Resumo
Este artigo analisa o Direito dos Desastres como arcabouço teórico-jurídico para a Cidade Educadora a fim de criar uma cultura de educação ambiental para a mitigação desses desastres e a diminuição das vulnerabilidades das comunidades do estado de São Paulo, sobretudo a cidade de São Sebastião, que viveu recentemente uma tragédia em virtude de deslizamentos de terra. Assim, têm-se como objetivos averiguar a capacidade civil de gestão de risco a partir da implementação do conhecimento jurídico de Direito dos Desastres nos projetos da Cidade Educadora; avaliar a possibilidade de participação ativa das comunidades vulneráveis, junto da educação básica, nas atividades de educação ambiental para a mitigação dos desastres. A metodologia utilizada parte de uma abordagem qualitativa, com a análise de documentos e processos judiciais, além da iniciativa das organizações da sociedade civil e comunidades locais. A iniciativa da Cidade Educadora desempenha um papel crucial no contexto de crise ambiental ao fornecer às escolas recursos e diretrizes para enfrentar desafios ambientais de maneira educativa e transformadora. O Direito dos Desastres capacita a comunidade a enfrentar desafios ambientais e desastres, promovendo a sustentabilidade e a proteção dos direitos humanos.
Palavras-chave:
Cidade Educadora; Direito Ambiental; Direito dos Desastres; Gestão de Risco; São Paulo
Abstract
This article analyzes Disaster Law as a theoretical-legal framework for the Educating City in order to create a culture of environmental education to mitigate disaster and reduce the vulnerabilities of communities in the state of São Paulo, Brazil, especially in the municipality of São Sebastião, which recently experienced a tragedy due to landslides. Thus, the objectives are to investigate the civil capacity for risk management based on the implementation of legal knowledge of Disaster Law in Educating City projects; and to assess the possibility of active participation of vulnerable communities, alongside basic education, in environmental education activities to mitigate disaster. The methodology used is based on a qualitative approach, with the analysis of documents and judicial processes, as well as the initiative of civil society organizations and local communities. The Educating City initiative plays a crucial role in the context of the environmental crisis by providing schools with resources and guidelines to address environmental challenges in an educational and transformative way. Disaster Law empowers the community to face environmental challenges and disasters, promoting sustainability and the protection of human rights.
Keywords:
Disaster Law; Educating City; Environmental Law; risk Management; São Paulo
Resumen
Este artículo analiza el Derecho de Catástrofes como marco teórico y jurídico de la Ciudad Educadora con el fin de crear una cultura de educación ambiental para mitigar esas catástrofes y reducir las vulnerabilidades de las comunidades del estado de São Paulo, especialmente de la ciudad de São Sebastião, que recientemente sufrió una tragedia debido a los deslizamientos de tierra. Así, se pretende conocer la capacidad civil para la gestión de riesgos a partir de la implementación de conocimientos jurídicos del Derecho de Catástrofes en los proyectos de Ciudad Educadora; evaluar la posibilidad de participación activa de las comunidades vulnerables, junto con la educación básica, en actividades de educación ambiental para la mitigación de catástrofes. La metodología utilizada adopta un enfoque cualitativo, analizando documentos y casos judiciales, así como la iniciativa de organizaciones de la sociedad civil y comunidades locales. La iniciativa Ciudad Educadora desempeña un papel crucial en el contexto de la crisis ambiental al proporcionar a los centros escolares recursos y orientaciones para abordar los retos ambientales de forma educativa y transformadora. El Derecho de Catástrofes capacita a la comunidad para afrontar los retos ambientales y las catástrofes, promoviendo la sostenibilidad y la protección de los derechos humanos.
Palabras clave:
Ciudad Educadora; Derecho Ambiental; Derecho de Catástrofes; Gestión de Riesgos; São Paulo
Introdução
O Brasil sofre a ação de uma multiplicidade de desastres naturais. Enchentes, deslizamentos de terra, secas e tempestades severas têm causado ao país expressivos danos econômicos, sociais e ambientais. A cidade de São Paulo, em especial, é recorrentemente atingida por enchentes e deslizamentos de terra, sobretudo durante o período de chuvas intensas. Tais eventos resultam na destruição de infraestruturas, interrupção de serviços públicos e, tragicamente, em perdas humanas. A urbanização desordenada e a insuficiência de planejamento urbano adequado agravam a vulnerabilidade da cidade diante desses desastres. Paralelamente, outras regiões do país, como o Nordeste, enfrentam secas prolongadas que comprometem a agricultura e o abastecimento hídrico, ao passo que o Sul do país pode ser assolado por tempestades severas e ciclones ocasionais. Esses desafios evidenciam a imprescindibilidade de políticas públicas eficazes em gestão de riscos e desastres, bem como a implementação de estratégias de prevenção e mitigação, com vistas a proteger as comunidades vulneráveis.
Em decorrência das intensas chuvas que afetaram o litoral norte de São Paulo, em fevereiro de 2023, o território de São Sebastião foi abrangido pelo estado de calamidade pública decretado pelo Governo do Estado no Decreto Estadual n. 67.502/ 2023 SÃO PAULO (Estado). Decreto n. 67.502, de 19 de fevereiro de 2023. Declara estado de calamidade pública nas áreas que especifica, em razão de chuvas intensas no território estadual. Diário Oficial do Estado de São Paulo, São Paulo, v. 133, n. 36, p. 1, 19 de fevereiro de 2023b. Disponível em: https://static.poder360.com.br/2023/02/calamidade-publica-SP.pdf . Acesso em: 8 maio 2023.
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. O município de São Sebastião também emitiu o Decreto Municipal n. 8.777/2023, declarando estado de calamidade pública na região. Medidas urgentes de buscas, salvamentos e ajudas humanitárias estão em curso até o presente momento. Porém, há extrema dificuldade diante da resistência de parcela dos moradores que insistem em permanecer em locais de risco.
Diante dessa grave circunstância, este artigo busca apresentar o Direito dos Desastres como arcabouço teórico-jurídico para a estruturação de Cidades Educadoras, proposta que visa contribuir para a criação de uma cultura de educação ambiental voltada à mitigação de desastres e à diminuição da vulnerabilidade das comunidades do estado de São Paulo. O aumento da frequência e intensidade de eventos climáticos extremos, como enchentes e deslizamentos de terra, tem causado danos significativos às comunidades em todo o mundo. Nesse contexto, o Direito dos Desastres surge como um campo em constante evolução, que busca desenvolver mecanismos para prevenir, mitigar e responder a esses eventos de maneira mais eficaz e justa.
A metodologia utilizada constitui-se de abordagem qualitativa, com a análise de documentos e processos judiciais, além da investigação quanto à iniciativa das organizações da sociedade civil e comunidades locais. Para isso, realizou-se uma revisão bibliográfica dos principais conceitos e teorias relacionadas ao Direito dos Desastres, à Cidade Educadora e à educação ambiental. Além disso, tomando como caso de análise o desastre ocorrido na cidade de São Sebastião, localizada no litoral de São Paulo, buscou-se: (a) abordar os impactos sociais e jurídicos decorrentes dos deslizamentos que atingiram a comunidade desse município; e (b) investigar as políticas públicas de educação ambiental implementadas na cidade.
Portanto, os objetivos desta pesquisa: (a) averiguar a capacidade civil de gestão de risco a partir da implementação do conhecimento jurídico de Direito dos Desastres nos projetos da Cidade Educadora; e (b) avaliar a possibilidade de participação ativa das comunidades vulneráveis, junto da educação básica, nas atividades de educação ambiental para a mitigação dos desastres.
Ao incorporar o Direito dos Desastres em seu contexto educacional, a Cidade Educadora busca capacitar toda a comunidade, com especial atenção às crianças e jovens, para lidar de maneira consciente e responsável com os desafios ambientais e os eventos extremos. Isso inclui promover a sustentabilidade, a solidariedade e a proteção dos direitos humanos. Assim, há chances de efetiva contribuição para a redução da vulnerabilidade das comunidades, fortalecendo sua capacidade de adaptação e resiliência diante dos desastres.
Crianças e jovens não são meros elementos passivos na estrutura social. O processo de cidadania ocorre com a inclusão desses grupos em circunstâncias de atividades em prol das comunidades. Em casos de ambientes de risco, a vulnerabilidade social torna-se ainda mais acentuada, demandando maior conscientização de toda comunidade. Crianças e jovens, ainda que estejam em formação física e intelectual, podem e devem ser orientados no âmbito das políticas, práticas e processos de gestão de risco.
1 Fundamentos teóricos: Direito dos desastres, Cidade Educadora e cultura de educação ambiental a partir da escola
Este tópico se destina à exposição dos fundamentos teóricos subjacentes ao Direito dos Desastres, à Cidade Educadora e à cultura de educação ambiental.
Pretende-se demonstrar: que o Direito dos Desastres pode fornecer um arcabouço jurídico para orientar a formulação de políticas públicas direcionadas à prevenção, mitigação e gestão dos riscos inerentes aos desastres naturais, assegurando a proteção das comunidades vulneráveis; que a iniciativa da Cidade Educadora, ao promover a integração holística da educação ambiental em todas as dimensões do currículo escolar e incentivar uma abordagem interdisciplinar, que relaciona os desafios ambientais com diversas áreas do saber (como ciências, geografia, história e artes), é um modelo educacional relevante para a edificação de uma sociedade resiliente e cônscia dos desafios ambientais contemporâneos.
A Cidade Educadora busca não apenas transmitir conhecimentos técnicos, mas, também, fomentar uma cultura de sustentabilidade e responsabilidade ambiental entre os discentes, desde tenra idade. Desse modo, a escola se torna um locus privilegiado para o desenvolvimento de competências e atitudes que capacitam os jovens a enfrentar os desafios ambientais de maneira proativa e informada, contribuindo, assim, para a construção de um futuro mais sustentável e seguro.
A compreensão dos conceitos de Direito dos Desastres, Cidade Educadora e cultura de educação ambiental é de suma importância, pois não apenas capacita indivíduos e comunidades a enfrentar e mitigar os impactos dos desastres naturais, mas também promove uma educação integrada que prepara as novas gerações para que sejam agentes de mudança em prol da sustentabilidade e da resiliência ambiental.
Apresentam-se, a seguir, os conceitos essenciais para elucidar a relevância e a aplicação prática desses termos no contexto atual.
1.1 Direito dos Desastres no Brasil
Durante muito tempo, reinou a crença de que o Brasil não precisaria se proteger dos desastres socioambientais. O país era considerado privilegiado por sua natureza e condição geográfica, não havendo razões para o desenvolvimento de processos de gestão de riscos e de mecanismos de proteção e resposta a esses eventos. A consequência dessa mentalidade foi a formação e consolidação de uma cultura de baixa sensibilidade à prevenção aos riscos de desastres (Carvalho, 2020CARVALHO, D. W. Desastres ambientais e sua regulação jurídica: deveres de prevenção, resposta e compensação ambiental. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020. ). Entretanto, grandes tragédias, com inúmeras mortes e danos significativos, sacudiram o senso comum, derrubaram as antigas crenças otimistas e introduziram o entendimento da necessidade de incluir a redução de riscos nas políticas públicas e na rotina da população.
Essas circunstâncias motivaram o aprimoramento de uma Teoria Geral dos Desastres. Estabelecida no campo do Direito dos Desastres, essa teoria argumenta que os desastres são construções sociais e não existem eventos puramente naturais (Carvalho, 2020CARVALHO, D. W. Desastres ambientais e sua regulação jurídica: deveres de prevenção, resposta e compensação ambiental. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020. ). Embora sejam desencadeados por fenômenos físicos, a ocorrência de um desastre está intrinsecamente relacionada à presença de riscos e vulnerabilidades. Então, entende-se o Direito dos Desastres como um ramo que estuda e regula as questões jurídicas relacionadas aos desastres, sejam eles naturais ou antropogênicos. Além disso, abrange e transita por diversas áreas, como o Direito Ambiental, o Direito Urbanístico, o Direito Civil, o Direito do Trabalho, entre outros, e tem como foco a proteção dos direitos humanos, da vida, da saúde, da propriedade, do meio ambiente e da segurança pública. O objetivo principal é o de prevenir, gerir e mitigar os efeitos dos desastres, bem como promover a reparação dos danos causados às vítimas e ao meio ambiente, o que inclui o estabelecimento de responsabilidades, seja na esfera civil, administrativa ou penal.
Os desastres geram efeitos que não se restringem a determinados estratos sociais, mas afetam mais gravemente as camadas mais pobres da população, gerando danos, prejuízos e sofrimentos que são difíceis de serem superados pelos atingidos. No que diz respeito à discussão sobre as causas dos desastres ambientais, há debates em curso acerca da relação entre esses eventos e os modelos de desenvolvimento socioeconômico adotados pelos países, que promovem e mantêm desigualdades sociais e disparidades no acesso a serviços e recursos de subsistência. A vulnerabilidade aos desastres está diretamente relacionada a “aspectos socioeconômicos, culturais e ambientais, advertindo que os desastres não são naturais, embora estejam atrelados a processos naturais específicos” (Furtado; Silva, 2014 FURTADO, J. R.; SILVA, M. S. (org.). Proteção aos direitos humanos das pessoas afetadas por desastres. Florianópolis: CEPED UFSC, 2014. E-book. Disponível em: https://www.ceped.ufsc.br/wp-content/uploads/2014/01/Protecao-aos-Direitos-Humanos.pdf . Acesso em: 20 nov. 2023.
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, p. 14).
A salvaguarda imediata da vida das pessoas afetadas pelos desastres é uma prioridade, mas pode resultar no sacrifício de outros direitos importantes que não são garantidos. O discurso que enfatiza a proteção da vida sob quaisquer circunstâncias muitas vezes não está alinhado com as condições adequadas em que a vida deve ser mantida. No Brasil, ainda é comum a remoção forçada de pessoas de suas casas, o alojamento em abrigos temporários inadequados e a falta ou insuficiência de informações sobre os procedimentos a serem adotados para responder ao desastre e recuperar a comunidade afetada (Furtado; Silva, 2014 FURTADO, J. R.; SILVA, M. S. (org.). Proteção aos direitos humanos das pessoas afetadas por desastres. Florianópolis: CEPED UFSC, 2014. E-book. Disponível em: https://www.ceped.ufsc.br/wp-content/uploads/2014/01/Protecao-aos-Direitos-Humanos.pdf . Acesso em: 20 nov. 2023.
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). A omissão da sociedade em relação à violência sexual contra mulheres e ao abuso de álcool e drogas nos abrigos provisórios é alarmante e pouco divulgada pela mídia tradicional. Alguns indivíduos têm suas casas interditadas por mais de um ano, sem qualquer informação sobre quando poderão retornar ou se algum dia será possível fazê-lo (Furtado; Silva, 2014 FURTADO, J. R.; SILVA, M. S. (org.). Proteção aos direitos humanos das pessoas afetadas por desastres. Florianópolis: CEPED UFSC, 2014. E-book. Disponível em: https://www.ceped.ufsc.br/wp-content/uploads/2014/01/Protecao-aos-Direitos-Humanos.pdf . Acesso em: 20 nov. 2023.
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). Durante a espera, ficam sujeitos à estadia na casa de vizinhos, familiares ou instituições de acolhimento, sem ter controle sobre sua situação, aguardando a decisão dos responsáveis públicos.
Para fazer frente a essas situações, o Governo criou o Protocolo Nacional Conjunto para Proteção Integral a Crianças e Adolescentes, Pessoas Idosas e Pessoas com Deficiência em Situação de Riscos e Desastres, por meio da Portaria Interministerial n. 2, de 6 de dezembro de 2012. O protocolo pode ser interpretado como o reconhecimento político de que, no quadro desse processo de destruição e posterior recuperação, por ocasião dos desastres, as crianças são as principais afetadas, figurando, muitas vezes, como a maioria das vítimas fatais ou na condição de órfãs, sujeitas aos conflitos e perigos que permeiam o pós-desastre. No mesmo ano, editou-se uma importante medida legislativa de prevenção ou mitigação de desastres, a Lei n. 12.608/ 2012 BRASIL. Lei n. 12.608, de 10 de abril de 2012. Institui a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil – PNPDEC; dispõe sobre o Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil – SINPDEC e o Conselho Nacional de Proteção e Defesa Civil – CONPDEC; autoriza a criação de sistema de informações e monitoramento de desastres. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, p. 1, 11 abr. 2012. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2012/Lei/L12608.htm . Acesso em: 20 jun. 2024.
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, que institui a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil (PNPDEC), estabelecendo o Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil (SINPDEC) e o Conselho Nacional de Proteção e Defesa Civil (CONPDEC).
Além disso, a lei autorizou a criação de um sistema de informações e monitoramento de desastres e modificou o Estatuto da Cidade para exigir a elaboração de planos diretores para municípios registrados no cadastro nacional de municípios com áreas propensas a deslizamentos de grande impacto, inundações repentinas ou processos geológicos ou hidrológicos. Acontece que a elaboração, revisão e gestão dos planos diretores com base nas diretrizes do Estatuto da Cidade nem sempre contemplam adequadamente a preocupação social e ambiental (Oliveira Filho; Ritter, 2021OLIVEIRA FILHO, J. T.; RITTER, E. S. O direito dos desastres e a legislação urbana brasileira: a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil, o Estatuto da Cidade e o Decreto n. 10.692/2021. Revista Brasileira de Direito Urbanístico| RBDU, Belo Horizonte, v. 7, n. 13, p. 203-218, 2021. ). Até maio de 2021, as mudanças feitas no Estatuto da Cidade pela Lei n. 12.608/ 2012 BRASIL. Lei n. 12.608, de 10 de abril de 2012. Institui a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil – PNPDEC; dispõe sobre o Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil – SINPDEC e o Conselho Nacional de Proteção e Defesa Civil – CONPDEC; autoriza a criação de sistema de informações e monitoramento de desastres. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, p. 1, 11 abr. 2012. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2012/Lei/L12608.htm . Acesso em: 20 jun. 2024.
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ainda não haviam produzido efeito, em razão da ausência do Cadastro Nacional de Municípios com Áreas Suscetíveis à Ocorrência de Deslizamentos de Grande Impacto, Inundações Bruscas ou Processos Geológicos ou Hidrológicos Correlatos (Oliveira Filho; Ritter, 2021OLIVEIRA FILHO, J. T.; RITTER, E. S. O direito dos desastres e a legislação urbana brasileira: a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil, o Estatuto da Cidade e o Decreto n. 10.692/2021. Revista Brasileira de Direito Urbanístico| RBDU, Belo Horizonte, v. 7, n. 13, p. 203-218, 2021. ).
1.2 Cidade Educadora
Uma Cidade Educadora é aquela que reconhece que a educação é um processo que ocorre em todos os espaços e momentos da vida, não se limitando apenas ao ambiente escolar. Nesse sentido, busca-se criar um ambiente propício para o aprendizado e o desenvolvimento integral de seus habitantes, oferecendo oportunidades para a aquisição de conhecimentos, habilidades e valores em diferentes áreas, como cultura, esporte, lazer, trabalho, saúde, meio ambiente, entre outras. Por ser orientada para a promoção do bem-estar da população, do desenvolvimento sustentável e da justiça social, a Cidade Educadora visa a construção de uma sociedade mais solidária, democrática e participativa.
O termo “Cidade Educadora” surgiu em 1990, durante o I Congresso Internacional de Cidades Educadoras realizado em Barcelona. Os princípios fundamentais dessa abordagem foram resumidos e atualizados em 2004, por meio da Carta das Cidades Educadoras, que resultou de vários congressos e debates sobre o tema (AICE, 2020 ASSOCIAÇÃO INTERNACIONAL DE CIDADES EDUCADORAS. Carta das Cidades Educadoras. Barcelona: AICE, 2020. Disponível em: https://www.edcities.org/pt/carta-das-cidades-educadoras/ . Acesso em: 20 jun. 2024.
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). O principal objetivo desse modelo de cidade é oferecer soluções para a integração das atividades sociais e culturais, com ênfase na formação, promoção e desenvolvimento dos cidadãos, especialmente os mais jovens. De acordo com a Associação Internacional de Cidades Educadoras (AICE, 2020 ASSOCIAÇÃO INTERNACIONAL DE CIDADES EDUCADORAS. Carta das Cidades Educadoras. Barcelona: AICE, 2020. Disponível em: https://www.edcities.org/pt/carta-das-cidades-educadoras/ . Acesso em: 20 jun. 2024.
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), esse modelo de organização política tem um caráter educativo intrínseco, mas só se concretiza verdadeiramente como uma Cidade Educadora quando assume conscientemente a intenção de que suas propostas tenham impacto nas atitudes, interações sociais e na promoção de novos valores, conhecimentos e habilidades.
A relação entre território e escola ocorre a partir do reconhecimento desta como modificadora do espaço territorial. Nesse ponto, a intersetorialidade joga um papel importante, contribuindo para a efetiva transformação do território. No site oficial do programa é possível captar esse “espírito de cooperação” que anima seus idealizadores, os quais entendem que os variados setores podem contribuir, junto da escola, para a articulação de soluções estratégicas de enfrentamento para a solução de problemas da comunidade:
Fundamentada pela descentralização, a intersetorialidade emerge como oportunidade para que, nos territórios, a gestão de políticas e serviços esteja mais próxima daqueles a quem se destinam, bem como de seus mecanismos de controle social. E para que possa, a partir de uma atuação em rede, construir respostas mais eficazes aos desafios que se apresentam. Valendo-se de estratégias coordenadas em prol de um objetivo comum, a intersetorialidade permite ainda que os recursos sejam melhor aproveitados, promovendo uma gestão financeira inteligente e compartilhada, capaz de gerar soluções integradas que contribuam efetivamente para o desenvolvimento local. Para isso, planejamentos, orçamentos, normatizações técnicas, recursos humanos, instrumentos de avaliação e monitoramento, etc. devem ser repensados e reestruturados a partir dessa perspectiva
(ACEA, 2020 ASSOCIAÇÃO CIDADE ESCOLA APRENDIZ. Educação integral e territórios educativos: práticas intersetoriais para a garantia de direitos das crianças e adolescentes. São Paulo: ACEA, 2020. Disponível em: https://educacaoeterritorio.org.br/wp-content/uploads/2020/10/livro_kit-praticas_digital.pdf . Acesso em: 17 jun. 2024.
https://educacaoeterritorio.org.br/wp-co... , p. 17).
Não custa lembrar que a cidade, embora complexa, compõe um dos elementos do complicado esquema da sociedade moderna, exigindo o exercício da responsabilidade, comprometimento e sinceridade pública (Aieta; Zuin, 2012 AIETA, V. S.; ZUIN, A. L. A. Princípios norteadores da Cidade Educadora. Revista de Direito da Cidade, Rio de Janeiro, v. 04, n. 02, p. 193-232, 2012. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/rdc/article/view/9717 . Acesso em: 17 jun. 2024.
https://www.e-publicacoes.uerj.br/index....
). Nesse contexto de múltiplas relações e fatores, o envolvimento do cidadão é fundamental: a descoberta de novas formas de intervenção social e urbana pressupõe uma cidadania ativa. Não menos fundamental é a organização da esfera pública. O Estado de Bem-Estar, marcado pela atuação da administração custeada por economia igualmente pública, surge como uma alternativa para a promoção social, desempenhando um papel importante em todo o processo (Aieta; Zuin, 2012 AIETA, V. S.; ZUIN, A. L. A. Princípios norteadores da Cidade Educadora. Revista de Direito da Cidade, Rio de Janeiro, v. 04, n. 02, p. 193-232, 2012. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/rdc/article/view/9717 . Acesso em: 17 jun. 2024.
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).
Os princípios fundamentais que regem as Cidades Educadoras, segundo documento expositivo no site oficial do Ministério da Educação (Brasil, 2011 BRASIL. Ministério da Educação. Mais Educação: cartilha caminhos para elaborar uma proposta de educação integral em jornada ampliada. Brasília: SEB/MEC, 2011. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=8194-4-caminhos-elaborar-educacao-integral-cecipe-seb-pdf&category_slug=junho-2011-pdf&Itemid=30192 . Acesso em: 10 maio 2023.
http://portal.mec.gov.br/index.php?optio...
), são os seguintes: trabalhar a escola como espaço comunitário; trabalhar as cidades como grande espaço educador; aprender na cidade, com a cidade e com as pessoas; valorizar o aprendizado vivencial; e priorizar a formação de valores. Ademais, têm como objetivo: promover o cumprimento dos princípios da Carta das Cidades Educadoras; promover parcerias e ações concretas entre as cidades; participar em projetos e troca de experiências com as organizações; aprofundar os conceitos de Cidades Educadoras além de promover ações concretas; influenciar no processo decisório dos governos nas questões de interesses das Cidades Educadoras; e dialogar com várias organizações, tanto nacionais quanto internacionais (Brasil, 2011 BRASIL. Ministério da Educação. Mais Educação: cartilha caminhos para elaborar uma proposta de educação integral em jornada ampliada. Brasília: SEB/MEC, 2011. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=8194-4-caminhos-elaborar-educacao-integral-cecipe-seb-pdf&category_slug=junho-2011-pdf&Itemid=30192 . Acesso em: 10 maio 2023.
http://portal.mec.gov.br/index.php?optio...
).
Desses princípios, depreende-se que a iniciativa das Cidades Educadoras apresenta um potencial significativo para contribuir com as escolas, especialmente no contexto de crise ambiental, ao fornecer uma abordagem abrangente e integrada da educação ambiental. Trata-se de uma abordagem que inclui sensibilização, integração curricular, participação ativa dos estudantes, parcerias e colaborações, e promoção da cidadania ativa, elementos permitem que as escolas desempenhem um papel crucial na formação de cidadãos conscientes, críticos e comprometidos com a busca de soluções para os desafios ambientais. Ademais, ao adotar uma perspectiva mais específica, centrada na realidade local de muitas cidades que enfrentam históricos ou riscos iminentes de desastres, como desabamentos, a iniciativa oferece uma contribuição relevante para a mitigação desses desastres ou para a redução de seus impactos devastadores sobre comunidades vulneráveis.
1.3 Cultura de educação ambiental a partir da escola
O desenvolvimento de uma cultura de educação ambiental passa pela consolidação de um conjunto de valores, práticas e atitudes compartilhadas por uma sociedade ou comunidade, que priorize a consciência e a responsabilidade em relação ao meio ambiente. Nesse contexto, a educação ambiental se torna um componente essencial da formação e do desenvolvimento humano, buscando promover a compreensão dos problemas ambientais, estimular a adoção de práticas sustentáveis e incentivar a participação ativa na preservação e conservação do meio ambiente. Espera-se que essa cultura possa levar ao respeito pela natureza, à valorização dos recursos naturais, à busca por soluções sustentáveis e à conscientização dos impactos das ações humanas como pilares essenciais.
A fim de colaborar com a instalação e a propagação dessa prática, o desenvolvimento do conhecimento interdisciplinar na área ambiental possibilita que os educadores exerçam o papel de mediadores na administração das interações entre a sociedade humana, suas atividades políticas, econômicas, sociais, culturais, e o meio ambiente. Esse tipo de abordagem pressupõe a compreensão de que o meio ambiente é um todo complexo, composto por partes interdependentes e interativas em uma perspectiva sistêmica (Guimarães, 2004GUIMARÃES, M. A formação de educadores ambientais. Campinas: Papirus, 2004. ).
É importante salientar, seguindo Tamaio ( 2002TAMAIO, I. O professor na construção do conceito de natureza: uma experiência de educação ambiental. São Paulo: Annablume: WWF, 2002. ), que a prática pedagógica em Educação Ambiental tem importante contribuição na compreensão da realidade local. Os movimentos criam e modificam o espaço local, concretizando na realidade aquilo que foi construído no plano pedagógico. Ou seja, o conhecimento elaborado pela escola no lugar vivido concretamente pelos alunos é o ponto de partida para a criação de uma cultura ambiental.
Diante das problemáticas vividas em contextos de crise ambiental, prima-se por um modelo educacional que valorize do desenvolvimento sustentável. Por isso, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) apresenta diretrizes que devem ser seguidas pela Educação Básica e enfatiza a importância de se promover a “consciência socioambiental” relacionada a dois pontos importantes: ao consumo responsável e à preservação do planeta como um princípio fundamental na área ambiental. Dessa maneira, a BNCC estabelece que
[…] cabe aos sistemas e as redes de ensino, assim como às escolas, em suas respectivas esferas de autonomia e competência, incorporar a seus currículos e às propostas pedagógicas a abordagem de temas contemporâneos que afetam a vida humana em escala local, regional e global, preferencialmente de forma transversal e integradora. Entre esses temas, destacam-se: […] educação ambiental (Lei n. 9.795/1999, Parecer CNE/CP n. 14/2012 e Resolução CNE/CP n. 2/2012) […]
(Brasil, 2018 BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, DF: 2018. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_site.pdf . Acesso em: 9 maio 2023.
http://basenacionalcomum.mec.gov.br/imag... , p. 19).
A iniciativa proposta pela Cidade Educadora estimula a escola a assumir responsabilidades educacionais diante da relação dos alunos para com o espaço, sobretudo o meio ambiente, e os cidadãos com quem convivem. Por meio de referenciais fundamentais, como os pedagógicos (educacionais), os jurídicos (legais) e os discursivos (comunicacionais), as cidades passariam a se estruturar a partir desse espaço cultural de aprendizagem (Aieta; Zuin, 2012 AIETA, V. S.; ZUIN, A. L. A. Princípios norteadores da Cidade Educadora. Revista de Direito da Cidade, Rio de Janeiro, v. 04, n. 02, p. 193-232, 2012. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/rdc/article/view/9717 . Acesso em: 17 jun. 2024.
https://www.e-publicacoes.uerj.br/index....
). Esse amplo espaço possibilitaria que os cidadãos desfrutassem do Direito da Cidade, em um movimento espacial e temporal que envolve a comunidade, tornando-a ativamente envolvida no processo de aprendizado (Aieta; Zuin, 2012 AIETA, V. S.; ZUIN, A. L. A. Princípios norteadores da Cidade Educadora. Revista de Direito da Cidade, Rio de Janeiro, v. 04, n. 02, p. 193-232, 2012. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/rdc/article/view/9717 . Acesso em: 17 jun. 2024.
https://www.e-publicacoes.uerj.br/index....
).
Falar sobre a educação cidadã, conforme idealizada pela Cidade Educadora, implica discutir o diálogo entre a escola, a cidade e seus habitantes, considerando a educação cidadã como parte integrante da própria cidade participativa.
2 Contexto das comunidades vulneráveis em casos de desastre no estado de São Paulo
Segundo Macedo e Sandre ( 2022 MACEDO, E. S.; SANDRE, L. H. Mortes por deslizamentos no Brasil: 1988 a 2022. Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental (ABGE), São Paulo, v. 12, n. 1, p. 110-117, 2022. Disponível em: https://www.abge.org.br/downloads/10.pdf . Acesso em: 25 maio 2023.
https://www.abge.org.br/downloads/10.pdf...
), um mapeamento realizado pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo (IPT) verificou que, entre 1988 e 2022, 4.146 pessoas foram vítimas de desastres ocorridos por deslizamentos de encostas e processos correlatos, em pelo menos 269 municípios, em 16 estados. De acordo com o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden, 2018 CENTRO NACIONAL DE MONITORAMENTO E ALERTAS DE DESASTRES NATURAIS. Cemaden e IBGE lançam base de dados sobre população exposta em áreas de risco de desastres. Notícias, 29 jun. 2018. Disponível em: http://www2.cemaden.gov.br/cemaden-e-ibge-lancam-base-de-dados-sobre-populacao-exposta-em-areas-de-risco-de-desastres/ . Acesso em: 22 jun. 2024.
http://www2.cemaden.gov.br/cemaden-e-ibg...
) mais de 8 milhões de brasileiros vivem em situações de vulnerabilidade, principalmente porque se instalaram em áreas de risco.
No estado de São Paulo, assim como em outras regiões, as comunidades vulneráveis enfrentam desafios significativos. Por viverem em áreas de risco, como encostas íngremes, margens de rios ou regiões sujeitas a inundações, muitos paulistas estão expostos aos impactos negativos de eventos desastrosos, como enchentes, deslizamentos de terra e tempestades.
O início do ano de 2023, especialmente em fevereiro, registrou ocasiões fatais de desabamentos no litoral norte de São Paulo, com destaque para a cidade de São Sebastião. Entretanto, embora o evento tenha gerado um dos maiores volumes de chuvas já catalogados no Brasil, o estado de São Paulo apresenta em sua história o registro de catástrofes ainda piores, como a ocorrida há 55 anos em Caraguatatuba, que impulsionou a criação da Defesa Civil do Estado (Fernandes, 2023 FERNANDES, N. Há 55 anos, deslizamento no litoral norte de São Paulo matou 450 pessoas; tragédia está entre as maiores do país. G1, 21 fev. 2023. Disponível em: https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2023/02/21/ha-55-anos-deslizamento-no-litoral-norte-de-sao-paulo-matou-450-pessoas-tragedia-esta-entre-as-maiores-da-historia.ghtml . Acesso em: 2 maio 2023.
https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/notici...
). Na ocasião, parte da Serra do Mar deslizou sobre a cidade, deixando 450 mortos e 3 mil desaparecidos (Fernandes, 2023 FERNANDES, N. Há 55 anos, deslizamento no litoral norte de São Paulo matou 450 pessoas; tragédia está entre as maiores do país. G1, 21 fev. 2023. Disponível em: https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2023/02/21/ha-55-anos-deslizamento-no-litoral-norte-de-sao-paulo-matou-450-pessoas-tragedia-esta-entre-as-maiores-da-historia.ghtml . Acesso em: 2 maio 2023.
https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/notici...
). Atualmente, a cidade de Caraguatatuba também está entre as seis cidades que decretaram estado de calamidade pública.
Com a intenção de evitar novas tragédias, uma operação da Polícia Militar foi realizada em 28 de março de 2023, um mês após a tragédia, no bairro de Sítio Velho, em São Sebastião. Os policiais militares surpreenderam os moradores e anunciaram a desapropriação das casas localizadas em áreas de risco, com posterior pretensão de demolir as residências (Conte, 2023 CONTE, M. Estudo engaja moradores e estudantes para mapear áreas vulneráveis a enchentes e deslizamentos em Caraguatatuba. Jornal da Unesp, São Paulo, 15 maio 2023. Disponível em: https://jornal.unesp.br/2023/05/15/estudo-engaja-moradores-e-estudantes-para-mapear-areas-vulneraveis-a-enchentes-e-deslizamentos-em-caraguatatuba/ . Acesso em: 15 maio 2023.
https://jornal.unesp.br/2023/05/15/estud...
). Os intrépidos moradores locais resistiram e, diante da mobilização dos populares, a polícia foi obrigada a se retirar.
Nessas localidades, além dos riscos de novos desabamentos, a análise de risco deveria avaliar também a abrangência e magnitude das consequências pós-desastres. Embora a maioria dos feridos (leves e graves) ou óbitos sejam registrados nas primeiras horas (decorrência natural das operações de resgate e atendimento de emergência), é certo que existem também outros impactos de longo prazo na saúde da população afetada. Muitas vezes essas consequências são subnotificadas ou sequer são registradas. Elas incluem tanto doenças transmissíveis, geralmente relacionadas a questões de saneamento, quanto não transmissíveis. Além disso, efeitos psicossociais e comportamentais também podem ser observados, assim como o aumento de doenças cardiovasculares, desnutrição e o agravamento de doenças crônicas (Bataiero; Elmec, 2016 BATAIERO, M. O.; ELMEC, A. M. Mudanças climáticas e intensificação da vigilância sanitária de eventos naturais no estado de São Paulo. Boletim Epidemiológico Paulista – BEPA, São Paulo, v. 13 n. 153, p. 77-83, 2016. Disponível em: https://periodicos.saude.sp.gov.br/BEPA182/article/view/39218 . Acesso em: 2 maio 2023.
https://periodicos.saude.sp.gov.br/BEPA1...
). É importante considerar esses desdobramentos quando se avalia o impacto de um desastre.
No contexto das avaliações de risco de desastres, é preciso ressaltar o importante papel da comunidade acadêmica e da parceria entre ela e os poderes públicos locais na formulação de estudos e na produção de relatórios e dados sobre áreas afetadas ou passíveis de serem atingidas. Um exemplo notável é o do Programa de Pós-Graduação em Desastres Naturais, parceiro do Instituto de Ciência e Tecnologia (ICT) da Unesp e do Cemaden, que apresentou um levantamento das áreas de risco de alagamentos e inundações no município de Caraguatatuba. A pesquisa, conduzida pelo até então professor e pesquisador Aloísio Lélis de Paula, traz propostas de intervenções urbanas que podem reduzir as chances de perda de vidas humanas na eventualidade de novos fenômenos naturais extremos, como chuvas fortes e duradouras (Conte, 2023 CONTE, M. Estudo engaja moradores e estudantes para mapear áreas vulneráveis a enchentes e deslizamentos em Caraguatatuba. Jornal da Unesp, São Paulo, 15 maio 2023. Disponível em: https://jornal.unesp.br/2023/05/15/estudo-engaja-moradores-e-estudantes-para-mapear-areas-vulneraveis-a-enchentes-e-deslizamentos-em-caraguatatuba/ . Acesso em: 15 maio 2023.
https://jornal.unesp.br/2023/05/15/estud...
). “O trabalho de mapeamento das áreas de risco permitiu também a identificação das edificações situadas dentro das áreas mais perigosas, num total que ultrapassou a marca de 400 imóveis” (Conte, 2023 CONTE, M. Estudo engaja moradores e estudantes para mapear áreas vulneráveis a enchentes e deslizamentos em Caraguatatuba. Jornal da Unesp, São Paulo, 15 maio 2023. Disponível em: https://jornal.unesp.br/2023/05/15/estudo-engaja-moradores-e-estudantes-para-mapear-areas-vulneraveis-a-enchentes-e-deslizamentos-em-caraguatatuba/ . Acesso em: 15 maio 2023.
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).
Os estudantes e os pesquisadores avaliaram que a população situada em áreas de serra e locais de frequentes enchentes é consciente dos riscos, porém, vivem no único espaço disponível para suas condições financeiras e de proximidade com seus locais de trabalho.
Os moradores desses locais são forçados a conviver com alagamentos, habitações em más condições, dificuldades de transporte, deficiências de infraestrutura urbana, de coleta de lixo, de iluminação pública, além de “uma infinidade de coisas” que muitas vezes não são levadas em consideração, pois essas pessoas carecem de saneamento básico, de água potável, de coleta de esgoto (Conte, 2023 CONTE, M. Estudo engaja moradores e estudantes para mapear áreas vulneráveis a enchentes e deslizamentos em Caraguatatuba. Jornal da Unesp, São Paulo, 15 maio 2023. Disponível em: https://jornal.unesp.br/2023/05/15/estudo-engaja-moradores-e-estudantes-para-mapear-areas-vulneraveis-a-enchentes-e-deslizamentos-em-caraguatatuba/ . Acesso em: 15 maio 2023.
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).
Diversas ações por parte das outras cidades de São Paulo foram desenvolvidas com a intenção de mitigar os desastres. Por exemplo, a prefeitura de Campinas (SP), por intermédio da Defesa Civil, criou um programa de alerta de chuvas por meio do qual as pessoas cadastradas recebem mensagens contendo as principais informações quanto à circunstância e gravidade das precipitações. Essa ação faz parte de todo um plano formulado a partir da Campanha Mundial “Construindo Cidades Resilientes”, 2017-2020, com o objetivo de contribuir para o aumento da resiliência em contextos locais e nacionais, por meio da promoção da integração da abordagem de gestão de risco no processo de desenvolvimento. Entre os vários aspectos essenciais, destaca-se o de assegurar a efetividade da preparação e uma resposta efetiva a desastres.
Outro exemplo de educação ambiental foi promovido pelo Instituto Geológico de São Paulo. O órgão, vinculado desde 1987 à Secretaria do Meio Ambiente do Governo do Estado, é considerado um centro de referência em “Ciências da Terra” na resposta aos desafios da sociedade. Visando facilitar a compreensão dos sinais de alerta para deslizamentos de terra, o Instituo Geológico produziu, em 2012, uma cartilha chamada “Você sabe o que é deslizamento?”, contendo uma exposição lúdica de lições destinadas ao público infantil.
Muitas são as iniciativas para estruturar o conhecimento e apresentá-lo de maneira acessível às comunidades vulneráveis. Entretanto, as resoluções ainda são insuficientes na diminuição do alcance e na atenuação dos efeitos das tragédias.
3 Os principais desafios enfrentados pela cidade de São Sebastião/SP em relação aos desastres e à vulnerabilidade das comunidades
Na madrugada do dia 19 de fevereiro, a população de São Sebastião, cidade serrana de São Paulo, foi surpreendida com desabamentos na Vila Sahy, bairro formado a partir dos anos 1980 e habitado por funcionários de casas de veraneio, hotéis e pousadas da Barra do Sahy, praia que fica do outro lado da rodovia Rio-Santos (Catto; Titto; Matos, 2023 CATTO, A.; TITTO, F.; MATOS, T. Tragédia no litoral de SP: mortes na Vila Sahy ocorreram no limite da área onde prefeitura permitiu ocupação. G1, 24 fev. 2023. Disponível em: https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2023/02/24/tragedia-no-litoral-norte-de-sp-mapa-do-g1-mostra-o-rastro-de-destruicao-e-morte-na-vila-sahy-epicentro-do-desastre.ghtml . Acesso em: 12 maio 2023.
https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/notici...
). Segundo informações oficiais da prefeitura de São Sebastião, foram contabilizadas as mortes de 23 crianças e 41 adultos, totalizando 64 vítimas (Cirino, 2023 CIRINO, M. Boletim: catástrofe em São Sebastião contabiliza morte de 23 crianças e 41 adultos; maior parte foi na Barra do Sahy. Notícias São Sebastião, 3 mar. 2023. Disponível em: https://www.saosebastiao.sp.gov.br/noticia.asp?id=N33202316629 . Acesso em: 12 maio 2023.
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).
Embora considerado o pior desastre da história de São Paulo, o geólogo e engenheiro Fabio Augusto Gomes Vieira Reis, do Instituto de Geociências e Ciências Exatas da Unesp, afirmou que “se o evento tivesse se alongado, não estaríamos falando de 80 mortes, mas de 5 mil, 10 mil; foi por pouco que isso não aconteceu” (Riveira; Garrett Jr., 2023 RIVEIRA, C.; GARRETT JR, G. Milhares poderiam ter morrido em São Sebastião. Exame, 25 fev. 2023. Disponível em: https://exame.com/brasil/milhares-poderiam-ter-morrido-em-sao-sebastiao-tragedia-pior-e-questao-de-tempo-se-brasil-nao-agir/ . Acesso em: 23 jun. 2024.
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). É que as chuvas que se concentraram no fim de semana – dos dias 13 e 14 de fevereiro, na Serra do Mar, indo do litoral norte ao Guarujá na Baixada Santista – poderiam ter sido ainda mais prejudiciais se tivessem ocorrido nos dias anteriores à tragédia. Eventos desse tipo são comuns na região, e, caso tivessem ocorridos precipitações de água nos dias antecedentes, a serra já estaria saturada quando as chuvas mais intensas chegassem (Riveira; Garrett Jr., 2023 RIVEIRA, C.; GARRETT JR, G. Milhares poderiam ter morrido em São Sebastião. Exame, 25 fev. 2023. Disponível em: https://exame.com/brasil/milhares-poderiam-ter-morrido-em-sao-sebastiao-tragedia-pior-e-questao-de-tempo-se-brasil-nao-agir/ . Acesso em: 23 jun. 2024.
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).
O evento decorreu, em boa medida, da configuração geográfica da cidade. Localizada no litoral norte do estado de São Paulo, São Sebastião apresenta características geográficas propícias a impactos ambientais. Aliado a isso, existe o fator sociológico. O município tem mais de 30% de sua população residente em áreas de alta vulnerabilidade social, representando 21.925 pessoas, segundo o Índice Paulista de Vulnerabilidade Social (IPVS; São Paulo, 2010 SÃO PAULO (Estado). Distribuição da População, segundo Grupos do Índice Paulista de Vulnerabilidade Social-IPVS. São Paulo: Assembleia Legislativa, 2010. Disponível em: http://ipvs.seade.gov.br/view/index.php . Acesso em: 10 maio 2023.
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), números que podem ser explicados pelo contexto histórico de formação da cidade.
Por isso, a compreensão da situação de vulnerabilidade social em relação aos desastres ambientais requer um olhar para o contexto histórico e geográfico da região. Com a implantação da rodovia “Rio – Santos”, ocorrida em 1955, conectou-se os municípios de Ubatuba, Caraguatatuba, São Sebastião e Bertioga. A rodovia, que teve seu asfaltamento concluído na década de 1980, acelerou a expansão urbana da região, na forma de grandes centros urbanos e polos turísticos, bem como pequenos núcleos localizados próximo às praias dessa região litorânea. Em decorrência disso, e especialmente nos últimos 30 anos, as praias, encostas e planícies do município foram ocupadas por loteamentos, condomínios e centros de atendimento turístico (Messias da Costa, 2023 MESSIAS DA COSTA, W. Tempêtes et catastrophes à São Sebastião – SP au Carnaval 2023. Confins – Revue Franco-Brésilienne de Géographie, Paris, n. 58, 9. 01-11, 2023. Disponível em: https://journals.openedition.org/confins/50176 . Acesso em: 10 maio 2023.
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).
Ocorre que a rápida evolução urbana do município o tornou, também, local de busca por correntes migratórias de estados próximos, ocasionando em inúmeros bairros e ocupações populares – vulgarmente conhecidos como favelas – no qual há intensa concentração de moradores, em sua maioria, de baixa renda e em situação de vulnerabilidade social. Dessa maneira, a ocupação de áreas de alto risco por ocupações desordenadas e precárias são exacerbadas na região e encontram-se em clareiras de desmatamento e nos topos dos morros da Serra de Alto Mar, o que gera, por conseguinte, um ambiente muito (des)favorável a desmoronamentos e deslizamentos.
Outro fator é a incidência de chuvas. O município de São Sebastião está localizado numa região que apresenta elevados índices de precipitação pluviométrica, especialmente no verão. Estas e outras características físico-geográfica do local, como a posição geográfica e o clima do litoral norte do estado de São Paulo, acarretam fenômenos meteorológicos intensos que ocasionam episódios pluviométricos extremos no município. Por isso, o Litoral Norte é o alvo constante de episódios extremos como trombas d’água e temporais, com uma alta frequência de registros (acima de 200 mm em horas), tornando-o um centro de atenção dos órgãos que visam a prevenção de desastres ambientais (Messias da Costa, 2023 MESSIAS DA COSTA, W. Tempêtes et catastrophes à São Sebastião – SP au Carnaval 2023. Confins – Revue Franco-Brésilienne de Géographie, Paris, n. 58, 9. 01-11, 2023. Disponível em: https://journals.openedition.org/confins/50176 . Acesso em: 10 maio 2023.
https://journals.openedition.org/confins...
). Historicamente, aliás, o mais violento desses episódios já registrados no Brasil ocorreu em 1967, nas encostas da Serra do Mar, no município de Caraguatatuba, no qual foram registrados 720 mm de chuva em dois dias, resultando na infelicidade de 450 mortos e a destruição de metade da cidade.
Não por acaso, o número e a magnitude dos desastres ambientais que ocorrem no município colocam São Sebastião em evidência nacional. Um exemplo dessa notoriedade é a inclusão do município pelo Cemaden na Reunião de Avaliação e Previsão de Impactos de Extremos de Origem Hidro-Geo-Climática em Atividades Estratégicas para o Brasil. No resumo do primeiro trimestre de 2023, São Sebastião foi destaque em “danos humanos”, por causa do desastre ocorrido em 19 de fevereiro, que resultou em 64 mortes, 84 feridos ou enfermos, 2.469 desabrigados e 9.895 desalojados.
Apesar de São Sebastião aparecer entre os destaques de fevereiro ao lado de outras cidades da região, como Ubatuba, Bertioga, Guarujá e Caraguatatuba, o município lidera, desafortunadamente, o número de mortos, especialmente em razão do desastre ocorrido no carnaval de 2023.
Naturalmente, a recorrência desses eventos tornou os cidadãos de São Sebastião “especialistas” quando o assunto é desastres. Em conjunto com a prefeitura, os munícipes usam de suas dolorosas experiências passadas para prevenir, minimizar ou mitigar os danos resultantes dos deslizamentos, transbordamentos de rios e desmoronamentos de casas, os quais atingem não só a integridade física, a vida e o patrimônio, mas, também, o psicológico dos residentes de áreas afetadas.
Em relação aos eventos de fevereiro de 2023, existe certa incerteza sobre a verdadeira extensão dos danos. As chuvas intensas que causaram alagamentos e deslizamentos no litoral norte de São Paulo indubitavelmente tiveram impactos materiais, ambientais e psicológicos, porém a dimensão completa desses efeitos ainda está sendo avaliada, dada a recenticidade dos acontecimentos. Até o momento, sabe-se que o desastre registrou um acúmulo de 83.7 mm de chuva em São Sebastião, conforme dados divulgados pela prefeitura local, resultando em 64 vítimas fatais na região. Diante dessas circunstâncias, a Secretaria da Justiça e Cidadania do estado de São Paulo, por meio de seu programa Centro de Referência e Apoio à Vítima (CRAVI), tem oferecido desde então serviços de documentação gratuita e suporte psicológico às vítimas e residentes afetados em São Sebastião, como detalha Siqueira ( 2023 SIQUEIRA, C. Psicólogos e assistentes sociais do CRAVI vão atender vítimas de enchentes no litoral norte a partir de segunda-feira. Secretaria da Justiça e Cidadania, São Paulo, 25 fev. 2023. Disponível em: https://justica.sp.gov.br/index.php/psicologos-e-assistentes-sociais-do-cravi-vao-atender-vitimas-de-enchentes-no-litoral-norte-a-partir-de-segunda-feira/ . Acesso em: 10 maio 2023.
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).
Logo após as enchentes e deslizamentos, o Governo do estado de São Paulo, sob a liderança do governador, reuniu-se com a Prefeitura de São Sebastião para estabelecer um gabinete de ações rápidas destinado a prestar auxílio imediato à população afetada. Uma das principais medidas jurídicas implementadas foi a decretação de estado de calamidade pública nos municípios de Bertioga, São Sebastião, Ilhabela, Caraguatatuba e Ubatuba. Adicionalmente, o governo estadual disponibilizou R$ 7 milhões para a Defesa Civil atuar nesses municípios, com uma parcela desse montante reservada para o suporte psicológico às vítimas e moradores da região, conforme divulgado pela Prefeitura de São Sebastião em 2023.
Apesar de haver recebido atenção do estado de São Paulo, que atuou em conjunto com os municípios para mitigar os efeitos das intensas chuvas, a população atingida enfrentou múltiplos desafios. A situação de vulnerabilidade foi agravada por desinformação, medo e resistência de parte dos moradores em abandonar locais de risco, pois, frequentemente, suas residências representavam tudo o que possuíam. A complexidade desses desafios ressalta a necessidade de respostas coordenadas e sensíveis às realidades locais, e que devem efetivamente auxiliar as pessoas atingidas, propiciando que minimizem os danos patrimoniais, físicos e psicológicos sofridos e possam reconstruir suas vidas o mais breve possível.
A resistência dos moradores, entretanto, é um desafio que precisa ser superado com prudência. O tema foi objeto de Tutela Cautelar Antecedente, que tramita sob n. 1000011-74.2023.8.26.0626 na Comarca de Caraguatatuba, na qual litiga o estado de São Paulo e o município de São Sebastião em face dos moradores situados em áreas de risco e/ou em edificações vulneráveis de: Boiçucanga, Juquehy, Cambury, Barra do Sahy, Maresias, Paúba, Toque Toque Pequeno, Barra do Una, Barequeçaba, Varadouro, Itatinga, Olaria, Topolândia, Morro do Abrigo, Enseada e Jaraguá, além de outras que, posterior e eventualmente, possam ser identificadas como arriscadas na Comarca de São Sebastião (São Paulo, 2023d SÃO PAULO (Estado). Tutela Cautelar Antecedente n. 1000011-74.2023.8.26.0626. Data de Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Ajuizamento: 21 fev. 2023d. Disponível em: https://esaj.tjsp.jus.br/cpopg/show.do?processo.codigo=HE00004450000&processo.foro=587&processo.numero=1000011-74.2023.8.26.0626&gateway=true . Acesso em: 12 maio 2023.
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).
Ajuizada em 21/02/2023, apenas dois dias após o desastre, a ação pleiteava a retirada compulsória dos residentes das áreas de risco atingidas. Para isso, tomava como base normativa os decretos estaduais e municipais de calamidade pública, publicados em razão das chuvas, de n. 67.502/ 2023 SÃO PAULO (Estado). Decreto n. 67.502, de 19 de fevereiro de 2023. Declara estado de calamidade pública nas áreas que especifica, em razão de chuvas intensas no território estadual. Diário Oficial do Estado de São Paulo, São Paulo, v. 133, n. 36, p. 1, 19 de fevereiro de 2023b. Disponível em: https://static.poder360.com.br/2023/02/calamidade-publica-SP.pdf . Acesso em: 8 maio 2023.
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O município de São Sebastião conta com o apoio da “Gerência de Apoio do Litoral Norte”, criada pelo estado de São Paulo em 2023, o qual visa o auxílio ao gabinete do governador do estado em relação à situação de calamidade pública decretada em seis municípios do estado, entre eles, São Sebastião, pelo Decreto Estadual n. 67.502, de 19 de fevereiro de 2023.
e 8.777/2023, respectivamente. Em síntese, os requerentes visavam tão somente a proteção dos moradores, que ofereciam resistência a sua realocação noutro local.
A medida liminar, deferida pelo Magistrado do caso, juiz Paulo Guilherme de Faria, autorizou que o estado de São Paulo e o município de São Sebastião evacuassem os moradores de locais de alto risco, mesmo contra sua vontade. Em aditamento à inicial, os requerentes pleitearam a impossibilidade de delimitação dos réus na ação, para não expor ainda mais a vida dos moradores residentes na localidade. O processo, que ainda está em trâmite junto ao Foro de São Sebastião, visa, principalmente, a realocação dos desabrigados e desalojados.
Pois bem, é nesse cenário de significativa vulnerabilidade social e escassez de instrução e informação, exacerbado por condições climáticas adversas e desafiadoras características físico-geográficas, em que se insere o município de São Sebastião, onde 30% da população reside em áreas de alto risco. Muitos desses cidadãos, além de enfrentar os rotineiros desastres ambientais, estão desprovidos de conhecimento sobre os riscos a que estão expostos, o que resulta em resistência para se deslocar de locais inóspitos, conforme exemplificado pela tutela cautelar antecedente mencionada. No entanto, uma parte significativa daqueles que compreendem os riscos simplesmente não possuem recursos adequados para substituir suas residências por outras em locais mais seguros.
Nesse contexto, torna-se imperativo focar as medidas adotadas pelos órgãos públicos destinadas a prevenir, mitigar e minimizar os danos resultantes de desastres ambientais. Além disso, é essencial contemplar o papel da educação para os moradores dessas áreas. É crucial avaliar o empenho do município de São Sebastião em oferecer a todos os seus habitantes um ensino integrado sobre direito ambiental, além de prevenção e mitigação de desastres, como um meio vital para disseminar informações a essa população altamente vulnerável e recorrentemente afetada por catástrofes. Adicionalmente, é de suma importância considerar a oferta de habitações adequadas como alternativas às residências localizadas em zonas de risco, assegurando, assim, que esses indivíduos tenham acesso a moradias seguras e dignas.
4 Políticas públicas voltadas à prevenção e à mitigação dos riscos de desastres no estado de São Paulo
O estado de São Paulo – assim como os demais estados com áreas de risco e vulneráveis a desastres naturais – conta com o auxílio do Cemaden, órgão federal responsável por monitorar, ininterruptamente, áreas de risco ambiental. Com base no acompanhamento geológico e meteorológico, o Cemaden emite alertas acerca de eventuais desastres ambientais que estejam em iminência, para que os órgãos de prevenção atuem nessas áreas.
Para que os alertas emitidos pelo órgão federal sejam eficazes, é necessário que existam órgãos estaduais e municipais prontos para agir imediatamente na prevenção e/ou mitigação desses eventos. A título de exemplo, durante as intensas chuvas em São Sebastião, em fevereiro de 2023, o Cemaden alertou o estado de São Paulo com 48 horas de antecedência sobre o alto risco de chuvas intensas e deslizamentos. Após receber tal informação, o governo estadual prontamente comunicou o município de São Sebastião. Segundo a Defesa Civil do Estado de São Paulo ( 2023a SÃO PAULO (Estado). Confira as medidas e ações do Estado para socorrer cidades atingidas por chuvas. SP Notícias, São Paulo, 23 fev. 2023a. Disponível em: https://www.saopaulo.sp.gov.br/spnoticias/confira-as-medidas-e-acoes-do-estado-para-socorrer-cidades-atingidas-por-chuvas/ . Acesso em: 9 maio 2023.
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), dois dias antes do evento, um alerta foi enviado via SMS para todos os moradores do Litoral Norte cadastrados em seu sistema, enfatizando a iminência do risco.
Entretanto, os moradores das áreas de risco relataram que não foram avisados do desastre e que nenhuma das entidades públicas publicou em seus perfis na internet sobre a possibilidade de deslizamentos. As mensagens de SMS não teriam sido suficientemente claras ou explícitas sobre um possível deslizamento/desmoronamento. O aviso transmitia apenas as seguintes mensagens: “chuva forte e persistente” e ’tenha cuidado nas próximas horas”. Um dos possíveis motivos para a falta de um alerta explícito sobre os riscos pode ser explicado pela preocupação de causar, durante o período de carnaval, o afastamento ou a debandada de turistas e visitantes.
Do ponto de vista legal, o Decreto n. 7073/2017, que “dispõe sobre a organização do Plano Preventivo de Defesa Civil no Município de São Sebastião”, incumbe à Defesa Civil municipal receber os alertas dos órgãos estaduais ou técnicos e, imediatamente, comunicar os órgãos participantes do plano de contingência. É o que prevê o item 4.1.2 do Anexo do referido diploma, nos seguintes termos:
Ao receber alerta da Defesa Civil do Estado ou outro órgão técnico do Sistema sobre a possibilidade de precipitações consideradas no município, em especial na área de cabeceiras dos principais rios e córregos, a Defesa Civil deverá de pronto, redirecionar as informações aos órgãos participantes deste Plano de Contingência, iniciando com isso, Situação de Atenção, e, juntamente com os Guardas Municipais e agentes de trânsito em serviço, manterão observação visual quanto ao comportamento da precipitação, levando-se em consideração o nível de cheia dos rios e córregos, medidos junto às passagens (pontes)
(São Sebastião, 2017 SÃO SEBASTIÃO. Prefeitura Municipal de São Sebastião. Operação de Verão: Plano de Contingência 2017/2018. São Sebastião: Defesa Civil, 2017. Disponível em: https://www.saosebastiao.sp.gov.br/sistemas/oficialdocs/arquivos/04177073.pdf . Acesso em: 20 nov. 2023.
https://www.saosebastiao.sp.gov.br/siste... , p. 21).
Aparentemente, embora o Cemaden tenha alertado o estado de São Paulo, e este, a Defesa Civil do município, as ações de prevenção não foram eficazes, contrariando, assim, o plano de contingência. As razões que levaram a essa ineficácia ainda não foram esclarecidas, mas podem estar relacionadas com a falta de comunicação com os moradores, negligência dos agentes responsáveis, dificuldades inerentes ao período de carnaval etc.
Muitos municípios contam com um sistema de alerta sonoro para notificar à população da iminência de chuvas ou desastres. Esse também é o caso do município de São Sebastião. Embora não tenha sido possível aferir se, de fato, houve ou não o acionamento de sirenes na época do evento, sabe-se que, ao menos no plano de contingência citado, essa é uma das medidas preventivas que devem ser executadas, conforme se depreende do item 4.1.2.2 do Anexo, nos seguintes termos:
Havendo o risco de transbordamento e/ou qualquer outra consequência danosa ao município e/ou munícipes, essas equipes, mediante orientação da Defesa Civil, entrarão em Situação de Alerta, passando cada órgão participante executar suas atribuições previamente determinados e, a guarnição encarregada acionará a “Sirene de Alerta”
(São Sebastião, 2017 SÃO SEBASTIÃO. Prefeitura Municipal de São Sebastião. Operação de Verão: Plano de Contingência 2017/2018. São Sebastião: Defesa Civil, 2017. Disponível em: https://www.saosebastiao.sp.gov.br/sistemas/oficialdocs/arquivos/04177073.pdf . Acesso em: 20 nov. 2023.
https://www.saosebastiao.sp.gov.br/siste... , p. 21).
Aparentemente, ou as sirenes não foram tocadas ou, se foram, o alerta sonoro não surtiu os efeitos esperados. Se ocorreu a primeira hipótese, é necessário compreender que somente as mensagens via SMS não são suficientes para alertar a população acerca dos riscos e da situação em que se encontra uma localidade com previsão de deslizamentos. A medida é insuficiente porque nem todos os moradores têm um aparelho telefônico, ou, mesmo quando têm, nem todos sabem ler as mensagens e os avisos que recebem. No caso da segunda hipótese (o alerta sonoro foi emitido, mas não surtiu efeito), é preciso considerar a possibilidade de a população ter resistido de sair do local ou simplesmente ter ignorado a gravidade do risco. Em ambos os casos, é preciso chamar o município à responsabilidade de exercer seu papel de Cidade Educadora, impulsionando a discussão sobre os riscos e a conscientização dos cidadãos sobre o dever de levar a sério os alertas de desastres emitidos pela autoridade pública.
Nesse sentido, o papel de uma Cidade Educadora como instrumento de disseminação de educação ambiental serviria não apenas para conscientizar a população, mas, também, para formar, junto aos cidadãos, uma brigada ou efetivo civil que atue em conjunto com a própria Defesa Civil municipal. Isso ocorre em alguns sistemas na Ásia, onde os moradores recebem informação e treinamento desde os primeiros anos de ensino. Assim, ao ouvir uma sirene específica, sabem exatamente o que fazer, como e onde procurar abrigo.
A promoção de uma educação ambiental que estimula a reação organizada e protocolar diante da emissão de alertas sonoros ajuda a dispersar a desconfiança, resistência ou ignorância que os moradores possam ter com relação aos avisos emitidos somente por meio de SMS. Fato curioso é que o município de São Sebastião instituiu um programa de treinamento similar, por meio do Decreto n. 3.211/2005, assinado pelo Prefeito à época Juan Manoel Pons Garcia. O ato normativo criou o “Dia do Alerta”, data a ser celebrada “todos os anos na segunda quinzena do mês de outubro com a finalidade de desenvolver atividades educativas recreacionais” envolvendo a comunidade, para “capacitar e educar, de maneira permanente, os residentes da área do TEBAR, para afastarem-se com calma de áreas atingidas e procurarem abrigo seguro em casos de desastres” (arts. 1º e 2º) (São Sebastião, 2005 SÃO SEBASTIÃO. Prefeitura Municipal de São Sebastião. Decreto 3211/2005. Institui Dia do Alerta no Município de São Sebastião. Diário Oficial de São Sebastião, São Sebastião: 2005. Disponível em: https://www.saosebastiao.sp.gov.br/sistemas/oficialdocs/arquivos/04053211.pdf . Acesso em: 20 nov. 2023.
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). Apesar da previsão legal, maiores investigações são necessárias para apurar os motivos que levaram uma comunidade aparentemente treinada (assumindo, em tese, que o protocolo do “dia do alerta” tenha realmente sido aplicado ao longo dos anos) a ignorar ou resistir aos alertas que teriam sido emitidos em fevereiro de 2023.
Infelizmente, algumas importantes medidas preventivas e mitigadoras não foram tomadas antes dos desastres – perdendo, assim, o tempo oportuno de extrair o melhor de suas potencialidades. É o caso, por exemplo, de uma cartilha de políticas públicas a ser lançada pelo município de São Sebastião, contendo orientações e informações para o retorno seguro das famílias atingidas pela catástrofe de 19 de fevereiro às casas já liberadas pelos órgãos de defesa civil. Além desse exemplo, temos o lançamento de um programa de “aluguel social”, destinado a auxiliar a população desabrigada, o qual poderia ter sido usado previamente para realocar a população das áreas risco (São Sebastião, 2023b SÃO SEBASTIÃO. Prefeitura Municipal de São Sebastião. Programa ‘Auxílio Aluguel’ de São Sebastião recebe mais de 750 solicitações. São Sebastião: Secretaria de Desenvolvimento Econômico e Social (SEDES), 2023b. Disponível em: https://www.saosebastiao.sp.gov.br/noticia.asp?id=N1952023155410 . Acesso em: 23 jun. 2024.
https://www.saosebastiao.sp.gov.br/notic...
). Se medidas como essas ou similares tivessem sido adotadas previamente ao desastre, poderiam ter contribuído melhor para prevenir e mitigar dos danos.
5 A importância do Direito dos Desastres como arcabouço teórico-jurídico da Cidade Educadora na redução da vulnerabilidade das comunidades
Segundo a definição da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), um desastre natural é caracterizado pela combinação de duas importantes características. Em primeiro lugar, ele resulta em uma séria interrupção do funcionamento normal de uma comunidade ou sociedade, afetando sua rotina diária. Essa interrupção envolve perdas materiais e econômicas, bem como danos ambientais e à saúde das populações, incluindo a ocorrência de agravos e doenças que podem levar a óbitos imediatos ou futuros (Bataiero; Elmec, 2016 BATAIERO, M. O.; ELMEC, A. M. Mudanças climáticas e intensificação da vigilância sanitária de eventos naturais no estado de São Paulo. Boletim Epidemiológico Paulista – BEPA, São Paulo, v. 13 n. 153, p. 77-83, 2016. Disponível em: https://periodicos.saude.sp.gov.br/BEPA182/article/view/39218 . Acesso em: 2 maio 2023.
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). Em segundo lugar, um desastre natural excede a capacidade da comunidade ou sociedade afetada em lidar com a situação utilizando os próprios recursos (Bataiero; Elmec, 2016 BATAIERO, M. O.; ELMEC, A. M. Mudanças climáticas e intensificação da vigilância sanitária de eventos naturais no estado de São Paulo. Boletim Epidemiológico Paulista – BEPA, São Paulo, v. 13 n. 153, p. 77-83, 2016. Disponível em: https://periodicos.saude.sp.gov.br/BEPA182/article/view/39218 . Acesso em: 2 maio 2023.
https://periodicos.saude.sp.gov.br/BEPA1...
). Isso significa que os recursos disponíveis não são suficientes para enfrentar a magnitude do evento, resultando na ampliação das perdas e danos ambientais e à saúde, afetando não apenas o local onde o evento ocorreu, mas, também, outras áreas além de seus limites geográficos.
Essa definição se concentra na gravidade dos desastres naturais e de seus efeitos, enfatizando tanto a interrupção das atividades normais de uma comunidade, quanto as perdas materiais, econômicas, ambientais e à saúde. Como decorrência dessa definição há o reconhecimento implícito da necessidade de um apoio externo à comunidade atingida para lidar com a situação calamitosa enfrentada, uma vez que os recursos locais ou próprios são insuficientes.
A participação da comunidade em todas as fases da gestão de riscos também é um fator a ser levado em consideração pelo Direito dos Desastres. A exemplo da comunidade de São Sebastião, que contribuiu com ações e campanhas junto à prefeitura municipal, a sociedade civil pode e deve ser estimulada a participar efetivamente das etapas da gestão de risco. Conforme preleciona Carvalho ( 2019 CARVALHO, D. W. O que devemos urgentemente aprender com o novel Direito dos Desastres. Consultor Jurídico, 29 jan. 2019. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2019-jan-29/delton-winter-devemos-aprender-direito-desastres . Acesso em: 2 maio 2023.
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), “o Direito dos Desastres está intimamente relacionado com a gestão do risco e com as etapas do ciclo dos desastres”. A principal finalidade do Direito dos Desastres é efetuar a gestão abrangente de todas as etapas de um evento catastrófico. É importante destacar que a autonomia desse campo jurídico é fundamentada em um ciclo de gestão de risco que engloba desde a prevenção até a fase de reconstrução (Carvalho, 2019 CARVALHO, D. W. O que devemos urgentemente aprender com o novel Direito dos Desastres. Consultor Jurídico, 29 jan. 2019. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2019-jan-29/delton-winter-devemos-aprender-direito-desastres . Acesso em: 2 maio 2023.
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).
A partir da construção dessa “juridicidade ambiental”, entendida como o conjunto de normas e princípios que regulam as relações entre a sociedade e o meio ambiente, é possível estabelecer limites e condições para a exploração dos recursos naturais, a proteção do ambiente e o mapeamento de moradias em locais de preservação ou de risco. Um Estado de Direito Ambiental pode ajudar a garantir, do ponto de vista jurídico, uma intervenção do Estado efetiva e equilibrada, e que promova: a proteção do meio ambiente de maneira integrada e sustentável; o respeito aos direitos fundamentais; o estímulo à participação da sociedade civil na gestão de riscos; e a prevenção eficaz e inteligente das mortes e demais danos causados por desastres.
Muitas catástrofes ocorrem há décadas nas regiões litorâneas de São Paulo. Os locais de desastres continuam os mesmos, mas as vítimas são constantemente renovadas. É preciso levar a sério essa triste realidade. De fato, a gestão de riscos, arcabouço do Direito dos Desastres, vem sendo aprimorada nesses e em outros locais, na medida em que os agentes públicos colaboram para a reestruturação de um ambiente destruído, com pessoas vitimadas e desabrigadas. No entanto, ainda é necessário pensar os desastres à luz da intersetorialidade, isto é, a partir da relação entre os diversos segmentos sociais, contribuindo para a formulação de respostas mais eficazes na própria condução de soluções adequadas às circunstâncias pós-tragédia.
É próprio do Direito dos Desastres colonizar o desastre (Carvalho, 2019 CARVALHO, D. W. O que devemos urgentemente aprender com o novel Direito dos Desastres. Consultor Jurídico, 29 jan. 2019. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2019-jan-29/delton-winter-devemos-aprender-direito-desastres . Acesso em: 2 maio 2023.
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), isto é, dominar seus efeitos deletérios. Os desastres têm o poder de dilacerar o tecido da sociedade, interrompendo os padrões normais da vida comunitária (Weaver; Kysar, 2017WEAVER, R. H.; KYSAR, D. Courting disaster: climate change and the adjudication of catastrophe. Notre Dame Law Review, Indiana, v. 93, issue 1. p. 296-356, 2017. ). Por essa razão, o Direito dos desastres deve ser levado em consideração nos programas civis e pedagógicos como o da Cidade Educadora.
Crianças e jovens não devem ser tomados apenas como membros passivos da estrutura social. O processo de cidadania ocorre com a inclusão desses grupos em circunstâncias e atividades em prol das comunidades. Em ambientes de riscos, a vulnerabilidade desses indivíduos é acentuada, por isso, é preciso fortalecê-los. Ainda que estejam em formação física e intelectual, podem e devem ser orientados no processo de gestão de risco, preferencialmente a partir de uma linguagem clara e adaptada a suas condições cognitivas. A preparação de jovens e crianças concretiza um dos ideais da Carta das Cidades Educadoras, apresentada no 1º Congresso Internacional das Cidades Educadoras em Barcelona (1990), segundo o qual a Cidade Educadora deve encorajar o diálogo entre gerações, não somente enquanto fórmula de coexistência pacífica, mas como procura de projetos comuns e partilhados entre grupos de pessoas de idades diferentes.
Portanto, é salutar atentar ao arcabouço teórico-jurídico do Direito dos Desastres para além de sua estrutura logística, aproveitando-se de suas contribuições nas atividades e projetos pedagógicos da Cidade Educadora, sobretudo quando envolvem cidades que vivenciam catástrofes ou que têm comunidades em situação de vulnerabilidade socioambiental.
6 A cultura de educação ambiental como instrumento para a redução da vulnerabilidade das comunidades
Conforme mencionado nos itens anteriores, os municípios do litoral norte de São Paulo têm alta porcentagem de sua população em áreas de elevado risco e vivem em extrema vulnerabilidade social. Aliado a problemas socioeconômicos e de falta de planejamento, a população vive temerosa em face dos constantes desastres ambientais que causam perdas e danos irreparáveis, tanto em nível ambiental, quanto material e psicológico.
Essa realidade de “caos urbano” é pouco abordada no âmbito escolar, seja para fins de acolhimento ou de conscientização dos alunos e da sociedade. Nesse contexto de omissão, é importante debater sobre o papel educativo da cidade, inclusive para que se possibilite uma discussão acerca das injustiças sociais promovidas pela própria segregação entre grandes centros urbanos e zonas periféricas da cidade, já que estatisticamente as periferias são os alvos mais frequentes de desastres ambientais.
A Cidade Educadora, mencionada no item anterior, assume um papel relevante para a abordagem da educação ambiental, funcionando como um instrumento de informação que pode auxiliar na redução de situação de vulnerabilidade nesse tipo de comunidade. Nesse sentido, a Lei Federal n. 9.795/1999 já dispõe sobre a educação ambiental e sua relevância, instituindo a Política Nacional de Proteção Ambiental, projeto que enfatiza a transformação das práticas sociais por meio da conscientização dos cidadãos (Brasil, 1999 BRASIL. Lei n. 9.795 de 27 de abril de 1999. Dispõe sobre a educação ambiental, institui a Política Nacional de Educação Ambiental e dá outras providências. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, p. 1, 28 abr. 1999. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9795.htm . Acesso em: 5 maio 2023.
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). Infelizmente, com a revogação do § 7º do art. 26 da Lei n. 9.394/ 1996 BRASIL. Lei n. 9.394 de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, p. 27833, 23 dez. 1996. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm . Acesso em: 7 maio 2023.
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, que dispõe sobre as diretrizes e bases da educação nacional, deixou de ser compulsória a inserção dos princípios da proteção e defesa civil e a educação ambiental de maneira integrada aos conteúdos obrigatórios no ensino.
Em qualquer contexto educacional, o educador desempenha um papel crucial, especialmente no campo da educação ambiental. Ele enfrenta o desafio de apresentar aos alunos uma perspectiva holística das disciplinas, contrariando o método fragmentado comum no sistema de ensino brasileiro, independentemente do nível educacional. Por exemplo, uma abordagem interdisciplinar da Geografia, que considere as especificidades da localidade vulnerável em que os alunos se encontram, pode ser fundamental para superar as dificuldades deles em compreender o contexto em que vivem. Nesse sentido, o educador ambiental deve integrar conhecimentos de diversas áreas do saber, como geografia, sociologia, física e história, incentivando uma postura investigativa nos alunos, para tornar a educação ambiental mais impactante e significativa.
A efetividade da educação ambiental para fins de prevenção de desastres ambientais pode ser verificada pela aplicação dessa conscientização no município de Petrópolis/RJ, que vive em situação muito similar aos municípios do litoral norte de São Paulo. Petrópolis tem uma população de 278.811 mil pessoas, segundo levantamento do IBGE ( 2023 INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Cidades e Estados: Petrópolis. Rio de Janeiro: IBGE, 2023. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/cidades-e-estados/rj/petropolis.html . Acesso em: 9 maio 2024.
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), e área de 791.144 km². Dessa população total, 72.070 mil cidadãos, segundo dados de 2010, estão em expostas a risco ambiental 2
2
População exposta em área de risco a inundações, enxurradas e deslizamentos contabilizada para os municípios considerados críticos a desastres naturais no Brasil e monitorados pelo Cemaden. Municípios ‘sem dados’ não são monitorados pelo Cemaden ou não têm dados publicados em respeito ao sigilo estatístico.
no município, que é marcado principalmente por enchentes e deslizamentos. Nesse contexto, a Escola Municipal Stefan Zweig, situada em uma zona de alto risco em Petrópolis, promoveu uma oficina intitulada “Os Riscos de Deslizamentos de Terra em Petrópolis”. Essa iniciativa teve como foco não apenas aumentar a conscientização dos alunos que residem em áreas vulneráveis, mas, também, fomentar uma compreensão profunda dos desafios socioambientais da região. A oficina adotou uma abordagem transdisciplinar, possibilitando aos alunos uma imersão no contexto ambiental em que estão inseridos e incentivando uma reflexão crítica sobre os problemas ambientais locais (Ferreira; Queiroz; Richter, 2017 FERREIRA, C. O.; QUEIROZ, E. D.; RICHTER, M. A realidade de risco e movimentos de massa em Petrópolis, RJ: uma contribuição da educação ambiental para a proteção civil. Revista PerCursos, Florianópolis, v. 18, n. 36, p. 34-65, 2017. Disponível em: https://www.periodicos.udesc.br/index.php/percursos/article/view/1984724618362017034/pdf . Acesso em: 12 maio 2023.
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).
Atividades como essa destacam a importância de engajar alunos que vivem em comunidades vulneráveis, transformando-os em agentes ativos na gestão de seu próprio ambiente. A preparação educacional que ocorre dentro das escolas, aliada à participação dos alunos em atividades extraclasse – em interação com diversos profissionais como bombeiros, promotores, engenheiros e ambientalistas –, não apenas fomenta a cidadania entre as novas gerações, mas também estimula a comunidade a se engajar ativamente no aprendizado e desenvolvimento coletivo.
Conclusão
A partir da ideia de “Cidade Educadora”, abordagem que enfatiza a importância da educação para o desenvolvimento sustentável e a criação de comunidades ambientalmente resilientes, este artigo procurou explorar o modo como o Direito dos Desastres pode servir de arcabouço teórico-jurídico para a implementação de uma cultura de educação ambiental no estado de São Paulo, com o objetivo de mitigar os riscos de desastres e reduzir a vulnerabilidade das comunidades locais.
A iniciativa da Cidade Educadora desempenha um papel fundamental no contexto de crise ambiental, sobretudo em meio ao contexto de desastres, ao oferecer às escolas recursos e diretrizes para abordar e enfrentar os desafios ambientais de maneira educativa e transformadora. Ela contribui com as escolas de várias maneiras, por exemplo, promovendo a sensibilização e a conscientização dos estudantes sobre questões ambientais urgentes, como a crise climática, a perda da biodiversidade e a poluição. Isso ajuda a despertar a preocupação e o senso de responsabilidade ambiental desde cedo.
Além disso, programa Cidade Educadora incentiva a integração da educação ambiental em todos os aspectos do currículo escolar. Os temas e os desafios ambientais podem ser abordados de modo interdisciplinar, relacionando-os com diferentes áreas do conhecimento, como ciências, geografia, história, artes e literatura. Ademais, a Cidade Educadora promove a participação ativa dos estudantes na busca por soluções e ações concretas para enfrentar a crise ambiental. Os estudantes são incentivados a se envolver em projetos, iniciativas e atividades que promovam a sustentabilidade, a conservação dos recursos naturais e a mitigação dos impactos ambientais.
A Cidade Educadora estimula a formação de parcerias e colaborações entre escolas, instituições governamentais, organizações não governamentais, empresas e a comunidade local. Essas parcerias podem oferecer recursos, conhecimentos especializados e oportunidades de aprendizado prático, enriquecendo a educação ambiental e fortalecendo as ações em prol do meio ambiente. A Cidade Educadora promove a formação de cidadãos ativos, conscientes de seus direitos e deveres em relação ao meio ambiente. Os estudantes são incentivados a se envolver em processos participativos, como conselhos municipais, audiências públicas e projetos de impacto social, para exercer sua cidadania de maneira responsável e engajada.
Por meio do Direito dos Desastres, a Cidade Educadora busca promover a participação ativa dos cidadãos na gestão de riscos, incentivando o engajamento comunitário, o compartilhamento de conhecimentos e a adoção de medidas preventivas. Além disso, o arcabouço jurídico oferece instrumentos para a elaboração de planos de contingência, a proteção de áreas vulneráveis e a responsabilização de agentes públicos e privados em caso de negligência ou descumprimento de normas de segurança.
Ao integrar o Direito dos Desastres em seu contexto educacional, a Cidade Educadora pode capacitar a comunidade, incluindo vulneráveis, crianças e jovens, a lidar, com consciência e responsabilidade, com os desafios ambientais e os eventos extremos, promovendo a sustentabilidade, a solidariedade e a proteção dos direitos humanos. Portanto, a Cidade Educadora pode contribuir para a redução da vulnerabilidade das comunidades, como as de São Paulo, que enfrentam tragédias sem precedentes, fortalecendo sua capacidade de adaptação e resiliência diante dos desastres.
Referências
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1
O município de São Sebastião conta com o apoio da “Gerência de Apoio do Litoral Norte”, criada pelo estado de São Paulo em 2023, o qual visa o auxílio ao gabinete do governador do estado em relação à situação de calamidade pública decretada em seis municípios do estado, entre eles, São Sebastião, pelo Decreto Estadual n. 67.502, de 19 de fevereiro de 2023.
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2
População exposta em área de risco a inundações, enxurradas e deslizamentos contabilizada para os municípios considerados críticos a desastres naturais no Brasil e monitorados pelo Cemaden. Municípios ‘sem dados’ não são monitorados pelo Cemaden ou não têm dados publicados em respeito ao sigilo estatístico.
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Como citar este artigo (ABNT):
FRANCK JUNIOR, W.; FÉ, F. C. C. M.; SCARIOT, J. L. Direito dos desastres como arcabouço teórico-jurídico da Cidade Educadora: a cultura de educação ambiental para a mitigação dos desastres e a diminuição da vulnerabilidade das comunidades de São Paulo. Veredas do Direito , Belo Horizonte, v. 21, e212660, 2024. Disponível em: http://www.domhelder.edu.br/revista/index.php/veredas/article/view/2660 . Acesso em: dia mês. ano.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
11 Out 2024 -
Data do Fascículo
2024
Histórico
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Recebido
04 Dez 2023 -
Aceito
25 Jun 2024