Impactos do TDAH à Adolescência: Revisão Sistemática de Literatura

Impacts of ADHD on Adolescence: Systematic Literature Review

RESUMO:

Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) é um transtorno do neurodesenvolvimento caracterizado por níveis prejudiciais de desatenção e/ou hiperatividade-impulsividade. Foram investigados resultados obtidos em pesquisas sobre impactos do TDAH ao adolescente e foi utilizada a recomendação PRISMA 2020. As bases de dados consultadas foram: APA PsycNet, Lilacs, Medline, PubMed Central, Scorpus, SciELO, a partir dos seguintes descritores: Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade, TDAH, Attention Deficit Hyperactivity Disorder, ADHD e Adolescente, Adolescentes, Adolescência, Adolescent, Teenager e Adolescence. Os critérios de inclusão foram: artigos publicados em periódicos entre janeiro de 2001 e janeiro de 2021, em português e inglês, completos e disponíveis online, estudos empíricos, revisados por pares, terem adolescentes como participantes e apresentarem no título, resumo ou corpo do texto os descritores referidos. Os dados foram tratados e organizados conforme check list (recomendação PRISMA 2020). Análises estatísticas descritivas foram realizadas com o Excel 2019. Para apresentar os resultados, utilizaram-se o fluxograma PRISMA, quadro e figuras. Incluíram-se 68 artigos que apontaram variedade de impactos negativos ao desenvolvimento do adolescente nas áreas sociais/relacionais, comportamentais, biológicas, neurológicas, cognitivas, psicológicas e psicopatológicas. Possível limitação desta revisão pode ser a não inclusão de artigos em outros idiomas, além do inglês e português. Os resultados sugerem multidimensionalidade dos impactos do TDAH ao adolescente, requerendo abordagem pluridimensional para evitar cronicidade, reduzindo seus efeitos ao desenvolvimento.

PALAVRAS-CHAVE:
Adolescência; Desenvolvimento; Impactos negativos; TDAH

ABSTRACT:

Attention Deficit Hyperactivity Disorder (ADHD) is a neurodevelopmental disorder characterized by harmful levels of inattention and/or hyperactivity-impulsivity. Results obtained from research on the impact of ADHD on adolescents were investigated and the PRISMA 2020 recommendation was used. The databases consulted: were APA PsycNet, Lilacs, Medline, PubMed Central, Scorpus, SciELO, from the following descriptors: Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade, TDAH, Attention Deficit Hyperactivity Disorder, ADHD and Adolescente, Adolescentes, Adolescência, Adolescent, Teenager and Adolescence. The inclusion criteria were: articles published in journals between January 2001 and January 2021, in Portuguese and English, complete and available online, empirical studies, peer reviewed, with adolescents as participants and presenting in the title, abstract or body of the text the referred descriptors. The data were processed and organized according to the check list (PRISMA 2020 recommendation). Descriptive statistical analyzes were performed using Excel 2019. The PRISMA flowchart, table and figures were used to present the results. Sixty-eight articles were included that pointed to a variety of negative impacts on adolescent development in the social/relational, behavioral, biological, neurological, cognitive, psychological and psychopathological areas. A possible limitation of this review may be the non-inclusion of articles in languages other than English and Portuguese. The results suggest the multidimensionality of the impacts of ADHD on adolescents, requiring a multidimensional approach to avoid chronicity, reducing its effects on development.

KEYWORDS:
Adolescence; Development; Negative impacts; ADHD

1 Introdução

O ciclo de vida do ser humano é composto por várias etapas, dentre elas se encontra a adolescência. Essa fase é caracterizada por alterações biológicas, neurológicas, psicológicas, relacionais, sociais, cuja influência familiar é, em geral, reduzida e é inversamente proporcional às influências causadas pelos pares (Florêncio, 2015; Grolli et al., 2017). A adolescência é vivenciada inerentemente como uma fase de transição da infância para a adultez, com reconstruções identitárias, devido às alterações no corpo e na autoimagem, bem como devido às mudanças de posicionamento no jogo das relações sociais (Gomes, 2018).

A vivência da adolescência é indissociável da experiência social e dos modos de vida da cultura na qual se está inserido (Cunha et al., 2020). Nesse sentido, a adolescência é um fenômeno que perpassa pelo tempo e espaço de uma sociedade, examinado e interpretado de diferentes modos e campos científicos, sendo apropriado por diversos discursos (Cunha et al., 2020).

Por sua vez, o Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) é um transtorno do neurodesenvolvimento com alta incidência em crianças e adolescentes. Entre os transtornos neurobiológicos, o TDAH é considerado um dos que possui a base genética mais evidente, por meio das variantes de ácido desoxirribonucleico (DNA) codificadas no genoma da pessoa (Faraone & Larsson, 2019; Faraone et al., 2019). Pesquisas com famílias, incluindo pais e filhos, irmãos consanguíneos ou adotados, irmãos gêmeos uni ou bivitelinos têm evidenciado a herdabilidade do transtorno (Faraone et al., 2019). Além disso, aspectos contextuais como prematuridade e baixo peso ao nascer, exposição a grandes adversidades na primeira infância (Thapar et al., 2012), o uso de álcool e cigarros durante a gravidez também podem estar associados ao surgimento do TDAH no indivíduo (National Institute of Mental Health [NIMH], 2016).

O TDAH pode se manifestar em um padrão persistente de hiperatividade-impulsividade e/ou desatenção que interfere no funcionamento e no desenvolvimento (American Psychiatric Association [APA], 2014). O referido transtorno engloba processos neurológicos que impactam nas funções executivas e em comportamentos de padrão inibitório, como a dificuldade do autocontrole (Barkley & Murphy, 2010; Braun et al., 2019) e prejuízo da regulação da atenção, que afetam áreas distintas como a aprendizagem e o relacionamento social (Pi Davanzo et al., 2018).

Em adolescentes e adultos, o TDAH evidencia-se por meio de comportamentos de desatenção como dificuldade em organização, em manter o foco atencional, em persistir na realização de atividades mais prolongadas. Quanto à hiperatividade, ela é caracterizada por atividades motoras em excesso (conversas em excesso, por exemplo) e a impulsividade por atitudes e comportamentos precipitados, executados sem a devida análise das consequências e dos riscos (APA, 2014; Braun et al., 2019).

Pesquisas comparativas entre adolescentes com TDAH e adolescentes sem o transtorno indicaram que os primeiros têm menos chance de concluir o Ensino Médio, e mesmo os que concluem essa etapa acadêmica, a probabilidade de ingressarem em uma universidade é menor às de seus colegas considerados típicos (Dvorsky et al., 2018). Pessoas com TDAH comumente apresentam comorbidades na infância e adolescência. Até 50% delas podem desenvolver comorbidades, como: transtorno de ansiedade (cerca de 25%); transtorno opositor e desafiador e de conduta (30 a 50%); distúrbios de aprendizagem (10 a 25%); abuso de substâncias, cerca de 9 a 40% (Antshel & Olszewski, 2014; Molina et al., 2009; Wilens et al., 2002).

No entanto, ainda há um volume maior de pesquisas que envolvam TDAH e infância comparado ao número de pesquisas que investigaram a relação entre o TDAH e a adolescência ou vida adulta. Estudos de revisão sistemática de literatura (RSL) se revelam como uma oportunidade singular para descortinar o cenário de investigações que traçam a relação entre o TDAH e outras fases do desenvolvimento em uma abrangência nacional e internacional.

A RSL é considerada um delineamento de pesquisa que norteia o pesquisador acerca de um determinado tema (Galvão & Pereira, 2014). Ela pode fornecer compêndios determinados de um nicho de conhecimento, indicar prioridades de pesquisas e lacunas de uma dada ciência, avaliar teorias acerca do porquê e de que modo os fenômenos ocorrem (Gough et al., 2019; Gurevitch et al., 2018, Page et al., 2021).

Uma ferramenta adequada utilizada para execução de uma RSL é o método Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses (PRISMA), já que exige do pesquisador o preenchimento de um check list expandido de 27 itens que precisam ser cumpridos na elaboração e no relatório da revisão, um check list reduzido acerca dos itens do resumo da RSL e um fluxograma composto por diversas etapas. Todas essas ferramentas o orientam no desenvolvimento e no relato da revisão (Bezerra et al., 2018; Page et al., 2021; Rodrigues et al., 2019). Em 2020, o referido método foi atualizado para facilitar a sua implementação, englobando novas orientações quanto à identificação, à seleção, à análise e à sintetização dos estudos (Page et al., 2021). Nesse ínterim, o presente estudo se configurou em uma RSL que investigou e descreveu os resultados obtidos em pesquisas científicas que apresentaram os impactos do TDAH ao desenvolvimento do adolescente.

2 Método

Nesta revisão, utilizaram-se as recomendações do PRISMA 2020, as quais possibilitaram aos autores a condução do estudo com base no preenchimento de um check list ampliado composto por sete seções e 27 itens (que apresenta um resumo dos elementos que devem ser seguidos no relato e na elaboração da revisão), um check list com 12 itens para verificação de resumo e o diagrama de fluxo onde as etapas e seus desfechos foram apresentados (Page et al., 2021; Rodrigues et al., 2019). As etapas seguidas foram: 1) definição da pergunta de pesquisa; 2) localização e identificação dos artigos nas bases de dados eletrônicas; 3) seleção dos artigos a partir de uma avaliação crítica deles (com base nos critérios de inclusão e exclusão); e 4) coleta, apresentação e interpretação dos dados.

2.1 Primeira etapa: definição da pergunta de pesquisa

Nesta primeira etapa, utilizou-se a técnica PVO, criada a fim de melhor sistematizar determinadas perguntas da RSL que tratem especialmente de temas relativos à ciência psicológica ou áreas afins (Fernandez et al., 2016). Suas iniciais correspondem a P: Problema de pesquisa, participantes ou contexto; V: Variáveis do estudo e O: Outcomes/Resultados alcançados ou esperados (Fernandez et al., 2016). Nesse sentido, para esta pesquisa, foi definido que “P” se refere a adolescentes com TDAH; “V” à TDAH e Adolescência; e “O” aos impactos identificados em adolescentes com TDAH. Assim, a pergunta formulada foi: Quais os impactos do TDAH na adolescência identificados na literatura entre janeiro de 2001 e janeiro de 2021? A pergunta geradora tratou de impactos em aberto, sem relacionar com aspectos previamente definidos, a fim de não excluir nenhum possível tipo de impacto investigado nas pesquisas ao longo desse recorte temporal de 20 anos.

2.2 Segunda etapa: localização e identificação dos artigos nas bases de dados eletrônicas

Os termos de busca foram definidos por meio de consulta à lista de termos e seus sinônimos dos Descritores em Ciências da Saúde (DeCS), com vistas a elaborar as estratégias de busca dos artigos. Os termos de busca envolveram operadores booleanos (and, or) para facilitar a obtenção dos dados (Treinta et al., 2014): 1) “Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade”, “TDAH”, com sua variação em inglês: “Attention Deficit Hyperactivity Disorder”, “ADHD”; e 2) “Adolescente”, “Adolescentes”, “Adolescência”, com sua variação em inglês: “Adolescent”, “Teenager” e “Adolescence”.

Associando-os aos operadores booleanos, obtiveram-se as seguintes estratégias de busca em inglês e português: Estratégia 1: (“Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade”) OR (“TDAH”) AND (“Adolescente”) OR (“Adolescentes”) OR (“Adolescência”); e Estratégia 2: (“Attention Deficit Hyperactivity Disorder”) OR (“ADHD”) AND (“Adolescent”) OR ( “Teenager”) OR (“Adolescence”). De antemão, os estudos selecionados tinham de contemplar a exigência de que os termos “Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade” e “TDAH”, em português, bem como suas variações em inglês, “Attention Deficit Hyperactivity Disorder” e “ADHD”, estivessem no título, resumo ou no corpo do texto e relacionado aos termos adolescente, adolescentes e adolescência e suas variações em inglês também.

Os critérios de inclusão dos artigos foram: a) artigos publicados em periódicos entre o período de janeiro de 2001 e janeiro de 2021; b) em línguas portuguesa e inglesa; c) que estivessem completos e disponíveis online; d) serem estudos empíricos e revisados por pares; e) terem adolescentes como participantes em suas investigações; e f) apresentarem no título, resumo ou no corpo do texto os descritores anteriormente referidos. Os artigos encontrados que não atenderam aos referidos critérios foram descartados. Excluíram-se, também, pesquisas de RSL, resenha, ensaios e artigos duplicados. Os artigos foram selecionados a partir do acesso às seguintes bases de dados: APA Advanced Search PsycNet (APA PsycNet), Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (Lilacs), Cambridge Core, Sistema Online de Busca e Análise de Literatura Médica (Medline), Oxford Academic, PubMed Central, SciVerse Scopus, Scientific Electronic Library Online (SciELO), Science Direct, Wiley Online Library, todos depositados no Portal de Periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Periódicos CAPES).

2.3 Terceira etapa: seleção dos artigos a partir de avaliação crítica

A avaliação crítica dos artigos foi executada por meio de testes de relevância denominados por Testes de Relevância I e II. O Teste de Relevância I foi aplicado por um juiz que avaliou todos os resumos dos artigos selecionados com base nas respostas que poderiam ser positivas ou negativas às seguintes perguntas: O estudo está de acordo com a temática investigada? Foi publicado no período estipulado? É um estudo envolvendo as variáveis adolescente e TDAH? Foi publicado nos idiomas definidos no escopo da RSL? Tem acesso livre a pesquisadores? Faz uso de conceitos e constructos relacionados à adolescência e ao TDAH? O artigo deverá ser incluído na RSL? Foram excluídos aqueles artigos que receberam respostas negativas.

A partir dos resultados obtidos no referido teste, executou-se o Teste de Relevância II por dois juízes que leram os artigos na íntegra e responderam às seguintes perguntas: O objetivo do estudo é coerente à temática estudada? O método está descrito com clareza? Utiliza instrumentos para avaliar/mensurar impactos do TDAH na adolescência? O método permite alcançar os objetivos? Os resultados estão descritos consoantes ao método adotado? O estudo deve ser incluído na revisão sistemática de literatura? (Azevedo, 2010). A confiabilidade deste teste foi verificada por meio do cálculo do Índice de Concordância (IC) entre os pesquisadores a partir do seguinte cálculo: IC = A x 100/A+D, em que A = Concordância; D = Discordância (Souza et al., 2016). O cálculo do IC resultou em 82,90%. O valor mínimo de concordância entre observadores considerado aceitável é de 75% (Stemler, 2004). Esse procedimento garantiu confiabilidade, consistência da análise desta RSL e a inclusão final dos artigos que a compõem.

2.4 Quarta etapa: Coleta, apresentação e interpretação dos dados

Nesta etapa, coletaram-se, dos artigos selecionados, as categorias dos dados a partir das delimitações das variáveis que seriam investigadas. Na presente revisão, investigou-se a relação entre TDAH e adolescência, a fim de verificar possíveis impactos ao desenvolvimento do adolescente associados à presença do TDAH. Os artigos selecionados inicialmente foram caracterizados quanto aos seguintes aspectos: número de artigos da revisão, língua de publicação, países de publicação, recorte temporal da revisão, natureza e delineamento dos estudos. Em seguida, após a leitura dos artigos, foi possível identificar e categorizar os impactos à adolescência associados ao TDAH em sete tipos: Biológicos, Cognitivos, Neurológicos, Comportamentais, Psicológicos, Psicopatológicos e Sociais/Relacionais, como se apresenta a seguir no Quadro 1, com as respectivas definições e exemplos.

Quadro 1
Categorias de impactos à adolescência associados ao TDAH identificados nos artigos

Categoria do impacto	Definição da categoria
1. Biológicos	Caracteriza-se por ser um impacto de natureza estritamente física ou fisiológica. Exemplo: problemas gastrintestinais, problemas de visão.
2. Cognitivos	Define-se por ser um impacto que envolve domínios cognitivos. Exemplo: déficits nas funções executivas, desatenção seletiva.
3. Neurológicos	Caracteriza-se como um impacto relativo a aspectos morfológicos do cérebro. Exemplo: redução da massa cinzenta, ativação diminuída do córtex pré-frontal.
4. Comportamentais	Define-se como um impacto que se expressa em emissão de comportamentos. Exemplo: consumo de drogas, comportamento de delinquência, comportamento de risco sexual.
5. Psicológicos	Caracteriza-se como um impacto relativo a aspectos psicoemocionais. Exemplo: baixa autoestima, autopercepção negativa.
6. Psicopatológicos	Caracteriza-se como um impacto que se expressa em transtornos psicopatológicos. Exemplo: depressão, ansiedade, transtorno por uso de substâncias (TUSs).
7. Sociais/Relacionais	Define-se como um impacto que se expressa em aspectos da vida em sociedade, relações, papéis, pertencimento a grupos. Exemplo: relação conflituosa pais-filhos; prejuízos nas habilidades sociais.

A tabulação, a análise e a apresentação dos dados foram executadas por meio da utilização do programa Excel 2019, em que se desenvolveram análises estatísticas descritivas: frequência, média, porcentagem. A interpretação dos dados foi executada por meio da utilização das investigações apresentadas nos artigos selecionados e conceitos sobre TDAH e adolescência, evidenciando a influência do transtorno no desenvolvimento do adolescente.

3 Resultados e discussão

Nesta seção, serão apresentados e discutidos os dados da revisão. Encontraram-se 489 artigos nas bases de dados acessadas. Após a realização de um levantamento inicial com vistas a excluir artigos repetidos (11), o total de artigos que restaram foi de 478. Em seguida, o Teste de Relevância I resultou na exclusão de 364 artigos, por não terem atendido aos critérios de inclusão e terem recebido respostas negativas quanto às perguntas do teste; assim sendo, o total de artigos submetido ao Teste de Relevância II foi 114 (23,31%) do total de artigos inicialmente levantados (489).

Os 114 artigos aprovados no Teste de Relevância I foram submetidos ao Teste de Relevância II, que resultou em 32 estudos excluídos e 82 selecionados, por não estarem consoantes ao escopo da revisão e não apresentarem clareza e coerência em seus métodos. Destes 82, 14 artigos apresentaram discordância entre os dois juízes; optou-se, desse modo, por excluí-los. Restaram, assim, 68 artigos considerados válidos para comporem os resultados/análises da presente RSL, como se pode visualizar no diagrama de fluxo de busca e seleção de artigos segundo a recomendação PRISMA 2020 na Figura 1.

Figura 1
PRISMA 2020: diagrama de fluxo para novas revisões sistemáticas que incluíram apenas buscas em bancos de dados e registros

3.1 Caracterização dos estudos selecionados à RSL

Dos 68 artigos desta revisão, 67 (99,00%) foram publicados em língua inglesa e apenas um (1,00%) em português. Quanto à origem dos artigos, 35 (51,5%) são dos Estados Unidos, os outros 48,5% foram distribuídos entre os seguintes países: Taiwan, com quatro artigos; Holanda, China, Suécia e Canadá, com três artigos cada; seguidos por Reino Unido, Brasil, Turquia e Rússia, com dois estudos; e, por fim, Dinamarca, Alemanha, Austrália, França, Finlândia, Itália, Noruega, África do Sul e Suíça, com um artigo cada.

No que se refere aos anos de publicação, o recorte temporal desta revisão foi de 20 anos, entre janeiro de 2001 e janeiro de 2021. Os resultados obtidos foram: 58 artigos (85,3%) compreenderam o período entre 2011 e 2021; e dez artigos (14,7%) de 2001 a 2010. Os estudos analisados eram 65 (95,6%) de natureza quantitativa e três (4,4%) qualitativa. Em relação ao delineamento do estudo, 50 (73,5%) eram transversais e 18 (26,5%) longitudinais. Destacam-se os estudos longitudinais como uma fonte de informação relevante nas elucidações de como o TDAH impacta em longo prazo os diferentes domínios da vida diária de quem o possui. Mannuzza et al. (2008) constataram que crianças com TDAH, sem transtorno de conduta, em comparação com pessoas sem TDAH na infância, apresentavam risco significativamente maior de criminalidade na adolescência e na idade adulta.

Nesta revisão, os impactos foram agrupados em sete categorias: Biológicos, Cognitivos, Neurológicos, Comportamentais, Psicológicos, Psicopatológicos e Sociais/Relacionais, de acordo com o Quadro 1 apresentado na seção sobre o Método.

3.2 Impactos à adolescência associados ao TDAH

Os impactos apresentados a seguir interferem negativamente no desenvolvimento do adolescente; por isso, o TDAH é considerado um transtorno metaforicamente caro, já que afeta diversas áreas da vida de quem o possui (Brook et al., 2013). Os tipos de impactos mais frequentes são os Comportamentais (38), seguidos por Sociais/Relacionais (25), Biológicos e Psicopatológicos (23) e os Psicológicos (21). Os menos frequentes são os Cognitivos (4) e os Neurológicos (3). Alguns artigos trataram os impactos relacionando-os aos subtipos de TDAH e/ou gênero do adolescente.

Por meio das Figuras de 2 3 4 5 6 7 a seguir, serão apresentados e discutidos os principais impactos. Esclarece-se que as espessuras das arestas entre nodos presentes nas figuras representam em quantos artigos um determinado impacto foi identificado; assim, espessura fina revela que o impacto apareceu em um artigo; espessura média, em dois artigos; espessura grossa em três ou mais artigos.

Figura 2
Impactos comportamentais ao desenvolvimento do adolescente associados ao TDAH, segundo os artigos

Figura 3
Impactos sociais/relacionais ao desenvolvimento do adolescente associados ao TDAH, segundo os artigos

Figura 4
Impactos biológicos ao desenvolvimento do adolescente associados ao TDAH, segundo os artigos

Figura 5
Impactos psicopatológicos ao desenvolvimento do adolescente associados ao TDAH, segundo os artigos

Figura 6
Impactos psicológicos ao desenvolvimento do adolescente associados ao TDAH, segundo os artigos

Figura 7
Impactos cognitivos e neurológicos ao desenvolvimento do adolescente associados ao TDAH, segundo os artigos

Na Figura 2, a seguir, visualizam-se os 38 impactos apontados na categoria Comportamentais. Os comportamentos de delinquência, comportamentos externalizantes, problemas de planejamento, prejuízos no desempenho acadêmico, consumo de drogas em geral, consumo de álcool e evasão escolar foram os impactos do TDAH mais frequentes ao desenvolvimento do adolescente segundo os artigos desta revisão.

Os demais impactos identificados foram: vitimização sexual (White & Buehler, 2012); comportamento sexual de risco (Marsh et al., 2015); uso abusivo da internet e redes sociais (Bolic Baric et al., 2018); comportamento de risco à saúde (Nylander et al., 2015); comportamento de fumar, uso abusivo de álcool e outras drogas (Elkins et al., 2018); consumo de álcool relacionado à tentativa de suicídio, cometimento de agressões, problemas na escola e no trabalho com comorbidade com transtorno mental (Sultan et al., 2021); evasão escolar (Kent et al., 2011); comportamento de delinquência, associado ao impacto acadêmico, à ausência da supervisão parental e ao uso abusivo de álcool (Molina et al., 2012); comportamentos externalizantes (Ahmad & Hinshaw, 2017).

Nessa categoria de impacto, os autores discutiram também a associação entre diversas variáveis, gênero e subtipo de TDAH. Quanto ao subtipo, concluiu-se que adolescentes hiperativos-impulsivos tendem a consumir mais álcool, nicotina e maconha que adolescentes sem o TDAH. Quanto ao subtipo desatento, é mais frequente o consumo de álcool (Roberts et al., 2014), bem como o comportamento sexual de risco, em que a exposição às infecções sexualmente transmissíveis (ISTs), gravidez precoce, e outros, tendem a ocorrer mais entre esses adolescentes (White & Buehler, 2012). Quanto ao subtipo combinado, verificou-se que há altas taxas de automutilação (Hinshaw et al., 2012) e o uso abusivo de internet pelos adolescentes do gênero masculino (Yen et al., 2014).

Considerando que a adolescência é marcada por inúmeras transformações (Rodillo, 2015), pela necessidade do adolescente em ampliar sua rede de relacionamentos e pela aquisição de outras habilidades sociais com vistas a dar conta das demandas dessa fase (Medeiros & Calazans, 2018), o TDAH se configura, para esse grupo, com base nos dados apontados por esta revisão, em um transtorno que afeta significativamente aspectos da vida social/relacional (Grimbos & Wiener, 2018; Rokeach & Wiener, 2018). A exemplo disso, na Figura 3, apresentam-se os 25 impactos Sociais/Relacionais identificados. Entre eles, os prejuízos nas habilidades sociais e a baixa qualidade das amizades foram apontados como os mais frequentes nos artigos que tratam desta categoria.

A partir dos dados apresentados, verificaram-se limitações nas relações sociais em diferentes esferas (familiar, amorosa, de amizade) que colocam o adolescente em vulnerabilidade ao desenvolvimento de comportamentos inadequados (Fogaça et al., 2019). Percebeu-se, ainda, um padrão de retroalimentação, por exemplo: quanto mais o adolescente se sente rejeitado, mais ele apresenta comportamento de agressão que provoca maior rejeição, e assim sucessivamente. Nesse sentido, considerando a importância das habilidades sociais em diversas fases da vida, conclui-se que os danos sociais/relacionais causados pelo TDAH prejudicam o adolescente no compartilhamento de experiências positivas com outras pessoas e no benefício do aprendizado de habilidades sociais que favoreçam seu pleno desenvolvimento (Saline, 2021).

Na Figura 4, apresentam-se os impactos Biológicos em que se verificaram problemas diversos associados ao TDAH: prejuízos dentários (Blomqvist et al., 2011); visuais (Kim et al., 2015); ginecológicos (Kabukçu et al., 2021); distúrbio do sono (Chiang et al., 2010); enurese, dificuldades gastrintestinais e estomacais (Jameson et al., 2016); aumento de massa corpórea (Schwartz et al., 2014); e lesões cerebrais (Iverson et al., 2020). Esses resultados podem se explicar pelo fato de o TDAH ser um transtorno do neurodesenvolvimento de expressão heterogênea (Buitelaar et al., 2019).

Notou-se que alguns artigos analisaram os prejuízos biológicos com base no subtipo do transtorno, em que tanto desatentos quanto hiperativos-impulsivos apresentam problemas relacionados à regulação do sono (Chiang et al., 2010). Problemas como o da respiração predominantemente oral (RPO) têm sido detectados em adolescentes com TDAH e encontram-se associados à queixa de prejuízo escolar, haja vista a perda na qualidade do sono influenciar diretamente no comportamento em contexto escolar (Costa et al., 2009).

Na Figura 5, a seguir, apresentam-se os impactos Psicopatológicos, entre os quais foram observados: transtorno por uso abusivo de álcool, nicotina e maconha (Szobot et al., 2007); transtorno de personalidade antissocial e borderline (Korsgaard et al., 2016); transtornos comportamentais disruptivos (Nordström et al., 2013); transtorno de conduta (Nordström et al., 2013); bulimia nervosa (Mikami et al., 2010); ansiedade generalizada (Walker et al., 2011); e depressão (Nordström et al., 2013).

Os impactos Psicopatológicos revelaram a relação entre o TDAH e inúmeras psicopatologias (Graziano et al., 2017; Houghton et al., 2020). A adolescência é um período de elevado risco para o desenvolvimento de vários transtornos psicopatológicos, cerca de um quarto dos casos de depressão encontra-se entre os adolescentes, 50% dos casos de uso de substâncias e três quartos dos de ansiedade começam antes do final da adolescência. Ademais, pesquisa aponta que pessoas com TDAH estão em risco aumentado para várias dessas condições (Sultan et al., 2021).

Verifica-se que as psicopatologias identificadas nesta revisão provocam dificuldades sociais/relacionais. Nesse sentido, estudos que avaliaram os efeitos de comorbidades como depressão, ansiedade e TUSs em adolescentes com TDAH, comparados a adolescentes sem o transtorno, concluíram que os com TDAH apresentaram maior risco em desenvolver comportamentos inadequados diversos, como: tentativas de suicídio, que foram três vezes maior que entre os adolescentes sem TDAH; comportamentos agressivos (agressão física a outrem ou danos às propriedades alheias); dificuldade na autorregulação; baixos níveis acadêmicos; dificuldades interpessoais, entre outras (Becker et al., 2018; Sultan et al., 2021).

Uma quinta categoria de prejuízo ao desenvolvimento do adolescente com o TDAH foi a de impactos Psicológicos como se observa na Figura 6, a seguir.

Os estudos que investigaram esse tipo de impacto encontraram a autopercepção negativa como o principal impacto psicológico ao adolescente com TDAH (Kabukçu et al., 2021; Settanni et al., 2018), seguida por prejuízos na expectativa que o adolescente tem em relação ao seu futuro (Stickley et al., 2019). A dificuldade de reconhecimento das emoções também foi identificada (Da Fonseca et al., 2009), assim como a superestimação pelos adolescentes das capacidades das suas funções executivas (Steward et al., 2017), experiências de emoções negativas intensas (Babinski & Welkie, 2020), impacto na regulação emocional (Seymour et al., 2014), baixa autoestima associada ao transtorno de conduta e ao consumo de substâncias ilícitas (Glass et al., 2011), necessidade de apoio para autoafirmação ao TDAH (Jones & Hesse, 2018) e dificuldade em tomar decisões (Dekkers et al., 2020). A ideação suicida associada a relações agressivas (Chou et al., 2016), automutilação (Hinshaw et al., 2012) e tentativa de suicídio (Marsh et al., 2015) foram outros impactos apontados pelos artigos.

O TDAH interfere nos aspectos psicológicos e de comportamento (Elkins et al., 2018), configura-se em comportamentos de risco à saúde e à própria vida. As tentativas de suicídio e/ou ideações suicidas são exemplos que podem custar caro aos indivíduos com TDAH e seus familiares (Chou et al., 2016). A dificuldade desses sujeitos em regular suas emoções e em nutrir expectativas positivas quanto a si mesmos e quanto ao seu futuro são outras questões que interferem em suas qualidades de vida, ocasionando, não raro, a opção por decisões/escolhas prejudiciais ao seu desenvolvimento (Settanni et al., 2018; Stickley et al., 2019).

Na Figura 7, apresentam-se os impactos Cognitivos e Neurológicos, ambos trazem menor frequência na amostra desta revisão. Os artigos que trataram dos impactos Cognitivos constataram déficits nas funções executivas que originaram dificuldade na organização, no planejamento e no desempenho acadêmico em geral (Boyer et al., 2018; Langberg et al., 2013), bem como lentidão na velocidade de processamento associado ao desempenho insatisfatório em matemática (Becker et al., 2018).

Os impactos cognitivos são comumente investigados porque há inúmeras evidências do quanto o TDAH prejudica as pessoas nesse aspecto. Essas alterações são demonstradas tanto na função cerebral quanto na sua própria estrutura, ocasionando uma série de déficits cognitivos que geram inúmeros impactos como os apontados por esta revisão (Boyer et al., 2018; Langberg et al., 2013). Além dos impactos nas funções executivas, por exemplo, há danos no processamento de recompensas, na regulação atencional, nos processos perceptivos, na regulação da orientação, entre outros (Becker et al., 2018; Buitelaar et al., 2019).

Por fim, os artigos que identificaram impactos Neurológicos constataram alterações em funções neurológicas importantes, como baixa ativação do córtex pré-frontal ventrolateral (Passarotti et al., 2010) e volume de massa cinzenta regional significativamente menor no córtex cingulado anterior (ACC), córtex occipital, hipocampo e amígdala bilateral, além da verificação de alterações estruturais em uma rede córtico-subcortical (Bonath et al., 2018). Compreende-se, assim, que os indivíduos com TDAH apresentam uma topologia do cérebro diferenciada daqueles considerados típicos (Buitelaar et al., 2019).

4 Conclusões

Os sintomas do TDAH geralmente se expressam pela primeira vez na faixa de idade dos 6 aos 12 anos. Entretanto, pesquisas sugerem que o transtorno possa surgir tardiamente, após essa faixa de idade. O referido transtorno vem sendo associado a uma série de impactos na vida de quem o possui nas esferas psicológica, social e acadêmica, a problemas laborais e relacionais, além de ser vinculado a comorbidades como ansiedade, TOD, TUSs. Por isso, o escopo desta RSL foi investigar e descrever os resultados obtidos em pesquisas científicas que apresentaram os impactos do TDAH ao adolescente. Reuniu-se um conjunto de 68 pesquisas nacionais e internacionais realizadas entre janeiro de 2001 e janeiro de 2021 e apresentou-se seus resultados, distribuindo-os em sete categorias de impactos: Biológicos, Cognitivos, Neurológicos, Psicológicos, Comportamentais, Psicopatológicos e Sociais/Relacionais. Os resultados revelaram que o TDAH é um transtorno dispendioso ao seu portador, pois prediz uma variedade de experiências negativas em uma perspectiva em longo prazo.

Possíveis limitações desta revisão podem se dar pela não inclusão de artigos em outros idiomas. Recomenda-se, dessa maneira, que futuros estudos ampliem as buscas para outros idiomas, como o espanhol. Destaca-se, entretanto, o ineditismo desta RSL ao reunir uma variedade de impactos do TDAH ao adolescente, diferenciando-se de inúmeras revisões que se restringiam a um ou outro impacto. Nesse sentido, no que tange às implicações teóricas e práticas desta revisão, os resultados revelados contribuem ao direcionamento de pesquisas realizadas na área do TDAH em adolescentes, indicando as variáveis que impactam negativamente no seu desenvolvimento. Espera-se que os desdobramentos das futuras pesquisas, bem como desta RSL, possam proporcionar a elaboração de modelos teóricos e de intervenções biopsicossociais de acompanhamento ao TDAH nesta faixa de idade, com vistas a amortecer os efeitos dos impactos ao desenvolvimento dos adolescentes aqui discutidos.

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  03 Maio 2024
• Data do Fascículo
  2024

Histórico

• Recebido
  25 Set 2022
• Revisado
  09 Jan 2023
• Aceito
  16 Jan 2023