Resumo
Este artigo relata a primeira fase de um projeto de três anos em que exploramos formas de adaptar e desenvolver nossas práticas pedagógicas em relação ao uso de novas e emergentes tecnologias digitais. Neste artigo, nos concentramos em nossas experiências de ensino remoto de emergência (ERT). Essa experiência aconteceu no meio do semestre, onde tivemos que migrar do ensino presencial, em sala de aula, para o ensino remoto. Através de uma abordagem dialética, possibilitada pelo autoestudo, tivemos a oportunidade de apoiar uns aos outros, descrever os principais desafios que enfrentamos e identificar os principais pressupostos que sustentam nossas práticas como professores em contextos de aprendizagem a distância, ensino digital. Os temas encontrados nessa relação dialética foram nomeados como: a visibilidade dos alunos, as restrições da tecnologia e o fato de voltarmos a ser professores universitários novatos novamente.
Palavras-chave: Educação a distância; Educação superior; covid-19; Autoestudo; Alfabetização digital
Résumé
Cet article rend compte de la première phase d'un projet de trois ans dans lequel nous explorons les moyens d'adapter et de développer nos pratiques pédagogiques par rapport à l'utilisation des technologies numériques nouvelles et émergentes. Dans cet article, nous nous concentrons sur nos expériences d'enseignement à distance d'urgence (ERT). Cette expérience s'est déroulée en milieu de semestre, où nous avons dû migrer d'un enseignement en présentiel, en classe, vers un enseignement à distance. Grâce à une approche dialectique, permise par l'auto-apprentissage, nous avons eu l'occasion de nous soutenir mutuellement, de décrire les principaux défis auxquels nous sommes confrontés et d'identifier les principales hypothèses qui soutiennent nos pratiques d'enseignants dans des contextes d'apprentissage à distance, l'enseignement numérique. Les thèmes trouvés dans cette relation dialectique ont été nommés comme suit: la visibilité des étudiants, les restrictions de la technologie et le fait que nous redevenons des professeurs d'université novices.
Mots clés: Enseignement.à distance; L'enseignement supérieur; covid-19; Auto-apprentissage Compétence informatique
Abstract
This paper reports on the first phase of a three-year project in which we explored ways to adapt and evolve our pedagogies in relation to the use of new and emerging digital technologies. Our aim is to develop a shared understanding and resourcefulness for teaching in an age where pedagogy in a university setting is an increasingly complex and novel problem. We focus specifically on our experiences of emergency remote teaching (ERT) where we pivoted mid semester from on-campus classroom-based teaching to exclusively online delivery and assessment. Through a dialogical approach enabled by the self-study, we support each other, describe the key challenges we have experienced, and identify the key assumptions that underpin our practices as teachers in digital learning contexts. The themes found in this dialectical relationship were named as: the visibility of students, the constraints of technology, and the fact that we are neophyte lecturers again.
Keywords: Education distance; Higher Education; covid-19; Self-study; Computer literacy
1 INTRODUÇÃO
Embora muitas questões estejam influenciando as evoluções pedagógicas no meio universitário, o maior desafio ao nosso ensino nos últimos 18 meses tem sido a necessidade de adaptação às medidas de segurança pública introduzidas pelo governo do nosso país para reduzir os riscos da pandemia da covid-19. Medidas como o fechamento do campus universitários, a necessidade de distanciamento social, e/ou lockdown1 são exemplos dessas medidas. Para a universidade, isto significou essencialmente a mudança entre dois modos contrastantes de ensino, ou presencial, no campus, onde os cursos de licenciatura foram planejados inicialmente para acontecer e iniciaram o semestre letivo, ou o ensino remoto de emergência (ERT), no qual os cursos foram forçados a migrar para o ensino remoto, online, que não faziam parte do planejamento inicial (BOZKURT et al., 2020; HODGES et al., 2020). Em 2020, a cidade de Auckland, na Nova Zelândia, experimentou dois períodos curtos de isolamentos sociais, lockdown, que resultaram na mudança do ensino para o modo ERT, e exigiu que todas as avaliações também fossem realizadas num formato remoto. Iniciamos o primeiro semestre do ano acadêmico2 de 2021 com duas semanas de ERT, regressando ao ensino presencial no campus após este período. Posteriormente, após o primeiro caso comunitário da variante Delta ter sido identificado em agosto, Auckland - a cidade onde a nossa instituição está localizada - entrou novamente em isolamento social, lockdown, durante 12 semanas. Assim, todo o ensino restante do segundo semestre voltou a ser remoto, sendo aplicado novamente o ERT. Neste momento, isto significava que todos os cursos tinham sido ensinados em ambos os modos, presencial e ERT. Assim, a capacidade de comparar as nossas experiências de diferentes formas nos permitiu, neste estudo, refletir sobre o nosso processo de ensino e também refletir sobre a melhor forma de manter a evolução de nossos processos pedagógicos dentro da realidade e possibilidades oferecidas pelas tecnologias digitais e online enquanto professor universitário.
2 EXPERIÊNCIA DO ENSINO REMOTO DE EMERGÊNCIA
A experiência do ensino remoto de emergência (ERT) tem sido ativamente documentada ao longo dos últimos dois anos (GODBER; ATKIN, 2021; O’BRIEN et al., 2020; VAREA; GONZALEZ-CALVO, 2021; VAREA; GONZÁLEZ-CALVO; GARCÍA-MONGE, 2022). Assim, os temas-chave que emergem desta investigação que também se apropria desta experiência são: a oportunidade sem precedentes de mudança apresentada pela covid-19; o desafio à identidade e às crenças do professor quando forçado ao ensino remoto de emergência; a exigência de mudar os processos pedagógicos; a percepção da perda de relações sociais; e o impacto no bem-estar. Estes temas devem ser vistos como sobrepostos e interligados e vale salientar que o ensino remoto de emergência causa mudanças e interrupções significativas nos ecossistemas existentes nas salas de aula do ensino superior.
Em uma observação otimista, vários investigadores sugerirem que a covid-19 funciona como um agente único que leva a mudança. Por exemplo, referente a níveis institucionais, Toquero (2020) afirmou que as universidades podem apoiar a necessidade do surgimento e necessidades de novas pedagogias através da atualização das infraestruturas tecnológicas e do aumento em formação dos educadores. O ensino de emergência remoto dá aos docentes permissão para desenvolverem um ensino criativo, sem expectativas claramente delimitadas por formas concedidas historicamente de funcionamento (GODBER; ATKIN, 2021). Pesquisas anteriores salientaram que o estudo remoto não sincronizado oferece aos estudantes flexibilidade, oportunidades de revisar o seu próprio ritmo, e poupa tempo e custos de viagem até o local de ensino (AUDYE et al., 2018; HENDERSON; SELWYN; ASTON, 2015; JÄÄSKELÄ; HÄKKINEN; RASKU-PUTTONEN, 2017). Um estudo de caso realizado por O’Brien et al. (2020) explorou o impacto da covid-19 nos programas de formação de professores de Educação Física (PETE) na Europa e concluiu que experiências de aprendizagem significativas podem ser fornecidas através do ensino de emergência remoto.
A literatura tem esclarecido mais que ensinar de maneira remota não é simplesmente adotar o uso de tecnologia no ensino. O ensino a distância desafia a identidade central de muitos educadores e alunos no ensino superior. Dhawan (2020) sugere que o ensino remoto representa uma mudança de paradigma e na forma como os educadores entendem e aplicam uma educação de qualidade. O ensino remoto não é apenas uma questão técnica, é uma transformação nos pressupostos e entendimentos sobre uma educação de qualidade. Embora o ensino a distância proporcione oportunidades de acesso ilimitado, e rentável, a instruções de ensino, isto representa um desafio para os defensores da educação construtivista e da aprendizagem centrada no estudante. Godber e Atkins (2021) relataram que os docentes de um programa de ensino superior, baseado em esportes, que vivenciaram o ensino remoto de emergência tiveram que “desaprender” a sua maneira de ensinar e adaptar-se, quaisquer que fossem as circunstâncias de ensino.
Além disso, a aprendizagem a distância pode também ter impacto no sentido de identidade individual do estudante, no seu sentimento de pertencimento a um grupo, e outras percepções relacionadas a pertencimento. Um estudo sobre preservar aulas de Educação Física (EF) nas experiências dos estudantes com aprendizagem remota realizada na Espanha (VAREA; GONZÁLEZ-CALVO, 2021) observou que a aprendizagem coletiva, o movimento e o uso de vestuário desportivo eram características importantes do campo da EF. Quando os estudantes foram forçados a aprender remotamente, estes expressaram sentimentos de incerteza, tristeza, raiva e perda da sua identidade como estudantes de Educação Física. Varea e Gonzalez-Calvo (2021) concluíram que, durante a aprendizagem a distância os estudantes tinham de lidar mais com a situação do isolamento em si do que se concentra em aprender, esta experiência influenciava negativamente as suas crenças e na sua identidade e reconhecimento com a Educação Física.
Um outro ponto levantado com o ensino remoto de emergência é o reconhecimento de que o ensino a distância não é simplesmente ensinar usando ferramentas digitais, pelo contrário, requer uma mudança na abordagem pedagógica. Assim, o ensino remoto no ensino superior apresenta uma oportunidade para promover a aprendizagem, mas é um desafio pedagógico (JÄÄSKELÄ; HÄKKINEN; RASKU-PUTTONEN, 2017). Neste sentido, Chen (2016) sugere que um planejamento pedagógico institucional é necessário em uma educação remota. Esta necessidade se dá com o intuito de facilitar o desenvolvimento e a aplicação de ambientes de aprendizagem a distância envolventes, uma vez que palestras remotas malconcebidas levam a confusão, perda de interesse e podem deixar os estudantes aflitos. Diversas ferramentas digitais são claramente conhecidas, mesmo assim, o estudo de Kopp, Gröblinger e Adams (2019) sugere que a maior parte do ensino superior está apenas no início de sua transformação digital.
A recente necessidade de migrar para o modo ERT no meio de um semestre letivo destaca a necessidade de (re)construir a confiança e (re)estabelecer um certo nível de normalidade no ambiente digital de ensino (GODBER; ATKIN, 2021; LUGUETTI et al., 2021; GONZALES-CALVO; GARCIA-MONGE, 2022). Num estudo realizado por investigação participativa, pesquisa-ação, em um programa de formação de professores de EF australiano, Luguetti, Enright, Hynes, and Bishara, (2021) descreveram como negociaram com os estudantes sobre o significado de um ambiente remoto seguro e como poderiam criar coletivamente esse tipo de espaço. As turmas desenvolveram as normas de sala de aula específicas para o ambiente remoto sincronizado, que incluía a proibição de conversas individuais durante as aulas, colaboração em salas de discussão e interação em painéis de discussão.
Estudiosos têm notado o impacto do ensino remoto nas relações sociais. Especificamente no contexto de formação de professores de EF, Murray et al. (2020) observaram que as relações entre professores e estudantes são desafiadas pela distância física presencial, quando em espaços digitais, levando frequentemente a sentimentos de isolamento. O estudo de Luguetti, Enright, Hynes, Bishara (2021) afirma que um dos principais desafios no ERT, em seu estudo, foi o desenvolvimento de relações sociais com os seus “estudantes sem rosto”. Varea, Gonzales-Calvo and Garcia-Monge (2022, p. 9) descrevem seus alunos ‘sem rosto’ na sala de aula no ensino a distância como ‘fantasmas virtuais’, segundo os quais “[…] mudar a estrutura da aula de educação física para uma que inclua encontros com corpos virtuais e não com corpos reais”.
Ciente de que o ERT pode alterar o equilíbrio entre trabalho e vida pessoal e impactar no bem-estar, tanto do professor como dos alunos, Lu, Barrett and Lu (2020) recomendam que os educadores que trabalham com formação de professores de EF permaneçam cientes das pressões e tensões associadas aos desafios, sem precedentes, no ambiente de ensino remoto. Godber e Atkin (2021) relataram que o ERT aumentou a carga de trabalho e reduziu o tempo de intervalos. Além disso, a experiência do ERT levou a um aumento da ansiedade e falta de confiança por parte dos estudantes, enquanto os docentes se esforçaram por assegurar que a aprendizagem e processo avaliativo fossem autênticos e apropriados, anteriormente aplicados em contextos presenciais. Coletivamente, estes fatores combinados resultam em incerteza e vulnerabilidade, com impacto no bem-estar de docentes e alunos do ensino superior (GODBER; ATKIN, 2021; LEE, 2020; VAREA; GONZALES-CALVO; GARCIA-MONGE, 2022).
Com esta investigação tendo sido iniciada antes da chegada do ERT como catalisador, embarcamos em um autoestudo das nossas próprias experiências de ensino remoto em um programa de três anos de graduação em esportes, saúde e Educação Física.
3 METODOLOGIA
Somos investigadores nos arriscando a estudar a natureza dinâmica e mutável da nossa própria prática de ensino. Ao optar por utilizar a metodologia do autoestudo (OVENS; FLETCHER, 2014), nos amparamos no que Snaza (2010) refere-se como a perspectiva de “habitação”, ou seja, um questionamento constante através do diálogo enquanto tentamos refletir sobre as nossas identidades desdobráveis no âmbito do processo de ensino. O centro deste processo metodológico é a ideia de que virar o olhar crítico sobre si próprio encerra uma disposição de desejo, particularmente no sentido de que “floresce um desejo de ser mais, de melhorar, de compreender melhor” (OVENS; FLETCHER, 2014, p. 7). Em outras palavras, o objetivo comum das pesquisas que utilizam o autoestudo como metodologia é o de nos tornarmos mais plenamente informados sobre as nossas práticas de ensino, e de explorar e desenvolver estas “aprendizagens” de forma pública (LOUGHRAN, 2007). Investigadores que usam o autoestudo concentram a atenção principalmente na sua própria prática e assumem a posição de pesquisador e investigador ao mesmo tempo.
Pesquisar utilizando autoestudo é uma atividade colaborativa, assim, neste estudo, investigadores (os três autores) atuaram como amigos críticos um para o outro. O objetivo desses encontros com amigos críticos é criar uma comunidade intelectualmente segura e solidária, na qual cada investigador procurava melhorar a sua prática através de uma investigação crítica e colaborativa (COSTA; KALLICK, 1993; SAMARAS, 2011). Isto implicava a vontade de abrir a sua prática à crítica e de se tornar mutuamente vulnerável (RICHARDS; RESSLER, 2016). Rod e Alan têm trabalhado juntos há mais de uma década. Eles ensinaram em colaboração em cursos e trabalharam juntos em projetos de investigação. Blake, por sua vez, tem trabalhado com Rod e Alan nos últimos quatro anos. Este autoestudo coletivo ocorreu pelo nosso interesse em responder as mudanças do ambiente de ensino no ensino superior, juntamente com a exploração das possibilidades oferecidas pelas tecnologias digitais.
Os materiais empíricos que foram gerados como dados para este estudo incluíram os nossos diários pessoais semanais (geralmente escritos antes ou depois de cada aula), reuniões de grupo (realizadas aproximadamente a cada 2-3 semanas) e comunicação digital (por exemplo, correio eletrônico, e-mails e mensagens de texto). Procuramos entender e analisar estes dados como um processo de síntese, e não como um processo redutor, de exclusão de parte dos dados. O nosso método foi construído por uma dialética, no sentido em que utilizamos as nossas reuniões regulares de grupo para gerar conversas que se deslocassem simultaneamente entre a partilha de experiências e o aprofundamento de interpretações. Essas reuniões foram gravadas e eram iniciadas com uma revisão do nosso ensino durante a semana anterior. O objetivo desses encontros eram identificar questões-chave ou temas levantados e que tiveram destaques do nosso processo de ensino. Esse processo se dava geralmente a partir de uma pessoa que apresentava um dado evento acontecido em seu processo de ensino e este levava há uma questão-chave, ou tema, que se tornava o foco principal dessa reunião. Em seguida, partilhávamos e desafiávamos as nossas interpretações através da discussão dialética, fornecendo frequentemente elaboração, explicação, comparação e teorização do fato ocorrido.
Este método de pesquisa considera a sugestão de MacLure’s (2013) de ver o conjunto de dados como um “armário de curiosidades” (p. 180), no qual poderiam ser colocados elementos interessantes, que desafiassem os padrões, estruturas e suposições inerentes ao nosso processo de ensino, mas sem a suposição de que isto proporcionaria uma imagem exata, parcial ou total da situação. A nossa intenção com este método era de captar e ilustrar o fluxo do nosso processo de ensino de uma forma pessoal, e não uma representação exata da realidade apresentada (THRIFT, 2008), desenvolvendo, ao mesmo tempo, novos entendimentos e diferentes formas de atuar como professores (PLACIER, et al., 2005).
Ao escrever este artigo, procuramos compartilhar, a partir do nosso “armário de curiosidades” e revisitando as transcrições das reuniões de grupo, diários pessoais e comunicações digitais, os três temas que tinham desencadeado o nosso pensamento em torno do nosso processo de ensino. Apesar de que muitas experiências foram iniciadas por frustrações ou preocupações com a situação que estávamos passando, durante a escrita e reescrita deste estudo, fomos reflexivos e pontuais sobre não nos posicionar sobre as mudanças ocorridas e a tecnologia utilizada como algo negativo. Pelo contrário, o objetivo é destacar questões que desafiavam os nossos pressupostos e que estavam relacionadas com a viabilização de uma boa pratica pedagógica na nossa situação.
4 RELATOS DE EXPERIÊNCIA
Os últimos 18 meses proporcionaram um foco acelerado e intenso no nosso processo pedagógico, pois oscilamos entre o ensino em condições de restrições e não restrições físicas e sociais. No entanto, as experiências relatadas neste documento vieram da súbita mudança forçada no modo de ensino durante o segundo semestre de 2021 (julho-novembro). Por volta da metade do semestre, especificamente, na terça-feira, 17 de agosto, estávamos ensinando presencialmente no câmpus. No dia seguinte, quarta-feira, 18 de agosto, estávamos lecionando de maneira remota devido às restrições postas. Permanecemos com ensino a distância até a conclusão do semestre e aplicação das avaliações finais, em novembro de 2021. Ainda no dia 18 de agosto, uma hora após o anúncio inicial que ocorreu às seis horas e trinta minutos pelo nosso governo de que estávamos entrando em lockdown, bloqueio Nível 4 à meia-noite daquela mesma data, Alan já havia contatado sua turma e notificado que o curso continuaria como planejado, exceto que a turma agora estaria em ensino remoto e utilizaria aulas via Zoom. Alan percebeu sua mudança para aulas remotas como sendo, em grande parte, sem problemas, já que podia utilizar um vídeo pré-gravado do conteúdo para ser visto pelos alunos de forma assíncrona, e depois acompanhar isso com um tutorial síncrono via Zoom. Para Rod e Blake, o anúncio e as restrições impostas trouxeram problemas. Os cursos de treinamento de Blake dependiam muito do envolvimento dos alunos em trabalhos práticos, enquanto o curso de práticas de aprendizagem ministrado por Rod exigia que os alunos fossem colocados em ambientes de estágios práticos. Ambos precisavam revisar o conteúdo e a avaliação de seus cursos.
Esta foi a quarta experiência de mudar para o ensino completamente remoto em dois anos, por isso, em muitos aspectos, estávamos prontos. O que não prevíamos era que íamos ficar isolados física e socialmente e ensinar remotamente durante as sete semanas restantes, até ao final do ano acadêmico. Apesar de “estarmos prontos”, a análise das entradas nos nossos diários e reuniões quinzenais destacaram uma série de preocupações relacionadas com a mudança para o ensino em remoto de emergência. Neste artigo, relatamos três temas que orientaram a nossa experiência de ensino de maneira emergencial. Primeiro, a falta de visibilidade dos nossos alunos no processo de ensino remoto nos deixou, muitas vezes, incapazes de gerir e ajustar a atividade de aprendizagem proposta para a aula. Em segundo lugar, nos sentimos constrangidos pelas limitações do ambiente virtual, que muitas vezes nos forçaram a diferentes estilos de ensino. Em terceiro lugar, devido à quantidade enorme de ferramentas de ensino a distância à nossa disposição necessitávamos de tempo para aprender a utilizá-las e de uma sensibilidade para decidir quais destas ferramentas podem ser utilizadas de maneira eficaz. Expandimos estes entendimentos na continuação deste artigo.
4.1 DANDO ATENÇÃO À PERSPECTIVA DO ESTUDANTE
O conceito de “visão do estudante”, ou “perspectiva do estudante”, foi um tema constantemente presente em nossas discussões sobre a mudança para o ensino a distância. Isto nos desafiou a refletir sobre questões como a presença, a frequência e o envolvimento dos estudantes nas aulas, particularmente no que diz respeito à forma como estes se relacionam com o processo de aprendizagem. Utilizamos aqui a “visibilidade”, ou “perspectiva”, para nos referirmos à presença cognitiva, social e emocional dos estudantes em vários momentos do processo de ensino. Destacamos frequentemente que, durante o ensino presencial em uma sala de aula, podemos ver os alunos, podemos vê-los assistir às aulas e participar das atividades de aprendizagem, observamos seu nível de atenção, e percebemos se estão confusos, distraídos ou incomodados. Esta visibilidade é fundamental para nós, professores, percebermos como nos sentimos, respondemos e gerimos a aprendizagem dos alunos durante a aula. A mudança para aulas remotas interrompe e transforma fundamentalmente a natureza da percepção e visão do aluno. A presença do aluno se torna observada apenas através de vídeo ou das métricas do sistema de aprendizagem aplicado. Trechos extraídos de nossos diários representam algumas das nossas experiências com a utilização do Zoom e a preferência dos estudantes por desligarem as suas câmeras durante a aula:
Quando as suas câmeras [alunos] estão desligadas, é como falar sozinho. Sem cabeças a abanar, não fazemos nem ideia se estamos falando algo estúpido ou sem sentindo! … com quem estou realmente falando quando há um monte de quadrados pretos que apenas sugerem que alguém está presente? (Blake, diário pessoal, 11/08/21)
O número de presenças foi 16 de 26 alunos. Muito bom. Pensei, tendo em conta a desilusão de estar concluindo a aula e o fato de não haver nenhum questionamento ligado a esta aula. Dos 16 estudantes, apenas dois tinham as suas câmeras ligadas. Acho que é difícil de me conectar com os alunos quando as câmeras estão desligadas. Para mim, já é bastante difícil com as câmeras ligadas pois não me sinto tão confiante em entender a sala como um todo, mas com as câmeras desligadas há pouco a entender. (Rod, 302, diário pessoal, 23/8/21)
Eu os coloco em salas separadas de maneira aleatória… Eu ‘sugiro’ que ao ser colocados em grupos menores, estas salas lhes deem uma chance de desenvolver uma estratégia para o jogo proposto. Embora haja alguma verdade nisso, isto pode ocupar os primeiros 15 segundos… Um grupo de estudantes aparece após os três primeiros minutos. O resto volta somente quando a sala fecha. Não tenho ideia do que se passou nas salas. (Rod, diário pessoal, 13/9/21)
Durante e depois de uma aula presencial/cara a cara, tenho a sensação de ter, ou não, feito um bom trabalho - podia apenas dizer através da sensação que senti na sala, através do fluxo de perguntas que os alunos fariam, e das respostas resultantes ou (na tarefa) ‘tagarelice’ em cada mesa. E, claro, depois de ter realizado uma sessão prática e ouvido os estudantes refletirem sobre os seus momentos-chave - estes foram para mim ‘validadores’ daquela aula, estes foram os momentos que sugeriram que eu tinha feito um bom trabalho hoje. Mesmo que não tivesse uma conversa casual com um estudante a caminho do próximo encontro ia me assegurar que eu estava contribuindo de alguma forma para a sua experiência global. Agora, no entanto, clicar no botão ‘End Meeting For All’ (encerrar reunião para todos) do Zoom significa que não ouço essa conversa optimista nem recebo comentários tais como ‘obrigado, Blake!’ enquanto os alunos fazem as malas e deixam a sala de aula. A aula está quase terminando. (Blake, diário pessoal, 11/09/21)
É importante afirmar que estávamos conscientes de que a escolha dos estudantes de desligar as suas câmeras poderia estar ligada ao seu desejo de manter a sua vida doméstica privada. Compreendemos como o lockdown tinha mudado a situação de vida de muitos dos estudantes. Embora alguns pudessem continuar e não ser afetados, também tivemos estudantes que, naquele momento, precisavam cuidar de crianças durante todo o seu tempo em casa, estudantes que precisaram arranjar trabalho adicional para complementar renda, de tentar estudar em casas, muitas vezes cheias de gente, de compartilhar o seu computador ou celular com irmãos, e/ou de lidar com a fraca conectividade da internet. Compreendemos que esta situação alterada limitava a capacidade dos estudantes de se envolverem em cada aula, e o nosso desejo de respeitar o seu direito à privacidade reforçava o nosso desejo de não insistir que os estudantes ligassem as suas câmeras.
Assim, é fundamental entender a perspectiva do aluno e como cada um de nós, professores, fomenta e concentra na atividade de ensino proposta em cada aula e como podemos observar a realização do objetivo proposto para aquele momento. Não ser capaz de ver os alunos pessoalmente limita nossa capacidade de “ler e entender a aula” e, assim, tomar decisões informadas sobre os ajustes necessários no processo de ensino. Usar a colaboração entre os alunos e trabalhos em grupo, escolhendo no que apoiar e incentivar os alunos e usar o humor para se adequar ao ambiente da sala de aula não se faz mais possível no ERT. Sentimos como se o que está ocorrendo não tivesse sentido, não temos mais o prazer de interagir com os alunos. Nossos instintos, bem fundamentados e baseados em anos de prática em sala de aula, “pairar”, interatuar, desafiar e responder não são mais possíveis de fazer da mesma maneira. Sem a capacidade de observar as expressões dos alunos, a linguagem corporal e outras formas comunicação não verbal que possam sugerir questões relacionadas ao tédio, não compreender o conteúdo, que normalmente está disponível no ambiente da sala de aula presencial, cada um de nós se tornou desafiado quanto à melhor forma de ajustar nossa abordagem pedagógica.
A percepção do estudante é um elemento crítico por duas razões. Primeiro, nossas experiências vividas no ensino presencial nos fizeram estar em sintonia com o engajamento dos alunos. Presencialmente podemos entender a sala de aula e reconhecer quem está deslocado, quem não está realizando as tarefas propostas, ou ainda quem está tentando compreender. Nosso desejo de encorajar o engajamento ao não exigir que os alunos mostrem seus rostos, e talvez revelar circunstâncias mais amplas em suas casas, incluindo a falta de conectividade de internet eficaz, pode ter permitido que mais alunos se engajassem nas aulas remotas, mas continuamos sem entender completamente o nível de engajamento que realmente tivemos em cada aula. Nossas reflexões, além de não nos darem condições de compreender as experiências dos alunos, sugerem que não nos sentimos conectados com eles. Nos sentimos isolados (MURRAY et al., 2020), pois não fomos capazes de replicar consistentemente a natureza recíproca de nosso ensino presencial no ensino remoto. O ensino a distância era um alterador de humor (VAREA; GUSTAVO-CALVO, 2021), pois não nos dava o mesmo prazer que o ensino presencial.
4.2 RESTRITOS PELA TECNOLOGIA
Um segundo tema, que surgiu a partir de nossas discussões e reflexões relacionadas com as nossas lutas para envolver os estudantes numa pedagogia de ensino eficaz, foi as restrições da tecnologia. Uma das características do nosso ensino presencial é a capacidade dos estudantes de trabalharem em colaboração e se envolverem em atividades práticas, que proporcionem experiências plenamente, fisicamente, vividas. As nossas aulas foram concebidas para utilizar ambientes físicos de sala aula e ginásio de esportes, e ter os estudantes trabalhando em grupos, ou realizando uma atividade presencial em particular. Por exemplo, o curso de formação de professores, ministrado por Blake, foi concebido para que os matriculados em sua disciplina estagiassem com estudantes de uma escola local. A disciplina ministrada por Rod, nomeada de aprendizagem de ensino, foi concebida para dar aos alunos experiência num ambiente de trabalho profissional, como professores. Estágio prático, aprendizagem de ensino e situações práticas contextualizam a aprendizagem com problemas e cenários autênticos num processo de ensino. Não só tivemos dificuldade em replicar estas experiências quando em lockdown, como descobrimos que a tecnologia nos obrigava a ensinar de uma forma diferente, particular. As ferramentas que tínhamos mais prontamente à nossa disposição estavam bem adaptadas à transmissão e distribuição de informação. Isto significa que a tendência inicial era a de ajustar as aulas para se orientarem em torno de simples trocas de informação. Os seguintes trechos dos nossos diários pessoais demonstram as nossas preocupações:
Podemos fazer salas de fuga/pensar/par/ações. Temos acesso a ferramentas digitais que permitem os estudantes contribuírem coletivamente com as ideias dos seus pequenos grupos…, mas como é que fazemos uma aula de aprendizagem de 60 horas de estágio de aprendizagem de ensino online? (Rod, diário pessoal, 17/8/21)
Não penso que apenas apresentar informação de maneira remota seja uma forma eficaz para os alunos de aprender esta informação. Sinto que não estou desafiando as suas concepções anteriores e não estou lhes dando uma oportunidade de ver como é este conteúdo num cenário real. Gostava muito de poder estar no ginásio de esportes… isto parece uma aprendizagem tão superficial, o que está acontecendo neste momento. (Alan, diário pessoal, 6/10/21)
É evidente que alguns deles (alunos) não estão envolvidos no conteúdo (digital/pré-gravado) usando uma tela… O que isto significa sobre o conteúdo de cursos online? O conteúdo que eu planejei os encoraja (pensei) a aprofundar, mas como podem eles, se nem sequer eles têm acesso a isto!? (Blake, diário pessoal, 24/4/21)
Temos lutado para encontrar formas de envolver e motivar os estudantes em um processo de ensino e aprendizagem significativo e profundo. O desafio tem sido utilizar ferramentas e planejamentos pedagógicos que promovam a aprendizagem de ordem superior, especialmente em cursos e aulas centrados no desenvolvimento das organizações e das capacidades de tomada de decisões envolvidas em situações complexas de ensino e de treinamento. Verificamos que as atividades sincronizadas e colaborativas mantêm a conectividade dos estudantes, permitem a apresentação de problemas e a expressão da perspectiva deles, contudo, estas atividades são de difícil acesso para estudantes que são também pais, mães, trabalhadores essenciais e/ou que têm acesso limitado a computadores e conexão de internet de alta qualidade.
As restrições do ensino remoto devem ser consideradas no contexto mais amplo da natureza das aulas e cursos que ensinamos. Blake tentou replicar um formato de aula que envolvesse experiências corporizadas de treinamento e posteriores reflexões. Rod estava ensinando em aulas que envolviam a reflexão sobre experiências de formação e de aprendizagem baseadas nos cenários escolares. Alan estava ensinando sobre aprendizagem e pedagogia. Além disso, estamos cientes das injustiças que são confirmadas pelo ensino a distância. Os nossos alunos não têm acesso equitativo ao processo de ensino aprendizagem digital. Como Jowsey et al. (2020) afirmam, embora o ensino digital abunde com recursos pedagógicos inovadores, a maioria requer ligações à internet fortes e estáveis e competência digital tanto por parte do professor como dos estudantes.
Em um processo reflexivo, estamos conscientes de que as nossas preocupações com a mudança para o processo de ensino remoto podem refletir as nossas subjetividades e identidades como professores, e nosso entendimento sobre movimento como conteúdo (LU; BARRETT; LU, 2020; VAREA; GONZALES-CALVO, 2021). Estamos também cientes do nosso próprio sentimento de nostalgia e desejo de regressar à forma como a educação foi tradicionalmente no passado, antes da pandemia (LU; BARRETT; LU, 2020; VAREA; GONZALES-CALVO, 2021). Assim, resistimos a aceitar que um ambiente remoto possa substituir adequadamente as experiências que ocorrem quando se aprende de maneira presencial, com a presença do professor (VAREA; GONZALES-CALVO; GARCIA-MONGE, 2022). Sem reduzir o nosso ensino ao desenvolvimento de competências técnicas, questionamos como os estudantes podem aprender a treinar, ensinar e liderar sem incorporar estas experiências de maneira prática e refletir sobre elas. Concordamos com a afirmação de O’Brien et al. (2020) feita a partir do contexto da formação de professores de Educação Física de que, para alguns cursos e aulas, as experiências presenciais na Educação Física são essenciais.
4.3 ENSINO REMOTO - E EU ME TORNEI UM APRENDIZ (NOVAMENTE)
Outro tema que surgiu a partir de nossas discussões foi a competência necessária para conceber recursos e aulas remotas eficazes. Embora a capacidade de apresentar informação como texto, imagens, vídeo, música e elementos interativos represente a promessa de melhorar a aprendizagem para os nossos estudantes, estas formas também requerem competências para serem produzidas e compreendidas como conteúdo. Como outras pesquisas utilizando o autoestudo têm destacado (e.g., TOLOSA et al., 2017), tornar-se proficiente com as novas tecnologias é simultaneamente cansativo e requer uma concepção consciente do professor para assegurar que os recursos de ensino sejam interessantes e envolventes. Achamos este fato inquietante, até porque tempo é um bem valioso, particularmente em contextos universitários em que a produtividade da investigação é uma alta prioridade e consome tanto do nosso tempo. Neste sentido, em diferentes graus, a mudança de contexto para o ensino remoto e a inclusão de tecnologias digitais nos tornou professores novatos.
Em resposta ao fato de ter sido forçado a utilizar o ensino remoto durante o ano anterior, de restrições de locomoção e sociais (2020), e em antecipação de possíveis lockdowns futuros (em 2021), Blake utilizou várias horas navegando em programas de edição de vídeo (por exemplo Adobe Premier Pro). As aulas gravadas foram acompanhadas por efeitos, áudio de alta qualidade e atenção a detalhes como fontes utilizadas, animações, imagens sobrepostas, música de fundo, efeitos sonoros, e filmagens em B-roll. Blake pretendia criar um curso, e suas aulas (treino desportivo), incluindo elementos teóricos e práticos apoiado por vídeos, isso apresentou-se como uma oportunidade de “desempacotar” (tanto cara a cara, como através de Zoom) as ideias abordadas. A experiência de Blake como um “novato” trabalhando em um novo espaço envolveu a gestão eficiente do tempo enquanto ele tentava produzir uma aula “profissional” para utilização em futuras aulas e cursos. Enquanto este processo de criar, explorar e desenvolver novas competências, como professor iniciante, foi uma experiência agradável para Blake, as suas tentativas de produzir conteúdos envolventes levaram Blake a contemplar se os seus esforços pedagógicos estavam funcionando como pretendido:
Minhas expectativas têm sido que os alunos leiam o site ‘Canvas’ e vejam o conteúdo do vídeo antes de virem para a aula - talvez precise deixar isto passar. Como Rod disse, deve ser visto como um contrato social: ‘Não vou voltar a ensinar isto nas aulas, por isso a escolha é sua se se envolve com o conteúdo antes’…acho que fui apanhado pelas emoções (?) associados ao tempo e esforço que dedico aos vídeos. Agora que esta é uma memória distante, estou um pouco menos preocupado… mas é frustrante quando eles parecem não apreciar o esforço! (Blake, diário pessoal, 12/5/21)
Nesse sentido, Blake tinha se tornado um produtor competente de conteúdos digitais, mas as suas reflexões sugerem que ele ainda se sente como se estivesse a encontrar o seu caminho no espaço do ensino remoto, particularmente no que diz respeito às suas expectativas e suposições dos alunos neste novo/diferente cenário de ensino a distância.
As respectivas narrativas no diário de Rod também captam algumas das frustrações que ele experimentou como novato e criador de conteúdo online para os seus estudantes:
A aula é o meu ‘ponto auge’ no que diz respeito à investigação, [e] ao ensino para a justiça social. …como vou gravar as aulas?…opto por gravar no Zoom. Gravo cuidadosamente um slide de cada vez e uso ‘pausa’ entre slides. Isto me dá tempo para montar o próximo slide e preparar os meus pensamentos. Me pergunto por que preciso fazer isto? Não faço isto numa palestra presencial, ‘normal’. Contudo, 30 segundos no dispositivo eletrônico e as notas de afinação me dão confiança e a cada slide escorrega do meu linguajar com uma clareza crescente. Esta aula se alinha lindamente com a minha pesquisa, por isso sinto que há uma riqueza que acrescento a cada slide, que tentei manter com um mínimo de texto.
O desastre ataca no penúltimo slide. Aperto o botão de parar a gravação ao invés de pausar a gravação. A minha gravação termina, apesar da minha aula não ter terminado. O que é que eu faço? Posso clicar em ‘Iniciar Gravação’? Se o fizer, eliminará os 90% da aula que ministrei? Guardo os 90% de uma aula e adiciono uma segunda aula com os poucos slides finais? Não posso fazer isso - é embaraçoso dizer aos alunos que não posso gravar uma aula. Faço a coisa ‘certa’. Começo de novo. Desta vez, ‘o vento saiu da minha vela’. A palestra é gravada com apenas uma longa pausa (erro humano) mas talvez falte o entusiasmo e a profundidade da gravação anterior. Está feito. Foi preciso 4 horas para gravar uma palestra de 22 minutos sobre o ‘ponto auge’ de ministrar uma aula remota. (Rod, diário pessoal, 26/9/21)
Estes trechos do diário pessoal de Rod destacam como um professor experiente, ensinando conteúdos que conhece bem, pode tornar-se um “novato” (novamente) no contexto do ensino remoto. É discutível que o desejo de tornar uma aula interessante está menos relacionado com o contexto do ensino a distância, e talvez mais relacionado ao desejo de envolvimento do aluno. Da mesma forma, enquanto a natureza do ensino remoto elimina algumas possibilidades, também apresenta outras. Embora o Zoom tenha sido uma ferramenta bem utilizada pelos três educadores para reuniões e aulas, a sua utilização como ferramenta de apresentação só se concretizou desde o nosso primeiro isolamento forçado da covid-19. Nossa capacidade de mostrar slides, apresentar vídeos, melhorar a qualidade do som, desenhar e destacar foi aprendida nos últimos 24 meses. Este aprendizado tem sido demorado e, por causa dos erros que continuamos a cometer, é muito comum ter pelo menos duas tentativas de gravar uma mesma aula antes de conseguir.
Simplesmente, este tópico realça a percepção de que professores universitários e formadores de professores experientes são desafiados quando em um ambiente de ensino remoto. O ensino remoto é considerado ensino de fato, o espaço virtual onde os estudantes não podem ser vistos (LUGUETTI et al., 2021; VAREA; GONZALES-CALVO; GARCIA-MONGE, 2022), onde alguns estudantes trabalham ao telefone enquanto outros utilizam monitores duplos e fones de ouvidos, onde temos uma habilidade limitada na leitura da sala de aula representa um novo campo onde nos falta o capital cultural. Ou seja, as competências, conhecimentos, experiência e confiança passam a ser o que Bourdieu (1990) descreveu como um “peixe na água”.
Como muitos estudos relataram, aprender a utilizar as tecnologias digitais é demorado (BURNE; OVENS; PHILPOT, 2018; JÄÄSKELÄ; HÄKKINEN; RASKU-PUTTONEN, 2017; LU; BARRETT; LU, 2020). Embora as tecnologias digitais sejam vastas, como Toquero (2020) afirmou recentemente, existe potencial para as universidades aumentarem a formação de educadores e atualizarem as tecnologias emergentes para permitir um ensino inovador, que vá além das pedagogias de transmissão de conteúdo. Existe uma exigência dos acadêmicos de regressar à fase inicial e reaprender o que já nos sentimos confiantes, além das exigências diárias de acadêmicos, que na melhor das hipóteses é assustadora, e na pior, comprometedora. Calderon e colaboradores (2020) cuidadosamente afirmam que as abordagens da tecnologia digital centradas no estudante podem ter a resposta mais positiva dos estudantes quando são novos. Assim, estamos conscientes de que a utilização mais eficaz de novas ferramentas digitais pode, portanto, ser dominadas por estudantes nos primeiros anos de educação, e continuarem a dominá-las em um ciclo sem fim de aprendizagem de novas tecnologias, necessárias ainda para motivar os estudantes. No entanto, embora isto possa servir às necessidades dos estudantes, é provável que seja insustentável para os acadêmicos ativos em um processo de investigação.
5 DISCUSSÃO ADICIONAL
A mudança das aulas para o ensino remoto representa uma mudança de paradigma na pedagogia das aulas e cursos, especialmente em condições de emergência (GODBER; ATKINS, 2021). A integração de tecnologias novas e emergentes no ensino universitário tem sido um fenômeno crescente ao longo de vários anos, o que permite antecipar, planejar e apoiar mudanças nos processos pedagógicos (ADEDOYIN; SOYKAN, 2020; KOPP; GROBLINGER; ADAMS, 2019). Contudo, a transição forçada para plataformas virtuais em resposta à covid-19 tem sido rápida, reativa e criou uma série de desafios para os sistemas educacionais como um todo - e para os indivíduos situados dentro destes sistemas em particular. Seria um erro ver estes desafios como, simplesmente, assegurar que professores e estudantes tenham a tecnologia, conectividade, espaço de estudo e apoio para continuar com o seu processo de ensino e aprendizagem. Passar para o ensino remoto muda a própria natureza do ensino e da aprendizagem em uma aula, as formas de cultura de aprendizagem e os resultados que daí resultam.
Uma forma de pensar sobre o impacto da passagem repentina para o ensino remoto é contextualizar o processo pedagógico como sendo permitido de duas formas fundamentais. O professor desempenha um papel na concepção de um ecossistema de uma aula, que permite aos alunos alcançar os objetivos e propostos. Isto envolve decisões sobre o modo que a aula será ministrada (presencial, online, combinado, síncrono etc.), conteúdos e atividades de aprendizagem, tempo de trabalho para professores e alunos, utilização de meios e tecnologia, e avaliação fortemente ligada aos resultados de aprendizagem desejados. Tais decisões ocorrem dentro das limitações institucionais e programáticas. Contudo, no caso do ERT, a mudança para o ensino a distância não foi planejada como parte da concepção do curso.
Assim, o processo pedagógico envolve a participação ativa do professor na aula como um todo, orquestrando a atividade da aula e alternando habilmente entre diferentes papéis de ser professor, conforme apropriado. No modo presencial, reconhecemos que somos todos hábeis na gestão do ambiente de aprendizagem da sala de aula ou do ginásio de esportes. Nos sentimos confiantes e competentes ao interagir com os estudantes desta forma. No entanto, a mudança para a ERT destacou a necessidade de um conjunto diferente de competências.
Compreender e aprender com o ERT, a partir de situações complexas, oferece uma série de novas perspectivas. Em primeiro lugar, o ERT é realizado em condições em que não foi concebido. A primeira resposta dos docentes ao ERT pode ser de estabelecer as condições com os estudantes sob as quais a aprendizagem e a avaliação remota possam acontecer (LUGUETTI et al., 2021), em vez de assumir que as aulas continuam como sempre ocorreram. Em segundo lugar, o ERT oferece frequentemente uma liberdade sem precedentes para os docentes explorarem tanto novas direções como antigos pressupostos incorporados no seu trabalho pedagógico. Embora o contexto de ensino remoto possa ser mais fácil de negociar, através de aulas assíncronas, gravadas, cada vez mais existem exemplos de experiências de aprendizagem colaborativa sincronizada que fomentam a interação dos estudantes e se alinham com os princípios da aprendizagem construtivista, e que não requerem um elevado nível de capacidades de produção, ou preparação prévia do conteúdo a ser explorado naquela aula. De fato, os professores universitários terão de considerar os recursos do seu próprio grupo de estudantes para encontrar soluções equitativas que satisfaçam as necessidades deles e preservem o seu próprio bem-estar.
6 CONCLUSÃO
Neste ponto do projeto de investigação, continuamos empenhados em desenvolver mais oportunidades de aprendizagem envolvendo aulas presenciais e remotas nos nossos cursos e aulas. Neste artigo, relatamos as nossas experiências utilizando apenas o ensino remoto emergencial (ERT), isto porque não fomos capazes de misturar de forma significativa estes dados com informações de outras abordagens pedagógicas, como as aulas presenciais. Em segundo lugar, refletimos sobre as nossas próprias experiências vividas como docentes, sobre as nossas preocupações quanto a não ver estudantes e sermos limitados tanto pelas escolhas pedagógicas disponíveis para o ensino remoto como pelas nossas próprias competências, e que ainda não podem ser partilhadas pelos estudantes. Ainda falta na literatura disponível mais informações e investigações sobre a relação entre a utilização da tecnologia digital, o engajamento e a aprendizagem subsequente por parte dos alunos (CALDERON; MERON; MACPHAIL, 2020).
Em diversas localidades do mundo o ensino remoto emergencial acelerou uma “tentativa” de uma experiência universitária “virtual” para estudantes. De acordo com uma perspectiva pós-qualitativa, estabelecer uma verdade generalizável sobre os benefícios e limitações do ensino remoto a partir destas experiências é um esforço perigoso. O ERT precisa ser avaliado em relação ao contexto em que ocorreu, e com cautela, pois representa uma abordagem de “direcionado para a mudança” ao invés de uma abordagem “planejada para” se conseguir um ensino remoto coerente.
AGRADECIMENTO
Somos agradecidos à Carlos Kucera que faz a tradução deste texto, originalmente escrito em inglês.
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1
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2
O ano acadêmico da Nova Zelândia vai de março a novembro.
Editado por
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RESPONSABILIDADE EDITORIAL
Alex Branco Fraga*, Allyson Carvalho de Araújo**, Elisandro Schultz Wittizorecki*, Mauro Myskiw*, Raquel da Silveira**Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Escola de Educação Física, Fisioterapia e Dança, Porto Alegre, RS, Brasil.**Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Natal, RN, Brasil.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
06 Maio 2022 -
Data do Fascículo
2022
Histórico
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Recebido
25 Fev 2022 -
Aceito
03 Mar 2022 -
Publicado
14 Abr 2022