RESUMO
Este artigo trata-se de um recorte da trajetória da artista negra Maria Iara Santos Deodoro a partir de sua atuação artístico-pedagógica junto ao Grupo Afro-Sul de Música e Dança. O artigo também reflete e contextualiza alguns eventos e pontos acerca do debate das relações étnico-raciais no tocante das Artes Cênicas no Sul do Brasil e possíveis desdobramentos. Discute-se a corporeidade, a oralidade e a musicalidade entrelaçadas com a dança enquanto perspectivas afro-orientadas do Grupo Afro-Sul na luta contra o racismo.
Palavras-chave: Mestra Iara Deodoro; Dança Afro-Gaúcha; História da Dança; Relações Étnico-Raciais; Rio Grande do Sul
RÉSUMÉ
Le mot youruba ìpàdé, traduit comme rencontre, clarifie l’objectif de cet article : le rencontre entre les lecteurs et une coupure de le parcours de l’artiste noire gaucha Maria Iara Santos Deodoro (Maître Iara), avec l’objectif de rendre évident la présence noire dans l’historiographie de la danse du Rio Grande do Sul et de débattre les relations ethno-raciales dans les arts vivants du Brésil. Maître Iara est artiste-fondatrice du Grupo Afro-Sul de Música e Dança (Groupe Afro-Sud de Musique et Danse), créé en 1974 dans la cité de Porto Alegre-RS, où depuis plus de 45 ans elle se consacre à l’enseignement et à la création de la Danse Afro-Gaucha, en méttant en évidence la présence noir-africaine dans le sud du Brésil.
Mots-clés: Mestra Iara Deodoro; Dança Afro-Gaúcha; História da Dança; Relações Étnico-Raciais; Rio Grande do Sul
ABSTRACT
This paper follows the journey of the Black artist Maria Iara Santos Deodoro and her artistic-pedagogical work with the Afro-Sul Music and Dance Group. It also reflects and contextualizes certain events and topics in the debate on ethnic-racial relations concerning the Performing Arts in southern Brazil and further exchanges. Corporeality, orality, and musicality intertwined with dance are discussed as Afro-oriented perspectives practiced by the Afro-Sul Group in the fight against racism.
Keywords: Maestra Iara Deodoro; Afro-Gaúcha dance; Dance History; Ethnic-Racial Relations; Rio Grande do Sul
Introdução
A palavra de origem yorubá Pàdé, apócope de Ìpàdé, é utilizada no contexto das religiões de matriz africana, (re)criadas no Brasil e fruto da diáspora negra nas Américas, para referir-se à cerimônia ritual dedicada Èsú1, divindade cujo simbolismo e importância como elemento dinâmico lhe confere status de primeiro invocado e, por consequência, ritos prioritários. Desse modo, nessa (afro)perspectiva, faz-se imprescindível saudá-lo, uma vez que ele compõe o elo de comunicação com a ancestralidade negra, africano-brasileira.
A palavra Ìpàdé também é traduzida em português como encontro, reunião ou ato de reunir (Santos, 1986; Beniste, 2011), ações presentes nos ritos religiosos de comunidades de terreiro. Essas comunidades podem ser entendidas, resumidamente, como “[...] comunidades religiosas nas quais a música e a dança, aspectos vitais da religião herdada dos escravizados africanos, complementam-se para oferecer uma visão particular do mundo” (Santos, 2006, p. 31), de modo que, respeitando a importância simbólica do Pàdé, ressaltamos que o uso do termo Ìpàdé tem a intenção de convidar à reunião entre leitores e um recorte da trajetória da artista negra gaúcha Maria Iara Santos Deodoro2, conhecida no meio artístico como Mestra Iara. Esse encontro possibilita a promoção de visibilidade da presença negra na História da Dança do e no Rio Grande do Sul e, concomitantemente, impulsiona o debate acerca das relações étnico-raciais no tocante das Artes Cênicas do Brasil.
Assim como Olórun representa o princípio da existência genérica, Èsù é o princípio da existência diferenciada em consequência de sua função de elemento dinâmico que o leva a propulsionar, a desenvolver, a mobilizar, a crescer, a transformar, a comunicar.
Sendo Èsù princípio diferencial, “[...] dialógico e mediador entre os mitemas do ocidente e da África” (Martins, 1995, p. 56), reforçamos sua importância como operador simbólico neste artigo, pois como propulsor dinâmico na difusão dos valores civilizatórios Afro-brasileiros, sobretudo, da ancestralidade. Filosoficamente, Èsú desempenha papel fundamental na salvaguarda da memória africana, em África e na diaspórica e, portanto, atinente à difusão de narrativas afro-orientadas e negrorreferenciadas.
As reflexões apresentadas a seguir, são parte da pesquisa intitulada FalarFazendo Dança Afro-Gaúcho: ao encontro com Mestra Iara, desenvolvida em nível de mestrado5, que apresenta, como um dos objetivos, evidenciar memórias e narrativas negras na dança produzida no Rio Grande do Sul. A pesquisa citada teve, como propósito principal, compreender como as práticas artístico-pedagógicas em Danças Negras6, conduzidas por Mestra Iara, conferiam identidade(s) própria(s) à dança produzida pelo Grupo Afro-Sul de Música e Dança. Essa linguagem artística própria estabelece um sotaque específico e sedimenta a Dança Afro-Gaúcha, ou seja, as Danças Negras produzidas no contexto do Grupo Afro-Sul.
Neste artigo, apresentamos um breve recorte do estudo, enfatizando as memórias acerca do surgimento do Grupo Afro-Sul de Música e Dança em 1974, na cidade de Porto Alegre-RS. Também, reconhecemos o lugar dessa narrativa em um território epistêmico afroperspectivado7, a fim de apresentar as contribuições dessa artista negra à dança no estado do Rio Grande do Sul, bem como, no tocante à discussão das relações étnico-raciais nas Artes Cênicas no Brasil8.
Como sopro, hálito, dicção e acontecimento performático, a palavra proferida e cantada grafa-se na performance do corpo, portal de sabedoria. Como índice de conhecimento, a palavra não se petrifica em um depósito ou arquivo estático, mas é, essencialmente, kineses, movimento dinâmico, e carece de uma escuta atenciosa, pois remete a uma poesis da memória performática dos cânticos sagrados e das falas cantadas no contexto dos rituais. O estudo dessa textualidade realça a inscrição da memória africana no Brasil em vários domínios: nos feixes de formas poéticas, rítmicas e de procedimentos estéticos e cognitivos fundados em outras modulações da experiência criativa; nas técnicas e gêneros de composição textual; nos métodos e procedimentos de resguardo e de transmissão do conhecimento; nos atributos e propriedades instrumentais das performances, nas quais o corpo que dança, vocaliza, performa, grafa, escreve (Martins, 2003, p. 67).
A noção de oposição entre escrita e performance, balizada principalmente por hierarquizações perpetradas pelo modus operandi característico do ocidente, produz um apagamento sistêmico das memórias negras, alijando grande parte da população brasileira do reconhecimento das africanidades fundantes da cultura brasileira, sobretudo do seu pertencimento étnico-racial. No entanto, cabe evidenciar que os esforços para manter viva a memória foram diversos, desde jornais, romances, folguedos, cortejos e associações fundadas por pessoas negras9, entre outros.
Essa demanda, por si só, justifica a emergência de criação de leis que garantam ações afirmativas no campo da educação, sendo a Lei n.º 10.639 de 2003 um marco importante que prevê o ensino da cultura e história africana e afro-brasileira em todos os níveis de ensino (Brasil, 2003). Sua relevância é evidenciada pelo fato de que as narrativas relativas às africanidades no Brasil e as memórias acerca do protagonismo negro têm sido recalcadas pela colonialidade e ignoradas pela branquitude10, que segue o seu itinerário colonial de seu lugar de privilégio, cuja manutenção é garantida pelo racismo estrutural incutido nas mais diversas esferas do tecido social brasileiro, negando-se a reflexão.
Ao ignorar a escrita do corpo negro nos espaços sociais de poder, relegando-o à invisibilidade, rejeita-se as diversas hipóteses que entendem a corporeidade como documento produzido também pela gestualidade, produtora de técnicas corporais que expressam a herança ancestral de matriz africana, logo, a(s) identidade(s) Negra(s). A oralidade, nesse sentido, é tomada como fundamento ancestral africano para a construção de conhecimento (Alves Neto, 2019).
A tradição oral é a grande escala da vida, e dela recupera e relaciona todos os aspectos. Pode parecer caótica àqueles que não lhe descortinam o segredo e desconcertar a mentalidade cartesiana acostumada a separar tudo em categorias bem definidas. Dentro da tradição oral, na verdade, o espiritual e o material não estão dissociados. Ao passar do esotérico para o exotérico, a tradição oral consegue colocar-se ao alcance dos homens, falar-lhes de acordo com o entendimento humano, revelar-se de acordo com as aptidões humanas. Ela é ao mesmo tempo religião, conhecimento, ciência natural, iniciação à arte, história, divertimento e recreação, uma vez que todo pormenor sempre nos permite remontar à unidade primordial.
Logo, escutar, sentir, mover, dançar, gingar, ler, refletir, observar, analisar, falar, escrever, assimilar, reescrever, criar e ensaiar foram alguns dos procedimentos elencados, sem hierarquias, no processo da pesquisa1111, visando subsidiar um estudo pautado no gesto, que, dialogicamente, materializa o som, corporalizando a rítmica dos tambores.
Mestra Iara e a Dança
Maria Iara Santos Deodoro nasceu em 25 de setembro de 1955, filha de Verônica da Silva Santos, conhecida como Tia Lili, e de Vilson Santos. Criou-se no bairro Petrópolis, em Porto Alegre-RS, rodeada pelas duas irmãs biológicas e um irmão adotivo. Aos quatro anos de idade ficou órfã do pai.
Ela (Tia Lili) criou um sistema de proteção pra gente, principalmente pra mim que era a mais nova, então a minha irmã do meio, com quatro anos, eu tinha quatro ela tinha oito, ela responsável por mim. Então ela que tinha que dar conta das minhas demandas. Minha mãe saía cedo de casa e só voltava tarde, porque ela trabalhava em casa de família e depois em restaurante, e aí a noite ela vinha cheia de coisa, cheia de comida, e a nossa casa ficou sendo uma casa só de mulheres, éramos quatro mulheres! (Deodoro, 2018).
Contemplada com uma bolsa de estudos no Colégio Santa Inês, escola confessional católica mantida pela Congregação das Irmãs Escolares de Nossa Senhora, localizada no bairro Petrópolis em Porto Alegre-RS, por volta de 1963 e1964, aos oito anos de idade, Iara tem seus primeiros contatos com a dança na escola, por meio de práticas corporais da Ginástica Artística, que na época era chamada de “Ginástica Educacional Feminina Moderna”, ministrada por Nilva Therezinha Dutra Pinto1212 (1934-2020), professora de Educação Física e Dança. A profª. Nilva Pinto, como era conhecida, foi a primeira professora de Mestra Iara, sendo a responsável por toda sua formação de artista da dança, que aconteceu concomitantemente a sua formação no ensino fundamental e médio. Vale ressaltar que Nilva Pinto foi uma das importantes precursoras do ensino da dança em contextos escolares na capital gaúcha, durante as décadas de 1960 e 1970. O grupo coordenado pela professora no Colégio Santa Inês caracterizava-se pela investigação de diversas culturas e sua potência estava na reinterpretação das Danças Folclóricas do Brasil (Deodoro, 2018).
Inserida num contexto escolar privado, majoritariamente acessado por pessoas brancas, Mestra Iara pontua que não sentia preconceito na infância. “Se tinha, e provavelmente deveria ter, eu não percebia. Hoje, o racismo é bem mais agressivo” (Deodoro, 2018).
A Educação no Brasil, especificamente no período referente à segunda metade do séc. XX, exclui da discussão os conflitos e desigualdades sociais, decorrentes do racismo que estrutura a organização da sociedade brasileira. A escola também é marcada por uma corrente teórica que intenta difundir a ideia de que o país vive uma democracia racial, o sistema educacional brasileiro adere e difunde esse discurso acerca da igualdade racial, mascarando o racismo em enunciados ambíguos. A Escola recusava-se a discutir as condições reais de subalternidade e exclusão social legada à população negra, antes e após o 13 de maio de 1888, quando foi promulgada a Lei 3.353/1888, conhecida como Lei Áurea (Gomes, 2017).
Na adolescência, Mestra Iara praticou ginástica olímpica na SOGIPA (Sociedade de Ginástica de Porto Alegre). O grupo era fortemente influenciado tanto pelos movimentos que buscavam catalogar as expressões tradicionais da cultura gaúcha, com recorte da dança, quanto pela cultura midiática da época. As músicas que tocavam nas rádios locais, que estavam em trilha de filmes do cinema internacional, além de serem usadas para aquecimento e preparação corporal, serviam de tema para as criações da profª Nilva Pinto. As performances de telenovelas e do cinema, além da ginástica artística, influenciavam fortemente o trabalho do grupo (Alves Neto, 2019).
Ela fez uma dança que era um arremedo de uma sessão de Umbanda, a gente tinha umas roupas brancas com um pano amarrado, eu a única negra no meio, mas uma coreografia bem-feita, era um arremedo de coisas que ela percebia do ritual (Deodoro, 2018).
Além de lecionar no Colégio Santa Inês, em 1974, a professora Nilva Pinto também ministrava aulas de dança no Colégio Anchieta de Porto Alegre, a interação social entre os alunos das escolas era recorrente. As turmas se conheciam e o grande diferencial do grupo de dança do Colégio Anchieta, era dançar com música ao vivo, produzida pelo coral da escola.
O grupo do Colégio Anchieta dançava com o coral. O coral cantava. Tinha coral e banda. E na banda, tinha um menino. Ele era o único negro lá. Eu, a única negra aqui. Não deu outra né, se juntamos, né! Juntar as forças, né, instintivamente! E aí, o Marco, junto com os amigos, que é onde tinha o Paulinho, começaram a fazer essa coisa que é o AfroSul. Mas era só música. Os guris começaram a pesquisar a música negra. Naquela época, tinha uma banda africana muito conhecida, Osibisa. Eles escutavam aquele som e achavam aquele som muito familiar ao som deles. E aí eles foram participar de um festival no colégio Rosário, um festival estudantil (Alves Neto, 2019).
Interessado em pesquisar estéticas musicais africanas e afrodiaspóricas, marcadas pela discussão antirracista, o jovem Marco Faria reuniu alguns amigos e propôs a composição de uma música-protesto que pautasse as questões raciais do contexto brasileiro. Nasce a música Pergunta, criada para ser lançada em um festival estudantil de música que aconteceria no anfiteatro Colégio Marista do Rosário, em Porto Alegre-RS. Com o intuito de produzir uma performance artística completa na apresentação, os músicos resolveram convidar a jovem dançarina, Iara Deodoro, e outros quatro dançarinos para comporem o grupo.
A música composta pelo maestro Marco Farias, em 1974, dizia: Quero uma resposta inteligente para acalmar o meu eu/ O que meu avô fez de errado para isso dar no que deu?/ Ás vezes passo na rua cheia e não és capaz de me olhar/ Nunca tentaste me ouvir ou me entender/ Por que tu achas que és mais?/ Vou esfriar a cabeça como os meus ancestrais/ Vou te propor um acordo onde todos seremos iguais/ Por que.../ Depois da vida tem mais e tu não sabes.
Nesse período, Mestra Iara passou a integrar o grupo, que recebeu o nome de Afro-Sul. Desde a sua criação, em 1974, o grupo segue ativo, funcionando como potência no ensino e criação em danças e músicas afro-brasileira no sul do Brasil. A entrada da dançarina no grupo foi fundamental para que a jovem realizasse investigações artísticas de maneira colaborativa, o que auxiliou, posteriormente, a criação de suas obras coreográficas e fundamentou seu método de ensino em Danças Negras. Pontos que sedimentaram a criação da Dança Afro-Gaúcha, arriando em solo gaúcho um sotaque específico em dança, que reafirma a presença da cultura negra, de matriz africana, documentada nos corpos.
Um pedaço da África no Sul
Um pedaço da África no Sul é uma frase que está grafada ao lado da logomarca do Grupo Afro-Sul em sua sede, localizada na avenida Ipiranga na cidade de Porto Alegre. A arquitetura do espaço remete a um grande barracão que, em noites de celebração festiva, fica lotado. É um espaço semelhante a uma quadra de ensaio de escolas de samba que, em tardes de final de semana, promove feijoadas para levantar fundos e agregar ao coletivo e à comunidade de frequentadores. Muitas ações desenvolvidas têm como objetivo captar recursos para a manutenção do espaço e das produções artísticas desenvolvidas pelo grupo. O núcleo fixo do grupo de dança é também o responsável pela organização jurídica da instituição15.
Na véspera dos espetáculos, o salão da sede do Afro-Sul parece um grande ateliê de carnaval, artistas cênicos revezam e aprendem com artistas visuais, responsáveis pela estética visual (figurinos e cenografia) do grupo. Todos dedicam-se aos ofícios manuais dos arremates e aos detalhes para estreia de um novo espetáculo, ou apresentação de alguma coreografia do vasto repertório do grupo. O salão principal foi construído por volta da década de 1980. Esse espaço fazia parte da infraestrutura cedida pela prefeitura municipal de Porto Alegre para a Sociedade Cultural Beneficente Escola de Samba Garotos da Orgia16. A Escola foi fundada em 1983, na cidade de Porto Alegre, por um coletivo de amigos, alguns membros do Grupo Afro-Sul de Música e Dança. Essa agremiação é o passo inicial para a institucionalização das ações formativas já desenvolvidos pelo grupo com o intuito de trabalhar temáticas relacionadas à negritude, África e ancestralidade negra. A partir desse período, diversas ações passam a ser viabilizadas por meio da institucionalização jurídica do espaço. Tal organização tornou possível dentre outros, a construção da sede. As atividades da Sociedade Cultural Beneficente Escola de Samba Garotos da Orgia foram encerradas por volta do ano de 1998, transformando-se no Bloco Afro Odomodê (Martins, 2016; Silva, 2017; Alves Neto, 2019).
O espaço permanece como sede do grupo e se fortalece como aquilombamento urbano, um terreiro. Sodré (1988, p. 54) aponta que o terreiro não tem como intuito “[...] excluir os parceiros do jogo (brancos, mestiços, etc.) nem rejeitar a paisagem local, mas sim, permitir a prática de uma cosmovisão exilada”, pois “[...] a cultura não se fazia aí como efeito de demonstração, mas como uma reconstrução vitalista para ensejar uma continuidade geradora de identidade” (Sodré, 1988, p. 54).
Esse aquilombamento na encruzilhada de saberes, entre África e Rio Grande do Sul, é um território que emana saberes ancestrais africanos e afrobrasileiros em suas cores, sons e gestos de resistência em meio a uma geografia urbana da capital do Rio Grande de Sul. Saber mais sobre aquele espaço demandava uma consciência sobre o histórico de lutas travadas desde a década de 1970 por artistas negros em movimento, engajados na criação de possibilidades de vida através da arte. A dança aparece aí como símbolo de resistência constituinte de entidades organizadas do Movimento Social Negro na luta por igualdade e justiça social. A corporeidade é a linguagem para manifestos sobre ancestralidade, dentre outros valores civilizatórios afro-brasileiros. Como explicita Amélia Conrado (2006, 2018), na década de 1970, despontam, no Brasil, grupos que dão visibilidade e legitimidade à cultura negra através da dança e da música, como o Núcleo Cultural Afro-Brasileiro, a Sociedade Malê Cultura e Arte Negra, o Grupo Negô, o Grupo de Teatro Palmares Inarone os blocos afros, como Ilê Aiyê, todos na Bahia. Em Pernambuco, é criado o Balé Popular do Recife. É nesse momento de reafirmação nacional da presença negra que em emerge, no ano de 1974, o Grupo Afro-Sul de Música e Dança. Outras entidades organizadas, como a Sociedade Cultural Floresta Aurora e Sociedade Satélite Prontidão fizeram parte desse movimento de promoção, afirmação e legitimação na cultura negra no Estado.
Desde a década de 1980, ações de cunho artístico e cultural vem sendo desenvolvidas no espaço do Afro-Sul. Desde aulas de percussão, com professores e mestres de Porto Alegre e da África, aulas regulares de Dança AfroGaúcha com Mestra Iara, além de um evento chamado Domingo Cultural e Feijoadas beneficentes, dentre outras ações que conferem ao espaço o status de Ponto de Cultura reconhecido pelo Ministério da Cultura (MinC). As práticas artístico-pedagógicas engajadas, militantes e poéticas, operam na dimensão política através do gesto, seja em música ou dança, tal qual o fez o grupo em sua estreia no festival de música em 1974 (Martins, 2016).
Insurgência Negra ao som do tambor
A década de 1970, período em que o Grupo Afro-Sul de Música e Dança foi fundado, é marcada pela luta dos movimentos sociais contra o regime político de cerceamento de direitos conquistados historicamente pela população brasileira. Nesse período, surgem grupos organizados do Movimento Social Negro em diversas cidades do Brasil. Apresento a seguir algumas referências pra contextualizar o momento histórico do debate acerca das relações étnico-raciais protagonizado pela movimentação de pessoas negras engajadas na luta antirracista e anticolonial, que exerceu importante influência no cenário nacional e local na segunda metade do século XX.
O surgimento Movimento Negro Moderno na década de 1970 é fruto do aprendizado e das movimentações políticas vividas na primeira metade do século XX. Dentre elas, destacam-se ações no espaço urbano, marcado sobretudo por reivindicações políticas recorrentes desde o período pós-abolição no Brasil. A educação sempre foi um dos temas centrais, debatido no sentido de cobrar a reparação frente ao longo período de escravização. No entanto, o Estado permanecia insensível diante da situação da população negra brasileira. Em 1929, foi divulgado o primeiro Congresso da Mocidade Negra, que não aconteceu. Uma das relevantes pautas previstas para o evento era o acesso da população negra ao sistema público de educação (Pereira, 2010).
Faz-se necessário citar a Frente Negra Brasileira (FNB), sediada em São Paulo, organizada por volta de 1930, que era um movimento ativo na construção do debate público sobre a população negra e o mundo do trabalho. O grupo tencionava para que houvesse a construção de políticas públicas que salvaguardassem o direito de ingresso da população negra na Guarda Civil de São Paulo, consequentemente, abrindo precedente para o ingresso de pessoas negras em outros espaços do mundo do trabalho (Pereira, 2010).
Esse histórico de lutas continua se desenvolvendo e alguns grupos seguem se movimentando politicamente através de práticas artísticas, apresentações de performances, desenho ou outras artes. Esse uso da linguagem afroorientada merece destaque na história das Artes e representa uma grande contribuição para a consolidação do Movimento Social Negro em um âmbito nacional. A seguir, apresentamos alguns exemplos de grupos que articulam a linguagem cênica e movimentos políticos afrocentrados e outros que avançam a conversa política, sem articulação com movimentos artísticos. Além disso, correlaciona-se o período histórico que é pano de fundo para essas ações políticas e/ou artísticas.
O Teatro Experimental do Negro (TEN)17, fundado em 1944, por Abdias do Nascimento, na cidade do Rio de Janeiro-RJ, por exemplo, inaugurou uma proposta estética e política em Artes Cênicas ao se colocar como instância de militância dentro e fora dos palcos, encampando propostas políticas nos campos da educação e da cultura e fomentando uma imagem positiva acerca da Cultura Negra Afro-brasileira (Gomes, 2017).
Em várias cidades do Rio Grande do Sul, foram criados Clubes Sociais Negro, especialmente entre o final do século XIX e início do século XX. Vale ressaltar que esses clubes não eram exclusivos para pessoas negras, eram dirigidos por comunidades negras e acolhiam pessoas de diferentes identidades étnico-raciais. Os Clubes Sociais Negros são importantes territórios de sociabilidade, educação e resistência na luta antirracista. São potentes núcleos de articulação e formação política negra, necessária ao enfrentamento das agruras decorrentes do modo como o racismo opera no Rio Grande do Sul (Nunes, 2016). Por volta dos anos 1970, surge o movimento negro moderno, que se caracteriza pela afirmação de uma identidade negra como forma de negociar a integração da sociedade brasileira. Esses grupos modernos irrompem com questões pautados por movimentos anteriores a esta década. Grupos como a Frente Negra, União dos Homens de Cor, entre outros espaços negros, assumiram uma “[...] ideologia nacionalista de integração e assimilação, deixando de fora desta mobilização a defesa das formas culturais africanas” (Guimarães, 1999 apud Campos, 2006).
Diante de toda a recessão vivida no período da Ditadura Militar (19641988), o Ato Institucional 5 (AI-5), emitido pelo presidente Arthur da Costa e Silva no dia 13 de dezembro de 1968, é marcante para a trajetória dessa geração que criava estratégias políticas através da potência educativa da Arte, pois, além de suprimir o poder legislativo, resultando na perda do mandato de parlamentares contrários a ditadura militar, o AI-5 legitimou medidas de controle de produções artísticas e culturais do país por meio de intervenções realizadas pelo Departamento de Ordem Política e Social (DOPS).
A principal característica que marcava o movimento negro durante o período republicano, o Estado Novo e o início da ditadura civil militar era o foco dado às reivindicações acerca da inclusão dos negros na sociedade de direitos por meio do acesso à educação e ao mercado de trabalho (Pereira, 2011), já que, nessa época, poucas pessoas negras conseguiam se alfabetizar, frequentar cursos de formação ou atuar no mercado de trabalho com remuneração equivalente à de uma pessoa branca na mesma função. O mercado de trabalho restringia a presença negra, reflexo da ideologia racista impregnada de maneira sistêmica na sociedade brasileira da época.
Decididos a buscar alternativas ao 13 de maio, Oliveira Silveira, Antônio Carlos Cortes, Ilmo Silva e Vilmar Nunes realizam algumas discussões na Andradas sobre a falta de outros referenciais para o negro na História oficial. A partir dessa constatação, decidiram pesquisar datas que pudessem ser representativas para o povo negro. Uma revista da coleção Grandes Personagens da História, da Editora Abril, abordando a figura de Zumbi dos Palmares, chamou atenção do grupo. Seria esse um referencial forte por tratar-se de um personagem libertário e não libertado. Ao mesmo tempo, a história de resistência de Palmares era reconhecida, ainda não oficialmente, como um marco da presença negra no Brasil (Campos, 2006, p. 51).
A partir dessa ação, o 20 de novembro passou a ser celebrado como Dia da Consciência Negra, em alusão ao assassinato de Zumbi dos Palmares, ocorrido em 20 de novembro de 1695. Além de incluir o dia 20 de novembro no calendário nacional, o Grupo Palmares (RS) foi um dos precursores na inclusão da pauta de construção de uma nova identidade negra, referenciada em aspectos globais e locais, pois o debate político sobre a importância das Africanidades era latente. A esse respeito, destaca-se a obra de Oliveira Silveira, que trazia a temática como ponto central e extremamente relevante para sua poética, a ponto de ficar conhecido posteriormente como poeta da Consciência Negra. Oliveira Silveira (2021) afirmava que, para a população e para os movimentos negros, a Consciência Negra significava “[...] a busca de um conhecimento sobre nós mesmos”.
A ação política do poeta Oliveira Silveira e de outros militantes gaúchos engajados na luta antirracismo nas décadas de 1960 e 1970 fez o país perceber que existem negros e negras no Rio Grande do Sul, sobretudo movimentando questões políticas e artísticas fundamentais para a emancipação de corpossujeitos negros do Brasil e, concomitantemente, resistindo e questionando os privilégios da branquitude que reside no estado com o maior número de colônias europeias do Brasil.
O território e suas articulações socioculturais aparecem como uma categoria dinâmica própria, e irredutível às representações que a convertem em puro receptáculo de formas e significações. Essa dimensão incita à produção de um pensamento que busque discernir os movimentos de circulação e contato entre grupos e em que os espaços surjam não como um dado autônomo, estritamente determinante, mas como um vetor de efeitos próprios, capaz de afetar as condições para a eficácia de algumas ações humanas (Sodré, 1988, p. 15).
Cabe ressaltar que o território sede do grupo Afro-Sul é referência no que diz respeito aos espaços socioculturais marcadamente orientados por valores civilizatórios afro-brasileiros18. Seja através das corporeidades evocadas no ensino das Danças Negras, na musicalidade, que ecoa das aulas de percussão ministradas pelo Mestre Paulo Romeu19, nos shows, nas imersões artísticas, nos encontros presenciais na sede do grupo, ou de maneira remota, via lives e postagens educativas nas redes sociais, as ações do grupo estabelecemse como movimento de caráter político-estético.
As ações artístico-pedagógicas desenvolvidas pelo Grupo Afro-Sul são muitas, e acontecem de acordo com a programação institucional. Geralmente, são abertas ao público em geral, ou dentro da cozinha, nas pausas das aulas, dos ensaios, ou em prosas de horas que se debruçam em tematizar desde técnicas de preparo de uma boa feijoada a análises da situação política internacional. Essas ações promovem a difusão dos valores civilizatórios afro-brasileiros, bem como apresentam as disparidades históricas veladas pelo racismo e apontam estratégias da luta antirracista, tanto do contexto local quanto do contexto global, efetivando canais para educação das relações étnico-raciais através da arte. Isso ocorre mediado pelos esforços de Mestra Iara em promover práticas artístico-pedagógicas que explicitam a articulação entre as técnicas e poéticas das Danças Negras aos valores civilizatórios afro-brasileiros.
Sedimento ao longo de 30 anos, Mestra Iara atua a partir de uma pedagogia própria e em constante transformação, nomeada pelos alunos como Pedagogia da Bagunça. Marcadamente feminista e antirracista, a pedagogia da mestra assume que é no gestual ensinado e aprendido nas aulas de danças e de percussão que está a potência educativa antirracista.
A relação entre corpo, tambor e memória ancestral é exaltada nas danças de expressão e estética Negra, sejam nos rituais sagrados ou nas criações artísticas. Segundo Mestra Iara (Alves Neto, 2019), a escuta do tambor foi um dos primeiros procedimentos que experimentou para a criação de seu trabalho artístico e pedagógico. A polirritmia presente na linguagem dos toques era corporificada e traduzida em dança. Enquanto criadora em Danças Negras, a linguagem do tambor foi elemento fundamental na experiência de acesso e fortalecimento de sua memória ancestral, no e pelo corpo.
A partir desses processos, constata-se que é na dança e no toque dos tambores que embalam os corpos de integrantes e visitantes do grupo, nos debates de elaboração das dramaturgias gestadas processualmente para a composição dos espetáculos do grupo, nos valores e aspectos que pautam a sociabilidade do território que o Grupo Afro-Sul promove o enfrentamento ao racismo. É no saber-fazer estético-corpóreo do grupo que reside a resistência vitaminada pela oralidade, corporeidade e musicalidade promotoras da Força Vital emanada pela dança. Como exemplo, citamos as obras cênicas20 e Reminiscência, memórias do meu carnaval21, responsáveis por mobilizar o debate político, afroperspectivado, acerca de questões como a mitologia Yorubá e a mulher na contemporaneidade, e o racismo institucional que marginaliza o carnaval no Rio Grande do Sul.
Nessas coreografias, apresentam-se corporalidades negras insubmissas, que fomentam, através de suas poéticas, estratégias para emancipação social. Além de dançarina, Mestra Iara é precursora na produção de um aporte estético-corporal de cunho político antirracista e de(s)colonial no campo das Artes Cênicas, especificamente na dança, na capital gaúcha.
O poeta Oliveira Silveira mantinha laços de fraternidade com integrantes do Grupo Afro-Sul e, quando interpelado por Mestra Iara que se percebia distante das rotinas burocráticas de reuniões promovidas por grupos de intelectuais do movimento negro, carinhosamente, Oliveira Silveira atestou a importância do saber-fazer em dança desenvolvido pela mestra para a luta antirracista, como forma de elaboração de consciências negras. Oliveira Silveira reforçava que o ensino das Artes é um lugar legítimo do ativismo negro, haja visto que os corpos negros em movimento desvelavam um pensamento-ação político-estético pautado nos valores civilizatórios afro-brasileiros. Esses valores sedimentam a proposta artístico-pedagógica da Mestra para estimular um debate político efetivo sobre as relações étnico-raciais na dança (Deodoro, 2018).
Considerações para outros gestos finais
A memória são conteúdos de um continente, de sua vida, de sua história e do seu passado. Como se o corpo fosse o documento. Não é à toa que a dança, para o negro, é um momento de libertação. O homem negro não pode estar liberto enquanto ele não esquecer, pelo gesto, que ele não é mais um cativo (Nascimento, 1989).
O intelectual negro e brasileiro Muniz Sodré (1988) aponta que a colonização europeia também ocorreu através de agressões no campo semântico. O que implica considerar que diversas relações simbólicas da ordem do saber e do fazer, em relação ao ethos africano, a arché, às memórias ancoradas no corpo, ao gestual, à oralidade e em outras materialidades de competência infocomunicacionais foram agressivamente submetidas à invisibilidade pelo sistema mundo moderno-colonial.
A adoção da oralidade por muitos povos africanos terminou instrumentalizada como sinal de ‘analfabetismo’. Deve-se entender que a expressão ‘analfabetismo’ não faz sentido para a certos povos africanos, até porque suas opções culturais sempre permitiram comunicação eficiente dispensando inclusive em muitos contextos a palavra escrita (Serrano; Waldman, 2007, p. 95).
No que diz respeito ao letramento de negras e negros no português brasileiro, apontamos como exemplo o dado historiográfico acerca da criação de diversos jornais (impressos) cuja equipe editorial era totalmente composta por negros e negras nos primeiros anos pós-abolição da escravatura, em 1888. Há registros que relatam a existência de ações dessa natureza desde meados do século XIX, durante o período escravocrata do país, no qual homens negros popularizavam discursos antirracistas através da escrita possibilitada pela profissão de tipógrafo (Oliveira, 2017).
Historicamente, o legado das africanidades no Brasil tem sido apagado, não só no Sul, mas por todas as rotas das comunidades, outrora escravizadas e dispersadas no processo da diáspora africana. A presença da população negra nos mais diversos campos do conhecimento tenciona pelo reconhecimento dessa presença.
A presença de gestos de resistência, especialmente no âmbito da história escrita em dança por Mestra Iara pretende contribuir para o reconhecimento da diversidade de autorias negras no tocante das Danças Negras e, assim, consolidar a proposição, no espaço social, de ações performativas que estão intimamente ligadas à discursividade política negra e afirmativa. Essa forma de existência e resistência articula possibilidades narrativas contra-hegemônicas. Recorro ao entendimento do gesto como materialidade visual criadora de nuvens de sentido (Gil, 2004) que escrevem, no mundo, discursos sobre a experiência vivida. Tal entendimento lembra valiosas contribuições da célebre poeta e historiadora negra Beatriz Nascimento (1942-1995), que apontam a memória como conteúdo de um continente, corporeidade formativa da escrita do corpo no mundo, sobretudo, anunciando a dança como espaço de libertação, portanto, o gesto como materialidade descolonizadora.
A narrativa do gesto nas práticas artístico-pedagógicas em Danças Negras, desenvolvida por Mestra Iara, produzem a (re)escrita da história da dança no Rio Grande do Sul, haja visto que tais práticas produzem imagenschave para o processo de descolonização do conhecimento do e no corpo, essenciais ao processo de esquecimento do gesto-cativo e corporalização da liberdade como fundamento da existência. Suas criações agregam diferentes gerações em cena, de modo inventivo, sua performance enquanto bailarina revela o quanto o corpo de uma mulher pode promover longevidade de modo político e libertário. Para a Mestra Iara, a sociedade atual tem fragilizado a escuta da memória ancestral, por isso, não reconhecemos as indicações e os avisos que as energias da natureza nos enviam. Conforme Mestra Iara evoca recentemente em suas entrevistas, cursos on-line e lives, realizadas nas redes sociais do Afro-Sul Odomodê22, desde o início do isolamento social em detrimento da pandemia de Covid-1923, mãe, avó, gestora, coreógrafa, bailarina e diretora segue dançando, angariando recursos para manutenção da sede e das atividades do grupo por meio de feijoadas (delivery) e editais, promovendo palestras em mídias digitais para divulgar e comentar os processos criativos dos espetáculos que dirige no Afro-Sul Odomodê. Dessa forma, dá o seu recado àqueles que a seguem nas redes sociais, como ela diz, seus seguiafros. Sua luta antirracista, em uma América marcada pela colonização, desigualdades e apagamentos é no sentido de promover e afirmar a força da cultura negra e, através da dança e da música, celebrar a beleza e sabedoria do legada ancestral de matriz africana pulsante na cultura negra do Rio Grande do Sul. Salve Mestra Iara! Salve Mestre Paulo Romeu! Salve a família AfroSul! Que aguerridamente reafirmam a presença e a memória negra no Rio Grande do Sul em sua arte de sotaque Afro-Gaúcho.
Notas
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1
Èsú ou Exu, segundo Rufino (2018), esse orixá pode ser compreendido como um princípio explicativo de mundo deslocado na diáspora que se refere aos movimentos, às ambivalências e aos inacabamentos. Segundo o autor (p. 73) “[...] é o elemento que assenta e substancia as ações de fronteira, resiliência e transgressões, codificadas em forma de pedagogia”. Ou seja, uma pedagogia que busca o reposicionamento de memórias e justiça cognitiva frente ao trauma de violência fabricado pelo colonialismo.
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2
Ver entrevista Dantas; Duarte; Baptista (2016) e Dornelles (2020).
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3
Mundo, planeta (Beniste, 2011, p. 144).
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4
Céu, firmamento, plano divino onde estão as diferentes formas de espíritos e divindades (Beniste, 2011, p. 625).
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5
Mais detalhes em Alves Neto (2019). A pesquisa foi realizada no Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul com o apoio recebido pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES).
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6
De acordo com a definição de Danças Negras elaborada pelo artista e pesquisa-dor senegalês Patrick Acogny (2017, p. 152), entende-se por Danças Negras as práticas de dança e coreografia produzidas a partir da inspiração em danças locais e patrimoniais originárias diretamente do continente africano, “[...] sejam danças derivadas do continente africano, sejam danças com uma inspiração mística e espiritual oriunda do imaginário e da sabedoria africana”. Alguns autores vêm se dedicando, nos últimos anos, sobre um olhar atento e crítico sobre as danças negras, nesse sentido destaca-se a produção na Bahia de autores como Santos (2015); Conrado (2018, 2006) entre outros.
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7
Segundo o filósofo Renato Noguera (2012, p. 147) o termo afroperspectiva pode ser entendido como um “[...] conjunto de pontos de vista, estratégias, sistemas e modos de pensar e viver de matrizes africanas”.
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8
Sobre as artes cênicas negras no Brasil ver Conrado (2017) e Conrado e col. (2020).
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10
Sobre questões que envolvem a colonialidade, relações étnico-raciais e desdobra-mentos culturais é possível encontrar mais detalhes em Alves Neto (2019), a partir de autores como Quijano (2005) e Oliveira; Candau (2010).
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11
A pesquisa de cunho qualitativa buscou compreender e analisar os enunciados verbais e gestuais de mestra Iara em seus eventos e aulas, entendidos como fonte primária de coleta de dados. Além disso, no âmbito da pesquisa foram organizadas performances-entrevistas-aulas como mais uma estratégia de coleta de dados e, também, como resposta de ruptura frente ao apagamento e invisibilidade produzida acerca das referências e presenças negras no Rio Grande do Sul (Alves Neto, 2019).
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12
Nilva Pinto é reconhecida como uma importante professora de dança no con-texto escolar na cidade de Porto Alegre-RS. Ver Nunes (2017)
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13
Segundo Venturin (2020) Dùndún é o nome genérico dado para a família de tambores da África Ocidental que se desenvolveu ao lado do djembe, no conjunto de tambores associado à cultura mande. Um tambor cilíndrico, com pele em suas duas extremidades, afinado por corda e tocado com baquetas.
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14
VON, Ronnie. Cavaleiro de Aruanda. Youtube, publicado por Cantos Santos em 23 de abril de 2011. Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=NrJsoxCHYXg>. Acessado em 15 de abril de 2021.
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15
Instituto Sociocultural Afro-Sul Odomodê.
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16
Sociedade Cultural Beneficente Escola de Samba Garotos da Orgia foi criada na década de 1980, por um coletivo do qual alguns membros do Grupo Afro-Sul de Música e Dança faziam parte. Estando envolvida com a escola, Mestra Iara atuou como Porta-Bandeira, coreografou Alas e Comissão de Frente e desenvolveu trabalho como diretora da SCB Escola de Samba Garotos da Orgia.
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17
Mais detalhes sobre a trajetória do Teatro Experimental Negro (TEN) ver Nas-cimento (2004).
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18
Segundo a Trindade (2005), a energia vital, circularidade, oralidade, corporei-dade, musicalidade, ludicidade e cooperatividade, são alguns aspectos compreendidos como valores civilizatórios afro-brasileiros.
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19
Mestre Paulo Romeu é artista-fundador do Grupo Afro-Sul de Música e Dança. Percussionista. Casado há mais de 40 anos com Mestra Iara, com quem tem 3 filhas biológicas, sendo elas: Paola Deodoro, Edjana Deodoro e Khadija Deodoro.
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20
O Feminino Sagrado: um olhar descendente da Mitologia Africana (2016). Fra-gmento disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=KqLhFq-yJAQ>. Acessado em 11 de agosto de 2021. Reportagem disponível em <https://txtcena.art.blog/2020/06/08/a-cena-tecnologica-em-tempos-de-racismo-afro-sul-odomode-e-as-estrategias-para-escapar-do-nocivo-monocromismo-artistico/>. Acessada em 16 de abril de 2021.
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21
Reminiscência, memórias do meu carnaval (2019). Fragmento disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=QzU5L9abPbk>. Acessado em 11 de agosto de 2021.
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22
Ver Facebook: <https://www.facebook.com/afrosul.odomode> e Instagram: <https://www.instagram.com/afrosul.odomodeoficial/>. Acessados em 11 de agosto de 2021.
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23
Para conferir em vídeo uma performance de dança de Mestre Iara, acompanhada por dançarinas do Grupo de Dança do Afro-Sul, consulte o link, <https://www.youtube.com/watch?v=HK9fx8aVHM8&t=3115s> Acessado em 01 de setembro de 2021. O vídeo é o registro de uma apresentação realizada no dia 13 de setembro de 2017, no Salão de Atos da UFRGS, no show Lá vai Maria do grupo porto-alegrense Três Marias. No vídeo, Mestre Iara e seu grupo de dança performam o jongo a frente de 11 musicistas.
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Editado por
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Editores responsáveis: Arnaldo de Siqueira JuniorCassia NavasHenrique Rochelle Marcelo Pereira
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
15 Dez 2021 -
Data do Fascículo
2022
Histórico
-
Recebido
01 Maio 2021 -
Aceito
18 Ago 2021