RESUMO
Este trabalho teve como objetivo discutir a ocorrência do isomorfismo mimético de práticas de compliance, por meio da Lei Anticorrupção, nos estados brasileiros, principalmente considerado a responsabilização administrativa, a compliance público e a exigibilidade de compliance nos contratos com o setor privado. Para tanto, houve a utilização da Teoria Institucional, com a abordagem sociológica e o pressuposto do isomorfismo. Metodologicamente, houve a utilização da pesquisa documental, por meio de documentos que contemplassem ações anticorrupção nos estados brasileiros. As categorias de análises, foram baseadas nos conteúdos de responsabilização e compliance nos contextos de relacionamentos público e privado. Os principais resultados encontrados aludiram a indícios de isomorfismo mimético dos estados em relação à União, e entre os próprios entes subnacionais. Com os resultados, este estudo diferenciou-se dos demais em apresentar o cenário de adoção de práticas de compliance nos estados. As contribuições encontradas foram: teóricas - à similaridade do ambiente institucional brasileiro em adotar normativas; práticas - o esclarecimento de que os estados possuem ações para combater à corrupção.
Palavras-chave:
corrupção; compliance; institucionalização; isomorfismo; estados brasileiros
RESUMEN
Este trabajo tuvo como objetivo discutir la ocurrencia de isomorfismo mimético de las prácticas de compliance, a través de la Ley Anticorrupción, en los estados brasileños, considerando principalmente la responsabilización administrativa, el compliance público y la exigibilidad de compliance en contratos con el sector privado. Para ello se recurrió a la teoría institucional, con enfoque sociológico y el supuesto del isomorfismo. Metodológicamente, se realizó investigación documental y análisis de contenido, utilizando documentos que cubrieran acciones anticorrupción en los estados brasileños. Las categorías de análisis se basaron en contenidos de rendición de cuentas y compliance en el contexto de las relaciones públicas y privadas. Los principales resultados encontrados aludieron a signos de isomorfismo mimético de los estados en relación con la Federación, y entre las propias entidades subnacionales. Con los resultados, este estudio se diferencia de otros al presentar el escenario de adopción de prácticas de compliance en los estados. Las contribuciones encontradas fueron: teóricas -la similitud del ambiente institucional brasileño en la adopción de normativas- y prácticas -la indicación de que los estados tienen acciones para combatir la corrupción-.
Palabras clave:
corrupción; compliance; institucionalización isomorfismo; estados brasileños
ABSTRACT
This study explores the occurrence of mimetic isomorphism in compliance practices based on Brazilian anticorruption law at the state level, with a particular focus on administrative liability, public compliance, and compliance requirements in contracts with the private sector. The institutional theory was employed, considering a sociological approach and the assumption of isomorphism. The methods adopted included documentary research and content analysis, examining documents related to anticorruption actions in Brazilian states. The analysis categories were based on liability and compliance content in the context of public and private relationships. The main results pointed to elements suggesting mimetic isomorphism among states and between them and the federal government. Unlike other studies, this research provides an overview of the adoption of compliance practices in Brazilian states. In terms of theoretical contributions, the research highlighted the similarity of the Brazilian institutional environment in normative adoption. Its practical contribution lies in clarifying that states do have actions to combat corruption.
Keywords:
corruption; compliance; institutionalization; isomorphism; Brazilian states.
INTRODUÇÃO
A corrupção não é exclusividade brasileira, está presente em todos os povos, sendo em alguns países mais elevada, em outros mais moderada. Para ilustrar, o órgão Transparency International, anualmente, desde 1995, publica o Índice de Percepção de Corrupção (IPC) de aproximadamente 180 países e/ou territórios. Mesmo com percepções mais ou menos favoráveis da sociedade, a corrupção existe, não é uma questão de simples solução e ocorre em algum momento.
Diversos países reúnem-se em fóruns para discutir sobre essa temática, e dessas reuniões surgem tratados (Rose-Ackerman, 2009Rose-Ackerman, S. (2009). Economía política de las raíces de la corrupción: Investigación y políticas públicas. In I. E. Sandoval (Coord.), Corrupción y transparencia: Debatiendo las fronteras entre Estado, mercado y sociedad (pp. 13-33). Siglo XXI, UNAM, Instituto de Investigaciones Sociales.). O Brasil é signatário de alguns, e, em decorrência dessa influência internacional e de pressões internas, em 1º de agosto de 2013, visando mitigar a ocorrência de atos lesivos contra a administração pública, foi sancionada a Lei n. 12.846, que ficou conhecida como a “Lei Anticorrupção” e instituiu no Brasil a responsabilização administrativa e civil das pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública nacional ou estrangeira.
A Lei Anticorrupção trouxe à cena no Brasil o termo compliance. Um termo emprestado da língua inglesa, que, de maneira simples, significa a adoção de um conjunto de ações para cumprir o que determinam as leis, normas, regulamentos e diretrizes (Coimbra & Manzi, 2010Coimbra, M. A., & Manzi, V. A. (2010). Manual de compliance: Preservando a boa governança e integridade das organizações. Atlas.). Para este trabalho também se considera que a adoção da compliance consiste na implantação de um programa de integridade. Logo, os termos podem ser utilizados como semelhantes a depender dos contextos dos conteúdos. Nesse sentido, Castro et al. (2019)Castro, P. R., Amaral, J. V., & Guerreiro, R. (2019). Aderência ao programa de integridade da lei anticorrupção brasileira e implantação de controles internos. Revista Contabilidade & Finanças, 30(80), 186-201. https://doi.org/10.1590/1808-057x201806780
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explanam que o combate à corrupção é promovido por controles que inibem práticas corruptas, e não apenas pela mera existência da lei.
A Lei n. 12.846/2013 é de amplitude do governo federal, mas diversos estados, visando legitimar-se em seu campo institucional, reproduziram-na, incorporaram-na ao seu arcabouço jurídico, com suas próprias normas anticorrupção, conduzindo suas administrações a buscarem a incorporação de programas de compliance (ou integridade).
Com base no exposto, neste trabalho discutiu-se a ocorrência do isomorfismo mimético de práticas de compliance, por meio da Lei Anticorrupção, nos estados brasileiros.
Para justificar este trabalho, menciona-se que outras pesquisas, muito embora versassem sobre compliance, fizeram abordagens diferentes. Percebeu-se que as pesquisas anteriores se concentraram em óticas jurídicas e formas de análise textuais e/ou de conteúdo das leis (Kovtunin et al., 2019Kovtunin, L. C. O., Lima, K. K., Bezerra, M. M. M., & Santos, R. R. (2019). Programas de compliance no setor público: Instrumento de combate à corrupção e incentivo à transparência. São Luís Orione, 2(14), 108-120. https://seer.catolicaorione.edu.br/index.php/revistaorione/article/view/139
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; Ritt & Oliveira, 2018Ritt, C. F., & Oliveira, C. M. (2018). Esforços internacionais no combate à corrupção: Influência no ordenamento jurídico brasileiro. Anais do Seminário Nacional Demandas Sociais e Políticas Públicas na Sociedade Contemporânea.; Schramm, 2018Schramm, F. S. (2018). O compliance como instrumento de combate à corrupção no âmbito das contratações públicas (Dissertação de mestrado, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC).). Esta investigação será de caráter empírico, com argumentos e discussões baseados nas ocorrências cotidianas das unidades territoriais nacionais.
O presente trabalho justifica-se ao considerar a expansão no Brasil da discussão do uso da compliance após a promulgação da Lei n. 12.846 de 2013, a Lei Anticorrupção. Ampliaram-se as discussões no âmbito do Poder Executivo dos estados, que por iniciativas próprias editaram leis e decretos adotando instrumentos de compliance como forma preventiva de combate à corrupção.
A LEI ANTICORRUPÇÃO E A INTEGRIDADE
A corrupção é uma das questões mais corrosivas do nosso tempo, destrói recursos públicos, amplia as desigualdades econômicas e sociais, cria descontentamento e polarização política e reduz a confiança nas instituições (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico [OCDE], 2018Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico. (2018). Integridade pública. Paris, France. http://www.oecd.org/gov/ethics/recommendation-public-integrity/
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). A corrupção no setor público merece destaque, pois prejudica o desenvolvimento e entra em conflito com os valores democráticos (Rose-Ackerman & Palifka, 2016Rose-Ackerman, S., & Palifka, B. J. (2016). Corruption and government: Causes, consequences, and reform. Cambridge University Press.). É limitado discorrer que a corrupção poderá ser totalmente extinta, como tampouco é possível tratá-la em todos os seus aspectos (Santano, 2015Santano, A. C. (2015). Uma introdução ao estudo da corrupção política nas sociedades democrática dentro do paradigma do estado de direito. Paraná Eleitoral, 4(1), 123-138. https://doi.org/10.5380/pr_eleitoral.v4i1.42813
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). No entanto, o Estado brasileiro sempre demonstrou preocupação em coibir os atos delituosos contra a administração pública.
Em 1o de agosto de 2013, atendendo a compromissos internacionais, foi sancionada a Lei n. 12.846/2013, também conhecida como Lei Anticorrupção, um importante avanço ao prever a responsabilização objetiva, no âmbito civil e administrativo, de empresas que praticam atos lesivos contra a administração pública nacional e estrangeira (Controladoria-Geral da União [CGU], 2023Controladoria-Geral da União. (2023). Lei Anticorrupção. https://www.gov.br/corregedorias/pt-br/assuntos/painel-de-responsabiliza cao/responsabilizacao-entes-privados
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). Entre outros aspectos, a lei também prevê que “no momento da aplicação das sanções serão levados em consideração a existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade” (Lei n. 12.846, de 1o de agosto de 2013, 2013Lei n. 12.846, de 1o de agosto de 2013. (2013). Dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira, e dá outras providências. Brasília, DF., n.p.).
Entre outras formas de combater a corrupção, aprofunda-se nesta proposta a discussão sobre a compliance e seu uso pela administração pública, assim se faz necessário entender o que é compliance. Para Veríssimo (2017)Veríssimo, C. (2017). Compliance: Incentivo à adoção de medidas anticorrupção. SaraivaJur., é “um substantivo que significa concordância com o que é ordenado, sendo chamadas de compliance as medidas pelas quais as instituições pretendem assegurar-se que as regras vigentes para elas e seus colaboradores sejam cumpridas e as eventuais infrações sejam punidas” (p. 158).
A compliance contribui para que o Estado possa exercer o seu poder de fiscalização, inibição e combate aos mais diversos tipos de fraudes (Mesquita, 2019Mesquita, C. (2019). O que é compliance público? Partindo para uma Teoria Jurídica da Regulação a partir da Portaria nº 1089 (25 de abril de 2018) da Controlaria-Geral da União (CGU). Journal of Law and Regulation, 5(1), 147-182. https://periodicos.unb.br/index.php/rdsr/article/view/20587
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). Nesse sentido, Gercwolf (2019)Gercwolf, S. (2019). Compliance na administração pública federal: Instrumento de governança, gestão de riscos e sustentabilidade (Dissertação de mestrado, Fundação Mackenzie, São Paulo, SP). sustenta que a compliance se mostra um mecanismo capaz de mitigar consideravelmente os efeitos danosos da corrupção, bem como de aprimorar a gestão pública, desde que aplicada nas organizações de maneira efetiva.
Glock (2016)Glock, J. O. (2016). A relação entre compliance e o sistema de controle interno na administração pública. https://joseglock.jusbrasil.com.br/artigos/524978109/a-relacao-entre-compliance-eo-sistema-de-controle-interno-na-administracao-publica
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afirma ser conveniente que a implantação dos controles venha associada ao estabelecimento da cultura da integridade na entidade e de outras medidas próprias de um programa de compliance. Nesse caminho, a OCDE (2018Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico. (2018). Integridade pública. Paris, France. http://www.oecd.org/gov/ethics/recommendation-public-integrity/
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) assenta que a integridade pública se refere ao alinhamento consistente e à adesão de valores, princípios e normas éticas comuns para sustentar e priorizar o interesse público sobre os interesses privados no setor público. Semelhante ao descrito por Guimarães (2023)Guimarães, G. A. (2023). Lei Anticorrupção e os programas de integridade: Lei nº 12.846/2013. In R. Biason & R. Livianu (Org.), Doze leis de combate à corrupção: Hércules em terras brasileiras (pp. 171-195). Mackenzie.:
O programa de compliance transcende os esforços processuais e procedimentais para se fazer cumprir as regras, internas e externas, e penetra no campo ético, que é a relação entre o sujeito moral e os valores morais, que também é constituído por dois polos internamente relacionados: o agente, ou sujeito moral, e os valores morais, ou virtudes éticas. (p. 180)
O ISOMORFISMO E A INSTITUCIONALIZAÇÃO
A Lei n. 12.846/2013 é de amplitude do governo federal, mas diversos estados, visando legitimar-se em seu campo institucional, reproduziram-na, incorporaram-na ao seu arcabouço jurídico, com suas próprias normas anticorrupção, conduzindo suas administrações a buscarem a incorporação de programas de compliance. Conforme o descrito por Meyer e Rowan (1977)Meyer, J. W., & Rowan, B. (1977). Institutionalized organizations: Formal structure as myth and ceremony. The University of Chicago Press, 83(2), 340-363. https://www.jstor.org/stable/2778293
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, as perspectivas de sobrevivência de longo prazo das organizações aumentam à medida que as estruturas estatais se elaboram e as organizações respondem às regras institucionalizadas.
Nesse sentido, passa-se a considerar esta discussão sob a ótica da teoria institucional sociológica, que dá base a compreender os indivíduos e as organizações. Conforme Dimaggio e Powell (2005)Dimaggio, P. J., & Powell, W. W. (2005). A Gaiola de Ferro revisitada: Isomorfismo institucional e racionalidade coletiva nos campos organizacionais. Revista de Administração de EmpresasRAE, 45(2), 75-89. https://periodicos.fgv.br/rae/article/view/37123
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, as institucionalizações ocorrem por meio de mecanismos isomórficos institucionais, resultantes das observações que cada organização realiza no seu campo organizacional, podendo ocorrer em três formatos: coercitivo, mimético e normativo.
O isomorfismo constitui um processo de restrição que força uma unidade em uma população a se assemelhar a outras unidades que enfrentam o mesmo conjunto de condições ambientais (Dimaggio & Powell, 2005Dimaggio, P. J., & Powell, W. W. (2005). A Gaiola de Ferro revisitada: Isomorfismo institucional e racionalidade coletiva nos campos organizacionais. Revista de Administração de EmpresasRAE, 45(2), 75-89. https://periodicos.fgv.br/rae/article/view/37123
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). Na visão de Hannam e Freeman (1977), o isomorfismo é o resultado das pressões competitivas que forçam as organizações a adotarem a forma mais adaptada à sua sobrevivência, inserindo o contexto da competição no ambiente institucional.
Dimaggio e Powell (1991)Dimaggio, P. J., & Powell, W. W. (1991). The new institutionalism in organizational analysis. University of Chicago Press. destacam ser necessário compreender os processos de institucionalização e estruturação do campo organizacional para entender a institucionalização das formas organizacionais. Berger e Luckman (1964Berger, P. L., & Luckmann, T. (1964). A construção social da realidade (29a ed.). Editora Vozes. descrevem que, enquanto a instituição representa uma ordem ou padrão social que atingiu um determinado estado ou propriedade, a institucionalização representa o processo que leva a esse estado ou propriedade.
Diante do exposto, tem-se como proposição desta discussão (P1) que existe a ocorrência de isomorfismo mimético na institucionalização da compliance nos entes subnacionais. Tal cenário ocorre na regulamentação da Lei Anticorrupção, no âmbito das administrações dos entes subnacionais e nas contratações da administração pública dos estados com pessoas jurídicas.
A institucionalização é a trajetória que uma organização, diante de novos problemas, novas regras ou qualquer outro estímulo em seu ambiente organizacional, deve percorrer para a adaptação de novas rotinas a seus processos e/ou ações. Sendo a instituição o produto de um processo de institucionalização, Tolbert e Zucker (1996)Tolbert, P. S., & Zucker, L. G. (1996). The institutionalization of institutional theory. In S. R. Clegg, C. Hardy, & W. R. Nord (Eds.), Handbook of organization studies (pp. 175-190). Sage. descrevem que “a institucionalização decorre de um processo sequencial, que se desenvolve em três fases: habitualização, objetivação e sedimentação” (pp. 181-184).
Em sua pesquisa, Boxenbaum e Jonsson (2017)Boxenbaum, E., & Jonsson, S. (2017). Isomorphism, diffusion and decoupling: Concept evolution and theoretical challenges. In C. R. Greenwood, T. B. Oliver, R. Lawrence, & E. Meyer (Eds.), The SAGE handbook of organizational institutionalism (2nd ed., pp. 77-101). Sage. apontam uma relação estreita, porém complicada, sobre a difusão (propagação) e o isomorfismo, considerando a difusão um antecedente ao isomorfismo. No entanto, no caso em tela, o uso da compliance pelas administrações estaduais, deve-se observar as nuances do setor público, um ambiente com características distintas do privado, onde a criação ou instituição de novas práticas ocorre por meio do enforcement dos documentos legais, que invariavelmente já trazem a palavra “instituí” em seus preâmbulos, não cabendo ao agente público a ponderação de seu uso ou não, estando limitado ao seu cumprimento, ao dever de fazer, ficando o processo de difusão restrito aos encontros, fóruns, debates e discussões fomentadas por entidades com esse fim - levando à cópia prevista e debatida no isomorfismo mimético.
Reforça-se que o isomorfismo mimético se caracteriza quando uma organização toma outra como modelo, copiando-a, imitando-a. Ocorre diante de metas confusas ou ambiente de incerteza simbólica (Dimaggio & Powell, 2005Dimaggio, P. J., & Powell, W. W. (2005). A Gaiola de Ferro revisitada: Isomorfismo institucional e racionalidade coletiva nos campos organizacionais. Revista de Administração de EmpresasRAE, 45(2), 75-89. https://periodicos.fgv.br/rae/article/view/37123
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).
DESIGN METODOLÓGICO PARA A DISCUSSÃO DO ISOMORFISMO NA COMPLIANCE
Para a realização deste trabalho, a priori, utilizou-se da pesquisa documental, em que se buscaram leis e decretos emitidos pelo poder público estadual (todos os estados), que fizeram de alguma forma regulamentação ou deram direcionamentos à utilização da compliance ou de medidas anticorrupção introduzidas pela Lei n. 12.846/2013. Utilizou-se o ambiente web com consulta direta aos sites dos governos estaduais ou de suas assembleias legislativas, que praticam transparência ativa, a qual consiste na divulgação periódica e sistematizada das informações estatais (Zuccolotto et al., 2015Zuccolotto, R., Teixeira, M. A. C., & Riccio, E. L. (2015). Transparência: Reposicionando o debate. Revista Contemporânea de Contabilidade, 12(25), 137-158. https://doi.org/10.5007/2175-8069.2015v12n25p137
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), ou ainda as voluntária ou obrigatoriamente tornadas visíveis (Michener & Bersch, 2013Michener, G., & Bersch, K. (2013). Identifying transparency. Information Polity, 18(3), 233242. https://doi.org/10.3233/IP-130299
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).
Para a análise dos dados, foram seguidos os passos: i) análise de conteúdo para os documentos coletados, com vistas a compreender os dispositivos da Lei Anticorrupção promulgados em cada estado, sobretudo compliance - responsabilização e integridade; ii) sequencialmente, abordou-se se haveria a ocorrência de isomorfismo mimético entre os estados e a União; as categorias de conteúdos analisados contemplaram a verificação de: existência de regulamentação da responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, implantação de programas de integridade na própria administração pública dos estados brasileiros e existência de programas de integridade da administração pública com os seus fornecedores, como condicionante na celebração de contratos nos estados nacionais; iii) com os dados reunidos, para melhor visualização, utilizou-se da estatística descritiva simples para a construção de tabelas com as informações obtidas nos estados da Federação.
DISCUSSÕES SOBRE A COMPLIANCE NOS ESTADOS BRASILEIROS E O ISOMORFISMO
Considerando as ações implementadas de enfrentamento à corrupção no âmbito da administração pública federal, os estados subnacionais também se puseram a regulamentar a Lei n. 12.846/2013, introduzindo em suas estruturas jurídicas leis e decretos, como medidas de prevenção às ações corruptas, que têm relações com programas de integridade (compliance).
Restringindo o objeto desta fase da investigação apenas ao campo organizacional dos estados da Federação, não sendo a Lei Anticorrupção de uso obrigatório por eles, percebeu-se que as unidades estaduais que fizeram a regulamentação interna da lei buscaram legitimação, uma forma de isomorfismo, considerando aqui a necessidade que os estados possuem em apresentar, mesmo que apenas aparente, o combate à corrupção como resposta à sociedade e a seus pares.
Os estados estão, aparentemente, alinhados com a ideia de Meyer e Rowan (1977)Meyer, J. W., & Rowan, B. (1977). Institutionalized organizations: Formal structure as myth and ceremony. The University of Chicago Press, 83(2), 340-363. https://www.jstor.org/stable/2778293
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, que afirmam que as organizações buscam aumentar sua legitimidade por meio da implantação de práticas já institucionalizadas na sociedade. Adicionalmente a isso, incorre-se na prática de isomorfismo mimético, pois suas ações são adequadas ao pressuposto de Dimaggio e Powell (2005)Dimaggio, P. J., & Powell, W. W. (2005). A Gaiola de Ferro revisitada: Isomorfismo institucional e racionalidade coletiva nos campos organizacionais. Revista de Administração de EmpresasRAE, 45(2), 75-89. https://periodicos.fgv.br/rae/article/view/37123
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de que as organizações tendem a tomar como modelo em seu campo outras organizações que elas percebem ser mais legítimas.
Desejando constatar a incidência dessa legitimação por meio de mimetismo entre os estados brasileiros, por meio de consulta realizada aos sítios eletrônicos de cada uma das 27 administrações estaduais, considerando o Distrito Federal como um estado, foram coletadas informações acerca da normatização da Lei Anticorrupção desses entes com foco em três perspectivas normativas:
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responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública (responsabilização administrativa);
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implantação de programas de integridade na própria administração pública dos estados (compliance público);
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exigência de programas de integridade de seus fornecedores na celebração de contratos (exigibilidade de compliance).
O resultado da investigação junto aos estados, realizada até a segunda semana de outubro de 2023, está sumarizada na Tabela 1. É apresentado dentro das três perspectivas acima e dentro de suas macrorregiões. Os estados estão representados por suas siglas.
Percebeu-se que as regulamentações nas alçadas estaduais foram ocorrendo de maneira gradativa, e ainda estão ocorrendo, diante do ambiente político/administrativo permeado de incertezas, fato inferido pelas recentes publicações dos normativos dos Estados do Maranhão (Dec. n. 38.074, de 2 de janeiro de 2023), São Paulo (Dec. n. 67.683, de 5 de maio de 20 23) e Mato Grosso (Dec. n. 376, de 26 de julho de 2023), reproduzindo o isomorfismo mimético que Dimaggio e Powell (2005)Dimaggio, P. J., & Powell, W. W. (2005). A Gaiola de Ferro revisitada: Isomorfismo institucional e racionalidade coletiva nos campos organizacionais. Revista de Administração de EmpresasRAE, 45(2), 75-89. https://periodicos.fgv.br/rae/article/view/37123
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explicam como sendo respostas padronizadas a incertezas simbólicas, constituindo uma forma encorajadora à imitação.
Sob o aspecto da responsabilização administrativa nos estados, 20 em 27 estados possuem algum dispositivo que o regulamentou. Para além da regulamentação em comum, pode-se perceber algumas similaridades na estrutura da construção dos normativos estaduais em relação à Lei Anticorrupção federal, ou de seu regulamento, o Decreto n. 11.129, de 11 de julho de 2022 (2022)Decreto n. 11.129, de 11 de julho de 2022. (2022). Regulamenta a Lei n. 12.846, de 1 de agosto de 2013. Brasília, DF., e entre os próprios dispositivos estaduais, como se demonstra abaixo:
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Lei Anticorrupção - da responsabilização administrativa, do processo administrativo de responsabilização, do acordo de leniência, da responsabilização judicial;
-
Regulamento da Lei Anticorrupção - da investigação preliminar, do processo administrativo de responsabilização, das sanções administrativas e dos encaminhamentos judiciais, do acordo de leniência, do programa de integridade, do cadastro nacional de empresas inidôneas e suspensas e do cadastro nacional de empresas punidas;
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Pará - da investigação preliminar, do processo administrativo de responsabilização, da desconsideração da personalidade jurídica, da aplicação das sanções, da simulação ou fraude na fusão ou incorporação, da responsabilização judicial, do acordo de leniência, do programa de integridade;
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Ceará - da investigação preliminar, do processo administrativo de responsabilização, do programa de integridade, da desconsideração da personalidade jurídica, do recurso administrativo, da aplicação das sanções, do acordo de leniência, dos mecanismos de prevenção à corrupção;
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Maranhão - da responsabilização administrativa, do processo administrativo de responsabilização, das sanções administrativas e dos encaminhamentos judiciais, do acordo de leniência, do programa de integridade, do cadastro nacional de empresas inidôneas e suspensas e do cadastro nacional de empresas punidas;
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Mato Grosso do Sul - da investigação preliminar, do processo administrativo de responsabilização, da desconsideração da personalidade jurídica, da simulação ou da fraude na fusão ou incorporação, da aplicação das sanções, do acordo de leniência;
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Rio de Janeiro - da competência para instauração e julgamento do processo administrativo de responsabilização, da investigação preliminar, da instauração, instrução e julgamento do processo administrativo de responsabilização, da desconsideração da personalidade jurídica, da simulação ou fraude na fusão ou incorporação, da aplicação de sanções, do acordo de leniência, do programa de integridade.
Observou-se ainda, ao tratar das sanções administrativas, invariavelmente, que as regulações estaduais preveem a aplicação de multas; é o caso, por exemplo, dos Estados de Rondônia, Alagoas, Pernambuco e Rio Grande do Sul. Sistematicamente essas regulações também preveem a inclusão dos sancionados no cadastro de empresas punidas, seja esse cadastro de âmbito nacional ou estadual; é o caso, por exemplo, dos Estados de Goiás, Tocantins, Alagoas e Pernambuco.
Sob o aspecto do compliance público, 17 entre os 27 estados já possuem algum tipo de norma que inclui em suas administrações o uso de programas de integridade. Novamente destaca-se a semelhança entre os dispositivos, como se demonstra abaixo:
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Rondônia - fica instituído o programa de integridade na administração direta e indireta vinculadas ao Poder Executivo Estadual, excetuadas as empresas públicas e as sociedades de economia mista;
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Goiás - institui o programa de compliance público no Poder Executivo;
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Pernambuco - fica instituído o Programa Pernambuco Mais Íntegro (PPMI), o qual visa estabelecer objetivos e diretrizes para a promoção da ética, da integridade, da probidade e do respeito às normas que regulamentam as relações entre a administração pública e os setores público e privado, bem como definir a estrutura dos programas e plano de integridade;
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Minas Gerais - a Política Mineira de Promoção da Integridade (PMPI) estabelece, no âmbito da administração pública direta e indireta do Poder Executivo, os objetivos e diretrizes para a promoção da ética, da probidade e do respeito às normas que regulamentam as relações entre a administração pública e os setores público e privado, e define a estrutura dos programas e plano de integridade e das entidades;
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São Paulo - fica instituído o Plano Estadual de Promoção de Integridade, como instrumento de orientação aos programas de integridade a serem implementados junto aos órgãos e entidades da administração direta e autárquica.
Do prisma da exigibilidade de compliance, 11 entre os 27 estados exigem programas de integridade aos seus fornecedores na celebração de contratos. Ao se analisar a concepção das normas estaduais, pode-se novamente inferir a ocorrência de mimetismo, quando da estipulação de valor mínimo da contratação para a exigência de programa de integridade, como exposto a seguir:
“Distrito Federal: [...] com valor global igual ou superior a R$ 5 milhões;
Goiás: [...] cujos limites em valor sejam superiores ao da modalidade de licitação concorrência, sendo R$ 1,5 milhão para obras e serviços de engenharia e R$ 0,65 milhão para compras e serviços;
Sergipe: [...] cujos limites em valor global sejam iguais ou superiores a R$ 1 milhão para obras de engenharia e gestão e R$ 0,65 milhão para compras e serviços;
Amazonas: [...] cujos limites em valor sejam superiores ao da modalidade de licitação concorrência, sendo R$ 3,3 milhões para obras e serviços de engenharia e R$ 1,43 milhão para compras e serviços;”
Outro exemplo de homogeneidade entres os normativos estaduais é o prazo mínimo da contratação:
“Goiás: [...] o prazo do contrato seja igual ou superior a 180 (cento e oitenta) dias;
Distrito Federal: [...] Aplica-se esta Lei em sua plenitude às pessoas jurídicas que firmem relação contratual com prazo de validade ou de execução igual ou superior a 180 dias; Amazonas: [...] o prazo do contrato seja igual ou superior a 180 (cento e oitenta) dias;
Rio de Janeiro: [...] o prazo do contrato seja igual ou superior a 180 (cento e oitenta) dias; Maranhão: [...] Aplica-se esta Lei em sua plenitude às pessoas jurídicas que firmem relação contratual com prazo de validade ou de execução igual ou superior a 180 dias”.
Enfim, com as análises das legislações da União e dos estados sobre a compliance, não há rejeição da proposição deste trabalho, reiterando-se a cópia ou imitação de novos processos lícitos pelos entes subnacionais com menores capacidades estatais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os resultados desta discussão apontaram para a utilização de mecanismos isomórficos miméticos no processo de institucionalização da compliance como instrumento mitigador de episódios de corrupção no ambiente institucional dos estados brasileiros. A Lei n. 12.846/2013 impulsionou no cenário nacional a utilização da compliance na administração pública, mesmo não sendo seu uso de obrigatoriedade dos estados. Estes passaram a copiar suas diretrizes, incorporando-as por meio de normativos próprios, que quase sempre possuem em seu corpo teor muito semelhante ao da lei federal ou da lei de outro estado quando este fez alguma adaptação, caracterizando o isomorfismo mimético.
Como consequência deste trabalho, abre-se um campo a ser explorado, sugerindo-se discussões futuras que contemplem, por exemplo: i) custos da implantação e uso da compliance no setor público; ii) compliance na gestão da tecnologia da informação; iii) compliance na gestão de pessoal; e iv) maturidade do uso da compliance na gestão dos entes subnacionais. Todas essas sugestões podem acrescentar conhecimentos às áreas; o incentivo é para investigações com a coleta de dados primários, e não somente a análise documental ou de leis.
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Publicação nesta coleção
04 Mar 2024 -
Data do Fascículo
2024