Open-access Transgeneridade e desdobramentos do “cistema” binário de previdência social

Transgenderness and the unfoldings of the binary social security "cistem"

Resumo

O presente artigo versa sobre o sistema binário de gênero adotado pelo Regime Geral de Previdência Social (RGPS) na concessão de determinados benefícios. Pretende-se analisar os procedimentos aplicáveis aos segurados transgêneros e abordar, por meio do método hipotético-dedutivo e da pesquisa bibliográfica, a omissão legislativa e a judicialização de direitos, buscando-se possíveis soluções a serem adotadas pelo regime.

Palavras-chave: Aposentadoria; Previdência Social; Transgêneros;

Abstract

This article discusses the binary gender system adopted by the General Regime of Social Security when granting certain benefits. It intends to analyze the procedures applicable to insured transgender people and to approach, through the hypothetico-deductive method and bibliographical research, the legislative omission and the judicialization of rights, seeking possible solutions to be adopted by the regime.

Keywords: Retirement; Social Security; Transgender People

1. Introdução

Sob o contexto da Ditadura Civil-Militar1, Dutra e Silva (2019) salientam que a marginalização e a violência assolavam a população cujo comportamento sexual e/ou de gênero fosse considerado dissidente do padrão cisheteronormativo. Além da censura, esse regime utilizava diversas ferramentas repressivas com o intuito de exterminar as homossexualidades2 do país, classificando-as como práticas que ameaçavam a segurança nacional e os valores éticos da sociedade e da família (QUINALHA, 2017).

Durante o período ditatorial, as ações de repressão e extermínio dessa população foram, em grande parte dos casos, ratificadas pelo ordenamento jurídico vigente, assim como aconteceu com Waldirene Nogueira, primeira pessoa a ser submetida à cirurgia de transgenitalização no Brasil3. Devido a uma denúncia do Ministério Público do Estado de São Paulo, Roberto Farina, cirurgião plástico responsável pelo procedimento, foi condenado a dois anos de reclusão por lesão corporal de natureza gravíssima.

Após o fim do regime, com a promulgação da Constituição Federal de 1988 e o resgate da institucionalidade democrática, Cardinali (2017) destaca que os órgãos do Poder Judiciário, notadamente o Supremo Tribunal Federal (STF), têm exercido um papel de destaque na conquista de direitos LGBT+, provocando o fenômeno da judicialização de direitos.

Enquanto integrantes desse grupo, as pessoas trans carecem de uma análise pormenorizada devido à especificidade de suas demandas4. Além dos altos índices de violência física e psicológica, essa população enfrenta dificuldades de inserção no mercado de trabalho e exclusão dos espaços sociais. Há, ainda, a ausência de dados estatísticos oficiais5 acerca desse público, o que dificulta o desenvolvimento de políticas públicas efetivas.

A decisão da Suprema Corte brasileira na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 42756 é considerada um grande avanço no âmbito dos direitos civis desses cidadãos. Após o reconhecimento da possibilidade de transgêneros retificarem o prenome e o gênero no assento de registro civil, sem a necessidade de cirurgia de transgenitalização ou laudo de terceiros, seja pela via administrativa seja pela via judicial, faz-se necessário analisar os possíveis impactos desse julgamento nas demais esferas do direito, como a previdenciária, tendo em conta que o Regime Geral da Previdência Social (RGPS) adota o critério binário de gênero para a concessão de determinados benefícios, isto é, faz distinção entre homens e mulheres.

O presente artigo é de caráter exploratório e descritivo. Metodologicamente, fora utilizada a técnica de revisão bibliográfica, a partir do fichamento de materiais bibliográficos selecionados, análises jurisprudenciais e reflexões críticas. Empregou-se, ainda, a abordagem qualitativa e o método hipotético-dedutivo.

Na primeira seção, discorre-se sobre conceitos como orientação afetivo-sexual, sexo biológico e identidade de gênero, além de se examinar as implicações sociais relacionadas à transgeneridade.

Na segunda seção, pretende-se explorar a omissão do Poder Legislativo com relação aos direitos LGBT+ e a consequente judicialização das demandas desse movimento, fatores que geram insegurança jurídica no acesso aos benefícios previdenciários.

Na terceira e última seção, apresenta-se o Regime Geral de Previdência Social, que compulsoriamente abrange todos os trabalhadores da iniciativa privada, e sua relação com o grupo social ora abordado. Explora-se, ainda, a utilização do critério binário na aposentadoria por idade e por tempo de contribuição, analisando-se possíveis soluções aplicáveis aos cálculos de benefícios de segurados trans.

Para melhor compreender o contexto social em que essa população está inserida, é preciso se atentar às definições relacionadas à temática de gênero e sexualidade, como adiante se abordará.

2. Fundamentos teóricos e implicações sociais atinentes à transgeneridade

A palavra transgeneridade7 é considerada um termo “guarda-chuva”, que abarca todas as identidades que divergem, de alguma forma, do sistema binário de gênero convencionado socialmente (LANZ, 2014). Por se tratar de um fenômeno complexo, com diversas subdivisões, enquadram-se na definição de transgênero todos os indivíduos que não se reconhecem, e/ou não são reconhecidos, de acordo com os estereótipos e atributos destinados pela sociedade ao homem e à mulher.

Desse modo, conforme distingue Jesus (2012, p. 12), as pessoas que “se identificam com o gênero que lhes foi atribuído quando ao nascimento”, são chamadas de cisgênero, ou apenas cis, ao passo em que as pessoas não-cisgênero são aquelas que não se identificam com o gênero que lhes foi determinado, sendo denominadas como transgênero, ou trans.

Devido à pretensão de se discutir a regulamentação jurídica e o reconhecimento de direitos sociais relativos ao gênero de identidade, no presente trabalho, utiliza-se a expressão transgeneridade em sentido mais restrito, abrangendo os indivíduos que vivenciam seu gênero de forma identitária, grupo no qual se inserem travestis, transexuais e não-binários (PANCOTTI, 2018).

A pessoa que se reconhece enquanto transgênero, dentre outros desafios, como demonstra Sousa (2019), enfrenta o desconhecimento de que as diversas instituições sociais ainda possuem quanto a conceitos como sexo biológico, identidade de gênero e orientação afetivo-sexual.

Didaticamente, Reis e Pinho (2016, p. 10), reconhecendo o gênero como uma leitura da sociedade polarizada no binarismo, elucidam que identidade de gênero se trata da “concepção individual de ‘sou homem’, ‘sou mulher’ ou ‘sou um gênero à parte dessas opções’”. Por sua vez, Lando e Souza (2020, p. 30) esclarecem a distinção a ser realizada entre os conceitos de gênero e sexo biológico:

Embora o gênero esteja ligado ao sexo, prevalece o entendimento que não se deve recebê-los como sinônimos, pois, pelas normas sociais se convencionou um sistema binário de identificação e classificação das pessoas em decorrência do sexo biológico apresentado no nascimento, enquanto que o conteúdo que regula o gênero é construído socialmente. Ou seja, uma característica física relacionada ao órgão genital se tornou o principal critério para determinar quem é do sexo masculino e quem é do sexo feminino.

Em suas análises, Butler (2003) destaca que não há uma relação causal entre esses termos, defendendo o caráter performativo de gênero, que não está necessariamente atrelado ao sexo biológico. Com o nascimento do indivíduo, atribui-se a ele um gênero e expectativas são criadas acerca dos papéis que essa pessoa exercerá na sociedade. O “problema” surge quando a percepção que algumas pessoas têm de si mesmas difere da atribuição social que lhes foi dada, produzindo conflitos entre elas e as normas socialmente impostas.

No mesmo período histórico, podem coexistir várias definições sobre feminilidade, masculinidade, corpos e identidades sexuais em geral, que variam de acordo com os grupos e discursos, sejam eles médicos, sejam eles religiosos ou políticos, como bem observa Leite Jr. (2008). Embora os estudos sobre as diversas identidades existentes tenham avançado ao longo dos anos, Lanz (2014) critica a falta de parâmetros para descrever os transgêneros no Brasil. Por não haver consenso acerca da melhor forma de definir os conceitos de travesti e transexual, ambos os termos são frequentemente confundidos.

Para Jayme (2004), autora que aborda a travestilidade sob um conceito bastante utilizado hodiernamente, travestis seriam pessoas que vivenciam o gênero feminino sem o intuito de realizar a cirurgia de transgenitalização, isto é, desejam manter o órgão sexual masculino. Apesar disso, sabe-se que o fator determinante da identidade de gênero é a forma como a pessoa se identifica, e não um procedimento cirúrgico, logo, muitas pessoas que se identificariam como travestis seriam, em teoria, classificadas como transexuais (JESUS, 2012).

Conforme leciona Barbosa (2013, p. 11), “o termo travesti está relacionado quase diretamente à prostituição, à criminalidade e à marginalidade, devido ao grande número de pessoas autodenominadas travestis no trabalho da prostituição”, as quais frequentemente possuem um histórico de violência no âmbito familiar e escolar, além da dificuldade de inserção no mercado formal de trabalho (ALMEIDA; MURTA, 2013).

Esse estigma social que se desenvolveu em torno da identidade travesti contribuiu para a construção da identidade transexual. Nota-se o surgimento de um processo de distinção conceitual, com o intuito de afastar as características associadas à travestilidade, como o desregramento sexual e a prostituição (LEITE JR, 2008). Com base no discurso médico-psiquiátrico que revelava um viés patologizante, constituiu-se a definição de transexualidade, termo que seria destinado às pessoas que, por não se identificarem com o gênero que lhes foi atribuído no nascimento, fizeram ou desejariam fazer a cirurgia de redesignação sexual.

Segundo Carvalho (2011), o avanço das tecnologias utilizadas em cirurgias de redesignação sexual e terapias hormonais, bem como a disponibilização desses protocolos no serviço público de saúde e a popularização do vocabulário médico-psiquiátrico, contribuíram para o processo de distanciamento entre a identidade travesti e transexual. Entretanto, conforme Bagagli (2016, p. 90), o discurso patologizante atribuído à transexualidade prejudica a “autonomia dos sujeitos trans acerca de suas próprias narrativas identitárias e de suas possibilidades de gestão de seus corpos”.

Embora o entendimento dessa identidade como uma patologia tenha fomentado a discussão de políticas públicas, observa-se que a apropriação desse fenômeno pela medicina é um dos causadores dos estigmas sociais vivenciados por esses indivíduos, reforçando sua condição de exclusão social (ARÁN; MURTA; LIONÇO, 2009). Em 2018, após anos de progresso na medicina e avanços na pesquisa científica, a Organização Mundial da Saúde (OMS) removeu a transexualidade da lista de doenças e distúrbios mentais8, mantendo-a como “incongruência de gênero” na categoria "condições relacionadas à saúde sexual", sob a justificativa de que as demandas de saúde dessa população poderão ser melhor atendidas se a condição estiver incluída na classificação internacional da OMS.

As variadas formas de exclusão da população trans dos espaços sociais, por meio de ofensas, deboches, situações de escárnio e demais atitudes preconceituosas e segregacionistas, demonstram que atividades do cotidiano, como ir ao shopping ou ao supermercado, podem ser experiências terríveis para essas pessoas. As escassas oportunidades no mercado de trabalho também são fruto da baixa escolaridade do público transgênero, devido à hostilidade do ambiente escolar que causa altos índices de evasão (GOERCH; SILVA, 2019). De acordo com dados levantados pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) em 2020, apenas 16,7% dos homens e mulheres trans e travestis possuíam emprego formal no estado de São Paulo9.

Diante deste cenário de desinformação acerca de conceitos básicos relacionados ao gênero e à sexualidade, a implantação de medidas educacionais seria uma das principais ferramentas para a promoção e a inclusão social da população LGBT+. Contudo, Miskolci e Campana (2017) afirmam que essas discussões têm sido obstruídas, principalmente no âmbito escolar, por setores religiosos e conservadores que visam combater a suposta “ideologia de gênero”10, sob o fundamento da defesa da família, da moral e dos bons costumes, o que maximiza o preconceito e a estigmatização daqueles cujo comportamento sexual e/ou de gênero diverge do padrão cisheteronormativo.

3. Omissão legislativa e judicialização de direitos no Supremo Tribunal Federal

Ao analisar o histórico da atuação do Poder Legislativo em âmbito federal, nota-se a inércia legislativa com relação às demandas que versam sobre diversidade sexual e de gênero. Cardinali (2017, p. 187) assevera que a conduta omissiva do Congresso Nacional “acabou levando o movimento LGBT a canalizar suas energias e esperanças junto ao Judiciário”. Segundo Pancotti (2018), essa inércia legislativa provocaria desarmonia entre os três poderes, principalmente diante do protagonismo exercido pelo STF quanto à conquista de direitos LGBT+.

Em certa medida, essa conduta omissiva pode ser atribuída à presença de grupos conservadores no Parlamento brasileiro, muitos deles de base religiosa cristã, como afirma Mattos (2018). De acordo com a autora, a partir da segunda década dos anos 2000, intensificou-se o ataque aos direitos sexuais e reprodutivos de minorias, com o intuito de combater a chamada “ideologia de gênero”. Desde então, a implementação de políticas públicas voltadas a esses grupos restou ainda mais prejudicada, pois

(...) as eleições de 2010 ampliaram a bancada neopentecostal no Congresso Nacional brasileiro e, não por acaso, alguns de seus representantes tomaram o controle de comissões como a de Direitos Humanos, evitando avanços em projetos de interesses de mulheres, indígenas, negros, homossexuais, entre outros. Iniciativas de combate à homofobia nas escolas foram desmontadas e houve uma sensível redução de espaço para o diálogo entre o governo federal e representantes dos movimentos LGBT, o qual foi relegado basicamente ao Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Promoção dos Direitos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais, sediado na Secretaria Nacional de Direitos Humanos (MISKOLCI; CAMPANA, 2017, p. 741).

Trevisan (2013) discorre sobre a existência da Frente Parlamentar Evangélica (FPE) no Congresso Nacional, que atualmente reúne cerca de 195 deputados e 8 senadores11 de diversos partidos. Com grande força política, esse grupo se mobiliza para assegurar que projetos de lei contrários às suas crenças sequer avancem nas comissões parlamentares.

A “bancada evangélica”, expressão utilizada pela mídia, pela literatura científica e por seus próprios membros, surgiu ainda em 1986, com a eleição da Assembleia Constituinte, mas a formação oficial da FPE se deu em 2003, a fim de enfrentar uma suposta ameaça à liberdade religiosa, lutar por interesses institucionais e defender a moralidade cristã tradicionalista.

Prandi e Santos (2017) relatam que havia o receio de que direitos LGBT+ fossem incluídos na nova Constituinte, além de ideias progressistas como a descriminalização do aborto e das drogas, ou seja, pautas contrárias à moral pregada em suas igrejas. Logo, percebe-se uma atuação em conjunto para aprovar ou rejeitar projetos, com base no interesse e na moral religiosa.

Além de impedir avanços legislativos, observa-se que a FPE também se mobiliza com o intuito de reverter decisões judiciais já consolidadas, a exemplo do Projeto de Decreto Legislativo nº. 224/2011, que pretendia sustar os efeitos do reconhecimento das uniões homoafetivas pelo STF12. Para contestar decisões favoráveis ao movimento LGBT+, é comum que os parlamentares se utilizem de argumentos de ordem formal, como a ideia de que o STF usurpou a competência do Legislativo, por exemplo.

Segundo Cardinali (2017), essas decisões geram uma intensa reação por parte dos setores ligados a concepções conservadoras de gênero e sexualidade, que se tornaram ainda mais críticos à atuação do Judiciário e procuraram blindar o Legislativo contra tais demandas. Embora "bancada evangélica" seja um termo amplamente utilizado, outros setores conservadores compartilham diversos posicionamentos, como os ruralistas e os parlamentares ligados ao recrudescimento do Estado penal, além dos deputados católicos que também defendem a “moral cristã”.

Entretanto, conforme sustenta Mello (2020), nos casos em que há discussão acerca de direitos de grupos vulneráveis e minoritários, a ação das cortes constitucionais é necessária, haja vista que esses grupos possuem menor acesso às instâncias representativas. Como descrito pela autora, é a partir do reconhecimento das uniões homoafetivas, na ADI 4277 e na ADPF 13213, que se inicia o histórico de precedentes que tutelam os direitos LGBT+ no STF. Em conjunto com essas ações, outras matérias apreciadas posteriormente sustentam o papel de protagonismo atribuído à Corte.

Em março de 2018, registra-se o primeiro avanço com relação aos direitos das pessoas trans no julgamento da ADI 4275, em que se firmou o entendimento de que a pessoa transgênero pode retificar seu prenome e gênero no assento de registro civil, independentemente de procedimento cirúrgico ou laudo de terceiros. A atuação de organizações como a ANTRA e a ABGLT14 fomentou a propositura da demanda, ajuizada em 2009.

A fim de levar o tema ao STF, ambas as associações buscaram apoio na então Procuradora-Geral da República, Deborah Duprat15, devido ao seu histórico de trabalho em defesa dos direitos humanos e das minorias, já que o estreito rol de legitimados a propor uma ADI não permite que essas instituições alcancem o Tribunal diretamente. Embora a Constituição Federal de 1988 tenha proporcionado uma relativa abertura e democratização do STF, que possibilitou a vocalização de demandas junto ao órgão por um número maior de agentes sociais, Cardinali (2017) sustenta que o acesso à jurisdição constitucional da Corte ainda se encontra distante do cidadão comum e da sociedade civil.

Apesar de aparentar ser uma questão levantada recentemente, a retificação de nome e gênero foi objeto de discussão no STF ainda em 1981. Na época, discutia-se apenas o direito de transexuais que se submeteram à cirurgia de redesignação sexual realizarem o procedimento, porém, baseados no determinismo biológico, os ministros da Corte se posicionaram contrários à possibilidade de adequação do registro civil daqueles que não se identificavam com o nome e o gênero atribuídos no momento em que nasceram (BATISTA, 2019).

Constatam-se, portanto, mudanças no entendimento do Tribunal e na percepção da sociedade civil acerca do tema. Antes da decisão da ADI 4275, pessoas trans poderiam utilizar o nome social, considerado por Bento (2014) uma "gambiarra legal", pois não alterava substancialmente a situação desses indivíduos16, que ainda passavam por constrangimentos em atividades corriqueiras, como ir ao médico ou utilizar algum serviço, momentos nos quais é necessário apresentar um documento de identificação.

Em virtude da ausência de regulamentação, as decisões judiciais conflitavam entre si. Enquanto alguns magistrados exigiam laudos de psicólogos e psiquiatras, outros só autorizavam a retificação caso o requerente tivesse realizado a cirurgia de redesignação sexual. Desse modo, Pancotti (2018, p. 53) relata que o Judiciário tratava de forma desigual os casos, contribuindo “para a marginalização desses grupos, até mesmo pela obrigação de se assumir portador de uma patologia para obtenção de um pleito judicial”.

Além disso, alguns juízes autorizavam a alteração do prenome e não aceitavam alterar o gênero, ou ainda determinavam a averbação do termo “transgênero” à margem do assento de nascimento. A enorme insegurança jurídica fazia com que advogados criassem estratégias, como ingressar primeiramente apenas com o pedido de retificação do nome, o que era aceito com mais facilidade, para posteriormente requerer a retificação do gênero no registro civil. Em alguns estados, conforme Coacci (2020), ainda havia conflito de competência com relação à matéria, entre as varas de família e as varas de registro público.

No caso da ADI 4275, a atuação do STF não seria necessária caso o Projeto de Lei 5.002/201317, de autoria dos deputados federais Jean Wyllys (PSOL/RJ) e Érika Kokay (PT/DF), fosse aprovado. O projeto pretendia garantir o direito à identidade de gênero e proporcionar maior segurança jurídica à população trans. Assim, se não fosse a mora e a omissão legislativa, o direito à retificação do registro civil poderia ser exercido desde 2013, caso a lei tivesse sido sancionada.

Ao analisar a legislação brasileira, percebe-se o atraso do país com relação a outros como a Alemanha, que, desde 1980, garante aos transgêneros o direito à retificação de nome por meio de lei, a qual inspirou os critérios adotados pela jurisprudência brasileira (COACCI, 2020). Já a Argentina, desde 2012 assegura a proteção aos direitos fundamentais dessas pessoas, com uma avançada legislação a respeito da identidade de gênero (ALVES; JESUS, 2012).

Os vizinhos Uruguai e Bolívia também já editaram leis no mesmo sentido. Mendes e Costa (2018) expõem que a iniciativa de países da América Latina impulsionou a tentativa de aprovação do projeto brasileiro, para dar fim à omissão legislativa no que tange ao reconhecimento da identidade de gênero. Contudo, diante da inércia do Parlamento brasileiro, a jurisprudência se desenvolveu com a intenção de adaptar as normas existentes às demandas sociais não contempladas pela via legislativa, de modo que a decisão do STF na ADI 4275 supriu a lacuna em consonância com os valores do ordenamento jurídico, garantindo o direito à honra e à dignidade (ARAÚJO, 2016).

A tutela do Judiciário também foi necessária em outros âmbitos do Direito, como demonstra o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 26. Por unanimidade, a Corte reconheceu o estado de mora inconstitucional do Legislativo da União, pela falta de prestação legislativa acerca da proteção penal à comunidade LGBT+. Restou decidido pelo Tribunal que, até a edição de norma autônoma pelo Congresso Nacional18, a homotransfobia deve ser enquadrada nos tipos penais definidos pela Lei Federal 7.716/1989 (“Lei do Racismo”), já que práticas LGBTfóbicas qualificam-se como espécies do gênero racismo, sob o conceito de racismo social já consagrado pelo STF anteriormente.

Atualmente, encontra-se pendente de julgamento na Corte o Recurso Extraordinário 845.779, o qual analisará a possibilidade de uma mulher transexual ser indenizada pelo dano moral causado por um shopping center, devido à abordagem grosseira e vexatória de seus funcionários, que a impediram de utilizar o banheiro feminino do estabelecimento. Em uma rápida análise, localizam-se diversos projetos de lei que pretendem impedir a utilização de banheiros por pessoas trans, de acordo com a identidade de gênero autodeclarada.

Não obstante os citados avanços conquistados por meio do Judiciário, a atual conjuntura não é promissora. Além de numerosas demandas em outros segmentos, os movimentos sociais relatam a necessidade de políticas que assegurem o reconhecimento e a garantia da proteção de mulheres trans pela Lei Maria da Penha, bem como a correta aplicação da decisão do STF na ADO 26. Além disso, expõem a dificuldade de acesso de pessoas travestis e mulheres transexuais às Delegacias da Mulher e demais aparelhos de proteção às vítimas de violência doméstica (BENEVIDES; NOGUEIRA, 2021).

4. O Regime Geral de Previdência Social (RGPS) sob a perspectiva LGBT+

Considerada uma das principais políticas sociais sob a responsabilidade do Estado brasileiro, a previdência integra o tripé da seguridade social19, em conjunto com a assistência social e a saúde. Nos artigos 194 e seguintes, a Constituição Federal prevê que o financiamento da seguridade social é de responsabilidade de todos, direta ou indiretamente, por meio dos recursos provenientes dos orçamentos dos entes federativos e das contribuições sociais do empregador, do trabalhador e dos demais segurados do regime, além de outras fontes de custeio (WOLF; BUFFON, 2017).

Segundo Abreu (2016), os recursos desse fundo impulsionaram o desenvolvimento econômico do Brasil durante décadas, contribuindo para a industrialização e urbanização do país. A princípio, tratava-se de um sistema superavitário, já que o número de contribuintes era bastante inferior ao de beneficiários, entretanto, com o aumento da população, esse cenário se modificou, surgindo os debates acerca da redução de direitos e da reforma do sistema.

A análise do RGPS é de extrema relevância, pois esse plano vincula obrigatoriamente todos os trabalhadores, exceto os titulares de cargos públicos efetivos e os militares, os quais possuem seu regime próprio. Há, ainda, a possibilidade de adesão livre pelos segurados facultativos e contribuintes de baixa renda. Por se tratar de um sistema contributivo, na expectativa de auferir um benefício no futuro, o segurado contribui diretamente. Abreu (2016, p. 84-5) leciona que

(...) o cidadão passa a contar com proteção previdenciária somente com a inscrição como segurado, vinculada ao exercício do trabalho assalariado formal ou ao serviço militar obrigatório. Para os trabalhadores rurais, o reconhecimento da qualidade de segurado independe de demonstração de contribuição prévia. Parcela significativa da população economicamente ativa no Brasil não tem nenhum tipo de cobertura previdenciária. É o caso, principalmente, dos desempregados que perderam a qualidade de segurado e dos trabalhadores do mercado informal que não contribuam espontaneamente.

Elencada no rol dos direitos sociais de segunda geração (BARROSO, 2020), a previdência social pretende garantir direitos mínimos nas relações de trabalho e nas situações em que ocorre a diminuição ou extinção da capacidade do indivíduo de prover a si e a seus familiares (CASTRO; LAZZARI, 2020). O princípio da dignidade humana, elementar no reconhecimento do direito à retificação do registro civil, é o mesmo que sustenta a necessidade da intervenção estatal no tocante aos direitos previdenciários das pessoas trans.

Sob a perspectiva da igualdade material, Mendes e Costa (2018) defendem que é preciso, por meio da hermenêutica constitucional, ainda que haja omissão legislativa, proporcionar um tratamento igualitário no que diz respeito aos benefícios previdenciários. Ao utilizar a técnica de interpretação conforme a Constituição, Barroso (2020, p. 298) cita como exemplo o reconhecimento dos direitos previdenciários de parceiros em união estável homoafetiva:

Entre interpretações possíveis, deve-se escolher a que tem mais afinidade com a Constituição. Um exemplo: depois de alguma hesitação, a jurisprudência vem reconhecendo direitos previdenciários a parceiros que vivem em união estável homoafetiva (...) Mesmo na ausência de norma expressa nesse sentido, essa é a inteligência que melhor realiza a vontade constitucional, por impedir a desequiparação de pessoas em razão de sua orientação sexual.

Novamente, diante da ausência de positivação legal expressa, percebe-se que a jurisprudência vem reconhecendo, à população LGBT+, direitos civis, previdenciários, sucessórios e outros (CARDINALI, 2017). Embora os conceitos de identidade de gênero e orientação sexual não se confundam, ao observar a ausência de norma previdenciária que abarque as demandas da população trans, Pestana e Araújo (2018) sustentam que a interpretação da Carta Magna brasileira deve ser no mesmo sentido utilizado nos casos de união homoafetiva, o que repercutirá e causará impactos no regime brasileiro de previdência social, já que as regras de concessão de benefícios variam de acordo com o gênero do segurado.

Ao analisar aspectos práticos relacionados aos benefícios previdenciários, Mendes e Costa (2018) sugerem que, juntamente com a retificação do registro civil, seria interessante que a alteração dos dados também ocorresse nos registros do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e demais entes previdenciários, porquanto parte da população trans retifica o nome e o gênero somente após a inscrição no regime de previdência, o que faz com que o gênero autodeclarado não seja plenamente reconhecido pelo Estado.

Conforme lecionam Freitas e Vita (2017), não se trata apenas do reconhecimento do direito ao nome ou da proteção da liberdade de gênero, pois a retificação gera efeitos em diferentes esferas do Direito, haja vista a distinção realizada pelo ordenamento jurídico brasileiro entre homens e mulheres. O tratamento diferenciado com relação a alguns direitos e obrigações pode ser percebido na prestação de serviço militar obrigatório, no tempo de aposentadoria e em questões relativas aos direitos de família (SIQUEIRA; PUPO, 2018).

No âmbito das políticas de previdência social, não se encontra nenhuma diretriz que inclua a perspectiva de gênero sob uma visão mais ampla, que efetivamente abarque a pessoa trans e garanta seu acesso aos direitos e benefícios previdenciários (SOUZA, 2015). Devido ao binarismo de gênero inerente ao sistema, percebe-se a existência de uma lacuna normativa quanto ao enquadramento daqueles segurados que performam identidades de gênero distintas.

Dentre os princípios e objetivos da seguridade social, destaca-se a universalidade da cobertura e do atendimento, prevista no artigo 194, I, da Constituição Federal de 1988. Em atenção à evolução social, o Direito Previdenciário deve identificar e incluir os segurados que estejam desprotegidos diante dos riscos sociais. Nas palavras de Araújo e Barreto (2018, p. 84), é indispensável “observar e acompanhar a evolução e a mutação das convenções sociais, de forma a trazer efetividade aos valores supremos que regem as relações previdenciárias: o bem-estar social e a justiça social”.

4.1 Utilização do critério binário de gênero

Segundo Bento (2006), após a segunda metade do século XVIII é que se deu destaque, nos campos político e científico, à importância de diferenciar biologicamente homens e mulheres. Até então, as diferenças anatômicas e fisiológicas visíveis entre os sexos não eram consideradas.

Com fundamento na isonomia material, ao proporcionar um tratamento previdenciário distinto entre homens e mulheres, a Lei Orgânica da Previdência Social (Lei nº 3.807/1960) revela a tentativa de se equilibrar o menor quantitativo de mulheres no mercado de trabalho, fixando períodos aquisitivos diferentes para concessão dos benefícios de aposentadoria por idade e por tempo de contribuição (FREITAS; VITA, 2017).

Ao analisar o trecho que versa sobre a aposentadoria por idade, é possível observar que o critério binário de gênero é implícito no texto constitucional. Nos termos do § 7º do artigo 201 da CF/88, com a nova redação dada pela Emenda Constitucional 103/2019, conhecida como Reforma da Previdência, estabeleceu-se que:

Art. 201 (...) § 7º. É assegurada aposentadoria no regime geral de previdência social, nos termos da lei, obedecidas as seguintes condições:

I - 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 62 (sessenta e dois) anos de idade, se mulher, observado tempo mínimo de contribuição;

Em função da sobrecarga da "dupla jornada" feminina, compreendida pelos afazeres domésticos e pela maior responsabilidade com os cuidados dos filhos, houve a necessidade de editar normas previdenciárias mais atentas às realidades vivenciadas pelas mulheres, conforme asseguram Nunes e Guimarães (2016). Embora a Emenda Constitucional 103/2019 tenha reduzido de cinco para três anos o lapso temporal entre homens e mulheres para a aposentadoria por idade, a distinção de tratamento ainda se revela adequada, ao observar os altos índices de desigualdade de gênero no mercado de trabalho20, apesar de certos avanços.

Avista-se, então, o “cistema”21 adotado pela previdência social brasileira, isto é, um modelo orientado sob uma perspectiva marcada pela cisnormatividade, o que se observa tanto no Regime Geral de Previdência Social como nos diversos Regimes Próprios de Previdência Social (RPPS).

Para além da aposentadoria, ao abordar as diversas configurações familiares existentes nos dias de hoje, Lazzarin e Silva (2019) destacam a problemática que a adoção do binarismo de gênero pode gerar na concessão do salário-maternidade. Devido aos avanços relacionados à retificação de nome e gênero, poderia ocorrer a negativa de concessão desse benefício nos casos de gravidez de homens trans, por exemplo, o que seria flagrantemente inconstitucional.

Ocorre que a legislação que prevê a concessão desse benefício faz menção ao gênero feminino, sem abordar questões relativas à transgeneridade. Logo, as mulheres trans que vivenciam a maternidade por meio da gestação solidária seriam amparadas pelo benefício previdenciário, enquanto os homens trans não.

Os autores defendem que não deve haver associação entre o gênero e a concessão do salário-maternidade, haja vista que o fato gerador do benefício diz respeito à ocorrência de um parto, sem levar em consideração as características do corpo que tiver parido e dos comportamentos associados a ele, afinal,

(...) quando uma mulher cis ou um homem trans dá à luz, uma pessoa dá à luz, e este deveria ser o fato gerador do benefício. A ocorrência do fato gerador do benefício não implica destinação certa deste. Assim, não necessariamente a pessoa que pariu deve ser aquela que o receberá. Seria possível para um casal heterossexual, por exemplo, em que o pai é homem trans que tenha engravidado, na qualidade de mãe, seja ela mulher cis ou trans, receber o benefício (LAZZARIN; SILVA, 2019, p. 42).

Conforme salienta Fluminhan (2016), é fundamental avaliar quais critérios objetivos serão adotados na concessão de benefícios, pois, independentemente do gênero identitário/performativo, os direitos previdenciários devem ser assegurados. Já que a retificação de nome e gênero não depende de qualquer alteração do fenótipo, a autodeclaração da identidade e a prova da performance social do segurado é que serão relevantes na análise dos entes previdenciários.

4.2 Possíveis soluções aplicáveis aos segurados trans

Considerando os efeitos da decisão do STF na ADI 4275 e a omissão legislativa com relação à matéria, surgem questionamentos acerca do posicionamento do ente previdenciário sobre a questão, além dos possíveis impactos nas contas da previdência. A fim de solucionar o imbróglio jurídico, alguns estudiosos do tema elencam possibilidades, como o estabelecimento de regras de conversão para regulamentar o acesso aos benefícios, o que será explorado a seguir, à luz dos princípios que regem o sistema brasileiro de previdência e o ordenamento jurídico constitucional.

Freitas e Vita (2017) e Mendes e Costa (2018) defendem que a melhor alternativa consistiria no cálculo proporcional da idade e do período de contribuição do segurado trans. Nessa hipótese, o período contributivo seria regido pelo gênero de nascimento até que o procedimento de retificação fosse realizado. Após a mudança, os cálculos considerariam o gênero autodeclarado. Segundo os autores, essa proposta não seria discriminatória e não afetaria o equilíbrio financeiro da previdência social.

Entretanto, nota-se que a hipótese do cômputo proporcional da idade e do tempo de contribuição seria mais uma violência e ofensa jurídica à identidade sexual das pessoas trans. A adoção de uma mera “regra de três” não seria razoável, pois supõe que seja plenamente possível dizer quando a pessoa era homem/mulher e quando “virou” mulher/homem. No mesmo sentido é o posicionamento de Leite (2019, p. 20), que questiona essa possibilidade ao considerar que

(...) o processo de formação identitária não é algo herdado geneticamente ou que decorre do sexo senão um permanente processo de construção, sendo equivocado dizer tenha uma origem ou um fim (BUTLER, 2017, p. 69). Por vezes, a/o transexual e a travesti performam o gênero dito oposto desde a infância, sendo desarrazoado supor ser a data da mudança registral a data mesma da manifestação da transgeneralidade. Ademais, o direito à alteração do gênero no registro civil só foi reconhecido pelos tribunais superiores nos últimos anos: de que forma poderia a pessoa trans, antes do reconhecimento pelo Estado, realizar a alteração registral a fim de garantir o usufruto de direitos com base no gênero autodeterminado?

Além disso, caso fossem adotadas regras de conversão de períodos contributivos, é evidente que haveria afronta ao pleno reconhecimento e ao direito ao esquecimento da vida pregressa desses indivíduos (PANCOTTI, 2018).

Outro fator que impediria a adoção de cálculos proporcionais seria a vedação da inclusão do termo “transgênero” no assento de nascimento, conforme dispõe a decisão do STF na ADI 427522. Desse modo, não haveria como os gestores dos diversos regimes de previdência, com base no gênero de registro, realizarem a conversão da idade e do tempo de contribuição.

Assim como alerta Fluminhan (2016), o momento em que ocorre a retificação dos dados não se mostra relevante para a análise previdenciária. É comum que as pessoas trans, embora sintam desde longa data o não pertencimento ao gênero atribuído, só consigam retificá-lo após a maioridade. Ademais, a possibilidade de retificação é recente, logo, haveria prejuízo àqueles que não tiveram a oportunidade de fazê-la anteriormente, sem contar os casos de pessoas que não têm conhecimento sobre essa possibilidade e/ou não possuem condições financeiras de arcar com o procedimento cartorário, ficando sujeitas à mora judicial.

Diante da irrazoabilidade da adoção do cálculo proporcional, não há que se cogitar a hipótese em que se utiliza como critério o gênero biológico do segurado, por total incompatibilidade com a gramática dos Direitos Humanos e os valores, princípios e regras do ordenamento jurídico brasileiro. A fim de encontrar o procedimento capaz de conferir à pessoa trans, no pleito de suas reivindicações por benefícios previdenciários, paridade de condições com os demais sujeitos, não resta outra alternativa senão o reconhecimento apenas do gênero autodeclarado, até mesmo porquanto a retificação do registro possui somente natureza declaratória23.

Nessa hipótese, só o gênero autopercebido é que será relevante no momento da implementação dos requisitos para cada aposentadoria/benefício, ou na data do seu requerimento. Conforme apontam Araújo e Barreto (2018), o benefício previdenciário será regulado pelas leis e condições do tempo em que reunidos os pressupostos necessários à concessão do benefício, em atenção ao princípio tempus regit actum, aplicando-se a lei vigente na data do fato gerador do benefício. Vale destacar que a jurisprudência dos tribunais pátrios caminha nesse sentido, como depreende-se da análise das Súmulas 340 do STJ24 e 359 do STF25.

Com a concessão da aposentadoria por idade de acordo com o gênero autodeclarado, os homens trans restariam prejudicados pelo labor adicional de três anos. Porém, Cruz (2014) entende que esse adicional de trabalho e contribuição evidenciaria o reconhecimento desse indivíduo como homem pela sociedade e pelo ordenamento jurídico, sendo um ônus suportado em virtude do reconhecimento de sua identidade de gênero. O oposto também ocorreria com as mulheres trans, já que, embora possam se aposentar com antecedência de três anos em relação aos homens, sofrem com as dificuldades do mercado de trabalho, como a ausência de equiparação salarial.

Apesar desses impasses, Siqueira e Nunes (2018) alegam haver uma tendência social e jurídica que sustenta a possibilidade de que os segurados trans se aposentem de acordo com a idade prevista com o gênero que se reconhecem, uma vez que, se o Estado tutela o direito à livre expressão da identidade de gênero, o exercício de direitos e deveres deve se estender ao âmbito previdenciário.

Embora reconheça a importância da criação de normas que regulamentem os benefícios previdenciários, de acordo com o reconhecimento identitário dos indivíduos, Pancotti (2018) entende que a vulnerabilidade da população em estudo fundamenta a necessidade de implantação de um benefício assistencial. A autora também sugere a intervenção governamental como uma possibilidade, por meio da criação de programas que incentivem a adesão voluntária dessa população ao RGPS, o que poderia majorar a arrecadação do sistema e proporcionar maior proteção social a essa minoria marginalizada, prática já adotada para grupos como trabalhadoras domésticas e donas de casa de baixa renda.

Por outro lado, Serau Júnior defende que a medida mais adequada seria algo semelhante às aposentadorias especiais (artigos 57 e 58 da Lei 8.213/91), por se tratar de uma hipótese social que demanda um tratamento previdenciário diferenciado, impondo a necessidade de se estabelecer um tempo contributivo menor do que aquele adotado para a população comum, considerando-se a baixa expectativa de vida da população trans. Nas palavras do autor, o ideal é que

(...) a proteção previdenciária, embora exija contribuições previdenciária dos segurados e seguradas, não se prenda exclusivamente a esse paradigma, devendo ter como norte exatamente a perspectiva de direitos fundamentais e estruturar-se a partir de outros paradigmas, cujo cerne seja a proteção do ser humano que passe por determinadas contingências sociais (JÚNIOR, 2018, p. 29).

Desse modo, a fim de proporcionar a integração efetiva da população trans ao sistema da previdência social, Souza (2015) salienta a necessidade de criação de políticas públicas voltadas a esses indivíduos, tendo em vista a baixa escolaridade, o pouco acesso à renda e ao emprego formal, além da rejeição em todos os campos sociais, incluindo a saúde pública.

Não há dúvidas de que, devido ao preconceito e à marginalização social, a capacidade de autonomia e independência dessas pessoas fica ainda mais prejudicada com a velhice ou outros momentos de fragilidade, o que faz com que as dificuldades cheguem mais cedo e com maior impacto (SIQUEIRA; PUPO, 2018), tornando ainda mais urgente a preocupação em tutelar os interesses dessa parcela da população.

5. Considerações finais

Diante de todo o exposto, é possível concluir que as instituições ainda não se encontram devidamente preparadas para lidar com as problemáticas relacionadas às identidades de gênero e orientações afetivo-sexuais que destoam do padrão cisheteronormativo.

Em que pese as diversas tentativas no âmbito do Poder Legislativo, os tímidos avanços quanto aos direitos LGBT+ foram reconhecidos pelo Judiciário, provocado pelas importantes ações, iniciativas e lutas dos movimentos LGBT+, em virtude da omissão do Legislativo Federal quanto ao tema, consequência de um Congresso Nacional moralista e conservador, pautado pela defesa de interesses religiosos num Estado que se afirma laico.

Com a adoção do critério binário de gênero pelo Regime Geral da Previdência Social na concessão de determinados benefícios previdenciários, constata-se a lacuna existente na seara previdenciária no tocante ao amparo jurídico ao público trans, já que não há previsão acerca da forma de se calcular e conceder benefícios aos segurados trans, como ocorre no salário-maternidade e nas aposentadorias por idade e por tempo de contribuição.

Analisando-se as possíveis soluções aplicáveis ao cálculo de benefícios dessa população, infere-se que a hipótese que mais coaduna com os princípios do ordenamento jurídico vigente e a gramática dos Direitos Humanos é a que considera o gênero pelo qual o segurado se identifica, excluindo-se eventuais cálculos proporcionais ou períodos de conversão que considerem a contribuição realizada enquanto o gênero não havia sido retificado no registro civil e nos bancos de dados do ente previdenciário.

Embora se discuta a forma ideal de se garantir o acesso de pessoas trans aos benefícios previdenciários, não há como ignorar o fato de que a previdência exige a inscrição prévia e a contribuição do segurado. Ao contrário da assistência social e da saúde, os benefícios da previdência social dependem da contribuição dos segurados, o que demonstra a necessidade de fomentar a inserção dessa população no mercado de trabalho, garantindo a empregabilidade trans para que se tornem segurados obrigatórios, ou incentivando a inscrição dessas pessoas como contribuintes individuais ou facultativos do RGPS, com o intuito de possibilitar o acesso efetivo aos benefícios.

A fim de garantir a representatividade e o acesso da comunidade LGBT+ a direitos, também é necessário refletir sobre a composição do Poder Legislativo26. Além da formulação e implementação de políticas públicas voltadas a esse público, é imprescindível que haja diálogo com os protagonistas diretos dessas questões e engajamento da sociedade civil com relação aos movimentos sociais que traçam estratégias de enfrentamento às forças contrárias aos direitos LGBT+, a fim de evitar que as disposições sobre o tema sempre fiquem a cargo do Judiciário, ensejando o rótulo de "ativismo judicial".

Para além da importância de garantir os direitos previdenciários dessa população, é essencial pensar e colocar em prática medidas que possam assegurar a vida dessas pessoas, no país que mais mata pessoas trans no mundo. A Previdência Social deve ser apenas um dos variados instrumentos de garantia da existência trans no Brasil.

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  • 1
    Com o apoio de empresários e políticos, o período de repressão durou 21 anos (1964-1985) e foi marcado por graves violações de direitos humanos, notadamente a utilização de métodos de tortura, cassação de mandatos eletivos e suspensão dos direitos políticos daqueles que se opunham ao regime. Disponível em: http://cnv.memoriasreveladas.gov.br/images/pdf/relatorio/volume_1_digital.pdf. Acesso em: 15 set. 2022.
  • 2
    Quinalha (2017) destaca que, à época, utilizava-se o termo “homossexualidades” para se referir às orientações afetivo-sexuais e identidades de gênero consideradas dissidentes. Atualmente, emprega-se a sigla LGBT+ para denominar lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros e demais identidades de gênero e orientações afetivo-sexuais existentes. Também se utilizam variações como LGBTI+ ou LGBTQIA+.
  • 3
    Realizada em 1971, na cidade de São Paulo, a cirurgia de redesignação sexual foi bem sucedida. Apesar disso, Waldirene conseguiu retificar seu nome e gênero no registro civil apenas em outubro de 2010, aos 65 anos. “'Monstro, prostituta, bichinha': como a Justiça condenou a 1ª cirurgia de mudança de sexo do Brasil”. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/geral-43561187. Acesso em: 22 set. 2021.
  • 4
    Destacamos que este texto é escrito sob a perspectiva de dois homens gays cisgêneros que, reconhecendo seu lugar social, buscam compreender e se aproximar das demandas das pessoas trans. Logo, almejamos teorizar sobre a realidade social e jurídica desse grupo, sem ignorarmos a imprescindibilidade de que suas vozes sejam ouvidas e reverberadas num contexto de desumanização e apagamento. Não pretendemos, portanto, explicitar exatamente a opressão sofrida pelas pessoas trans no Brasil, mas consideramos que é nosso dever ético e político, na condição de pesquisadores privilegiados, buscar formas de contribuir com uma comunidade subalternizada e, geralmente, alijada de direitos sociais, bem como da oportunidade de ocupar os espaços para falar sobre suas próprias experiências e necessidades.
  • 5
    O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) não atendeu ao pedido da Defensoria Pública da União (DPU) e da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA) para incluir dados sobre a população LGBT+ no Censo 2021. Disponível em: https://www.brasildefatope.com.br/2021/02/24/sem-dados-do-censo-populacao-lgbti-do-brasil-continuara-desconhecida-por-mais-10-an. Acesso em: 22 set. 2021.
  • 6
    Destaca-se, a partir da ementa do julgado: “1. O direito à igualdade sem discriminações abrange a identidade ou expressão de gênero. 2. A identidade de gênero é manifestação da própria personalidade da pessoa humana e, como tal, cabe ao Estado apenas o papel de reconhecê-la, nunca de constituí-la. 3. A pessoa transgênero que comprove sua identidade de gênero dissonante daquela que lhe foi designada ao nascer por autoidentificação firmada em declaração escrita desta sua vontade dispõe do direito fundamental subjetivo à alteração do prenome e da classificação de gênero no registro civil pela via administrativa ou judicial, independentemente de procedimento cirúrgico e laudos de terceiros, por se tratar de tema relativo ao direito fundamental ao livre desenvolvimento da personalidade.” Disponível em: https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=749297200. Acesso em: 22 set. 2021.
  • 7
    Carvalho (2011) e Lanz (2014) relatam que há impasses com relação aos termos identitários desde o final da década de 1990. O contato de grupos de ativistas brasileiros com movimentos internacionais é que estimulou a utilização do termo “transgênero”, versão em português de "transgender". Apesar de ser amplamente utilizado nos Estados Unidos e em boa parte dos continentes europeu e asiático, o termo não é reconhecido por uma parcela de ativistas transexuais e travestis do Brasil, por acreditarem que a expressão é genérica e pode esvaziar suas demandas identitárias.
  • 8
    “OMS tira transexualidade de nova versão de lista de doenças mentais”. Folha de São Paulo, 2018. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2018/06/oms-tira-transexualidade-de-nova-versao-de-lista-de-doencas-mentais.shtml. Acesso em: 22 set. 2021.
  • 9
    Disponível em: https://revistapesquisa.fapesp.br/as-barreiras-para-as-pessoas-trans/. Acesso em: 15 set. 2022.
  • 10
    Acerca do termo “ideologia de gênero”, Machado (2018) aponta que a teoria surge nos anos 90, fomentada por lideranças ligadas à Igreja Católica, com o objetivo de refutar a perspectiva de gênero desenvolvida pelo movimento feminista de vários países. Trata-se de uma tentativa de inversão argumentativa, com o intuito de impedir o avanço no âmbito dos direitos sexuais e reprodutivos das minorias, como pessoas LGBT+ e mulheres. Atualmente, ainda há diversos projetos de lei a fim de “proibir o ensino da ideologia de gênero nas escolas”, embora o STF, em 2020, já tenha reconhecido a inconstitucionalidade material desse tipo de proposta legislativa.
  • 11
    Dados da 56ª Legislatura do Congresso Nacional (2019-2023). Disponível em: https://www.camara.leg.br/internet/deputado/frenteDetalhe.asp?id=54010. Acesso em: 22 set. 2021.
  • 12
    Os parlamentares que integram a FPE também tentaram reverter essa decisão da Corte por meio do Projeto de Lei 6.583/13, conhecido como “Estatuto da Família”, que pretendia instituir que entidades familiares seriam somente aquelas formadas por casais de sexos distintos.
  • 13
    Ao analisar o julgamento de ambas as ações, torna-se ainda mais evidente que o protagonismo exercido pelo Judiciário se dá em virtude da omissão do Legislativo, considerando que, desde 1995, projetos de lei foram apresentados ao Congresso Nacional com o intuito de legalizar a união civil homoafetiva, mas não obtiveram êxito. Atualmente, não há legislação brasileira que regulamente a matéria, logo, o que garante a celebração de casamentos e uniões estáveis entre pessoas do mesmo sexo é somente a jurisprudência.
  • 14
    Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos.
  • 15
    Nos vinte e dois dias em que ocupou interinamente o cargo de Procuradora-Geral da República, Duprat também ajuizou ações relativas à constitucionalidade da união civil homoafetiva e da marcha da maconha, além de desengavetar outras pautas morais, como o aborto de fetos anencéfalos.
  • 16
    Conforme destacam Lages, Duarte e Araruna (2021), de certa forma, a “gambiarra” do nome social perdeu sua função prática, pois, teoricamente, a retificação do prenome e do gênero no registro civil se tornou mais acessível, embora muitas pessoas trans ainda encontrem dificuldades para concluir o procedimento extrajudicialmente, devido à hipossuficiência econômica, por exemplo.
  • 17
    Apesar do parecer favorável da Comissão de Direitos Humanos e Minorias, o projeto de lei, intitulado de "João W. Nery" em homenagem ao primeiro homem trans a realizar a cirurgia de redesignação sexual no Brasil, foi arquivado devido ao fim da legislatura.
  • 18
    Por meio do Projeto de Lei nº. 122/2006, houve a tentativa de incluir, na Lei nº. 7.716/89 (“Lei do Racismo”), a vedação da discriminação em virtude da orientação sexual e da identidade de gênero. Após a aprovação na Câmara, com o intuito de viabilizar a aprovação no Senado Federal, algumas concessões foram feitas aos setores religiosos, incluindo no texto do projeto que a legislação não se aplicaria “à manifestação pacífica de pensamento decorrente da fé”, contudo, o projeto foi arquivado devido ao fim da legislatura.
  • 19
    Art. 194, CF/88: “A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.”
  • 20
    De acordo com um levantamento do IBGE, apenas 54,5% das mulheres com 15 anos ou mais integravam a força de trabalho do país em 2019, enquanto o percentual foi de 73,7% entre os homens. Apurou-se ainda que, no mesmo ano, mulheres receberam, em média, apenas 77,7% da quantia auferida pelos homens. A pesquisa revela que a diferença é ainda maior nos cargos com melhores remunerações. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2021-03/estudo-revela-tamanho-da-desigualdade-de-genero-no-mercado-de-trabalho. Acesso em: 22 set. 2021.
  • 21
    A expressão é utilizada como referência a um sistema voltado às pessoas cisgênero, majoritariamente heteronormativo, e que, por não contemplar pessoas trans em suas variadas demandas, acaba por invisibilizar essa população.
  • 22
    A natureza sigilosa da retificação também está prevista no artigo 5º do Provimento nº 73, do Conselho Nacional de Justiça, que dispõe sobre a averbação da alteração do prenome e do gênero nos assentos de nascimento e casamento de pessoa transgênero no Registro Civil das Pessoas Naturais (RCPN).
  • 23
    Conforme a ementa da decisão do STF na ADI 4275, “a identidade de gênero é manifestação da própria personalidade da pessoa humana e, como tal, cabe ao Estado apenas o papel de reconhecê-la, nunca de constituí-la” (BRASIL, 2019).
  • 24
    "A lei aplicável à concessão de pensão previdenciária por morte é aquela vigente na data do óbito do segurado".
  • 25
    “Ressalvada a revisão prevista em lei, os proventos da inatividade regulam-se pela lei vigente ao tempo em que o militar, ou o servidor civil, reuniu os requisitos necessários”.
  • 26
    Ao ensejo da conclusão deste artigo, o Brasil elegeu, pela primeira vez na história, em 02/10/2022, duas deputadas federais trans: Erika Hilton (PSOL-SP) e Duda Salabert (PDT-MG), eleitas com 256.903 e 208.332 votos, respectivamente.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Mar 2024
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2024

Histórico

  • Recebido
    15 Fev 2022
  • Aceito
    06 Out 2022
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