Open-access TRANSPARÊNCIA DOS BANCOS DE DESENVOLVIMENTO SUBNACIONAIS BRASILEIROS: ENTRE O SIGILO DA BUROCRACIA E A DEMOCRATIZAÇÃO DA INFORMAÇÃO

Transparencia de los bancos de desarrollo en Brasil: Entre el secretismo de la burocracia y la democratización de la información

RESUMO

O objetivo da pesquisa consiste na realização de um diagnóstico da transparência ativa dos Bancos de Desenvolvimento (BD) em atividade no Brasil, baseado no Guia de Transparência do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). O protocolo de observação foi composto por 33 itens distribuídos entre oito pilares, sendo: Políticas e Diretrizes; Institucional; Finanças e Empregos; Informações do Portfólio; Dados dos Clientes; Dados das Operações; Impacto; e Participação Social. Os resultados evidenciam que os BD apresentam um processo de transparência ainda insuficiente e que a realidade encontrada nos portais institucionais é marcada pela ausência de informações importantes que tornariam claros os critérios utilizados para definir a alocação das verbas estatais. Muitos dos avanços ocorridos no contexto federal não foram incorporados nos BD subnacionais, sobretudo em função de uma complexa legislação que privilegia o sigilo nessas instituições.

Palavras-chave: transparência pública; Banco de Desenvolvimento; democracia; burocracia pública; BNDES

RESUMEN

El objetivo de la investigación consiste en realizar un diagnóstico de la transparencia activa de los bancos de desarrollo (BD) en actividad en Brasil, basado en la Guía de Transparencia del Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). El protocolo de observación constó de 33 (treinta y tres) ítems distribuidos en 8 (ocho) pilares, a saber: Políticas y lineamientos; Institucional; Finanzas y empleos; Información de la cartera; Datos de los clientes; Datos de las operaciones; Impacto; y Participación social. Los resultados muestran que los BD presentan un proceso de transparencia aún insuficiente y que la realidad encontrada en los portales institucionales está marcada por la ausencia de información importante, que aclararía los criterios utilizados para definir la asignación de fondos estatales. Muchos de los avances que se dieron en el ámbito federal no fueron incorporados a los BD subnacionales, principalmente por una compleja legislación que favorece el secreto en estas instituciones.

Palabras-clave: transparencia pública; banco de desarrollo; democracia; burocracia pública; BNDES

ABSTRACT

This research carried out a diagnosis of the active transparency of the development banks (DBs) in Brazil based on the Brazilian Development Bank (BNDES) Transparency Guide. The observation protocol consisted of 33 items distributed among 8 pillars, namely: Policies and guidelines; Institutional; Finance and jobs; Portfolio information; Customer data; Operations data; Impact; and Social Participation. The results show that the DBs present a process of transparency that is still insufficient and that the reality found in the institutional portals is marked by the absence of important information, which would clarify the criteria used to define the allocation of government funds. Many of the advances in the federal context were not incorporated into the subnational DBs, mainly due to complex legislation that favors secrecy in these institutions.

Keywords: public transparency; Development Bank; democracy; public bureaucracy; BNDES

INTRODUÇÃO

Os Bancos de Desenvolvimento (BD) foram constituídos no Regime Militar e tiveram um importante papel no desenvolvimento socioeconômico brasileiro. Apesar de seu legado desenvolvimentista, Minella (2018) destaca que, sendo criados em regimes autoritários, eram caracterizados como estruturas burocráticas insuladas, utilizadas para garantir, além da imposição de critérios políticos às decisões sobre concessão de crédito, a manutenção do poder ditatorial sobre as unidades federativas e o favorecimento de grupos empresariais que apoiavam a ditadura civil-militar brasileira.

Com a redemocratização, a partir de meados da década de 1980, o País tem experimentado mudanças normativas com vistas à consolidação do Estado Democrático de Direito, por exemplo: a instituição de práticas de publicidade e transparência dos órgãos públicos, consolidadas por meio da Lei Federal n. 12.527/2011 (Lei de Acesso à Informação); as novas regras sobre o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias, incluídas na Lei Federal n. 13.303/2016 (Lei das Estatais); o tratamento aplicado aos dados pessoais, inclusive nos meios digitais, por pessoa natural ou por pessoa jurídica de direito público ou privado, estabelecido na Lei Federal n. 13.709/2018 (Lei Geral de Proteção de Dados - LGPD); e os normativos e regras emanadas pelo Banco Central do Brasil (BCB). Apesar dos avanços, Bento e Bringel (2014) destacam que, ainda hoje, nem todas as entidades que compõem a estrutura institucional do País têm aderido a essas diretrizes normativas com a intensidade e rapidez que se espera, mantendo políticas pautadas na opacidade e no sigilo durante o exercício de suas atribuições.

Lazzarini et al. (2015) acrescentam que essa postura tem sido comum nas empresas públicas e sociedades de economia mista, cuja natureza híbrida possibilita que argumentos relativos ao seu caráter privado sejam utilizados convenientemente pelos atores políticos de modo a contornar demandas por transparência e divulgação de informações acerca das suas atividades. Bento e Bringel (2014) afirmam que as burocracias dos BD defendem o sigilo utilizando como justificativa “[...] proteger o sigilo comercial e bancário de seus clientes, ou ainda sob o fundamento de não expor a estratégia da empresa a seus potenciais competidores” (p. 359).

Ainda que tais argumentos sejam legalmente válidos, é preciso destacar que os BD estão inseridos em uma sociedade democrática e são constituídos a partir de capital público, o que, pela perspectiva democrática, investe a sociedade do direito de solicitar e obter informações sobre as atividades dessas instituições, pois, como destacam Rocha et al. (2020), tanto a teoria como a prática democrática preconizam a transparência como regra e o sigilo como exceção.

Nesse sentido, a defesa do sigilo não é uma questão eminentemente técnica, pois, para a teoria democrática, a burocracia pública não é apenas um conjunto de funcionários públicos e de processos administrativos, mas um dos fundamentos do exercício do poder estatal e do governo democrático. Além de ter muito poder, a burocracia pública sempre procura aumentá-lo, e sua principal ferramenta para fazê-lo é a manutenção do segredo acerca de seus conhecimentos e suas intenções, sendo o poder democrático a única forma de contrapô-lo (Weber, 2012).

Apesar de o termo accountability não possuir uma tradução convencionalizada para o português, seu sentido foi amplamente debatido por autores como O’Donnell (1998) e Przeworski et al. (1999), entre outros. De modo geral, tais autores estabelecem que accountability se relaciona à obrigatoriedade de os representantes prestarem contas ao povo, sendo esse processo caracterizado por três estágios: a) informação (transparência); b) justificação; e c) sanção. Assim, a transparência das informações dos BD também é essencial para o acionamento das diversas formas de accountability democrática (Arantes et al., 2010; Przeworski et al., 1999). Além disso, um nível elevado de transparência repercute sobre o desenvolvimento econômico, principal objetivo dos BD, e auxilia o incremento da credibilidade das instituições públicas (Zuccolotto & Teixeira, 2017). Todavia, sua ausência pode ocasionar efeitos nefastos na estrutura e na imagem delas, uma vez que facilita o favorecimento de grupos empresariais e a ocorrência de influência política sobre as decisões tomadas, enquanto dificulta a denúncia e a responsabilização dos agentes em casos de má conduta, corrupção e outras irregularidades (Kondo, 2002).

Como no Brasil a maior parte dos recursos emprestados pelos BD tem sua origem no orçamento dos governos (Negri et al., 2018), a exigência de transparência torna-se ainda mais relevante, visto que a estrutura burocrática opera, basicamente, como um instrumento de distribuição de recursos orçamentários que, em muitos casos, não se sujeitam ao crivo das instituições fiscalizadoras. Esse fato, inclusive, gerou, ainda que de maneira incorreta, várias críticas ao BNDES, que, após ser acusado de operar como espécie de “caixa-preta”, adotou uma série de instrumentos para aprimorar a transparência das informações, tornando-se uma referência mundial no assunto e oferecendo amplas possibilidades para a accountability social e institucional (Rossi, 2018).

Se, no âmbito nacional, o BNDES aperfeiçoou a transparência e tornou-se referência mundial no assunto, isso pode não ter ocorrido no âmbito subnacional, fazendo com que os BD subnacionais sejam, de acordo com a visão crítica de Novaes (2007), meros instrumentos político-estratégicos cooptados pelos detentores do poder para prover emprego, subsídio, favores e benefícios a seus aliados políticos, perpetuando práticas inadequadas sustentadas pela burocracia dessas instituições (Lino & Aquino, 2020)sustentadas e apoiadas pela atuação de conselheiros, assessores, diretores de auditoria e apoiadores do escalão técnico, os quais detém maior influência e poder em uma organização tipicamente permeada por lógicas institucionais incompatíveis e conflitantes. Utilizou-se o caso do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro para analisar as práticas ilegítimas largamente utilizadas que se tornaram públicas recentemente. O caso foi analisado em uma abordagem qualitativa, a partir de entrevistas (com auditores e conselheiros da organização. Nesse sentido, este trabalho busca avaliar a transparência ativa dos BD no âmbito subnacional, abordando o tema por meio da teoria democrática, que entende a burocracia pública como um dos fundamentos do exercício do poder estatal e do governo democrático que possui muito poder e procura aumentá-lo por meio da manutenção do segredo acerca de seus conhecimentos e suas intenções. Sem a devida democratização da informação desses órgãos, os controles sobre os governantes (político eleito, burocrata e gestor público) ficam comprometidos e, como consequência, a democracia também fica.

O objetivo desta pesquisa é compreender como a burocracia dos BD justifica a ausência de transparência em seus órgãos. Para isso, foi realizada uma pesquisa descritiva, na qual se observou, por meio de pesquisa etnográfica, o volume de divulgação de informações relativas à destinação dos recursos públicos sob sua gestão, utilizando-se como parâmetro o modelo de transparência do BNDES, considerado uma referência mundial (Rossi, 2018). Além disso, também foram feitas entrevistas com diretores/gerentes dos BD avaliados visando entender como essas instituições têm lidado com a transparência ativa e identificar as razões por trás da não publicação de determinadas informações. Por fim, foram encaminhadas solicitações de informação por meio dos canais oficiais, com base na Lei Federal n. 12.527/2011, com o objetivo de preencher lacunas e obter esclarecimentos em relação às informações disponibilizadas.

O FALSO DILEMA ENTRE A TRANSPARÊNCIA E O SIGILO DOS BANCOS DE DESENVOLVIMENTO

Como instituições públicas, os BD estão sujeitos aos princípios da administração pública, entre eles o da publicidade de seus atos. Apesar de avanços, a literatura aponta um trade-off entre as normas de direito público (transparência) e as normas de direito privado (sigilo). Mettenheim (2010) aponta que, embora mecanismos de controle externo, de transparência e de supervisão bancária tenham sido instituídos após a redemocratização, resquícios da má gestão e do abuso de poder do período ditatorial ainda podem ser percebidos nas instituições, evidenciando uma trajetória de path dependence (Pierson, 2000) e a perpetuação de práticas não adequadas (Lino & Aquino, 2020) por parte dessas instituições no que diz respeito aos princípios democráticos.

Apesar dos avanços institucionais pós-redemocratização, ainda há, nas entidades que compõem a estrutura institucional do Brasil, certa resistência em atender às diretrizes dispostas nas legislações que tratam sobre a transparência, o que contribui para a manutenção de políticas pautadas no sigilo do exercício de suas atribuições (Rocha et al., 2020). Mohallem et al. (2017) afirmam que essa postura é observada, inclusive, nas instituições que operam majoritariamente com dinheiro público, transferindo recursos da sociedade para os tomadores do crédito, como é o caso dos BD.

Por serem constituídos, em geral, como empresas públicas e sociedades de economia mista, possuindo assim um caráter público-privado, os agentes acabam reivindicando o caráter privado para se isentarem do atendimento das demandas pela disponibilização de determinadas informações (Bento & Bringel, 2014), evidenciando uma tendência à manutenção do insulamento burocrático, em que elites entrincheiradas nas instituições mantêm o controle sobre nomeações políticas e decisões referentes à destinação dos recursos públicos (Mettenheim, 2010).

Adicionalmente, Kondo (2002) afirma que o insulamento burocrático e a falta de transparência podem ocasionar efeitos nefastos na estrutura e imagem dessas instituições, além de facilitar o favorecimento de grupos empresariais e a influência política sobre as decisões tomadas, e dificultar a denúncia e a responsabilização dos agentes em casos de má conduta, corrupção e outras irregularidades, tornando-se, como afirma Novaes (2007), meros instrumentos político-estratégicos cooptados pelos detentores do poder para prover emprego, subsídio, favores e benefícios a seus aliados políticos.

Ainda que reconheça o papel central na redução de restrições de capital e na promoção aos investimentos produtivos, Lazzarini et al. (2015) entendem que as instituições financeiras públicas de desenvolvimento, em especial os BD, podem beneficiar capitalistas politicamente conectados ou socorrer empresas ineficientes. Para eles, os financiamentos acabam sendo destinados a beneficiários escolhidos a partir de motivações mais políticas do que técnicas, fazendo com que os BD sejam utilizados de modo disfuncional para promover atividades e grupos econômicos que, muitas vezes, não estão diretamente relacionados a avanços na economia produtiva, afastando-se do seu objetivo primordial de auxiliar a indução do desenvolvimento socioeconômico regional.

O quadro de pouca transparência dos BD levou o então procurador do Ministério Público junto ao TCU a afirmar que, embora responsável pela fiscalização das contas públicas, o TCU não era capaz de avaliar a qualidade na aplicação de recursos realizada pelo BNDES, porque o banco era “[...] uma caixa preta na administração pública [...]”, que resistia a todas as tentativas de fiscalização mais profundas do TCU (Rossi, 2018). A afirmação deixa claro que a falta de transparência é um limitador não apenas da accountability horizontal, mas também da accountability vertical, uma vez que, nas sociedades democráticas, ela é um dos eixos que permitem que o povo possa interagir com os representantes, controlá-los e, ao fim do ciclo de representação, exercer o poder negativo (Arantes et al., 2010).

Além das diversas críticas nas mais variadas esferas da sociedade, instituições judiciais também têm mudado suas interpretações sobre o tema, como no caso do voto proferido pelo Ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), no Mandado de Segurança n. 33.340, em que afirma que as alegações dos BD sobre a não divulgação de informações de seus clientes (manutenção do sigilo) não constituem direitos absolutos, tampouco ilimitados. Mendes (2017) argumenta que, nas situações em que há colisão entre o interesse individual e o interesse coletivo a respeito de informações relevantes, há de se operar a quebra de sigilo. De acordo com o ministro do STF, “[...] o sigilo como componente da privacidade tende a ceder ante o imperativo da transparência, que deve orientar as medidas de disposição de recursos públicos numa república democrática” (Mendes, 2017, p. 623).

Diante das pressões e dos avanços interpretativos dos órgãos de controle, o BNDES adotou uma série de instrumentos no sentido de aprimorar suas condutas de disponibilização de informações, tornando-se referência mundial em transparência e oferecendo amplas possibilidades para a social accountability (Rossi, 2018). Apesar dos avanços observados no BNDES, o mesmo pode não estar ocorrendo nos BD subnacionais, que, apesar de se submeterem às mesmas regras constitucionais do BNDES, acabam tendo algumas especificidades legais que limitam a vontade do gestor em divulgar suas informações, mas que podem, ao mesmo tempo, ser usadas como subterfúgio para não divulgar informações sobre o destino dos recursos. Adicionalmente, os BD subnacionais acabam sofrendo menor pressão por mudanças, seja da sociedade, seja dos órgãos de accountability horizontal, sobretudo por parte dos Tribunais de Contas, devido à menor visibilidade pública, algum tipo de influência política, falta de capacidade dos órgãos de controle, bem como pelas culturas políticas e administrativas. Esse fato faz com que os BD, sobretudo por meio de sua burocracia, perpetuem práticas inadequadas (Lino & Aquino, 2020)sustentadas e apoiadas pela atuação de conselheiros, assessores, diretores de auditoria e apoiadores do escalão técnico, os quais detém maior influência e poder em uma organização tipicamente permeada por lógicas institucionais incompatíveis e conflitantes. Utilizou-se o caso do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro para analisar as práticas ilegítimas largamente utilizadas que se tornaram públicas recentemente. O caso foi analisado em uma abordagem qualitativa, a partir de entrevistas (com auditores e conselheiros da organização, privilegiando o sigilo em detrimento da transparência.

No que se refere aos estudos anteriores, apesar de haver estudos dedicados à análise da eficiência e eficácia dos BD subnacionais brasileiros, a exemplo de Moller (2017) e Tolla (2017), aqueles que estudam a transparência dessas instituições concentram-se apenas no BNDES, como em Mencarini (2015) e Vita e Santana (2020). Há, também, estudos que investigam a transparência das empresas estatais brasileiras, a exemplo de Bianchi et al. (2020) e Mohallem et al. (2017), que identificaram avanços importantes na transparência e nas estruturas de governança dessas instituições, mas insuficientes para o pleno exercício da social accountability e, consequentemente, para a consolidação da democracia. Ainda que haja estudos que abordem as estatais e os BD, até a elaboração deste trabalho não foram identificados estudos dedicados à compreensão da transparência ativa dos BD subnacionais no contexto das sociedades democráticas.

METODOLOGIA

Trata-se de estudo qualitativo (Raupp & Beuren, 2006) e descritivo (Gil, 2008), uma vez que apresenta as informações sobre aspectos relacionados à transparência dos BD em atividade no Brasil da forma como foram encontrados para, em seguida, buscar compreender os aspectos envolvidos nas práticas de transparência e o comportamento dos agentes dessas instituições.

A população da pesquisa compreende os BD subnacionais em atividade. De acordo com Bechelaine (2022), essas instituições são controladas por governos e visam a concessão de créditos de médio e longo prazos, com o objetivo de fomentar o desenvolvimento econômico e social de suas regiões. Elas seriam, de acordo com a autora, as instituições que permaneceram após o Programa de Incentivo à Redução da Presença do Setor Público na Atividade Bancária (Proes), e que ainda são classificadas pelo BCB como BD. É importante destacar que alguns estados dispõem de bancos múltiplos ou estaduais que, apesar de exercerem funções de fomento, não possuem as mesmas características dos BD analisados e, portanto, não se enquadram no escopo desta pesquisa. Também não se incluem no escopo desta pesquisa as agências de fomento. Nesse sentido, os BD investigados nesta pesquisa são apresentados na Tabela 1.

Tabela 1
Os Bancos de desenvolvimento em atividade no Brasil

Em relação à transparência ativa, que, de acordo com Zuccolotto e Teixeira (2019), é resultado de imposições legais ou da proatividade dos gestores públicos em divulgar informações que sejam de interesse coletivo, independentemente de o seu acesso ter sido solicitado pelos cidadãos, a coleta dos dados ocorreu por meio de consulta direta na página da internet de cada um dos três BD que compõem o universo da pesquisa e foi realizada entre os meses de dezembro de 2021 e janeiro de 2022. A opção pela delimitação do período visa evitar uma discrepância na coleta dos dados, garantindo que uma mesma informação fosse buscada nos portais de todas as instituições da amostra em tempos próximos. Como não houve problemas de acesso aos sites com as informações publicizadas, adotou-se o primeiro acesso como referência para a realização da pesquisa.

Para identificar e medir a transparência ativa, utilizou-se como referência o Guia de Transparência do BNDES (2021, disponível no sítio eletrônico da instituição), dado que ele é reconhecido como modelo de transparência no Brasil (Motta et al., 2006), tendo sido analisados oito pilares dos aspectos considerados relevantes para a verificação da transparência sobre projetos de investimento, clientes e relacionados à concessão de crédito dos BD, a saber: Políticas e Diretrizes, Institucional, Finanças e Empregos, Informações do Portfólio, Dados dos Clientes, Dados das Operações, Impacto e Participação Social.

Esses pilares são importantes para a transparência, visto que promovem confiança, accountability, prevenção de corrupção e tomada de decisão mais informada, especialmente em instituições financeiras que desempenham um papel relevante no desenvolvimento regional no Brasil. Considerando-se todos os pilares investigados, os pontos avaliados totalizaram 33 e podem ser observados na Tabela 3.

Tabela 2
Dados sobre os entrevistados
Tabela 3
Resultado dos itens avaliados

Os dados coletados por meio do roteiro de observações foram tabulados em planilha do Microsoft Excel e classificados como em Zuccolotto e Teixeira (2017), em que a disponibilidade de determinado item foi registrada com o número 1, que corresponde a “sim”, ou a “presença”, e itens indisponíveis nos sites foram registrados com o número 0, correspondente a “não”, ou “ausência”. As informações ausentes não são necessariamente inexistentes, estando apenas indisponíveis no local avaliado. A coleta foi realizada por dois observadores diferentes, e, como não foram encontradas disparidades nas anotações, prosseguiu-se com as análises.

Além disso, foram realizadas também entrevistas com diretores e gerentes dos bancos investigados, buscando compreender o estágio atual da transparência ativa dessas instituições, a razão de determinados itens não serem publicados pela instituição e quais os limites e as possibilidades de avanço da transparência em cada uma delas. O sigilo dos entrevistados, a pedido dos próprios e visando garantir mais liberdade de fala ao entrevistado, foi mantido ao fazermos uso das suas palavras. As entrevistas foram realizadas no mês de abril de 2023, e o critério de escolha, além da conveniência, foi que eles ocupassem cargos de, no mínimo, gerentes. A Tabela 2 exibe um resumo das entrevistas:

Por fim, foram encaminhados pedidos de informação solicitando aos BD que informassem, quando não encontrados no sítio eletrônico, os locais onde as informações poderiam ser acessadas e dados complementares considerados importantes para a investigação, como aqueles relativos ao indeferimento de pedidos de acesso à informação.

Apresentação e discussão dos resultados

Os resultados da pesquisa são apresentados na Tabela 3 e demonstram que, de modo geral, os BD precisam avançar em termos de transparência, sobretudo em relação às informações dos clientes, das operações e da participação social. Após a apresentação geral dos resultados, será feita uma discussão individualizada de cada pilar analisado, complementado, quando possível, com as informações obtidas durante as entrevistas e por meio dos pedidos de informação.

TRANSPARÊNCIA DAS POLÍTICAS E DIRETRIZES

Em relação a este pilar, vemos que todos os BD disponibilizam em seu portal um documento contendo a política de gestão de riscos implementada. Já em relação à política de transparência e às ações de compliance, um dos bancos investigados não divulga essas informações, apesar de leis como a Lei n. 12.527/11 (Lei de Acesso à Informação - LAI) e a Lei n. 13.303/2016 (Lei das Estatais) terem instituído normas relacionadas à governança, transparência e compliance, justamente com o objetivo de contribuir para o aperfeiçoamento da atuação das instituições públicas nesses quesitos.

Os BD apresentam políticas de gestão de riscos para gerenciar e mitigar esses riscos, protegendo os interesses dos clientes, investidores e a própria estabilidade financeira da instituição. Contudo, nem todos divulgam informações sobre transparência e compliance, devido, em primeiro lugar, à natureza da informação ser considerada sensível e poder favorecer concorrentes ou mal-intencionados. Em segundo lugar, devido a questões de competição, pois há o medo de comprometer a posição ou imagem no mercado. E, por último, são instituições que estão sob forte regulamentação, com requisitos legais específicos.

No caso do BRDE, verificou-se que, apesar de existirem ações de prevenção e de divulgação de informações, as medidas de transparência e compliance não estavam consolidadas em um documento formal e, portanto, foram consideradas indisponíveis para os fins da análise. Assim, salienta-se que essas informações registradas como ausentes nos portais das instituições não são, necessariamente, inexistentes.

Embora os BD estejam obrigados a seguir determinações legais que tratam sobre os aspectos do pilar de Políticas e Diretrizes, os resultados revelam que nem todos divulgam essas informações em conformidade com a legislação pública. Apesar do tempo decorrido desde o início da vigência das leis, existem instituições que ainda hoje apresentam dificuldades e precisam de ajustes para efetivamente cumpri-las.

A conformidade com as leis de acesso à informação e governança varia de uma instituição para outra e está sujeita a uma série de fatores complexos. Algumas das dificuldades na implementação incluem, em primeiro lugar, uma cultura organizacional resistente a mudança. Em segundo lugar, falta ou escassez de recursos financeiros e humanos. Em terceiro lugar, complexidade operacional que se resume em parcerias específicas e atividades com alto risco. Em quarto lugar, as pressões políticas e econômicas que favorecem conflitos e direcionam práticas de governança. E, por último, fatores regulatórios, caracterizados por uma legislação ambígua ou pouco clara.

Transparência institucional

A Lei n. 12.813/2013 estabelece que a agenda das autoridades do Poder Executivo Federal, de autarquias, de fundações públicas, de empresas públicas ou de sociedades de economia mista seja divulgada diariamente por meio da internet. Como se observa, o BDMG e o BRDE não divulgam a agenda de seu presidente, dificultando assim a social accountability. A não divulgação das agendas acaba levando, em muitos casos, a uma interpretação de que pode haver favorecimento de agentes econômicos específicos e que o banco pode ser usado como instrumento político, conforme destacou um diretor entrevistado, ainda que seu banco não divulgue a referida agenda.

Em relação à divulgação de relatórios de dados sobre a transparência passiva, observa-se que o BRDE e o BDMG não divulgam relatórios de solicitação de acesso à informação, ao passo que o BANDES não justificou, nos relatórios, o motivo para o indeferimento dos pedidos de informação. Essas informações foram solicitadas, então, pela LAI, obtendo-se as seguintes respostas: o BANDES informou que, no período de 2020 até 2022, indeferiu quatro pedidos (de 46 realizados), sendo dois por questões de violação de privacidade e dois por sigilo bancário. O BRDE respondeu que, entre 2020 e 2022, foram realizadas 20 solicitações de informações com base na LAI, das quais três foram indeferidas e uma foi deferida parcialmente, mas não informou a justificativa para o indeferimento dos pedidos de informação, afirmando, quando questionado, que, desde 2019, relata suas demandas no formato publicado, as quais são objeto de aprovação interna, uma vez que se trata de dados sensíveis e há controle de acesso interno para análise e tratamento.

A falta de relatórios sobre solicitações de acesso à informação pode ser explicada, em primeiro lugar, pelas limitações tecnológicas devido a ausências de sistemas que promovam a transparência; em segundo lugar, pela falta de consciência de parte da gestão, que não compreende a importância do processo; em terceiro lugar, pela burocracia excessiva que acaba levando a processos ineficientes; e, por último, mas não menos importante, pela falta de punição pela não conformidade com as exigências legais.

Como se observa, os resultados do pilar de transparência Institucional evidenciam a importância da introdução de legislações públicas para a promoção da transparência, visto que a maior parte dos itens analisados se fez presente na população investigada. Mesmo assim, alguns BD ainda apresentam déficit de transparência em alguns itens sensíveis e, apesar de, durante as entrevistas, alguns diretores apresentarem argumentos relacionais ao caráter público e privado dos BD para a não divulgação de informações, destaca-se que eles estão subordinados à LAI, conforme já evidenciado no estudo de Bento e Bringel (2014), devendo observar as suas diretrizes.

Transparência das finanças e empregos

A Tabela 3 evidencia que nenhum dos BD analisados divulga informações sobre as fontes de recursos da instituição e sobre os salários e benefícios oferecidos aos empregados. Por se tratar de instituições que detêm capital próprio reduzido e que são fortemente dependentes de medidas governamentais voltadas à disponibilização de recursos públicos para o fomento de sua atividade produtiva (Souza et al., 2021), os BD deveriam ter avançado na divulgação desses itens, visto que não há nenhum dispositivo legal que a impeça, como proteção de dados ou sigilo. Em relação a esses dois itens, observa-se um déficit total de transparência dos BD, impedindo que mecanismos de accountability vertical e horizontal sejam ativados (Zuccolotto & Teixeira, 2019).

Embora fundamentais para a visualização e o acompanhamento da saúde financeira da instituição, os percentuais de taxa de inadimplência ainda não são divulgados pelo BDMG. A divulgação desses itens é importante pois, conforme evidenciou Junior (2004), as taxas de inadimplência, além de serem elevadas, causando impacto negativo no desempenho e manutenção dos BD, possuem controles inadequados que podem, até mesmo, permitir a geração de déficits que terão de ser cobertos por recursos públicos. A falta de transparência prejudica mecanismos de accountability nessas instituições, incentiva ambientes com práticas não responsáveis, motiva alocações ineficientes e desperdício de recursos, bem como o desalinhamento das metas de desenvolvimento sustentável.

Transparência das informações do portfólio

Os BD analisados divulgam detalhadamente informações necessárias para a contratação de financiamento. Constam nos portais os objetivos das linhas de crédito e a quem se destinam, as condições financeiras aplicáveis, a documentação exigida e outras orientações para a obtenção do crédito. A transparência desses aspectos é importante, porque, dado que a concessão de financiamento é o principal produto dos bancos e agências de fomento, é imprescindível que seus potenciais clientes possam acessar tais informações quando quiserem.

Apesar disso, não se verificou a divulgação de informações sobre as empresas e fundos investidos, incluindo-se os valores aportados. A ausência dessas informações dificulta o acompanhamento das aplicações e a análise sobre a adequada destinação dos recursos. Durante as entrevistas, ficou claro que os entrevistados utilizam a LGPD e as legislações do BCB como fundamento para a não divulgação, reforçando o argumento weberiano de que a burocracia, enquanto grupo de poder, tem preferência pelo sigilo. No entanto, o argumento dos entrevistados mostra-se frágil, dado que, além de se tratar de investimentos notadamente advindos de recursos estatais, a divulgação dos investimentos das pessoas jurídicas em empresas e fundos é exigido pela própria norma de contabilidade societária, sobretudo naqueles bancos constituídos como autarquias e sociedades de economia mista.

Transparência de dados dos clientes

Este é um dos pilares críticos da transparência dos BD subnacionais, pois, como evidencia a Tabela 3, todos os itens avaliados apresentaram resposta negativa, indicando a manutenção de práticas pautadas na opacidade e no sigilo. Apesar do que prevê a perspectiva que justifica a criação dos BD com base na existência de falhas de mercado (Cunha et al., 2014), os resultados observados não garantem que essas instituições estejam ofertando crédito para setores e modalidades preteridos pelas instituições financeiras privadas. Não há como mensurar se suas operações vêm sendo direcionadas para cumprir o objetivo precípuo de induzir o desenvolvimento socioeconômico regional, colocando em xeque a atuação dessas instituições.

O principal argumento apresentado pelos entrevistados dos três bancos pesquisados é que a não divulgação desses dados está fundamentada em normas do BCB relativas ao sigilo bancário. Quando questionados sobre o fato de o BNDES ir numa direção contrária, divulgando essas informações, o entrevistado B afirma que “isso se deve ao fato de o BNDES usar a estratégia de registrar seus contratos em cartórios de títulos e documentos, permitindo a divulgação dessas informações ao público”, ainda que esse registro não seja legalmente requerido.

Quando questionados sobre a razão de não se utilizar o mesmo procedimento do BNDES, as respostas dos entrevistados divergem, sobretudo em função da natureza jurídica de cada instituição. Enquanto o entrevistado A defendeu, mas não justificou, a não divulgação, os entrevistados B e C defenderam o sigilo por se tratar de entidade que também possui recursos privados, devendo submeter-se às normas do BCB, e por terem pessoas físicas majoritariamente em sua carteira de clientes. Quando questionados sobre os financiamentos realizados com recursos advindos de fundos estaduais, a resposta dos entrevistados B e C foi que, nesses casos, o BD é apenas um prestador de serviços, não sendo o responsável pela divulgação dos repasses, afirmando que a divulgação de qualquer informação estaria protegida pelo sigilo bancário do cliente. Além disso, o entrevistado B destaca que, como o recurso emprestado não é público, dado que o risco do crédito concedido é do BD, não haveria motivos para publicizar tais dados, justificando seguir as normas do BCB.

Conforme já discutido por Bento e Bringel (2014), entidades constituídas como empresas públicas ou sociedades de economia mista se valem do seu caráter público-privado como uma forma de contornar demandas por mais transparência e divulgação de informações acerca dos seus clientes. Assim, conseguem manter-se insulados o suficiente para utilizar critérios nebulosos - e, por vezes, políticos - na escolha daqueles que recebem os empréstimos (Kondo, 2002; Torres & Costa, 2012). Se isso já está apaziguado no debate da teoria burocrática, o papel regulador do BCB parece reforçar e salvaguardar o sigilo nos BD, evidenciando a necessidade de se repensar o papel e os limites dessas instituições.

Transparência dos dados das operações

Os resultados apresentados na Tabela 3 evidenciam a ausência total de informações detalhadas sobre os projetos apoiados a partir das operações, dificultando o controle sobre a principal atividade realizada pelos BD: a concessão de empréstimos. Constatou-se que a falta de transparência resulta na perda do controle sobre o destino e a aplicação dos recursos públicos deslocados para essas instituições.

Assim como observado no pilar dos Dados dos Clientes, não é possível avaliar se os objetivos que norteiam a atuação dos BD, tendo como base as falhas de mercado (Cunha et al., 2014), vêm sendo atingidos. Apesar do que argumenta Souza (2018), devido à não disponibilização de informações sobre os objetivos, o andamento e a execução dos projetos e a localização dos empreendimentos realizados, torna-se impossível mensurar se as instituições financeiras com sedes regionais são de fato mais integradas com a realidade local e comprometidas com o progresso da economia regional. Permanece, por exemplo, a dúvida sobre se os desequilíbrios inter-regionais, devido à maior oferta de crédito para regiões já urbanizadas em detrimento de áreas periféricas e rurais, vêm sendo mitigados.

Novamente, o principal argumento utilizado pelos entrevistados é o sigilo, fato que pode ser contestado, dado que a divulgação de localização de empresas financiadas, sobretudo por recursos públicos, não parece violar o arcabouço legislativo vigente. O entrevistado B chega a argumentar que a publicação de informações sobre o local do empreendimento, empresa ou fundo financiado poderia se caracterizar como quebra de sigilo bancário e levar, inclusive, “à prisão do presidente do banco”.

A ausência de informações detalhadas sobre os projetos apoiados compromete o controle sobre a concessão de empréstimos, embaçando a lente das ações dos BD. Esse contexto dificulta a avaliação adequada dos impactos dos investimentos, bem como a identificação dos riscos, a garantia de que os recursos estão sendo direcionados de modo eficiente e a legitimidade dos programas de financiamento ou desenvolvimento. Em outras palavras, a não divulgação desses registros coloca a burocracia pública em um lugar de conforto e pouca responsabilização política, fortalecendo-os como grupo de poder (Weber, 2012).

Transparência dos impactos regionais dos financiamentos

Neste pilar, verificou-se que apenas o BANDES não divulga Relatório de Efetividade, descrevendo de maneira resumida os impactos alcançados e a contribuição dos financiamentos concedidos para o desenvolvimento regional. Uma vez que os projetos apoiados pelos BD devem resultar em impactos socioeconômicos regionais significativos, é imprescindível que essas informações estejam disponíveis para o acesso da sociedade e dos controladores (Cunha et al., 2014).

Novamente, percebe-se a não intencionalidade na divulgação de informações, que poderiam, inclusive, gerar ganhos políticos ao chefe do Poder Executivo, mas que são apropriados pela burocracia em nome do sigilo, reforçando seu poder. Os entrevistados não apresentam argumentos relevantes para a não divulgação desse pilar.

Participação social

Em relação às nomeações de pessoal para a composição dos Conselhos Administrativo e Fiscal dos BD, Romero (2017) reforça a importância de que sejam estabelecidas diretrizes transparentes e justas no processo de recrutamento. Apesar de todos os BD divulgarem no Estatuto Social suas políticas para a formação dos Conselhos, não se verificaram espaços a serem ocupados por membros independentes, sobretudo daqueles advindos da sociedade civil, comprometidos com a representação dos reais interesses dos cidadãos.

Conforme relatado por um dos diretores entrevistados, “os Conselhos são, em geral, definidos por indicações dos governadores, vindo de secretarias e ou outros órgãos do Estado. Membros da sociedade civil organizada não compõem os Conselhos”, existindo, no caso das sociedades de economia mista, representação dos acionistas minoritários, mas nenhuma representação da sociedade civil. A ausência de determinações mais específicas sobre o perfil dos indicados abre margem para a manutenção das práticas tradicionais de ocupação dos espaços burocráticos, lotados por representantes advindos da iniciativa privada e conformes ao grupo político no poder, tal qual observado em Schmitt (2017).

É certo que, do ponto de vista societário, essas instituições não são obrigadas a terem participação da sociedade civil em seus Conselhos, mas, como instituições públicas, seria recomendado que essa possibilidade fosse ao menos considerada pelos entrevistados, que, em todos os casos, não a entendem como relevante, dado que a atribuição legal está sendo cumprida.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Partindo-se do pressuposto teórico apresentado pro Weber (2012) de que a burocracia pública não é apenas um conjunto de funcionários públicos e de processos administrativos, mas um dos fundamentos do exercício do poder estatal e do governo democrático e que, além de ter muito poder, sempre procura aumentá-lo e sua principal ferramenta para fazê-lo é a manutenção do segredo acerca de seus conhecimentos e suas intenções, este trabalho teve por objetivo compreender como a burocracia dos BD justifica a ausência de transparência em seus órgãos e, para tanto, fez-se necessário realizar um mapeamento da transparência da destinação dos recursos públicos dos BD subnacionais brasileiros.

Os resultados obtidos evidenciam que, em termos de transparência, os BD brasileiros ainda precisam avançar na divulgação de informações relacionadas à destinação dos recursos. Em geral, essas instituições demonstram esforço apenas em cumprir a publicização de determinações impostas pelas legislações vigentes, enquanto informações relacionadas à identificação dos clientes, ao detalhamento dos projetos financiados, à destinação e às fontes dos recursos utilizados e à presença da sociedade na estrutura institucional permanecem indisponíveis.

A escassez de informações nos portais pode despertar dúvidas sobre a atuação dos BD, uma vez que não são prestados esclarecimentos quanto à utilização dos recursos colocados sob sua gestão, impossibilitando avaliar se os projetos apoiados promovem impactos na coletividade, obter a compreensão de como os clientes financiados são selecionados e realizar a avaliação da situação financeira da instituição. Logo, se não há transparência, os controles sobre essas entidades tornam-se frágeis.

Ainda que a obrigação de disponibilizar informações seja insuficiente para tornar os BD transparentes, os resultados obtidos na pesquisa confirmam a importância da implementação de leis e políticas contemplando essa questão. Constatou-se que parte significativa das informações buscadas nos portais dessas instituições estava disponível em cumprimento às normas legais. No entanto, a transparência ativa e o fluxo de informações não devem esgotar-se no cumprimento das leis, exigindo dos gestores mais consciência democrática para que o processo de accountability possa concretizar-se nas formas horizontal e vertical. Mais do que uma imposição legal, deve haver um estímulo contínuo orientado à construção de uma cultura de democratização das informações nas instituições. Afinal, enquanto a transparência for tratada como mera observância da lei, as dificuldades de acesso permanecerão as mesmas.

Como grupo de poder, conforme destacado em Weber (2012), a burocracia dessas entidades justifica a manutenção do segredo acerca de seus conhecimentos com o argumento de “[...] proteger o sigilo comercial e bancário de seus clientes, ou ainda sob o fundamento de não expor a estratégia da empresa a seus potenciais competidores”, como já identificado em Bento e Bringel (2014, p. 4). Apesar de não estarem corretos em suas alegações, as legislações citadas pelos entrevistados, sobretudo a Lei n. 105, de 10 de janeiro de 2001 (Lei do Sigilo Bancário), parecem servir como um limite ao debate para que a transparência da destinação dos recursos dessas instituições avance, representando uma limitação ao avanço democrático e ao direito da sociedade de conhecer e fiscalizar o uso desses recursos e, além disso, contrasta com os pressupostos da teoria democrática contemporânea de que a regra é a transparência e o sigilo é a exceção. Impede, ainda, que o processo de accountability seja concretizado a contento, dado que a ausência de informação adequada pode impedir a responsabilização do gestor em função de baixo desempenho.

Esse quadro de baixa transparência e de burocracia insulada faz com que práticas inadequadas de gestão continuem a existir nessas instituições, impossibilitando o exercício da social accountability, ou seja, a correta responsabilização do gestor. Mesmo em relação aos organismos de controle externo, até o voto de Gilmar Mendes, observava-se total resistência em oferecer dados solicitados por essas instituições sob o argumento do sigilo. Essa situação, conforme o entrevistado C, foi revertida, ainda que acordos de confidencialidade tenham de ser assinados pelos órgãos de controle externo.

Mesmo que a natureza jurídica dessas instituições e a natureza de seus clientes (pessoa física ou pessoa jurídica) possam parecer empecilhos à divulgação de informações, dadas a normas estabelecidas pelo BCB, fica evidente que, além de os BD terem que avançar em suas políticas de transparência, as próprias normas e critérios precisam ser revistos, dado que os BD que se caracterizam como tal acabam usando argumentos de bancos comerciais para justificar a não divulgação de informações. Se os BD são capitalizados com recursos públicos, praticam taxas comerciais subsidiadas e atuam onde há falhas de mercado, a divulgação de informações e a social accountability dela decorrente são fundamentais para desobscurecer e mudar a imagem dessas instituições. É preciso destacar, por fim, que esta pesquisa apresenta muitas limitações, uma vez que ouviu poucos servidores dos BD, até porque o acesso às pessoas de cargos de gerência e direção nessas instituições, sobretudo para falar de transparência, por si só foi um empecilho. Além disso, essa pesquisa não dá conta de entender todos os aspectos legais envolvidos nos limites da transparência dessas instituições, mas apenas identificar o quadro atual e os argumentos principais da burocracia em relação à não divulgação de informações importantes no sentido da democratização das informações dos BD.

Por fim, sugerimos, como futuras pesquisas, identificar a transparência das agências de fomento, criadas a partir da redemocratização, identificar os argumentos dessa burocracia e se eles são alterados por terem sido essas entidades constituídas no regime democrático.

  • Avaliado pelo sistema de revisão duplo-anônimo.

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Editado por

  • Editor Associado: Fabiano Maury Raupp

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Maio 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    14 Jul 2023
  • Aceito
    04 Mar 2024
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