida quanto a suas particularidades. A busca tardia pela implantação de serviços voltados para a saúde mental infantojuvenil ocorreu após um quadro de abandono, visto que, do século XX até os dias atuais, as questões associadas a esses segmentos populacionais estavam mais ligadas ao controle social do que aos seus direitos em si2.
Anos mais tarde, essa demanda ainda continua relevante para o cenário de assistência à saúde mental infantojuvenil. Em uma análise documental de prontuários de adolescentes em sofrimento psíquico, pesquisadores identificaram queixas comuns relatadas, entre elas a dificuldade escolar, dificuldade de comportamento, problemas emocionais e outros como agressividade, ansiedade e conflitos familiares. Diante de sinais que evidenciavam o processo de problemas de saúde mental, os profissionais de saúde apresentaram condutas limitadas, sendo a maioria composta pelo retorno, uso de medicação e psicoterapia3.
Frente a isso, evidencia-se a importância da inserção de profissionais de enfermagem na saúde mental dos menores de idade. O enfermeiro possui autonomia para agir pertinentemente na promoção do bem-estar emocional, físico e geral de crianças e adolescentes através de intervenções psicoeducativas como aconselhamento, incentivo de adoção de comportamentos saudáveis e esclarecimento de dúvidas. Essa atuação da enfermagem possibilita a detecção de problemas, intervém no desenvolvimento negativo e melhora a inclusão social desses grupos4.
Os problemas relacionados à saúde mental na infância e adolescência podem trazer sérios prejuízos no desempenho funcional dessas crianças e adolescentes. A estruturação de uma rede de cuidados proporciona melhores componentes psicossociais, como autoconfiança e resolubilidade de conflitos5.
Assim, o enfermeiro, ao se utilizar da Teoria da Adaptação de Callista Roy, deve atuar na perspectiva da enfermagem como ciência e prática que aumenta as capacidades adaptativas, além de procurar transformações6, sendo responsável por buscar estratégias, desenvolver atividades e promover assistência de forma humanizada, configurando seu papel indispensável na saúde mental7.
Neste contexto, o presente estudo tem como objetivo avaliar a saúde mental de crianças e adolescentes de acordo com a teoria de Calista Roy.
MÉTODO
Trata-se de uma pesquisa exploratória e descritiva de abordagem quantitativa e recorte transversal, realizada no município de Lagarto, Sergipe - Brasil, em três Unidades Básicas de Saúde (UBS) e salas de espera ambulatórios da Universidade Federal de Sergipe (UFS), Campus Prof. Antônio Garcia Filho.
A população da pesquisa se constituiu de cuidadores e/ou responsáveis de crianças e adolescentes, atendidos pelos serviços de atenção primária e secundária do município. Foram incluídos na pesquisa os familiares ou responsáveis por crianças e/ou adolescentes de 4 a 16 anos (pela especificidade do questionário aplicado). Excluíram-se responsáveis menores de 18 anos e crianças/adolescentes que não residissem com seus cuidadores principais.
Os participantes foram recrutados por conveniência, nas salas de espera das UBS. A coleta de dados ocorreu entre novembro de 2022 e março de 2023, no formato de entrevista com os familiares de crianças e/ou adolescentes. Para a construção do perfil sociodemográfico e clínico, foram abordadas questões para determinar nome, idade, sexo, escolaridade, frequência nas aulas e comportamento na escola, como também para saber se a criança/adolescente é acompanhada por algum profissional de saúde frequentemente, se utiliza algum medicamento regularmente e se possui algum diagnóstico médico.
A avaliação da saúde mental da criança/adolescente foi feita mediante o instrumento Questionário de Capacidades e Dificuldades, ou Strengths and Difficulties Questionnaire (SQD), validado no Brasil8. O SQD é específico para rastreamento de problemas de saúde mental em crianças e adolescentes de 4 a 16 anos; pode ser administrado com os pais, professores e/ou com as próprias crianças, quando maiores de 11 anos9-10.
O questionário é dividido em cinco escalas referentes a diferentes aspectos que podem estar relacionados à saúde mental dos menores de idade, são elas: escala de sintomas emocionais, escala de problemas de conduta, escala de hiperatividade, escala de problemas de relacionamento com os colegas e escala de comportamento pró-social. Ao total, são 25 perguntas, sendo 10 sobre capacidades, 14 sobre dificuldades e um item neutro11.
Os dados coletados foram tabulados no software Statistical Package for the Social Science, versão 23.0 (SPSS Statistics 23), desenvolvido pela IBM®. A análise dos dados socioeconômicos ocorreu de forma descritiva concomitante à análise de cada instrumento específico através de média, valores brutos e valores relativos, considerando o valor de corte especificado pelos autores do questionário.
Para cada escala, a pontuação pode variar de 0 a 10. A pontuação geral do questionário é gerada pela soma de cada escala, exceto a de comportamento pró-social, que varia de 0 a 40. O valor de corte adotado para a análise das respostas pelos responsáveis é de 17 pontos para perfil clínico, 14 a 16 para limítrofe e de 0 a 13 para típico11.
Os dados também foram analisados a partir da frequência relativa e absoluta e associação entre variáveis, utilizando os testes de qui-quadrado e regressão linear. Foram consideradas estatisticamente significativas as associações em que p<0,05.
Para analisar os aspectos subjetivos dos dados, as respostas dos participantes foram categorizadas de acordo com os modos adaptativos determinados pela Teoria da Adaptação de Callista Roy12. A partir disso, foi construído um perfil adaptativo das crianças e adolescentes da pesquisa, a fim de avaliar seu processo adaptativo de acordo com cada modo. A categorização dos dados para análise subjetiva está representada no Quadro 1.
Categorização de dados da pesquisa conforme modos adaptativos da Teoria da Adaptação de Callista Roy. Lagarto, SE, Brasil, 2023
Variáveis | n (%) | |
---|---|---|
Idade | ||
Primeira infância (0 a 5 anos) | 18 (18) | |
Segunda infância (6 a 9 anos) | 38 (37) | |
Adolescência (10 a 15 anos) | 46 (45) | |
Sexo | ||
Feminino | 47 (46) | |
Masculino | 55 (54) | |
Estuda | ||
Sim | 95 (93) | |
Não | 7 (7) | |
Comportamento na escola | ||
Já recebeu suspensão ou advertência | 10 (10) | |
O responsável já foi convocado para discutir comportamento inadequado | 9 (9) | |
Recebe elogios de professores e tutores | 74 (72) | |
Não sabe informar | ||
Não estuda | 2 (2) | |
Faz acompanhamento com algum profissional de saúde? | ||
Não | 78 (77) | |
Sim | 24 (23) | |
Terapeuta ocupacional | 4 (4) | |
Cardiologista | 1 (1) | |
Médico clínico | 1 (1) | |
Dermatologista | 1 (1) | |
Endocrinologista | 1 (1) | |
Fonoaudiólogo | 1 (1) | |
Neurologista | 3 (3) | |
Psicólogo | 8 (8) | |
Nutricionista | 1 (1) | |
Odontólogo | 1 (1) | |
Otorrinolaringologista | 1 (1) | |
Alergista | 1 (1) | |
Pediatra | 1 (1) | |
Pneumologista | 1 (1) | |
Psicopedagogo | 2 (2) | |
Equoterapia | 3 (3) | |
Possui algum diagnóstico? | ||
Não | 82 (80) | |
Sim | 20 (20) | |
Saúde mental e desenvolvimento | 12 (12) | |
Respiratório | 6 (6) | |
Cardiovascular | 1 (1) | |
Endocrinológico | 2 (2) | |
Neurológico | 1 (1) |
A pesquisa seguiu princípios éticos, de acordo com as orientações da Resolução nº 466 de 12 de dezembro de 2012, que dispõe sobre as normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos13. Sendo assim, a pesquisa foi aprovada pela Secretaria Municipal de Saúde, seguida da aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade Federal de Sergipe, sob número de parecer 5.546.235.
RESULTADOS
Durante as entrevistas, foram coletados dados referentes a 102 crianças e/ou adolescentes a partir do contato com seus cuidadores e/ou responsáveis. A média de idade das crianças e adolescentes foi de 9,21 anos (DP= 3,721), com prevalência da faixa etária da adolescência (45%), e predomínio do sexo masculino (54%). Dentre os participantes, 93 % estão matriculados e frequentam a escola regularmente além de receberem elogios por seu desempenho e comportamento (72%).
Quanto ao perfil clínico, 23% do público infantojuvenil realiza acompanhamento com algum profissional de saúde, dando destaque às categorias da psicologia e terapia ocupacional; 20% possuem algum diagnóstico médico, sendo que 12 deles se referem a transtornos relacionados à saúde mental ou desenvolvimento, tais como: Transtorno do Espectro Autista (TEA), Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), Transtorno Opositivo Desafiador (TOD).
Ao avaliar a pontuação média da saúde mental das crianças e adolescentes, foi obtido valor de 20,96 (DP: 6,127), acima da média de corte de 17 pontos, o que se configura como um perfil clínico que sugere a presença de problemas relacionados à saúde mental; a menor pontuação foi de 11 pontos e a maior de 37.
Das 102 crianças e adolescentes, 59% pontuaram para desenvolvimento considerado clínico de capacidades e dificuldades (Tabela 2). Comparado aos domínios específicos, há uma diferença de classificação, visto que a maioria pontuou para desenvolvimento típico ou normal de Sintomas Emocionais (75%); Problemas de Conduta (76%); Hiperatividade (72%); Problemas de Relacionamento (65%) e Comportamento Social (88%).
Classificação do desenvolvimento de capacidades e dificuldades de acordo com a pontuação no SQD e em seus domínios específicos. Lagarto, Sergipe, 2023
O domínio específico mais afetado foi relacionado à hiperatividade (22%), seguido de problemas de conduta (17%). Em contraponto, o menos afetado foi o de comportamento social (88%) (Tabela 2).
Dentro do domínio de sintomas emocionais, observou-se o nervosismo como sintoma mais comum entre as crianças e adolescentes, ocorrendo em 42% da amostra. O sintoma menos relatado foi a dor de cabeça (10%), seguido de tristeza ou choro (11%). Entre os problemas de conduta, destacaram-se as crises de birra em 32% da amostra. Em contrapartida, 55% das crianças e adolescentes não apresentaram problemas de conduta de acordo com seus responsáveis.
A escala de hiperatividade revelou a distraibilidade (31%), hiperatividade (31%) e inquietude (26%). Apesar disso, algumas crianças possuem fatores de proteção que servem para atenuar sintomas de hiperatividade, como o pensar antes de agir (40%) e boa concentração (46%).
Os problemas de relacionamento interpessoal não se mostraram urgentes entre os menores do estudo. Enquanto 20% das crianças e adolescentes preferem brincar sozinhas, 74% são estimadas por outras pessoas de sua idade e 78% têm, pelo menos, um bom amigo.
Nessa mesma perspectiva, referente ao comportamento social, 74% têm consideração pelos sentimentos dos outros, 76% têm boa vontade de compartilhar e 76% mostram-se prestativas. Ainda, 86% mostram-se gentis com crianças mais novas. Apesar disso, 20% se oferecem para ajudar outras pessoas de maneira proativa. Tais dados podem ser observados na Tabela 3, abaixo.
Respostas por domínio do Questionário de Capacidades e Dificuldades. Lagarto, SE, Brasil, 2023
Percebe-se, assim, que o perfil adaptativo das crianças e adolescentes do estudo apresenta um processo de adaptação integrado, em que os modos e subsistemas respondem de maneira coordenada aos estímulos que recebem do ambiente (Figura 1). O modo fisiológico foi o menos afetado entre os participantes, em que apenas 10% relataram sintoma físico, através da dor de cabeça, e nenhum apresentou dependência total quanto às necessidades biológicas básicas (respiração, alimentação, eliminação, hidratação e locomoção).
Perfil adaptativo de crianças e adolescentes de acordo com a Teoria Adaptativa de Callista Roy. Lagarto, SE, Brasil, 2023
O modo adaptativo com maior prejuízo foi o de autoconceito, em que grande parte apresentou sintomas como nervosismo, medos ou acessos de raiva. O modo de função de papel pode ser percebido pela obediência de crianças/adolescentes, comprometimento em finalizar suas tarefas e pensar antes de agir, com o prejuízo da distraibilidade.
A interdependência também foi outro modo adaptativo com perfil integrado e que mostrou como as crianças e os adolescentes interagem com outras pessoas, sejam elas da mesma faixa etária ou não. A maioria dos participantes prefere brincar em companhia e têm, pelo menos, um bom amigo. Além disso, costumam ser queridos por outras crianças e tendem a gostar de compartilhar brinquedos.
A Figura 1 reúne, de maneira sintetizada, as principais características do perfil adaptativo das crianças e adolescentes.
Ao associar as variáveis “sexo”, “frequentar escola”; “comportamento na escola”; “acompanhamento com profissional” e “diagnóstico médico” com a pontuação geral e específica, foi observada significância estatística para algumas destas. A variável “sexo” foi estatisticamente significante para o domínio “Sintomas Emocionais” (p= 0,011), em que os meninos se mostraram menos propensos a problemas de desenvolvimento no quesito emocional (Tabela 4).
Relação entre características de crianças e adolescentes e sua saúde mental. Lagarto, Sergipe, 2023
O “comportamento na escola” esteve associado aos domínios “Problemas de Conduta” (p= 0,005), “Hiperatividade” (p= 0,000), “Problemas de Relacionamento” (p=0,015) e “Comportamento Social” (p= 0,000), uma vez que as crianças e adolescentes que recebiam elogios pelo comportamento na escola pontuaram, em sua maioria, como desenvolvimento normal dentro desses domínios específicos (Tabela 4).
Estar em acompanhamento com algum profissional esteve associado estatisticamente a “Sintomas Emocionais” (p= 0,004), “Problemas de Conduta” (p= 0,029) e “Hiperatividade” (p= 0,003). Da mesma forma, o diagnóstico médico esteve associado ao domínio de “Sintomas Emocionais” (p=0,001), “Problemas de Conduta” (p=0,038), “Hiperatividade” (p= 0,000), além da pontuação geral do SQD (p= 0,005) (Tabela 4).
DISCUSSÃO
Diferentes fatores podem influenciar o desenvolvimento e a saúde mental infantojuvenil, sejam eles internos ou externos. Nessa perspectiva, o desenvolvimento infantojuvenil é secundário à capacidade de adaptação de crianças e adolescentes, como sugere Callista Roy em sua teoria de enfermagem. Essa adaptação ocorre em decorrência de estímulos e ambientes mutáveis, o que sugere o campo de intervenção para enfermagem14.
No presente estudo, a maioria das crianças e adolescentes não apresentou sinais de problemas de adaptação, tendo seus processos adaptativos integrados, com destaque para o modo fisiológico com perfil de maior coesão e o de autoconceito com maiores dificuldades.
A presença de possíveis agravantes no modo de autoconceito deve ser encarada como uma problemática em potencial. A maneira como crianças se sentem a respeito de si mesmas é um componente crucial em seu desenvolvimento15. Esse cenário se agrava durante a adolescência, em que o autoconceito desenvolvido de maneira negativa está associado ao surgimento de problemas de adaptação, comportamentais e emocionais16.
Diante disso, a enfermagem dispõe de estratégias intervencionais para auxiliar a criança e/ou o adolescente a lidar com os estímulos do ambiente de forma que não interfiram negativamente em seu processo adaptativo. Um estudo realizado com crianças de 9 a 14 anos investigou os efeitos de uma intervenção de oito semanas baseada no treinamento de Mindfulness nos sintomas associados à saúde mental, obtendo como resultado o aumento da resiliência e melhora nos níveis de raiva, ansiedade e comportamento17.
Vale ressaltar que os problemas de saúde mental infantojuvenil se manifestam de maneira diferente do que é conhecido em adultos. Por vezes, esses comportamentos são marcados por agressividade e agitação excessiva, isolamento, desatenção e dificuldade no cumprimento de atividades, prejudicando o desempenho escolar18. Assim, os dados referentes à escala de hiperatividade no SDQ apresentados nesse estudo demonstram possíveis alterações na saúde mental dessas crianças e adolescentes, tendo um estudo brasileiro demonstrado resultados semelhantes19.
Os sinais e sintomas elencados dentro da escala de hiperatividade podem ser descritos como agitação ou não seguimento de regras, que podem interferir no rendimento escolar, sendo esse um dos principais motivos que levam os responsáveis por crianças e adolescentes à procura de atendimento em saúde mental para esses20. No presente estudo, o comportamento escolar sem queixas esteve associado à ausência de sintomas de hiperatividade, problemas de conduta ou de relacionamento e comportamento social, o que reforça a observação do ambiente escolar como um forte indicador para avaliação de problemas de saúde mental entre crianças e adolescentes.
Dessa forma, para além do rastreio diagnóstico, o uso do SDQ para avaliação da saúde mental de crianças e adolescentes pode também identificar aqueles que se encontram em grupos de risco para o desenvolvimento de problemas de saúde mental. Ao considerar aqueles que tiveram pontuação limítrofe como grupo de risco, pesquisadores do interior de São Paulo puderam identificar quais crianças e adolescentes necessitavam de maiores reforços terapêuticos21. A partir disso, o enfermeiro tem a capacidade para avaliar a criança e o adolescente no contexto em que vivem, bem como a sua capacidade de adaptação aos estímulos que recebem, que pode ser moldada através de intervenções22.
A enfermagem, através da teoria de Callista Roy, proporciona estratégias de adaptação a essas famílias e suas crianças e/ou adolescentes, fugindo de modelos rígidos e padronizados que focam na medicalização. A partir de uma avaliação individual se torna possível identificar quais fatores familiares agem como protetores ou de risco, a fim de construir um plano de cuidados que promova a saúde mental infantojuvenil.
A prática de enfermagem deve focar em estratégias integradas que atendam tanto às necessidades fisiológicas quanto às emocionais e comportamentais dos pacientes. Considerando que a maioria das crianças e adolescentes apresenta um perfil adaptativo positivo, é crucial que as intervenções de enfermagem se concentrem em fortalecer os fatores de proteção já existentes, como boas habilidades de concentração e comportamento pró-social, ao mesmo tempo em que abordam áreas de vulnerabilidade, como hiperatividade e problemas de conduta.
A associação estatística significativa entre o comportamento escolar e diversos domínios comportamentais e emocionais indica que a escola é um ambiente crucial para a detecção e intervenção precoce em problemas de saúde mental. Portanto, os enfermeiros devem trabalhar em colaboração com profissionais da educação para monitorar o comportamento e o desenvolvimento das crianças e adolescentes, proporcionando suporte adequado quando necessário.
O presente estudo enfrentou algumas limitações quanto ao tamanho da amostra recrutada, reflexo da falta de local apropriado para entrevista com o cuidador e à quantidade de perguntas feitas. Como perspectiva de trabalhos futuros, pretende-se investigar a influência do cuidador sobre a saúde mental de crianças e adolescentes, avaliando também a sua própria.
Uma vez que o município não consta com rede de atenção psicossocial específica para o público infantojuvenil, faz-se necessária a otimização dos espaços de cuidados disponíveis, tendo a APS um papel central, por sua rotina de atendimento e funcionamento. Os programas existentes, como o PSE, também devem ter em sua agenda programática temáticas que promovam uma infância e adolescência saudável, tendo a saúde mental como fator imprescindível para o seu bom desenvolvimento.
CONCLUSÃO
A pesquisa foi composta por crianças e adolescentes, sendo prevalente os da faixa etária da adolescência e do sexo masculino. Quase todos frequentam a escola e recebem elogios de seus professores e tutores. Menos da metade é acompanhada com regularidade por algum profissional de saúde ou tem algum diagnóstico médico.
Apesar do perfil adaptativo dos menores ter correspondido a um processo de adaptação integrado, pouco mais da metade das crianças e dos adolescentes foram classificados com perfil clínico, acima da nota de corte para problemas relacionados à saúde mental. O domínio mais afetado foi o referente à hiperatividade e falta de atenção, seguido da presença de problemas de conduta. Sintomas emocionais como nervosismo e distraibilidade foram comuns. No entanto, muitos demonstraram bons indicadores de comportamento social e interações interpessoais positivas.
As implicações para a prática da enfermagem incluem a necessidade de um monitoramento contínuo e multifacetado do desenvolvimento das crianças e adolescentes, a colaboração estreita com outros profissionais e instituições, e a promoção de intervenções precoces e personalizadas. Este enfoque pode contribuir significativamente para o bem-estar e a saúde mental dos jovens, proporcionando um desenvolvimento saudável e equilibrado.
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Editado por
-
Editora associada:
Dra. Tatiane Trigueiro
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
04 Nov 2024 -
Data do Fascículo
2024
Histórico
-
Recebido
04 Dez 2023 -
Aceito
24 Jun 2024