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Intelectuais e jogos de linguagem: o discurso sobre a educação primária na I conferência nacional de educação (1927)

Intelectuales y juegos de lenguaje: el discurso sobre la educación primaria en la I conferencia nacional de educación (1927)

RESUMO

Este artigo teve como objeto o discurso educacional enunciado na Primeira Conferência Nacional de Educação (ICNE), organizada pela Associação Brasileira de Educação (ABE), cujo tema central foi o ensino primário. Partimos da premissa de que a ABE e as suas conferências foram lugares privilegiados para projetar uma intelligentsia autorizada a falar sobre os problemas da educação nacional. As fontes utilizadas referem-se a documentos relacionados à ABE e à ICNE, com destaque para as 113 teses apresentadas e discutidas no evento. Em termos metodológicos, privilegiamos a interlocução com a história dos intelectuais e a história intelectual, especialmente as contribuições do contextualismo linguístico para a compreensão da linguagem praticada na I CNE. Nas conclusões, pretendemos caracterizar o discurso educacional como uma linguagem complexa, que tem como horizonte a combinação de conceitos oriundos dos discursos médico-sanitarista, cívico-nacionalista e religioso.

Palavras-chave:
Discurso Educacional; Intelectuais; Associação Brasileira de Educação

RESUMEN

Este artículo tiene como objeto el discurso educativo enunciado en la Primera Conferencia Nacional de Educación (ICNE), organizada por la Asociación Brasileña de Educación (ABE), cuyo tema central fue la educación primaria. Partimos de la premisa de que la ABE y sus conferencias fueron lugares privilegiados para proyectar una intelligentsia autorizada a hablar sobre los problemas de la educación nacional. Las fuentes utilizadas se refieren a documentos relacionados con la ABE y la ICNE, con destaque para las 113 tesis presentadas y discutidas en el evento. En términos metodológicos, privilegiaremos la interlocución con la historia de los intelectuales y la historia intelectual, especialmente las contribuciones del contextualismo lingüístico para la comprensión del lenguaje practicado en la I CNE. En las conclusiones, pretendemos caracterizar el discurso educacional como un lenguaje complejo, que tiene como horizonte la combinación de conceptos oriundos de los discursos médico-sanitarista, cívico-nacionalista y religioso.

Palabras clave:
Discurso Educacional; Intelectuales; Asociación Brasileña de Educación

ABSTRACT

This article has as its object the educational discourse enunciated in the First National Conference on Education (I CNE), organized by the Brazilian Association of Education (BAE), whose central theme was primary education. We start from the premise that BAE and its conferences were privileged places to project an intelligentsia authorized to talk about the problems of national education. The sources used refer to documents related to BAE and the I CNE, with emphasis on the 113 theses presented and discussed at the event. Regarding methodology, we have opted for an interlocution with the history of intellectuals and intellectual history, especially the contributions of linguistic contextualism to understand the language practiced in the I CNE. In the conclusions, we characterize educational discourse as a complex language, which has at its horizon the combination of concepts derived from the medical-sanitarian, civic-nationalist and religious discourses.

Keywords:
Educational Discourse; Intellectuals; Brazilian Association of Education

Este artigo tem como objeto o discurso educacional enunciado na Primeira Conferência Nacional de Educação (ICNE), organizada pela Associação Brasileira de Educação (ABE), cujo tema central foi o ensino primário. Partimos da premissa de que a ABE e as suas conferências foram lugares privilegiados para projetar uma intelligentsia autorizada a falar sobre os problemas e, sobretudo, sobre os projetos e as prioridades da educação nacional. A ICNE representou o início de uma sequência de 13 encontros nacionais promovidos pela ABE entre 1927 e 1967, que delinearam um campo de disputas políticas, teóricas e institucionais.

Os intelectuais reunidos na ABE, criada em 1924 na cidade do Rio de Janeiro, reafirmaram a compreensão, corrente no cenário intelectual brasileiro desde o último quartel do século XIX, da missão das elites cultas na formação da consciência nacional. Essa consciência cívica teria na escola primária o seu lugar privilegiado de formação, disseminando condutas e sentimentos associados às ideias de laboriosidade, ordem, higiene e civismo.

A ICNE, particularmente, e as CNE, de maneira geral, tornaram-se lugares sem precedentes na história da educação no Brasil, de reverberação do debate sobre educação, que reuniram médicos, advogados, engenheiros, professores primários, normalistas, secundários e universitários, além de administradores públicos e jornalistas interessados no tema da educação nacional. A discussão ocorrida nesses eventos ultrapassou os limites do interesse pedagógico e dos especialistas em educação para se constituir em uma pauta estratégica para a afirmação do Brasil como país sintonizado com o processo de modernização, que impactava diferentes países das Américas e da Europa. Esse evento ocorreu em um momento de intensa discussão sobre as reformas educacionais que estavam sendo implementadas em diferentes estados brasileiros; também afirmou o desejo da ABE de organizar um sistema nacional de ensino, que ultrapassasse, segundo a visão dos intelectuais que dirigiam a entidade, a fragmentação e desarticulação das políticas, dos métodos de ensino, dos currículos e dos processos formativos em curso nos diferentes estados e regiões do país.

As fontes utilizadas neste trabalho referem-se a documentos relacionados à ABE e à ICNE. Entre eles, destacamos as 113 teses apresentadas, discutidas e votadas durante o evento. Em termos metodológicos, privilegiaremos duas frentes de interlocução: a história dos intelectuais e a história intelectual, especialmente as contribuições do contextualismo linguístico para a compreensão da linguagem manipulada pela intelectualidade engajada na chamada causa educacional.

Da história dos intelectuais, exploraremos o seu potencial para explicar o comportamento público das elites letradas envolvidas na produção do discurso educacional, entre o último quartel do século XIX e a primeira metade do século XX, considerando as suas estratégias políticas, crenças e projetos de intervenção social. Partimos do conceito de intelectual elaborado por Vieira (2011VIEIRA, Carlos Eduardo. Erasmo Pilotto: identidade, engajamento político e crença dos intelectuais vinculados ao campo educacional no Brasil. In: ALVES, Claudia; LEITE, Juçara Luzia (Orgs.). Intelectuais e História da Educação no Brasil: poder, cultura e política. Vitória: EDUFES, 2011.) que, visando compreender o comportamento público dos intelectuais, caracterizou-os considerando os seguintes aspectos:

1) sentimento de pertencimento ao estrato social que, ao longo dos séculos XIX e XX, produziu a identidade social do intelectual; 2) engajamento político propiciado pelo sentimento de missão ou de dever social; 3) elaboração e veiculação do discurso que estabelece a relação entre educação e modernidade; 4) assunção da centralidade do Estado como agente político capaz de realizar as reformas sociais. (p. 3)

No que tange à análise do discurso educacional, exploraremos a interlocução com o contextualismo linguístico, considerado como uma teoria da interpretação de fontes históricas, desenvolvida, especialmente, pelos historiadores do pensamento político John Pocock e Quentin Skinner. Na formulação dessa teoria da interpretação, Skinner e Pocock estabeleceram estreita interlocução com os estudos sobre o funcionamento da linguagem ordinária e, particularmente, com a teoria dos jogos de linguagem do filósofo Ludwig Wittgenstein e com a teoria dos atos de fala desenvolvida pelo filósofo John Austin. Entendemos que o contextualismo possibilita a compreensão do discurso educacional como um jogo de linguagem, com base na compreensão do comportamento linguístico dos seus atores. Essa abordagem propicia o entendimento da variedade linguística praticada por aqueles que pretenderam criar e difundir modos de argumentação e, por extensão, meios de persuasão capazes de viabilizar projetos políticos e educacionais.

Os jogos de linguagem são situações estruturadas de enunciação que impõem regras, tacitamente aceitas pelos jogadores ou atores linguísticos, sobre o que é possível ser dito, por quem, quando e como. O jogo de linguagem representa uma situação de comunicação contextualizada no tempo e no espaço e registrada em fontes empíricas passíveis de serem tratadas historicamente.

Soma-se à noção de jogo de linguagem o conceito de linguagem complexa, exposto sistematicamente por Pocock (2003POCOCK, John Greville Agard. Linguagens do ideário político. São Paulo: EDUSP, 2003.), na qual vocábulos de diversas procedências se combinam e formam um modo de falar particular. Para Pocock, o discurso político é uma linguagem complexa, uma vez que se apropria de termos oriundos de diferentes discursos (religioso, científico e/ou econômico) para produzir um modo de falar próprio para o uso nas disputas políticas. Nos termos propostos por Pocock sobre o discurso político, pretendemos pensar o discurso educacional, no qual identificamos a presença de léxico próprio de outros jogos de linguagem, particularmente aqueles praticados pelos discursos religioso, médico-sanitarista e cívico-nacionalista. Na análise dessa linguagem privilegiaremos as palavras que funcionaram como conceitos normativos, ou seja, aquelas que formaram o núcleo do campo semântico que produziu os principais significados e usos do discurso veiculado na ICNE..1 1 Entendemos por campo semântico um conjunto de palavras relacionadas entre si em função das suas propriedades para produzir significados, dando origem a um léxico especializado.

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO E A I CONFERÊNCIA NACIONAL DE EDUCAÇÃO

Diversos pesquisadores investigaram a ABE e os eventos promovidos pela entidade. A ICNE, de 1927, foi a conferência mais estudada, tendo como exemplos os seguintes trabalhos: Ferreira (1988FERREIRA, Susana da Costa. A I Conferência Nacional da Educação (contribuição para o estudo das origens da Escola Nova no Brasil). 1988. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 1988.), Schmidt (1997SCHMIDT, Maria Auxiliadora Moreira dos Santos. Infância: sol do mundo. A primeira conferência nacional de educação e a construção da infância brasileira. Curitiba, 1997. 231 f. Tese (Doutorado em História) - Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 1997.), Galter (2002GALTER, Maria Inalva. Educação pública e modernização social no Brasil na Conferência de Educação de 1927. 2002. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Estadual de Maringá, Maringá, 2002.), Bona Júnior (2005BONA JUNIOR, Aurélio. Educação e modernidade nas conferências educacionais da década de 1920 no Paraná. 2005. 126 f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2005.), Vieira (2007VIEIRA, Carlos Eduardo. Intelectuais e o Discurso da Modernidade na I Conferência Nacional de Educação (Curitiba - 1927). In: BENCOSTTA, Marcus Levy Albino. Culturas Escolares, Saberes e práticas educativas: itinerários históricos. São Paulo: Cortes, 2007.), Vieira e Bona Júnior (2007VIEIRA, Carlos Eduardo; BONA JÚNIOR, Aurélio. Modernidade e educação nas conferências educacionais na década de 1920 no Paraná. In: VIEIRA, Carlos Eduardo (Org.). Intelectuais, educação e modernidade no Paraná (1886-1964). Curitiba: UFPR, 2007.) e Vieira e Faria (2019VIEIRA, Carlos Eduardo; FARIA, Maria Cristiane Nunes de. Formação de Professores nos debates da I Conferência Nacional de Educação (ICNE - 1927). Educação & Formação, v. 4, n. 2, p. 95-111, 2019. Disponível em: Disponível em: https://revistas.uece.br/index.php/redufor/article/view/391 . Acesso em: 19 out. 2019.
https://revistas.uece.br/index.php/reduf...
). Entre os textos que estudaram outras conferências ou a atuação da ABE podemos destacar: Carvalho (1998CARVALHO, Marta Maria Chagas de. Molde nacional e fôrma cívica: higiene, moral, e trabalho no projeto da Associação Brasileira de Educação (1924-1931). Bragança Paulista: EDUSF, 1998.), que aborda os primeiros oito anos de existência da ABE, com base na problematização das noções de higiene, moral e trabalho veiculadas no discurso abeano; Linhales (2006LINHALES, Meily Assbú. A escola, o esporte e a “energização do caráter”: projetos culturais em circulação na Associação Brasileira de Educação (1925-1935). 2006. 267 f. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2006.), que reflete sobre o esporte e a Educação Física nos encontros da ABE entre 1925 e 1935; Strang (2008STRANG, Bernadete de Lourdes Streisky. O saber e o credo: os intelectuais católicos e a doutrina da Escola Nova (1924-1940). 2008. 222 f. Tese (Doutorado em Educação) - Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2008.), que discute o comportamento dos intelectuais católicos, entre a criação da ABE e a ruptura deles com a associação nos anos de 1930; Marques (2008MARQUES, Glaucia Diniz. Cartas em tempos de guerra: uma missão patriótica da Associação Brasileira de Educação (1942-1945). 2008. 100 f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2008.), que analisa o discurso patriótico da ABE durante a Segunda Guerra Mundial; Valério (2013VALÉRIO, Telma Faltz. Associação Brasileira de Educação: as Conferências Nacionais de Educação como estratégias de intervenção da intelectualidade abeana na política educacional do ensino secundário no Brasil (1928−1942). 2013. 270 f. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2013.), que problematiza a questão do ensino secundário, entre 1928 e 1942; Vieira (2017aVIEIRA, Carlos Eduardo. Conferências Nacionais de Educação: intelectuais, Estado e discurso educacional (1927-1967). Educar em Revista, n. 65, p. 19-34, jul.-set., 2017a. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/er/n65/0104-4060-er-65-00019.pdf . Acesso em: 03 set. 2018.
http://www.scielo.br/pdf/er/n65/0104-406...
), que investe na análise do discurso educacional veiculado nas 13 conferências da ABE, entre 1927 e 1967; e Vieira (2019VIEIRA, Carlos Eduardo; FARIA, Maria Cristiane Nunes de. Formação de Professores nos debates da I Conferência Nacional de Educação (ICNE - 1927). Educação & Formação, v. 4, n. 2, p. 95-111, 2019. Disponível em: Disponível em: https://revistas.uece.br/index.php/redufor/article/view/391 . Acesso em: 19 out. 2019.
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), que analisa o IX congresso, realizado em 1945, quando foi discutido o conceito de educação democrática nos contextos do fim da II Guerra Mundial e do Estado Novo no Brasil.2 2 As fontes revelam uma mudança na denominação do evento de Conferências Nacionais de Educação para Congressos Brasileiros de Educação, a partir do VIII CBE, em 1942. Não obstante, a mudança no nome não alterou o formato e os objetivos dos encontros.

Assim como os autores elencados acima, consideramos os eventos nacionais da ABE momentos privilegiados para flagrarmos o discurso educacional, uma vez que esses encontros tiveram abrangência nacional e reuniram os principais protagonistas desse debate, fossem eles personagens consagrados, fossem sem notoriedade no campo educacional. Não obstante, embora em posições diferentes, esses atores discursivos interagiram no processo de produção de um jogo de linguagem, que caracteriza e define as principais questões em disputa no campo educacional. Jogo que continha regras de enunciação compartilhadas, modos específicos de argumentação e usos variados do vocabulário disponível, de acordo com os horizontes ideológicos dos envolvidos e da natureza dos projetos em disputa..3 3 O conceito de campo de Pierre Bourdieu não se constitui em um aparato heurístico central nessa análise, contudo quando utilizamos a expressão estamos apoiados na ideia bourdiana que define o campo como espaço social de relações, onde são estabelecidos/impostos os critérios de nomeação, de classificação e de distinção social. Bourdieu ressalta a relação entre os campos, mas sustenta, também, a autonomia relativa desses espaços.

A ABE foi criada em 1924 e, conforme a ata da sua reunião de fundação,

realizada depois de algumas outras preparatórias, foram aprovados os Estatutos da Associação e eleitos, em seguida, para o Conselho Diretor, os 6 membros a que se refere o parágrafo 1º do artigo 4º dos referidos Estatutos. Os eleitos foram: Heitor Lyra da Silva, Levi Fernandes Carneiro, Antonio Carneiro Leão, D. Bertha Lutz, Mario Paulo de Brito e Vicente Licínio Cardoso, sendo que o penúltimo para secretário geral e o último para tesoureiro. (ABE, 1927ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO (ABE). Série: Atas de Sessões (1924-1967). Rio de Janeiro: Arquivo Carmem Jordão, 1927., p. 1)

A fundação da ABE foi o resultado da aproximação de intelectuais em torno de um objetivo manifesto: sensibilizar a nação para a questão educacional que, segundo a interpretação desse grupo, mesmo após o advento da República, permanecia à margem nas iniciativas do Estado. Nesse sentido, em seu estatuto, no art. 1º, a entidade afirma: “a Associação Brasileira de Educação tem por fim promover no Brasil a difusão e o aperfeiçoamento da educação em todos os seus ramos, estimulando as iniciativas que possam mais eficazmente atingir estes objetivos” (ABE, 1924ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO (ABE). Estatuto da Associação Brasileira de Educação. Rio de Janeiro Arquivo Carmem Jordão, 1924., p. 7). No detalhamento dos objetivos da entidade identificamos:

1° Organizar permanentemente a estatística da instrução no Brasil; 2° Publicar revista, boletins e relatórios periódicos, sobre questões de educação e instrução; 3° Manter museu escolar permanente, biblioteca pedagógica, sala de conferências e cursos; 4° Promover e premiar a elaboração e a publicação de bons livros didáticos; 5° Promover congressos de educação regionais ou nacionais; 6º Promover a representação do Brasil, em congressos de educação no estrangeiro; 7° Organizar um arquivo de legislação nacional e estrangeira, sobre ensino e questões correlatas; 8° Facilitar a seus sócios a aquisição de livros e de material escolar; 9° Cooperar em todas as obras de educação física, moral e cívica; 10° Facilitar o desenvolvimento do cinema educativo, de bibliotecas infantis, e de outros institutos auxiliares de ensino; 11° Auxiliar a intercorrespondência escolar, nacional e estrangeira; 12° Organizar obras de mutualidade entre professores e entre alunos; 13° Estudar e auxiliar a educação popular quer quanto à cultura intelectual, moral e física, quer quanto à instrução profissional. (ABE, 1924ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO (ABE). Estatuto da Associação Brasileira de Educação. Rio de Janeiro Arquivo Carmem Jordão, 1924.)

Os intelectuais que dirigiam a ABE consideravam a escola primária como o lugar privilegiado de formação do povo brasileiro, disseminando condutas e sentimentos expressos em conceitos normativos caros a essa elite, tais como: asseio, sobriedade, laboriosidade, civismo, ordem, consciência nacional, identidade nacional, povo brasileiro, raça, instrução, civilização, progresso, modernidade, entre outros termos correlatos. Nos três primeiros anos de existência da ABE, as suas ações ficaram restritas a pequenos círculos e à capital federal, limitando-se, principalmente, aos intelectuais que a compunham. Entretanto, a partir de 1927, a entidade procurou dar maior visibilidade e alcance às suas ideias e projetos, quando passou a promover eventos de abrangência nacional. As CNE seriam, de acordo com o regimento definido pela ABE, promovidas anualmente. A ata da reunião preparatória da ICNE revela esse objetivo:

Prosseguindo na execução de seu programa educacional, resolve a Associação Brasileira de Educação realizar, em todos os Estados do Brasil, conferências nacionais de educação com a participação de todas as unidades federativas, visando à congregação de todos os professores brasileiros em torno dos mais elevados ideais de civismo e de moral. Combate-se destarte o espírito separatista que por vezes se revela aqui, ou ali, trabalhando-se nobremente pela unidade nacional. (ABE, 1927ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO (ABE). Série: Atas de Sessões (1924-1967). Rio de Janeiro: Arquivo Carmem Jordão, 1927.)

Os eventos adotaram uma sistemática de organização que pouco se alterou ao longo do período entre 1927 e 1967, cabendo destaque para: os temas principais, que funcionavam como balizas para o debate; as comissões temáticas, que atuavam como filtros das discussões que se realizariam nas sessões plenárias; e o sistema de submissão de teses por parte dos congressistas que, se aprovadas nas comissões temáticas, passariam para a discussão e eventual aprovação nas sessões plenárias (Quadro 1).

Quadro 1 -
Ano, local e tema dos eventos da Associação Brasileira de Educação (1927-1967)

Nesse sentido, a ICNE representou o início de uma sequência de encontros nacionais que delinearam um projeto de intervenção social e cultural de grande magnitude. A crença na educação como meio privilegiado para a solução dos problemas nacionais foi amplamente compartilhada e Mário Pinto Serva, participante da ICNE, expressou de forma lapidar esse sentido que caracterizou o discurso abeano:

o problema da educação do povo brasileiro é o mais nacional de todos os problemas. É o maior problema da história nacional. É quase o único problema nacional, porque a educação, generalizada e ampla, naturalmente por si resolve todos os demais problemas. É a infraestrutura da organização coletiva. (ABE, 1927ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO (ABE). Série: Atas de Sessões (1924-1967). Rio de Janeiro: Arquivo Carmem Jordão, 1927., n. 103)

A ICNE, iniciada estrategicamente no dia 19 de dezembro de 1927, marcou as comemorações da emancipação política da Província do Paraná e a imprensa paranaense deu grande relevo ao momento de instalação do certame educacional, bem como aos seus resultados. A notícia veiculada pelo jornal Gazeta do Povo sobre os preparativos do evento mostra a cidade de Curitiba, capital do estado do Paraná, mobilizada:

Às nove horas deverão achar-se na Praça da Universidade os grupos escolares da capital, para ginástica e passeata cívica, de acordo com o que está estabelecido pela Inspetoria Geral do Ensino. Às 13 horas se realizará a instalação da Primeira Conferência Nacional de Educação, no Teatro Guairá. Não há necessidade de traje a rigor. Todos os lentes e professores dos institutos de ensino da capital deverão comparecer. (Gazeta do Povo, 18 de dezembro de 1927GAZETA DO POVO. I Conferência Nacional de Educação, 18 de dezembro de 1927, p. 2.)

As autoridades presentes na sessão de abertura também evidenciam a importância dada ao momento, uma vez que compuseram a mesa de abertura Caetano Munhoz da Rocha, Presidente do Estado do Paraná e representante do Presidente de Honra do Congresso, o Presidente da República Washington Luís; D. João Braga, Arcebispo Metropolitano de Curitiba; Desembargador Clotário Portugal, Secretário Geral do Estado; e Dr. João Moreira Garcez, Prefeito Municipal de Curitiba.

Além das autoridades, “achavam-se presentes para mais de quatrocentos congressistas, de trezentos alunos da escola normal secundária e cerca de duas mil pessoas, apresentando o Teatro Guaíra um aspecto imponente” (ABE, 1927ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO (ABE). Série: Atas de Sessões (1924-1967). Rio de Janeiro: Arquivo Carmem Jordão, 1927.). Na ABE dos anos de 1920, o grupo com maior organização e presença era o católico. Essa é uma evidência que pode explicar a razão de a cidade de Curitiba sediar a ICNE, uma vez que Lysímaco Ferreira da Costa, representante do governo do estado na conferência e o seu principal relator, estava próximo dos católicos que exerciam forte influência sobre o governo do Paraná. Dos 17 estados que enviaram representantes oficiais, somente o do Rio de Janeiro se fez representar por uma mulher. De acordo com as fontes analisadas, participariam da conferência:

a) Os representantes dos Estados e do Distrito Federal; b) O presidente e delegados da Associação Brasileira de Educação; c) os professores públicos e particulares dos cursos superiores, secundários ou profissionais do país e as pessoas cultas que aderiram a esta nobre iniciativa; d) os diretores e os professores da Universidade do Paraná, dos ginásios, escolas normais, escolas profissionais complementares, grupos escolares, escolas primárias públicas e particulares, colégios, etc., do Estado do Paraná. (ABE, 1927ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO (ABE). Série: Atas de Sessões (1924-1967). Rio de Janeiro: Arquivo Carmem Jordão, 1927.).4 4 A conferência reuniu participantes dos seguintes estados brasileiros: Alagoas, Amazonas, Bahia, Ceará, Distrito Federal (Rio de Janeiro), Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Paraná, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo.

Entre a documentação produzida pelo evento cabe destaque às 113 teses submetidas pelos congressistas, debatidas e votadas na plenária final do encontro. A ICNE contou com oito comissões temáticas: duas de ensino primário; uma de ensino secundário; três de temas gerais; uma de educação higiênica; e uma de ensino superior. A diretoria da ABE redigiu e apresentou quatro teses que serviram de balizas para o debate. As teses propostas foram as seguintes:

1º - a unidade nacional: a) pela cultura literária; b) pela cultura cívica; c) pela cultura moral; 2º - a uniformização do ensino primário, nas suas ideias capitais, mantida a liberdade de programas; 3º - a criação de escolas normais superiores em diferentes pontos do país para preparo pedagógico; 4º - a organização dos quadros nacionais, corporações de aperfeiçoamento técnico, científico e literário. (ABE, 1927ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO (ABE). Série: Atas de Sessões (1924-1967). Rio de Janeiro: Arquivo Carmem Jordão, 1927.)

Essas teses nortearam a conferência, de modo que os temas da nação, da unidade nacional e da formação da consciência nacional - que estiveram presentes nas discussões políticas no processo de independência do país do domínio português e durante todo o período imperial - assumiram novos contornos nos tempos da República. A formação da consciência do cidadão republicano, segundo as lideranças da ABE, dependia de um programa assentado sobre o ensino da língua pátria, da história e da geografia nacional, das noções de higiene e da educação cívica e patriótica (Carvalho, 1998CARVALHO, Marta Maria Chagas de. Molde nacional e fôrma cívica: higiene, moral, e trabalho no projeto da Associação Brasileira de Educação (1924-1931). Bragança Paulista: EDUSF, 1998., p. 225).

No programa de formação defendido pelos intelectuais abeanos, em 1927, a formação moral e política impunha-se sobre a formação humanista e científica. Nesse sentido, a crença no poder redentor da escola não estava associada exclusivamente à difusão do saber, mas sim à disseminação de valores morais e cívicos. À frente desse projeto de formação do povo brasileiro estavam os intelectuais, representados e autorrepresentados como intérpretes e guias privilegiados dos interesses da nação.

Para além dos temas apresentados pela diretoria da ABE, obtiveram destaque as seguintes questões: novas pedagogias, com ênfase para o chamado método intuitivo; nacionalização dos imigrantes europeus que mantinham escolas étnicas, difundindo as suas tradições culturais e linguísticas; e as questões da educação sanitária, da higiene escolar e da eugenia.

A reação da imprensa à conferência foi, em geral, positiva, mas oposições e tensões foram perceptíveis. O jornal O Dia protestou com a seguinte nota: “Ao que se ontem disse pelas ruas, foi declarada encerrada a Conferência Nacional de Educação (...) O que se gastou, o que se perdeu nesses sete ou oito dias do seu funcionamento foi muito dinheiro, foi muito tempo, sem que nada de aproveitável dela resultasse” (O Dia, 24 de dezembro de 1927O DIA. Encerrada a I Conferência Nacional de Educação, 24 de dezembro de 1927, p. 4.). O que vimos “foi apenas teorismo, coisas de utopismo, discursos e mais discursos e nada útil, nada aproveitável” (O Dia, 24 de dezembro de 1927O DIA. Encerrada a I Conferência Nacional de Educação, 24 de dezembro de 1927, p. 4.). No mesmo tom ácido, o jornal concluiu as suas observações da seguinte forma: “Já era tempo, pois, de se encerrar essa palhaçada aparatosa, caríssima e solenemente inócua” (O Dia, 24 de dezembro de 1927O DIA. Encerrada a I Conferência Nacional de Educação, 24 de dezembro de 1927, p. 4.). Lourenço Filho, um dos mais ativos participantes da ICNE, em contraste com o jornal O Dia, foi de parecer positivo sobre os resultados da ICNE. Indagado pelo jornal O Estado de São Paulo, logo após o evento, sobre a presença de teses alheias à conferência, respondeu da seguinte forma:

alheias, não, mas algumas pareceram dispersivas. Felizmente, logo foi firmado o princípio de que os trabalhos apresentados que tratassem de matéria puramente científica não seriam discutidos. A conferência não fora organizada para isso, mas tão somente para iniciar a fixação de certos pontos capitais de uma política nacional em matéria de educação. (ABE, 1927ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO (ABE). Série: Atas de Sessões (1924-1967). Rio de Janeiro: Arquivo Carmem Jordão, 1927.)

A diversificação temática evidenciada nas 113 teses submetidas não impediu, assim como considerou Lourenço Filho, a afirmação de um princípio caro aos dirigentes da ABE, ou seja: a necessidade de fixação de balizas para a elaboração de uma política nacional de educação, capaz de formar um amálgama cultural comum para o país, desde a escola primária.

LUGARES DE ENUNCIAÇÃO, ENUNCIADORES E DESTINATÁRIOS DO DISCURSO ABEANO

Segundo Miceli (2001MICELI, Sergio. Intelectuais e classe dirigente no Brasil (1920-1945). In: MICELI, Sergio. Intelectuais à brasileira. São Paulo: Cia da Letras, 2001. p. 69-291.), Alonso (2002ALONSO, Ângela. Idéias em movimento: a geração 1870 na crise do Brasil-Império. São Paulo: Paz e Terra, 2002.) e Vieira (2011VIEIRA, Carlos Eduardo. Erasmo Pilotto: identidade, engajamento político e crença dos intelectuais vinculados ao campo educacional no Brasil. In: ALVES, Claudia; LEITE, Juçara Luzia (Orgs.). Intelectuais e História da Educação no Brasil: poder, cultura e política. Vitória: EDUFES, 2011.), entre o final do século XIX e os anos de 1930, constatamos a afirmação gradativa na cena pública brasileira do intelectual como agente político. O reconhecimento desse protagonismo exigiu a produção de uma identidade, espelhada na imagem de elite que se distinguia das tradicionais elites de sangue e de condição econômica. Ainda que o elitismo estivesse associado aos sentimentos de soberba e de distinção, nesse grupo, gerou, também, os sentimentos de responsabilidade e de missão social. Oliveira (1990OLIVEIRA, Lúcia Lippi. A questão nacional na Primeira República. São Paulo: Brasiliense, 1990., p. 187), discutindo o comportamento político dos intelectuais no Brasil, afirma que

independente da sua origem de classe, da sua formação bacharelesca ou especializada, [os intelectuais] mantiveram-se ocupados em “pensar” o Brasil e em propor caminhos para a salvação nacional. Ao atuarem na construção de consciências coletivas, os intelectuais consideraram-se imbuídos de uma missão e procuraram difundir suas propostas mediando aspirações nacionais e políticas governamentais.

Esse sentimento de missão conduziu ao engajamento político dos intelectuais, baseado na ocupação de múltiplos e de valorizados lugares institucionais de enunciação, entre os quais destacamos: a imprensa, o Estado (poder legislativo, executivo e judiciário), as escolas secundária e normal, as faculdades e universidades, o parlamento e as associações culturais e científicas. Nesse sentido, a criação da ABE é um exemplo desses novos púlpitos criados para ecoar a voz da intelectualidade que, a partir de uma retórica reformista, engendrou o discurso da modernidade e da modernização do país, que tinha no tema da formação do povo um dos seus pontos arquimedianos.

Os temas discutidos na ABE e nas CNE refletiram, em grande medida, demandas do Estado, uma vez que os abeanos compreendiam os resultados das conferências como subsídios para as políticas públicas de educação. Lourenço Filho, em depoimento para a imprensa, evidencia essa visão:

as conferências nacionais de educação não devem nem podem ser congressos de natureza técnica ou científica. O que devem é constituírem-se como centros de estudo de uma política nacional em matéria educativa. Uma intenção social profunda deve animá-las, mesmo porque só essa intenção as explica e as recomenda ao apoio e confiança dos governos. (ABE, 1929ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO (ABE). Notícias da ABE (1927-1960). Rio de Janeiro: Arquivo Carmem Jordão, 1929.)

Do púlpito da ABE, os intelectuais criticaram a falta de uma política nacional para a educação capaz de uniformizar os processos de formação, reivindicando, assim, a intervenção do poder público para sanar essa ausência. O Estado e, especialmente, o poder executivo tornou-se o interlocutor privilegiado dos intelectuais, já que estes compartilhavam a crença sobre o papel civilizador do Estado que, como agente político e administrativo, era considerado o único instrumento capaz de produzir, em nível nacional e em curto espaço de tempo, a pretendida reforma intelectual e moral da população brasileira. Em consonância com esse apelo dos intelectuais em relação ao Estado, observamos, também, a permanente ação do Estado e de seus grupos dirigentes no sentido de respaldar e financiar a ABE e, assim, mantê-la tutelada nos marcos dos seus projetos políticos.

O interlocutor privilegiado foi também objeto de disputa, fosse na perspectiva de ocupação de cargos estratégicos no aparelho estatal, fosse pela influência na formulação de políticas públicas. Nesse período, a demanda pela ampliação do acesso à escolarização na sociedade brasileira, advinda dos mais variados estratos sociais, levou o Estado e os grupos políticos que disputavam o poder na sociedade brasileira a cooptarem quadros importantes da intelectualidade para gerir projetos, instituições e reformas nas políticas públicas para a educação. Podemos mencionar, como exemplos desse movimento, as seguintes reformas: São Paulo, promovida por Sampaio Dória (1920); Distrito Federal, conduzida por Carneiro Leão e Fernando de Azevedo (1922 e 1928); Bahia (1924) e Minas Gerais (1927), dirigidas por Anísio Teixeira e Francisco Campos respectivamente. As reformas no Ceará (1922), em Pernambuco (1928) e no Paraná (1920), conduzidas por Lourenço Filho, Carneiro Leão, César Prieto Martinez e Lysímaco Ferreira da Costa, foram expressões desse mesmo processo nos estados de menor peso político naquele período. Em comum entre os administradores públicos responsáveis pela gestão dessas políticas, o fato de todos terem sido dirigentes da ABE e/ou assíduos frequentadores dos seus eventos.

A ABE e as suas conferências tiveram como foco a intervenção política, de maneira que, ao analisar a sua criação, Carvalho destacou que “foi do malogro da organização do partido político Acção Nacional que nasceu a Associação Brasileira de Educação” (Carvalho, 1998CARVALHO, Marta Maria Chagas de. Molde nacional e fôrma cívica: higiene, moral, e trabalho no projeto da Associação Brasileira de Educação (1924-1931). Bragança Paulista: EDUSF, 1998., p. 54). Essa interpretação tem sustentação nas palavras de Lourenço Filho, então presidente da ABE, no contexto da VII CNE:

Há pouco mais de dez anos, preocupados com o rumo dos acontecimentos sociais e políticos do país, reuniram-se alguns homens de boa vontade, tendo à frente essa singular figura, que foi Heitor Lyra da Silva; e entre a ideia da organização de um novo partido político, e a de fundar-se uma agremiação em prol da cultura nacional resolveram optar por esta última. [...], esse programa era e é político, no melhor e mais elevado do termo. Político, no sentido de avivar em todos os espíritos, responsáveis pelas coisas do Brasil, a fé nas coisas de educação; e político, no sentido de esclarecer a opinião pública no tocante aos problemas de organização nacional, por meio de uma organização de cultura. (ABE, 1935ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO (ABE). Anais das CNEs (1927-1967). Rio de Janeiro: Arquivo Carmem Jordão, 1935.)

Da parte do Estado não faltaram acenos para a ABE intervir na cena política, como se pode verificar na ocasião da IV CNE, quando Getúlio Vargas e Francisco Campos, Presidente da República e Ministro da Educação respectivamente, em seus discursos na abertura do evento, pediram aos conferencistas que fornecessem ao governo a “‘fórmula feliz’, o ‘conceito de educação’ da nova política educacional” (Carvalho, 1998CARVALHO, Marta Maria Chagas de. Molde nacional e fôrma cívica: higiene, moral, e trabalho no projeto da Associação Brasileira de Educação (1924-1931). Bragança Paulista: EDUSF, 1998., p. 380). A ocupação de cargos pelos intelectuais na gestão do poder executivo, tanto em nível federal quanto estadual, foi uma constante ao longo do período, de maneira que acompanhamos a argumentação de Valério, que sustenta que

as Conferências Nacionais de Educação constituíram-se em espaço estruturado pelos intelectuais abeanos com o objetivo de, contando com uma extensão da ABE em cada estado, disseminar as políticas estruturadas pela ABE e ocupar o espaço governamental. Tal ocupação viabilizaria a efetivação de uma política nacional de educação e um amplo programa de ação social no país. Para tanto, precisavam do Estado financiando e apoiando as decisões ali tomadas, em uma relação conveniente para o governo, que, por seu turno, buscava o apoio dos diversos setores da sociedade civil para implementar sua política. (Valério, 2013VALÉRIO, Telma Faltz. Associação Brasileira de Educação: as Conferências Nacionais de Educação como estratégias de intervenção da intelectualidade abeana na política educacional do ensino secundário no Brasil (1928−1942). 2013. 270 f. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2013., p. 82)

REFERENTES E ESTRATÉGIAS RETÓRICAS DO DISCURSO ABEANO

Como já mencionamos, o principal objetivo da ABE era discutir e propor alternativas aos problemas nacionais que, segundo a crença da época, poderiam ser sanados pela obra educativa. Entre esses problemas o grupo dirigente da ABE destacava a falta de identidade e consciência nacional. Para os intelectuais engajados na causa educacional, o Brasil representava um território ocupado por milhões de habitantes, mas que não se constituía como nação. A extensão do território, a diversidade de raças, culturas, costumes e o novo fluxo migratório europeu foram fatores elencados como causas desse estado de fragmentação cultural e política. Segundo a interpretação dos intelectuais abeanos, faltava ao país um povo com clara consciência nacional e propósitos comuns. Nesse sentido, a unidade nacional se apresentou como o objetivo principal a ser alcançado pela ação educativa, de maneira que os termos uniformização, homogeneização e padronização incidiram sobre diferentes linhas de argumentação e sobre diversos temas analisados nas teses apresentadas à ICNE.

Nesse cenário, a falta de instrução do povo foi apontada como uma das causas do descompasso do país em relação ao concerto das nações modernas. As posições do congressista Sebastião Paraná revelam esta representação: “por falta de instrução é que não temos podido avançar no domínio econômico, conservando-nos em situação de inferioridade” (ABE, 1935ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO (ABE). Anais das CNEs (1927-1967). Rio de Janeiro: Arquivo Carmem Jordão, 1935., n. 59). Nesta mesma tese ele afirmava: “A instrução popular é questão de vida ou de morte para as sociedades modernas” (ABE, 1935ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO (ABE). Anais das CNEs (1927-1967). Rio de Janeiro: Arquivo Carmem Jordão, 1935., n. 59). O índice de analfabetismo figurava como a principal evidência da ignorância do povo e, assim, foi regularmente invocado nos discursos político e educacional ao longo do século XX.

No jogo de linguagem praticado é possível perceber a tendência crescente de uso da estatística como argumento de autoridade que, pautado no efeito de verdade dos números, construía justificativas para as intervenções sobre os modos de agir, pensar e sentir da população. Muitas teses utilizaram as estatísticas para criar um quadro impressionista do chamado atraso nacional ou, com outro foco de interesse, mostrar a existência de exceções ou ilhas de excelência no contexto da educação nacional. Os índices altos de analfabetismo não foram apresentados como resultantes da incompetência das elites políticas em prover a educação popular, mas sim como expressão da resistência dessas camadas da população em entender os papéis da escola e da educação no desenvolvimento da sociedade brasileira. Algumas teses afirmaram categoricamente que os “os pais não estão à altura de compreender quais as vantagens que advirão [pela instrução] para o futuro. [...] E o pai analfabeto, o que poderá dizer do grau de competência do professor para mandar seu filho à escola?” (ABE, 1935ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO (ABE). Anais das CNEs (1927-1967). Rio de Janeiro: Arquivo Carmem Jordão, 1935., n. 24).

As proposições acerca da ignorância dos alunos e da inaptidão dos pais concorreram para a afirmação da principal proposta em debate: a uniformização e a obrigatoriedade do ensino primário em todo o território nacional..5 5 A primeira lei que tratou da escola primária no Brasil foi o Decreto Imperial de 15 de outubro de 1827, sob o título “Manda crear escolas de primeiras letras em todas as cidades, villas e logares mais populosos do Império”. Não obstante, na ICNE de 1927, cem anos após essa lei, o país ainda se encontrava muito distante de universalizar a escolarização básica para a população. Várias teses ocuparam-se desses aspectos e nelas percebemos a convergência em torno da necessidade de difusão do ensino primário. Contudo, o argumento, em regra apresentado pelas autoridades do Estado, da ausência de recursos econômicos, físicos e humanos necessários para a imediata universalização do ensino primário, impunha a busca de medidas capazes de minorar ou superar a situação de penúria da educação no país. Entre elas destacamos: a proposta de que os professores deixassem as grandes cidades e se dirigissem para o interior, de forma a atender o maior número possível de alunos; a tese do celibato da professora normalista que, incumbida da educação dos estudantes, não poderia assumir a responsabilidade de formação de prole; a proposta, também veiculada à dimensão de gênero, do serviço pedagógico que obrigaria às mulheres prestarem serviço à pátria alfabetizando as crianças, seguindo o exemplo do que ocorria com os homens em relação ao serviço militar; além da tese, também de inspiração militar, da conscrição escolar que obrigaria as famílias a alistarem as crianças de determinada idade na escola para serem, durante um ano, alfabetizadas (ABE, 1935ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO (ABE). Anais das CNEs (1927-1967). Rio de Janeiro: Arquivo Carmem Jordão, 1935.).

Nesse contexto, a educação não foi caracterizada como um direito, mas sim como uma obrigação das famílias que o Estado fiscalizaria, ao passo que “nessa importante obra o pai não teria interferência. Não teria direito de escolha! Somente terá o dever de estimular e respeitar a ação governamental” (ABE, 1935ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO (ABE). Anais das CNEs (1927-1967). Rio de Janeiro: Arquivo Carmem Jordão, 1935., n. 27). A positividade inerente à ideia de universalização do ensino primário não vela o tom autoritário do discurso abeano e as representações desqualificadoras das classes populares. A elite intelectual atuante na ABE mostrou-se pródiga nos usos do verbo obrigar, do adjetivo obrigatório e do substantivo obrigatoriedade.

A retórica da ação contra a ignorância do povo não encontrava inimigos declarados e, assim, justificava todo tipo de posturas impositivas em relação à população. Nesse sentido, o direito à educação foi transfigurado na retórica da obrigatoriedade do ensino que, distante de produzir efeitos rápidos e duradouros no plano da ampliação do acesso à escola pública, reafirmou as imagens de vício do povo e de virtude das elites intelectuais. Nessa chave de interpretação das elites em relação ao povo, somava-se à ignorância no domínio das letras e dos números a crença na decadência moral da população.

O tom catastrófico desse discurso sinalizava para a iminência de desintegração nacional e de dissolução dos laços de convivência social e, assim, impunha o sentido de premência em relação às medidas capazes de moralizar a população. Nas discussões sobre moralidade e imoralidade verificamos de forma explícita a ambivalência do discurso educacional, já que, enquanto no plano do combate à ignorância, a ciência e as novas pedagogias foram festejadas e proclamadas como sinais da modernidade, no plano moral as mudanças e as rupturas com a tradição e os costumes encontraram grandes resistências. Na discussão da moral, as dimensões públicas e privadas da vida social encontravam-se combinadas, ao passo que a moralidade pública - associada à formação do espírito cívico - e a moralidade privada do indivíduo - relacionada ao comportamento social - foram tratadas como aspectos indissociáveis.

Em outros termos, o respeito à ordem pública, às hierarquias políticas e jurídicas, bem como o assentimento em relação à autoridade paterna, à condição de subserviência da mulher e à rígida moral sexual estavam intimamente relacionados. O protótipo do homem moral era o cidadão republicano que professava fé católica e que controlava rigidamente o seu corpo e os seus desejos. A forte presença do ideário católico entre os congressistas foi possível em função de uma reorientação da igreja, ao longo das primeiras décadas do século XX, no sentido de superar o antagonismo entre catolicismo e republicanismo que marcou os primeiros tempos da República. Além disso, os grupos e os movimentos anticlerical e/ou materialista, presentes no cenário intelectual brasileiro do período, não conseguiram difundir princípios e valores morais capazes de abalar a forte presença da visão de mundo católica, especialmente entre as classes populares.

Sendo assim, percebemos uma acomodação entre o catolicismo e o republicanismo, presente na tese que versava sobre o ensino religioso no interior da escola pública. Embora o argumento tenha provocado tensões e confrontos entre militantes católicos, anticlericais e adeptos da laicização, o tema do ensino religioso terminou por ser absorvido nas orientações da ABE. Na ICNE essa questão foi a votação em plenário e, com 117 votos a favor e 86 contra, aprovou-se a seguinte redação: “que o ensino da moral, em todos os institutos de educação do país, tenha por base a ideia religiosa, o respeito às crenças alheias e a solidariedade em todas as obras do progresso nacional” (ABE, 1927ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO (ABE). Série: Atas de Sessões (1924-1967). Rio de Janeiro: Arquivo Carmem Jordão, 1927.).

Os termos foram claros: o ensino da moral teria por base a ideia religiosa que, nesse contexto, representou um eufemismo de formação católica. Tal proposta foi amplamente justificada pela afirmação de que o ensino laico era voltado exclusivamente para aspectos científicos, não possuindo referencial moral sólido que garantisse, para além da instrução, a educação integral do indivíduo. Os verbos instruir e educar representaram, no jogo de linguagem praticado, significados distintos, que contrastavam a formação voltada exclusivamente para o intelecto e aquela que educava, a um só tempo, o intelecto, a alma devota do indivíduo e a consciência cívica do cidadão republicano. Foi o que afirmou Roberto de Almeida Cunha, representante mineiro na ICNE: “Temos pirronicamente nos agarrado ao laicismo do ensino primário, conduzindo virtualmente as nossas crianças para o dispersivo e desnacionalizante indiferentismo religioso” (ABE, 1935ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO (ABE). Anais das CNEs (1927-1967). Rio de Janeiro: Arquivo Carmem Jordão, 1935., n. 69). Inferimos dessa afirmação a nítida relação entre a confissão católica e o sentimento de nacionalidade, pois na retórica da igreja o catolicismo, pela sua tradição missionária secular no território brasileiro, representava a base da consciência e da identidade nacional.

As teses que defendiam a orientação laica da escola pública não questionaram diretamente a orientação religiosa católica. Contudo, defenderam, em nome da liberdade de pensamento, que o ensino religioso fosse ministrado pela família, de acordo com a confissão praticada. Por outro lado, as teses que consideravam o ensino religioso como a melhor opção de orientação moral contra-argumentavam no sentido de afirmar que a família era incapaz de proporcionar uma educação religiosa e moral sólida, uma vez que não possuía formação adequada. Essas disputas em torno da orientação moral do povo sustentavam-se na crença de que a instrução do intelecto não produziria, per se, a formação da consciência nacional. Esse processo dependia da educação da alma, que não estava associada à razão, mas sim à sensibilidade e à emoção.

Nesse sentido, podemos afirmar que, segundo o discurso dos intelectuais abeanos, um dos traços principais de imoralidade presente na sociedade brasileira era o declínio da visão de mundo católica. Enfraquecimento que, segundo o discurso da igreja no período, era motivado pelas seguintes razões: presença de interpretação sincrética do catolicismo entre as classes populares; tendência individualista e materialista no plano da vida econômica, própria da lógica do capitalismo; emergência de cultos e de seitas profanas; e tendência crescente, entre as elites intelectuais, de adesão ao materialismo e ao agnosticismo.

Outro aspecto apontado como de grande relevância no quadro dos grandes problemas nacionais foi o higiênico, uma vez que encontramos inúmeras teses que enfatizavam as péssimas condições sanitárias brasileiras e, sobretudo, a necessidade de educação higiênica e eugênica nas escolas pública e privada. Das oito comissões temáticas da ICNE, uma se ocupou exclusivamente da educação higiênica. As questões sanitária, higiênica e eugênica foram associadas à ausência de ideais coletivos de unidade nacional e à carência de formação moral.

A urbanização, resultante do advento da modernização da sociedade brasileira, contribuiu para a visibilidade da questão sanitária, ao passo que os limites estruturais das principais cidades do país e o crescimento acelerado da população urbana propiciavam a proliferação de doenças e a visibilidade da pobreza e da miséria. Nessa ambiência, os médicos, com seus saberes e práticas de cura, simbolizaram a possibilidade de superação da enfermidade social, ao passo que, na condição de homens de ciência, apresentavam-se como os educadores, por excelência, dos hábitos de higiene e das condutas sociais consideradas como moralmente adequadas. Os temas da sexualidade, do consumo de álcool, das doenças, da nutrição, do fortalecimento e do asseio do corpo entraram em pauta e, nos anos de 1920, justificavam um rígido monitoramento da disciplina social, dando ao Estado poder de intervenção, fosse pela ação dos órgãos ligados à saúde pública e à educação, fosse por aqueles ligados à repressão policial. Carvalho (1998CARVALHO, Marta Maria Chagas de. Molde nacional e fôrma cívica: higiene, moral, e trabalho no projeto da Associação Brasileira de Educação (1924-1931). Bragança Paulista: EDUSF, 1998.) aponta a questão sanitária, nesse período, como

recurso retórico de grande eficiência sensibilizadora: a imagem negativa e um tanto abstrata da ausência de educação é substituída, com vantagem, pela imagem concretizante da doença que induz a imaginação do ouvinte a visualizar, no horror análogo do câncer ou da degenerescência física, os malefícios da situação educacional do país. (p. 124)

Dessa forma,

condensando os males do Brasil na metáfora de um brasileiro doente e indolente e as esperanças de erradicação desses males na ação de uma elite dotada de poderes demiúrgicos, o discurso cívico da ABE [funcionou como] intervenção profilática erigindo a questão sanitária em metáfora de situação nacional e a obra de educação em obra de saneamento. (p. 124)

O léxico médico-sanitarista, associado à presença significativa de médicos entre os intelectuais da ABE, compôs o jogo de linguagem praticado na ICNE. O discurso médico, entendido como correlato de discurso científico, não se apresentava no debate público apenas como meio de prevenção das doenças ou de promoção à saúde. A figura pública do médico tornou-se expressão de autoridade capaz de tratar das anomalias que produziam o mau funcionamento do organismo social. Sendo assim, da mesma forma que o direito à educação foi transfigurado na retórica da obrigatoriedade do ensino, o direito da população à saúde e ao bem-estar foi transfigurado em dispositivos de controle do modo de vida das classes populares. A discussão sobre a saúde e a doença, longe de gerar resultados eficazes no plano da melhoria das condições de vida nas cidades, reafirmou a imagem do povo enfermo, dependente da ação saneadora dos médicos engajados no campo educacional.

Em síntese, os temas reunidos na tríade da ignorância, da imoralidade e da enfermidade representaram os referentes ou objetos principais da retórica do atraso nacional. Retórica que conferiu poder persuasivo ao discurso abeano e, por extensão, afirmou o protagonismo político dos intelectuais associados à entidade. O jogo de linguagem praticado valeu-se de uma estratégia argumentativa apoiada nos recursos retóricos do contraste, da analogia, da modulação e da causalidade.

O uso do contraste de significados é percebido pela combinação de termos antinômicos na estruturação do discurso abeano, tais como vida e morte, saúde e doença, civilização e barbárie, saber e ignorância, moralidade e indecência, laboriosidade e indolência, aptidão e inaptidão, patriotismo e indiferença cívica. Nesse contexto argumentativo, os primeiros termos dos pares indicavam as possibilidades abertas pela modernidade educativa, enquanto os segundos representavam a realidade brasileira que necessitava ser transformada. Koselleck (2006KOSELLECK, Reinhart. Futuro passado: contribuições à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro: Contraponto/PUC-Rio, 2006.) denomina esses pares conceituais, amplamente mobilizados na conversação pública, de antitético-assimétricos. O que caracteriza esses pares conceituais “é que eles determinam uma posição seguindo critérios tais que a posição adversária, deles resultante, só pode ser recusada. Nisto reside sua eficácia política” (Koselleck, 2006KOSELLECK, Reinhart. Futuro passado: contribuições à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro: Contraponto/PUC-Rio, 2006., p. 195). Em outros termos, o primeiro termo do par tem para os seus enunciadores um significado positivo, enquanto o segundo é marcadamente negativo..6 6 A Problematização de Koselleck incide sobre os termos heleno-bárbaro, cristão-pagão, homem-não-homem, super-homem e sub-homem (Koselleck, 2006, p. 193).

Dois exemplos-chave para entender o uso de conceitos antitético-assimétricos no discurso veiculado na ICNE são: o par unidade-desagregação, mobilizado nos argumentos sobre a formação da nação, da consciência e da identidade nacional; ou, ainda, o par instrução-ignorância, presente regularmente nos debates sobre a expansão da escolaridade e, de forma particular, na discussão sobre a obrigatoriedade do ensino primário. O uso desses conceitos binários na conversação pública é típico da produção da retórica política, que visa à exclusão, à impugnação, ao silenciamento e à derrota do adversário. Ao adversário, identificado como a representação do segundo termo do par, é imputada uma posição impossível de ser assumida, já que defender a desagregação do país ou a ignorância do povo não representava uma posição passível de ser sustentada nas disputas em curso no período.

No estudo da ICNE, realizado por Vieira e Faria (2019VIEIRA, Carlos Eduardo; FARIA, Maria Cristiane Nunes de. Formação de Professores nos debates da I Conferência Nacional de Educação (ICNE - 1927). Educação & Formação, v. 4, n. 2, p. 95-111, 2019. Disponível em: Disponível em: https://revistas.uece.br/index.php/redufor/article/view/391 . Acesso em: 19 out. 2019.
https://revistas.uece.br/index.php/reduf...
), outros pares de conceitos antitético-assimétricos foram identificados, incluindo também os seus termos correlatos, que funcionavam retoricamente para reforçar determinados significados, fosse da positividade do primeiro termo do par, fosse da negatividade do segundo (Quadro 2).

Quadro 2 -
Conceitos antitético-assimétricos, presentes na linguagem mobilizada nos debates da Primeira Conferência Nacional de Educação

Em uma estratégia retórica derivada, o recurso da analogia produzia comparações entre aspectos, pontualmente selecionados e oportunamente descontextualizados, das realidades brasileira, europeia e norte-americana. Tal recurso atuava no sentido de contrastar enfaticamente os vícios e as enfermidades do povo e do país quanto às virtudes das culturas e das nações consideradas civilizadas e modernas. Nesse jogo retórico, a modulação das vozes exerceu papel fundamental, ao passo que os tons de catastrofismo, fatalismo e gravidade podem ser sentidos nos múltiplos contextos de enunciação, propiciando os sentidos de urgência, premência e necessidade. Por fim, o efeito lógico do argumento apoiado em relações causais que associavam a falta de higiene à doença, a falta de instrução à ignorância, a falta de patriotismo ao indiferentismo cívico, a falta de religiosidade à imoralidade e todas essas ausências somadas à desagregação cultural e política da nação.

A combinação entre os referentes do discurso (identidade e consciência da nação), os lugares de enunciação (ABE e ICNE), a autoridade dos enunciadores (intelectuais) e a estratégia retórica (contraste, modulação, analogia e causalidade) conferiu grande poder de persuasão ao discurso educacional, tendo como consequência a ascensão da intelligentsia abeana a postos importantes na administração pública, no parlamento, no ensino superior e na sociedade civil. A ocupação dessas posições resultou em poder político e prestígio social.

A LINGUAGEM COMPLEXA PRATICADA NO CONTEXTO DO DISCURSO ABEANO

A análise do discurso educacional realizada neste texto, até este momento, apresenta evidências e interpretações sobre os enunciadores, os destinatários, os lugares de enunciação, as estratégias retóricas e os objetos ou referentes do discurso abeano. Sendo assim, passaremos, neste momento, a considerar o jogo de linguagem praticado, com base na noção de linguagem complexa, sustentada por Pocock e mencionada na introdução deste estudo.

Para essa operação, inicialmente, analisamos a composição lexical do discurso veiculado na ICNE. Para isso buscamos identificar o vocabulário utilizado e, sobretudo, quais palavras assumiram as funções de conceitos normativos, implicando a formação dos principais significados em disputa no jogo de linguagem desenvolvido. Por meio do exame de mais de 280 mil palavras, presentes nas 113 teses apresentadas, fomos, paulatinamente, identificando um conjunto limitado de palavras que, ainda que não fossem as enunciadas com maior frequência, formaram o campo semântico principal desse discurso.

A Figura 1 ilustra a representatividade de cada palavra, conforme sua frequência no interior do corpus documental analisado. As palavras grafadas com fontes maiores e no centro do gráfico são as que tiveram maior ocorrência. Essa forma de exposição da linguagem praticada na forma gráfica permite, também, analisar a dispersão, a concentração e o grau de proximidade entre os diferentes termos mobilizados no jogo de linguagem realizado. Verificada a frequência de uso das palavras, passamos a analisar o impacto de determinados termos na estruturação dos sentidos em disputa no campo educacional naquele período. Esse procedimento nos levou à identificação de determinados conceitos normativos e, sobretudo, à associação desses vocábulos com outros jogos de linguagem..7 7 Para este estudo consideramos apenas as seguintes classes de palavras: substantivos e adjetivos. Os conceitos são enunciados como substantivos, logo serão considerados como prioritários na análise. Os adjetivos também serão considerados, já que expressam qualidades associadas aos substantivos.

Figura 1 -
Vocabulário presente nas teses apresentadas na Primeira Conferência Nacional de Educação

Na Figura 2 flagramos termos enunciados com maior frequência no discurso abeano, indicando algumas chaves interpretativas desse discurso. A análise da frequência de uso de determinadas palavras não permite conclusões definitivas, embora este procedimento seja um ponto de partida e um índice importante. No centro da figura, identificamos os termos educação, escola, nacional, ensino, professor e aluno. Essas palavras não nos permitem uma caracterização da especificidade desse discurso, uma vez que são vocábulos frequentes no discurso educacional em diferentes espacialidades e temporalidades. Não obstante, nas camadas periféricas ao núcleo principal, identificamos termos que permitem a caracterização desse discurso, entre os quais destacamos: pátria, moral, higiene, novo, trabalho, ciência, raça, entre outras. Trata-se de termos, em grande medida, constituidores do que denominamos de conceitos normativos, responsáveis pela configuração do grupo principal de sentidos em disputa nesse debate. A título de exemplo, a aproximação e a conexão dos termos sistema, público, ensino e primário permite a formulação do principal objetivo dos intelectuais atuantes na ICNE. Em outras palavras, o desejo de orientar as políticas públicas incidiu sobre a questão da uniformização dos processos educativos, especialmente em relação à escola primária ou, na expressão da época, escola popular, na qual todos os brasileiros deveriam receber noções de civismo, moral e de hábitos saudáveis.

Figura 2 -
Vocábulos utilizados nas teses apresentadas na Primeira Conferência Nacional de Educação com, no mínimo, cem ocorrências

Importante destacar que o léxico mobilizado para a produção desse discurso não foi gerado originalmente no interior do campo educacional, mas sim apropriado de outros jogos de linguagem.

No centro da Figura 3, a questão nacional está contornada por expressões como higiene, vício, consciência, progresso, religião, sagrado, entre outras que conotam sentidos associados aos discursos médico-sanitarista, cívico-nacionalista e religioso. A combinação desses vocábulos, em circulação em outros espaços sociais, produziu um modo particular de falar sobre a educação. Esse jogo de linguagem refletiu tanto o espaço de experiência como o horizonte de expectativa da intelectualidade do período. Em outros termos, funcionou como forma e material linguístico capaz de expressar tanto a interpretação da realidade da educação nacional como os desejos de transformação da legislação educacional, dos métodos pedagógicos e dos processos de formação.

Figura 3 -
Vocábulos utilizados nas teses apresentadas na Primeira Conferência Nacional de Educação com origem nos discursos médico-sanitarista, cívico-nacionalista e religioso

A Figura 4 ilustra a hipótese que orienta este estudo, sobre a produção no discurso educacional, entendido como uma linguagem complexa. Verificamos que a estruturação do discurso abeano ocorreu pela combinação de termos próprios de outros jogos de linguagem, particularmente daqueles praticados nos contextos dos discursos médico-sanitarista, religioso e cívico-nacionalista. Não obstante, esses termos oriundos de diferentes matrizes discursivas, ao serem absorvidos no interior do discurso educacional, ganharam novos significados e usos próprios do jogo de linguagem compartilhado no processo de formação do campo educacional no Brasil.

Figura 4 -
Esquema explicativo da linguagem complexa que caracterizou o jogo de linguagem praticado na Primeira Conferência Nacional de Educação

Uma das explicações para esse fenômeno está na caracterização, no período deste estudo, do debate em torno da educação como uma questão nacional, estratégica para o Estado e para a sociedade. Dessa forma, o jogo de linguagem praticado não se restringiu ao vocabulário dos chamados especialistas em educação, uma vez que congregou médicos, professores, políticos, religiosos, cientistas, enfim, um grupo diversificado de atores discursivos, que trouxeram os seus vocabulários e modos de falar para o interior do debate educacional.

À GUISA DE CONCLUSÕES

No estudo realizado pudemos identificar a ABE e a ICNE como púlpitos privilegiados para projetar a autoridade de uma intelligentsia autorizada a falar sobre os problemas e, sobretudo, sobre as metas e as prioridades da educação nacional. Nesse cenário os congressos educacionais cumpriram múltiplas funções, entre as quais destacamos: dar visibilidade às ações do Estado; legitimar os intelectuais envolvidos com a direção das reformas; conquistar o consentimento de professores, pais e alunos para a implementação das mudanças pretendidas; e, por fim, afirmar o discurso da modernidade que associava os investimentos em educação às ideias de progresso, desenvolvimento e bem-estar social. Buscamos demonstrar, ao longo deste texto, que esse discurso representou um movimento que, ao afirmar a importância da cultura e da educação no processo de desenvolvimento do país, projetou os intelectuais como modelo de virtude social e, por extensão, lançou-os à condição de agentes sociais prestigiados, especialmente pela elite política que controlava o Estado.

O jogo de linguagem praticado tinha como pretensão principal afirmar a necessidade imperiosa de uma uniformização do ensino no país (métodos, currículos, formação de professores e legislação educacional), visando à criação de um sistema nacional de educação. Problematizamos, também, o caráter autoritário do discurso abeano, apoiado nas representações do povo brasileiro como indolente, imoral, enfermo e ignorante, bem como na representação do papel civilizador das elites intelectuais e políticas. De forma ambivalente, esse discurso revelou o engajamento e o comprometimento dos intelectuais em relação aos problemas do país, de maneira que, ao se interessarem pela educação do povo, os intelectuais colocaram em evidência reivindicações históricas das classes populares e do movimento social organizado. Demandas por mais escolas e ensino de qualidade se tornaram visíveis no debate público, ampliando as possibilidades de atendimento desses propósitos. Logo, compreender a ambivalência desse discurso possibilita evitar as interpretações maniqueístas, que ora sacralizam, ora satanizam o comportamento público dos intelectuais brasileiros entre o final do século XIX e a primeira metade do século XX. Para Clarice Nunes (2000NUNES, Clarice. (Des)encantos da modernidade pedagógica. In: LOPES, Eliana Marta Teixeira, FARIA FILHO, Luciano Mendes, VEIGA, Cynthia Greive (Orgs.). 500 anos de educação no Brasil. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2000.), a elite intelectual brasileira vivia um intenso “problema de convivência com a contradição, a indeterminação, as incertezas, as concepções e as práticas ora mais próximas da democratização, ora mais próximas de posturas autoritárias” (p. 395).

Demonstramos, também, que o discurso educacional, enunciado nesse evento e disseminado pela ABE, pode ser entendido como uma linguagem complexa, na qual coabitam inúmeros vocábulos normativos provenientes de outros jogos de linguagem. O encontro destes léxicos ocorre no âmbito de uma situação de uso da linguagem, no qual os termos oriundos dos diferentes discursos assumem sentidos próprios no plano do discurso educacional.

A apropriação de conceitos oriundos dos discursos médico-sanitarista, cívico-nacionalista e religioso revela a transgressão de fronteiras linguísticas, sociais, disciplinares e institucionais. A complexidade desse discurso deveu-se à diversidade dos atores linguísticos que o praticaram, permitindo a produção da hipótese de que, no contexto dos anos de 1920, o tema da educação representou uma questão crucial para o Estado, para as elites políticas e intelectuais e, sobretudo, para a população que vislumbrava na educação e na escola um meio de mobilidade e ascensão social.

Verificamos, também, que o movimento dos conceitos entre essas fronteiras resultou em novos usos, ressignificações e, por consequência, na aderência e acumulação de novas camadas semânticas. Nesse sentido, o jogo de linguagem praticado na ICNE objetivava a internalização de determinados sentidos, tais como os de: identidade, assentado sobre o civismo e a ideia de cultura nacional; laboriosidade, com base na íntima sintonia entre cultura e mundo do trabalho; religiosidade, concebido como princípio mobilizador da fé e da devoção às causas; e sanidade, concebido como asseio e controle do corpo (Vieira, 2007VIEIRA, Carlos Eduardo. Intelectuais e o Discurso da Modernidade na I Conferência Nacional de Educação (Curitiba - 1927). In: BENCOSTTA, Marcus Levy Albino. Culturas Escolares, Saberes e práticas educativas: itinerários históricos. São Paulo: Cortes, 2007.).

O discurso sobre a educação veiculado na ICNE foi produzido no contexto de uma intensa disputa simbólica, que nos permite supor a associação desse discurso com linhas de ação políticas possíveis naquele cenário. Nos termos propostos pelo contextualismo linguístico, as palavras não funcionam apenas para a descrição da realidade (ilocução), elas são atos (perlocuções), na expressão popularizada por John Searle, atos de fala. Assim, ainda que não possamos estabelecer uma relação causal entre discurso e práticas sociais e educacionais, entre palavras e ações, podemos adotar como hipótese que mudanças na linguagem são indícios de mudanças nas práticas. Como afirmou Skinner (1999SKINNER, Quentin. Liberdade antes do liberalismo. São Paulo: UNESP, 1999., p. 86): “o que é possível fazer em política é geralmente limitado pelo que é possível legitimar. O que se pode esperar legitimar, contudo, depende de que curso de ação se pode plausivelmente alcançar sob princípios normativos existentes”. Em direção similar, Pocock afirma que “o historiador é, sem dúvida, perfeitamente consciente de que as coisas acontecem aos seres humanos antes de serem verbalizadas, embora não antes de eles possuírem os meios de verbalizá-las” (2003, p. 56).

Nesta chave de leitura, o estudo da linguagem não se restringe à análise discursiva, aos modos de falar sobre terminados temas, já que o acesso à linguagem mobilizada na conversação pública nos permite traçar hipóteses sobre as linhas de ação em curso. Segundo Vieira (2017bVIEIRA, Carlos Eduardo. Contextualismo linguí­stico: contexto histórico, pressupostos teóricos e contribuições para a escrita da história da educação. Revista Brasileira de História da Educação, Maringá, v. 17, p. 31-55, 2017b. Disponível em: Disponível em: http://www.periodicos.uem.br/ojs/index.php/rbhe/article/view/38432 . Acesso em: 02 set. 2018.
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), é condição para estudar as práticas educacionais, especialmente aquelas ocorridas em tempos históricos recentes ou remotos, entender o jogo de linguagem praticado, considerando o vocabulário corrente em cada contexto, bem como os termos que, no interior desse jogo, assumem contornos de conceitos normativos. Em outras palavras, as variações nos modos de falar sobre a educação na ICNE - oscilando entre os termos oriundos dos discursos religioso, médico-sanitarista e cívico-nacionalista - são indícios de mudanças na percepção da educação e, sobretudo, das suas políticas e práticas.

REFERÊNCIAS

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  • 1
    Entendemos por campo semântico um conjunto de palavras relacionadas entre si em função das suas propriedades para produzir significados, dando origem a um léxico especializado.
  • 2
    As fontes revelam uma mudança na denominação do evento de Conferências Nacionais de Educação para Congressos Brasileiros de Educação, a partir do VIII CBE, em 1942. Não obstante, a mudança no nome não alterou o formato e os objetivos dos encontros.
  • 3
    O conceito de campo de Pierre Bourdieu não se constitui em um aparato heurístico central nessa análise, contudo quando utilizamos a expressão estamos apoiados na ideia bourdiana que define o campo como espaço social de relações, onde são estabelecidos/impostos os critérios de nomeação, de classificação e de distinção social. Bourdieu ressalta a relação entre os campos, mas sustenta, também, a autonomia relativa desses espaços.
  • 4
    A conferência reuniu participantes dos seguintes estados brasileiros: Alagoas, Amazonas, Bahia, Ceará, Distrito Federal (Rio de Janeiro), Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Paraná, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo.
  • 5
    A primeira lei que tratou da escola primária no Brasil foi o Decreto Imperial de 15 de outubro de 1827, sob o título “Manda crear escolas de primeiras letras em todas as cidades, villas e logares mais populosos do Império”. Não obstante, na ICNE de 1927, cem anos após essa lei, o país ainda se encontrava muito distante de universalizar a escolarização básica para a população.
  • 6
    A Problematização de Koselleck incide sobre os termos heleno-bárbaro, cristão-pagão, homem-não-homem, super-homem e sub-homem (Koselleck, 2006KOSELLECK, Reinhart. Futuro passado: contribuições à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro: Contraponto/PUC-Rio, 2006., p. 193).
  • 7
    Para este estudo consideramos apenas as seguintes classes de palavras: substantivos e adjetivos. Os conceitos são enunciados como substantivos, logo serão considerados como prioritários na análise. Os adjetivos também serão considerados, já que expressam qualidades associadas aos substantivos.
  • Como citar este artigo:

    VIEIRA, Carlos Eduardo. Intelectuais e jogos de linguagem: o discurso sobre a educação primária na i conferência nacional de educação (1927). Revista Brasileira de Educação, v. 29, e290003, 2024. https://doi.org/10.1590/S1413-24782024290003
  • Financiamento:

    Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Bolsa Produtividade n. 314307/2020-6.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Abr 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    31 Jan 2022
  • Revisado
    08 Dez 2022
  • Aceito
    30 Jan 2023
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