Resumo
Introdução A doença renal crônica apresenta-se como um problema de saúde pública por causa de sua prevalência, dos custos envolvidos no tratamento e da alta taxa de morbimortalidade.
Objetivo Avaliar a não adesão ao regime terapêutico de pacientes em hemodiálise e fatores associados.
Método Estudo transversal com pacientes que realizam hemodiálise em um hospital universitário e duas clínicas privadas conveniadas ao Sistema Único de Saúde. Padrões para avaliação da não adesão ao regime terapêutico hemodialítico tiveram como base os indicadores estabelecidos pelo The Dialysis Outcomes and Practice Patterns Study: restrição hídrica, regime dietético, regime medicamentoso e terapia hemodialítica. Não conformidade em pelo menos um dos aspectos do tratamento foi considerada não aderência à terapêutica.
Resultados Indivíduos com idade inferior a 60 anos tiveram maior probabilidade de não aderir à restrição hídrica, à terapêutica e aos regimes dietético e medicamentoso. Pacientes anúricos tiveram maior chance de não adesão à restrição hídrica e à terapêutica. Indivíduos com hipoalbuminemia e hipoemoglobinemia tiveram maior probabilidade de não aderir à restrição hídrica, enquanto pacientes que se autodeclararam não brancos apresentaram maior chance de não aderir à terapêutica. Nenhuma variável explicativa da adesão à terapia hemodialítica se manteve significativa no modelo final da regressão logística.
Conclusão A inconformidade relacionada aos aspectos do tratamento pode resultar em aumento de hospitalização e gastos com saúde, piora do estado clínico, maiores intercorrências no tratamento e aumento da taxa de mortalidade.
Palavras-chave: diálise renal; cooperação do paciente; alfabetização em saúde
Abstract
Background Chronic kidney disease presents itself as a public health problem because of its prevalence, the costs involved in treatment and the high rate of morbidity and mortality.
Objective To evaluate non-adherence to the therapeutic regimen of hemodialysis patients and associated factors.
Method A cross-sectional study with patients undergoing hemodialysis at a University Hospital and two private clinics agreed to the Unified Health System. Standards for non-adherence to the hemodialysis regimen were based on indicators established by The Dialysis Outcomes and Practice Patterns Study: water restrictions, dietary, drug regimen, and hemodialysis therapy. Non-compliance in at least one aspect of treatment was considered non-adherence to therapy.
Results Individuals younger than 60 years were more likely to be non-adherent to water restriction, dietary and drug regimens, and therapy. Anuric patients were more likely to be non-adherent to water restriction and therapy. Individuals with hypoalbuminemia and hypohemoglobinemia were more likely not to adhere to water restriction, while patients who self-declared themselves to be non-whites had a higher chance of not adhering to therapy. No explanatory variables of adherence to hemodialysis therapy remained significant in the final logistic regression model.
Conclusion Non-conformity related to treatment aspects can result in increased hospitalization and health expenses, worsening of clinical status, greater intercurrences in treatment and increase in mortality rate.
Keywords: renal dialysis; patient compliance; health literacy
INTRODUÇÃO
A doença renal crônica (DRC) apresenta-se como um problema de saúde pública por causa de sua prevalência, dos custos envolvidos no tratamento e da alta taxa de morbimortalidade. Quando avançada, torna-se necessária uma terapia renal substitutiva (TRS)1, que pode ser a hemodiálise, a diálise peritoneal e o transplante renal2.
A prevalência de pacientes em diálise no Brasil é estimada em 544 por 1 milhão de pessoas (pmp), com incidência anual de 180 casos/pmp. O percentual de hospitalização mensal é de 6%, e a taxa de mortalidade anual é de 18,5%. Estima-se que 111.303 pessoas se encontrem em tratamento dialítico por ano, das quais 92,8% são submetidas à hemodiálise3.
Aproximadamente 50% dos pacientes com doenças crônicas não aderem ao tratamento. Esse percentual aumenta significativamente quando se analisam países em desenvolvimento4. A complexidade do tratamento em hemodiálise pode influenciar negativamente a adesão5. O regime terapêutico em hemodiálise inclui terapia hemodialítica (sessões de hemodiálise) e regimes medicamentoso, dietético e hídrico6,7. A não adesão a um dos componentes agrava a condição clínica dos pacientes e está associada ao aumento da hospitalização e à mortalidade8.
O regime terapêutico é essencial para a sobrevivência e a segurança dos indivíduos com insuficiência renal crônica terminal9. Porém, a adesão ao tratamento é um processo dinâmico, influenciado simultaneamente por fatores econômicos e sociais, sistema e equipe de saúde, características da doença, tipo de terapia e fatores relacionados ao paciente4. Torna-se primordial conhecer os aspectos a ela relacionados para subsidiar o planejamento assistencial, monitorar a situação clínica e otimizar a adequação à terapêutica.
O presente estudo tem como objetivo avaliar a adesão ao regime terapêutico de pacientes em hemodiálise e fatores associados.
MÉTODOS
Este é um estudo transversal que teve como população pacientes que realizam a terapia hemodialítica em um hospital universitário e em duas clínicas de hemodiálise privadas conveniadas ao Sistema Único de Saúde (SUS), em um município-polo macrorregional de assistência à saúde localizado na região Sudeste do Brasil, no estado de Minas Gerais. Esses três centros são responsáveis pela totalidade dos serviços de hemodiálise ambulatorial no município e servem como referência ao atendimento de 37 cidades da região10.
Foram incluídos no estudo indivíduos com idade igual ou superior a 18 anos que estavam em hemodiálise por um período mínimo de três meses. Por causa dos critérios adotados, foram excluídos pacientes que se encontravam internados ou que tiveram internação no mês anterior à coleta de dados.
Dos 482 pacientes em hemodiálise atendidos pelos centros, 108 foram excluídos. Destes, 56 estavam em tratamento há menos de três meses, 41 estavam internados no período de coleta ou no mês anterior e 11 recusaram-se a participar do estudo. Assim, a amostra foi composta por 374 participantes.
Os dados foram coletados por meio de prontuários e do Software Nefrodata para avaliação da adesão à terapêutica e por entrevistas para caracterização sociodemográfica no período de fevereiro a maio de 2017. Os padrões para avaliação da não adesão ao regime terapêutico hemodialítico tiveram como base os indicadores estabelecidos pelo estudo The Dialysis Outcomes and Practice Patterns Study (DOPPS), que são: restrição hídrica (ganho de peso interdialítico - GPID - superior a 5,7% do peso seco), regime dietético (nível sérico de potássio maior que 6 mEq/l e/ou fósforo superior a 7,5 mg/dl), regime medicamentoso (nível sérico de fósforo superior a 7,5 mg/dl) e terapia hemodialítica (não comparecimento e/ou diminuição do tempo de tratamento superior a 10 minutos em uma ou mais sessões durante o período de análise)8. Pacientes que apresentaram não conformidade em pelo menos um dos aspectos do tratamento, no mês em que ocorreu a coleta de dados, foram considerados não aderentes à terapêutica. Para avaliação do letramento funcional em saúde, que consiste na aptidão para prestar e compreender informações a respeito de sua condição de saúde, utilizou-se do teste de avaliação de alfabetização para saúde de adultos (SAHLPA - 18), em que se considera adequada a pontuação igual ou superior a 14 pontos, já validado no Brasil11.
Foram empregadas técnicas de análise estatística descritiva. Utilizou-se do teste Qui-quadrado para testar a associação entre as variáveis categóricas ajustadas pelo teste de Fisher, quando necessário. Para a avaliação das variáveis quantitativas, foram utilizados os testes t e ANOVA. Resultados com nível de significância menor ou igual a 0,20 foram incluídos na análise de regressão logística. A significância do modelo foi testada pelo teste de Hosmer and Lemeshow. Foram obtidas medidas de associação bruta e ajustada (odds ratio - OR) com seus respectivos intervalos de confiança em 95% (IC 95%). Os resultados foram considerados significativos quando p < 0,05. Os dados foram analisados por meio do software Statistical Package for Social Sciences (SPSS), versão 15.
Para melhor compreensão da análise dos dados, são apresentadas definições usuais de termos relacionados ao cotidiano das equipes responsáveis pelo tratamento dialítico:
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Tratamento conservador: acompanhamento com equipe multidisciplinar especializada em nefrologia para retardar o avanço da DRC por meio do controle das patologias de base, aconselhamento nutricional, estímulo à atividade física, orientação em saúde e, quando necessário, encaminhamento precoce em melhores condições físicas e emocionais para início de uma terapia dialítica12.
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Diurese residual: presença de função renal residual, em pacientes em terapia dialítica, que pode ser definida como um volume maior que 200 ml de urina em 24 horas13.
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Ktv (clearance de depuração de ureia): cálculo utilizado como preditor da qualidade da diálise, em que se analisam: depuração de ureia no dialisador (K), duração do tratamento (t) e ureia do paciente durante a sessão de hemodiálise. Permite ajustar a dose necessária de diálise para cada indivíduo12.
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Tempo na fila do transplante renal: período de inscrito na lista única como candidato ao transplante renal.
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Pagamento da hemodiálise: foi definida a fonte financiadora do tratamento, que, neste estudo, pode ser o SUS ou o plano de saúde particular.
O presente estudo obteve aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário da Universidade Federal de Juiz de Fora - MG, com parecer de número de 1.709.611.
RESULTADOS
Dos 374 participantes do estudo, 59,4% eram do sexo masculino, com média de idade de 58,49 (DP = 14,89) anos. Em relação à cor da pele, 59,1% se autodeclararam não brancos. Sobre o estado civil, 50,3% dos indivíduos declararam viver em união estável. A escolaridade média apurada foi de 6,61 (DP = 4,32) anos. Quanto à fonte de renda, à época de execução do estudo, 93,9% dos participantes recebiam algum benefício da seguridade social, 63,9% não possuíam plano privado de saúde e 86,6% dos tratamentos eram financiados pelo SUS. O tempo médio de tratamento hemodialítico foi de 54,19 meses, mas 57,5% dos pacientes não realizaram o tratamento conservador em nefrologia. A doença de base mais prevalente foi a hipertensão arterial sistêmica (41,2% dos casos). O número médio de medicações de uso contínuo prescritas foi de 10,59 (DP = 2,98). Dos pacientes que participaram do estudo, 63,4% possuíam Ktv ≥ 1,2, porém 66,3% apresentaram nível sérico de albumina inferior a 4 g/dl e 52,7% estavam com hemoglobina menor que 11 g/dl. Em relação à adesão, 53,7% foram classificados como não aderentes à restrição hídrica, enquanto 23,3% e 11,5%, como não aderentes aos regimes dietético e medicamentoso, respectivamente. À terapia hemodialítica, 13,9% não aderiram, e 66% foram classificados como não aderentes à terapêutica.
As características sociodemográficas, clínicas e de acesso aos serviços de saúde relacionadas à não adesão à terapêutica em hemodiálise são apresentadas na Tabela 1. Dos pacientes não aderentes, 60,3% eram do sexo masculino, 62,4% apresentaram idade inferior a 60 anos, 64,4% se autodeclararam não brancos, 51% eram solteiros, 47,3% tinham escolaridade inferior a 4 anos, 30,2% apresentaram letramento em saúde inadequado e 50,2% possuíam renda familiar mensal igual ou inferior a R$ 1.625,00, com nível social C2 ou D/E, segundo critérios da classificação econômica Brasil14.
Em relação ao acesso aos serviços de saúde, dos pacientes não aderentes à terapêutica, 66,8% não possuíam plano de saúde, 85,8% tinham o tratamento financiado pelo SUS, 56,7% não possuíam acompanhante para as sessões de hemodiálise, 59,9% não realizaram tratamento conservador em nefrologia e 66,8% estavam em hemodiálise há menos de 5 anos.
Quanto às características clínicas dos pacientes não aderentes à terapêutica, 72,9% possuíam a fístula arteriovenosa (FAV) como acesso vascular, 64% apresentaram diurese residual, 63,6% possuíam Ktv igual ou superior a 1,2, 67,6% apresentaram albumina sérica menor que 4 g/dl e 60,7% tinham prescrição igual ou superior a 10 medicações de uso contínuo.
Os resultados com nível de significância menor ou igual a 0,20 foram incluídos na análise de regressão logística para cada um dos aspectos que compõem a terapêutica. A Tabela 2 apresenta as variáveis que foram incluídas na regressão em relação à restrição hídrica, sendo que a maior chance de não adesão foi associada a pacientes com idade inferior a 60 anos (p = 0,001), anúricos (p = 0,009), com hipoalbuminemia (p = 0,010) e hemoglobina sérica inferior a 11 g/dl (p = 0,040).
A Tabela 3 aponta a associação das variáveis ao regime dietético, sendo que pacientes com idade inferior a 60 anos apresentaram maior chance de não adesão (p = 0,037), bem como indivíduos que tiveram o financiamento privado das sessões de hemodiálise (p = 0,042).
Já a Tabela 4 traz as variáveis associadas ao regime medicamentoso e demonstra que idade inferior a 60 anos foi relacionada à maior probabilidade de não adesão (p = 0,001).
Na Tabela 5, são apresentadas as associações das variáveis em relação à terapia hemodialítica. Porém, nenhuma variável explicativa se manteve significativa no modelo final da regressão logística.
Quanto à associação à terapêutica, apresentada na Tabela 6, os pacientes não brancos (p = 0,012), com idade inferior a 60 anos (p = 0,026) e anúricos (p = 0,024) apresentaram maior possibilidade de não adesão.
DISCUSSÃO
A não adesão a um ou mais aspectos do regime terapêutico em hemodiálise tem sido amplamente relatada, conforme descrito em revisão anterior15. As consequências são a piora no quadro de saúde, o comprometimento da eficácia do tratamento e o aumento nos custos em saúde4. Em estudos que utilizaram medidas objetivas para avaliar a não adesão, a taxa de não conformidade em relação à restrição hídrica variou de 9 a 59,3%16-18, enquanto em relação aos regimes dietético e medicamentoso, variou de 22,1 a 56,5% e de 11,7 a 56,5%17-19, respectivamente. Quanto à terapia hemodialítica, os percentuais de não adesão variaram de 0,6 a 35%. Já no que se refere à terapêutica, pôde-se encontrar até 62% de não adesão19.
A idade tem sido descrita como uma variável importante associada à adesão aos aspectos terapêuticos da hemodiálise20-22. No presente estudo, pacientes com idade inferior a 60 anos tiveram maior probabilidade de não aderir à restrição hídrica, aos regimes dietético e medicamentoso e à terapêutica.
A restrição hídrica é primordial para o bem-estar de pacientes submetidos à hemodiálise, porém tem sido o aspecto terapêutico com menor percentual de adesão23,24. A dificuldade para adequação do estilo de vida e busca do conhecimento do limite tolerável pode ser relacionada à pior adesão de pacientes mais jovens à restrição hídrica19,20.
A diminuição do apetite com o avançar da idade pode contribuir para uma maior adesão à dieta20. As orientações para o consumo alimentar são baseadas na ingestão adequada de energia e proteínas e na restrição de potássio, fósforo, sódio e líquidos23, com o objetivo de auxiliar no controle e na prevenção das complicações da DRC ocasionadas por alterações metabólicas e/ou pela ingestão inadequada de nutrientes25.
Pacientes em hemodiálise necessitam consumir grande número de comprimidos diariamente para controlar os efeitos da DRC26. A presença de comorbidades associadas reflete-se diretamente na quantidade de medicações prescritas aos pacientes, que poderá resultar em abandono da terapia medicamentosa e/ou em complicações associadas ao uso incorreto dos fármacos5.
A possibilidade de manter-se vivo tem sido fator motivador para uma adesão maior ao regime medicamentoso de pacientes idosos21, enquanto pacientes mais jovens, geralmente, apresentam melhores condições física e clínica, menor sintomatologia e maior número de atividades diárias que podem ocasionar uma menor adesão ao regime medicamentoso7.
Idosos em hemodiálise são mais adaptáveis às mudanças27 e possuem estilo de vida que pode contribuir para a maior adesão à terapêutica22. Além disso, a sensação de restrição de liberdade imposta pela terapêutica e a perda da independência, causada pelo frequente comparecimento à clínica de hemodiálise, podem relacionar-se à menor adesão de pacientes jovens16.
Os resultados apontaram que pacientes anúricos apresentaram maior chance de não adesão à restrição hídrica e à terapêutica. Esse fato pode ser atribuído à dificuldade de gestão hídrica. A manutenção da diurese residual possibilita melhor controle do consumo hídrico, por flexibilizar a rigidez das recomendações de ingestão28, as quais têm se mantido entre 0,5 e 0,9 L/dia, apesar de padrões mais permissivos recomendarem, no máximo, a ingestão de 1 L/dia para pacientes anúricos29.
A hipoalbuminemia e a hipoemoglobinemia foram associadas à não adesão à restrição hídrica. A avaliação nutricional e hematológica é fundamental para a assistência de pacientes em hemodiálise. A desnutrição tem sido associada ao maior GPID30, e esses pacientes podem apresentar ainda mal-estar, fadiga, reabilitação insatisfatória, comprometimento cicatricial, maior suscetibilidade à infecção, aumento de hospitalização e mortalidade12. Pacientes anêmicos podem desenvolver fadiga, dispneia, hipertrofia do ventrículo esquerdo e angina12. Esses fatores são ainda mais prejudiciais quando associados à sobrecarga hídrica, que pode ocasionar elevação da pressão arterial, eventos cardiovasculares e aumento da mortalidade de pacientes em hemodiálise31-33.
Indivíduos que se autodeclararam não brancos apresentaram maior chance de não adesão à terapêutica. Esse achado é consistente com estudo realizado nos Estados Unidos, porém essa relação não foi esclarecida16. Estudo realizado com pacientes hipertensos no Sul do Brasil apontou que a não adesão de indivíduos não brancos poderia estar associada a características sociodemográficas, como escolaridade, renda e acesso aos serviços de saúde34.
A variável acompanhante, apesar de ter apresentado nível de significância marginal em relação à terapia hemodialítica e terapêutica, merece atenção por causa de sua relevância clínica. A presença de um acompanhante nas sessões pode ser reflexo de amparo familiar e social que tende a melhorar o padrão de adesão à terapêutica ou caracteriza a limitação imposta pela doença com a perda da autonomia35.
O impacto estabelecido pelo nível de letramento funcional em saúde tem sido pouco contemplado nas produções científicas, principalmente no Brasil36, e percebe-se uma lacuna ainda maior quando se analisam estudos em nefrologia37. Apesar de não ter ocorrido associação entre os aspectos que compõem o regime terapêutico e o letramento, no presente estudo deve-se ampliar tal discussão. A limitação na compreensão pode inviabilizar seguir com as orientações dos cuidados e influir na percepção do estado de saúde e alcance dos objetivos do tratamento38. O processo de adesão pode ser influenciado por aspectos sociodemográficos39, e o letramento funcional em saúde inadequado pode estar associado a desfechos clínicos indesejáveis37,38.
CONCLUSÃO
Nosso estudo destaca fatores associados à não adesão à terapêutica de pacientes em hemodiálise. Indivíduos com idade inferior a 60 anos tiveram maior probabilidade de não adesão aos seguintes aspectos: restrição hídrica, terapêutica e regimes dietético e medicamentoso. Pacientes anúricos tiveram maior chance de não adesão à restrição hídrica e à terapêutica. Indivíduos com hipoalbuminemia e hipoemoglobinemia tiveram maior probabilidade de não aderir à restrição hídrica, enquanto pacientes que se autodeclararam não brancos apresentaram maior chance de não aderir à terapêutica.
Na população analisada, 66% dos pacientes estavam em não conformidade com pelo menos um dos quatro aspectos analisados, sendo que a restrição hídrica obteve a pior prevalência de adesão. O alto percentual de inconformidade aos aspectos relacionados ao tratamento pode resultar em aumento da hospitalização e dos gastos com saúde, piora do estado clínico, maior intercorrência no tratamento e aumento da taxa de mortalidade.
Torna-se necessário buscar melhor compreensão do letramento funcional em saúde de pacientes em hemodiálise com o intuito de transmitir de maneira mais compreensível as orientações, tendo em vista a melhoria nos aspectos relacionados à adesão terapêutica e gestão do autocuidado.
As equipes de saúde dos centros dialíticos devem realizar atividades para conscientizar os pacientes, tendo em vista o alcance de melhores resultados na adesão ao tratamento, bem como monitorar padrões bioquímicos para instaurar intervenções que propiciem melhora do estado clínico. Em conjunto com os profissionais da Atenção Primária à Saúde, devem empoderar os indivíduos para que possam ter condições para realizar o autocuidado. Pode-se ainda incluir aspectos relacionados à adesão dos pacientes, como indicadores da qualidade assistencial, tornando o paciente corresponsável por seu tratamento.
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Como citar: Pereira CV, Leite ICG. Fatores associados à não adesão ao regime terapêutico de pacientes em hemodiálise. Cad Saúde Colet, 2022; Ahead of Print. https://doi.org/10.1590/1414-462X202230030012
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Trabalho realizado no Programa de Pós-graduação em Saúde Coletiva, Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) - Juiz de Fora (MG), Brasil.
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Fonte de financiamento: Bolsa de mestrado da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - código de financiamento 001 de CVP e bolsa de produtividade de ICGL (Processo 301101/2016-7).
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
21 Nov 2022 -
Data do Fascículo
Jul-Sep 2022
Histórico
-
Recebido
10 Fev 2019 -
Aceito
11 Jan 2021