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O Trabalho do Professor, Indicadores de Burnout, Práticas Educativas e Comportamento dos Alunos: Correlação e Predição1 http://dx.doi.org/10.1590/S1413-65382115000300004

The Work of Special Education Teachers, Burnout Indicators and Behavior of Students: Correlations and Predictions

RESUMO

A ocorrência do burnout em professores pode afetar também suas práticas educativas, seu repertório de habilidades sociais e o comportamento de alunos. Na literatura tais variáveis são abordadas de forma independente, o que dificulta sua compreensão. Este estudo teve como objetivos correlacionar e predizer as variáveis: condições de trabalho do professor, indicadores deburnout, práticas educativas do professor e o repertório de habilidades sociais e de problemas de comportamento dos alunos. Participaram 94 professores do ensino regular de um curso de aperfeiçoamento (EAD), com turmas com a inserção de alunos com deficiência e/ou salas de recursos multifuncionais. Para a coleta de dados foram utilizados: 1) Questionário sobre a percepção dos professores sobre o trabalho docente, 2) Maslach Burnout Inventory -MBI, 3) Questionário de Habilidades Sociais Educativas para Professores e 4) Inventário de Comportamentos Pró-sociais. Os dados foram analisados com estatística descritiva (média e desvio padrão), correlação (TesteSpearman) e análises de regressão lineares. Os resultados indicaram que as práticas negativas influenciam o nível deburnout dos professores, o qual, por sua vez, é influenciado pelas condições de trabalho, interferindo na saúde emocional do professor. Conclui-se para a importância de múltiplas medidas para avaliar trabalho e saúde do professor, bem como da necessidade de intervenções que favoreçam melhores condições de trabalho e práticas educativas.

PALAVRAS-CHAVE:
Educação Especial; Saúde do Professor; Burnout; Práticas Educativas.

ABSTRACT

The occurrence of burnout in teachers can also affect their educational practices, their repertoire of social skills and the behavior of students. In the literature, such variables are approached independently of each other, which makes it difficult to glean a full understanding of the issue. This study aimed to correlate and predict these variables: teacher working conditions, burnout indicators, educational practices of teachers, student repertoire of social skills and behavior. Ninety four regular education teachers, responsible for classes with students with disabilities or resource classroom who attended an improvement course participated in this study. Data was collected by applying: 1) a Questionnaire about teacher perceptions of the teaching profession; 2) the Maslach Burnout Inventory - MBI; 3) a Questionnaire of Educational Social Skills for Teachers; and 4) a Pro-social Behavior Inventory. Data were analyzed with descriptive statistics (mean and standard deviation), correlation (Spearman test) and linear regression analysis. Results indicated that negative practices influence the level of burnout of teachers, which, in turn, is influenced by working conditions, affecting the emotional health of teachers. The conclusion pointed to the importance of multiple measures to assess work and health of teachers, as well as the need for intervention promoting better working conditions and educational practices.

KEYWORDS:
Special Education; Teacher health; Burnout; Educative Practices

1 Introdução

Os professores têm sido estudados em diferentes países (REINHOLD, 2007REINHOLD, H.H. O Burnout. In: LIPP, M.E.N. (Org.). O stress do professor 5.ed. São Paulo: Papirus, 2007. p.63-80.; TRIGO; TENG; HALLAK, 2007; POSIG; KICKUL, 2003POSIG, M.; KICKUL, J. Extending our understanding ofburnout: Test of integrated model in nonservice occupations., Journal of Occupational Health Psychology n.8, n.1, p.3-19, 2003.), com variadas formas de investigação no que se refere ao impacto do exercício profissional no seu cotidiano de trabalho, considerando aspectos emocionais, físicos e organizacionais do ambiente e infraestrutura escolar.

Sobre o adoecimento do professor existe uma vasta literatura que aborda manifestações físicas como: problemas na voz (MARIANO; MUNIZ, 2006MARIANO, M.S.S.; MUNIZ, H.P. Trabalho docente e saúde: o caso dos professores da segunda fase do ensino fundamental, Estudos e Pesquisas em Psicologia, Rio de Janeiro, v.6, n.1, p.6-88, 2006.; PORTO et al., 2004PORTO, L.A. et al. Doenças ocupacionais em professores atendidos pelo Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador - CESAT. Revista Baiana de Saúde Pública, v.28, n.1, p.33-39, 2004. ); doenças musculoesqueléticas (SEIBT; LÜTZKENDORF; THINSCHMIDT2005SEIBT, R.; LÜTZKENDORF, L.; THINSCHMIDT, M. Risk factors and resources of work ability in techers and office workers. International Congress Series, v.1280, p.310-315, 2005.; GASPARINI; BARRETO; ASSUNÇÃO, 2005GASPARINI, S.M.; BARRETO, S.M.; ASSUNÇÃO, A.A. O professor, as condições de trabalho e os efeitos sobre sua saúde. Educação e Pesquisa, São Paulo, v.31, n. 2, p.189-199, 2005. ); doenças respiratórias e cardiovasculares (PRIOSTE, 2006PRIOSTE, C.D. Diversidade e adversidades na escola.Queixas e conflitos de professores frente à educação inclusiva 2006. Dissertação (Mestrado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2006 .; GASPARINI; BARRETO; ASSUNÇÃO, 2005GASPARINI, S.M.; BARRETO, S.M.; ASSUNÇÃO, A.A. O professor, as condições de trabalho e os efeitos sobre sua saúde. Educação e Pesquisa, São Paulo, v.31, n. 2, p.189-199, 2005. ) e, cefaléia (MARIANO; MUNIZ, 2006MARIANO, M.S.S.; MUNIZ, H.P. Trabalho docente e saúde: o caso dos professores da segunda fase do ensino fundamental, Estudos e Pesquisas em Psicologia, Rio de Janeiro, v.6, n.1, p.6-88, 2006.).

Pode-se apontar ainda um conjunto de sinais e sintomas de doenças com componentes emocionais como os: indicadores de stress (REINHOLD, 2007REINHOLD, H.H. O Burnout. In: LIPP, M.E.N. (Org.). O stress do professor 5.ed. São Paulo: Papirus, 2007. p.63-80.; MARTINS, 2007MARTINS, M.G.T. Sintomas de stress em professores brasileiros. Revista Lusófona de Educação, v.10, p. 109-128, 2007. ; PRIOSTE, 2006PRIOSTE, C.D. Diversidade e adversidades na escola.Queixas e conflitos de professores frente à educação inclusiva 2006. Dissertação (Mestrado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2006 .; RODRIGUES et al., 2005RODRIGUES, M.L. et al. Estresse ocupacional: um estudo com professores das redes pública e privada de ensino. Revista da Sociedade de Psicologia do Triângulo Mineiro - SPTM, Uberlândia, v.9, n.1, p.37- 44, 2005.; JAOUL; KOVESS, 2004JAOUL, G.; KOVESS, V. Le burnout dans la profession enseignante. Annales Médico Psychologiques, v.162, p.26-35, 2004.); os transtornos psíquicos e de comportamento (BAUER et al., 2007BAUER, J. et al. Working conditions, adverse events and mental health problems in a sample of 949 German teachers. Int Arch Occup Environ Health, v.80, p.442-449, 2007.; GASPARINI; BARRETO; ASSUNÇÃO, 2005GASPARINI, S.M.; BARRETO, S.M.; ASSUNÇÃO, A.A. O professor, as condições de trabalho e os efeitos sobre sua saúde. Educação e Pesquisa, São Paulo, v.31, n. 2, p.189-199, 2005. ) e os indicadores de burnout (BRAUN; CARLOTTO, 2014BRAUN, A. C.; CARLOTTO, M. S. Síndrome de Burnout : estudo comparativo entre professores do ensino especial e do ensino regular. Revista da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e EducacionalSão Paulo, v.18, n.1, p.125-133, 2014.; CARLOTO, 2011; SILVA, 2009SILVA, N.R. Condições de trabalho e saúde de professores de alunos com e sem necessidades educacionais especiais. 2009. Tese (Doutorado em Educação Especial) - Universidade Federal de São Carlos, Programa de Pós-Graduação em Educação Especial, São Carlos, 2009.; SILVA; ALMEIDA, 2011SILVA, N.R.; ALMEIDA, M.A. As características dos alunos são determinantes para o adoecimento de professores - um estudo comparativo sobre a incidência de Burnout em professores do ensino regular e especial. Revista Brasileira de Educação Especial, Marília, v.17, n.3, p. 373- 394, 2011.; SCHWARZER; HALLUM, 2008; REIS et al., 2006REIS, E.J.F.B. et al. Docência e exaustão emocional. Educação Sociedade, Campinas, v.27, n.94, p.229-253, 2006.).

Dentre os aspectos que podem levar ao adoecimento estão aspectos do ambiente de trabalho: (a) físicos: temperatura, ventilação, iluminação, ruído e espaço físico (MARIANO; MUNIZ, 2006MARIANO, M.S.S.; MUNIZ, H.P. Trabalho docente e saúde: o caso dos professores da segunda fase do ensino fundamental, Estudos e Pesquisas em Psicologia, Rio de Janeiro, v.6, n.1, p.6-88, 2006.; LEVY, 2006); (b) organizacionais: jornada de trabalho extensa/sobrecarga de trabalho (ROCHA, 2008ROCHA, E.K.G.T. Desigualdade também no adoecimento: mulheres como o alvo preferencial das síndromes do trabalho. In: ENCONTRO NACIONAL DE ESTUDOS POPULACIONAIS,16., 2008, Caxambu. Anais... 2008.; MENDES, 2006MENDES, M.L.M. Condições de trabalho e saúde docente. In: SEMINÁRIO DA REDESTRADO - REGULAÇÃO EDUCACIONAL E TRABALHO DOCENTE, 6., Rio de Janeiro, 2006. Anais... UERJ, Rio de Janeiro, 2006.); remuneração e reconhecimento (SAMPAIO; MARIN, 2004SAMPAIO, M.M.F.; MARIN, A.J. Precarização do trabalho docente e seus efeitos sobre as práticas curriculares. Educação e Sociedade Campinas, v.25, n.89, p.1203-1225, 2004.; LAPO; BUENO, 2003LAPO, F.R.; BUENO, B.O. Professores, desencanto com a profissão e abandono do magistério. Caderno de Pesquisan.118, p.65-88, 2003.) e, (c) infraestrutura escolar: disponibilidade de materiais e recursos didáticos, adaptações escolares, formação e capacitação de professores (BARASUOL, 2004BARASUOL, E. B. Burnout docente no trabalho com a inclusão de alunos com necessidades educacionais especiais. 2004. Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, 2004.; SILVA, 2009SILVA, N.R. Condições de trabalho e saúde de professores de alunos com e sem necessidades educacionais especiais. 2009. Tese (Doutorado em Educação Especial) - Universidade Federal de São Carlos, Programa de Pós-Graduação em Educação Especial, São Carlos, 2009.). Considerando tais variáveis parece que o contexto é desfavorável ao desempenho profissional do professor e para Oliveira (2005OLIVEIRA, D.A. A reestruturação do trabalho docente: precarização e flexibilização. Educação e SociedadeCampinas, v.26, n.92, p.753-775, 2005., p.1060) "A escola tem se mostrado um espaço gerador de tensões e sofrimentos para os que nela trabalham".

Com base nesses estudos sobre o adoecimento físico e mental do professor pode-se dizer que a descrição desses problemas e de possíveis variáveis relacionadas torna-se importante. Dentre esses fenômenos o burnout tem sido um dos mais estudados em professores, sobretudo no que se refere aos aspectos organizacionais do ambiente de trabalho.

Segundo Posig e Kickul (2003POSIG, M.; KICKUL, J. Extending our understanding ofburnout: Test of integrated model in nonservice occupations., Journal of Occupational Health Psychology n.8, n.1, p.3-19, 2003.), nas duas últimas décadas, o burnout foi abordado por diversos pesquisadores, principalmente ligado ao trabalho de profissionais da saúde e educação. Oburnout pode ser entendido como um tipo especial destress ocupacional crônico marcado pela presença de frustração e exaustão com o trabalho, cuja evolução é gradual e pode afetar todas as esferas da vida da pessoa (REINHOLD, 2007REINHOLD, H.H. O Burnout. In: LIPP, M.E.N. (Org.). O stress do professor 5.ed. São Paulo: Papirus, 2007. p.63-80.). Compreende três dimensões: exaustão emocional; diminuição da realização pessoal e, despersonalização (MASLACH; JACKSON, 1981MASLACH, C.; JACKSON, S.E. Maslach bournout inventory. Human services survey. Palo Alto: Consulting Psychologics Press, 1981.; PLANA; FABREGAT; GASSIÓ, 2003).

A incidência de burnout em vários países ainda é pautada na incerteza, mas dados sugerem um número significativo de indivíduos acometidos que pode variar entre 4% a 85,7%, dependendo da população estudada (TRIGO; TENG; HALLAK, 2007). Em professores existem muitos estudos realizados no Brasil, mas os achados são variados. Carlotto (2011CARLOTTO, M. S. Síndrome de Burnout em professores: prevalência e fatores associados. Psicologia: Teoria e Pesquisa Brasília, v.27 n. 4, p.403-410, 2011.), por exemplo, encontrou a presença de alto nível de exaustão emocional em 5,6% de professores, despersonalização em 0,7% e baixa realização profissional em 28,9%. Já no estudo deCodo (1999CODO, W. (Org.). Educação: carinho e trabalho. 4.ed. Petrópolis: Vozes, 1999.) realizado em âmbito nacional, com cerca de 39.000 trabalhadores da educação, encontrou em 25,1% dos professores exaustão emocional, 31,9% diminuição da realização pessoal e, em 10,7%, despersonalização. Também não é incomum encontrar estudo em que oburnout não foi identificado em apenas uma destas dimensões (REIS et al., 2006REIS, E.J.F.B. et al. Docência e exaustão emocional. Educação Sociedade, Campinas, v.27, n.94, p.229-253, 2006. ). Nesse sentido, reforçam os dizeres de Moura (1997MOURA, E.P.G. Saúde mental e trabalho. Esgotamento profissional em professores da rede de ensino particular de Pelotas - RS. 1997. Dissertação (Mestrado) - Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 1997.) de que oburnout pode apresentar manifestações e contornos específicos em função das singularidades presentes na organização e no ambiente de trabalho, bem como nas variáveis socioculturais.

Quanto à influência da sobrecarga laboral na saúde do profissional podem ser citados alguns estudos. Gil Monte e Peiró (1997)GIL-MONTE, P; PEIRÓ, J.M. Desgaste psíquico en el trabajo: el síndrome de quemarse. Madrid, Síntesis, 1997. eMaslach, Schaufeli e Leiter (2001MASLACH, C.; SCHAUFELI, W.B.; LEITER, M.P. Job Burnout. Annual Review of Psychology, v.52, p.397-422, 2001.) apontam a sobrecarga laboral como um intenso fator para o aparecimento da síndrome de burnout, já que a alta exigência das demandas no contexto do trabalho, acompanhada com o tempo limitado para a realização das tarefas gerariam a exaustão emocional. Carlotto (2011CARLOTTO, M. S. Síndrome de Burnout em professores: prevalência e fatores associados. Psicologia: Teoria e Pesquisa Brasília, v.27 n. 4, p.403-410, 2011.) identificou, em professores, relações entre variáveis demográficas e laborais, sendo mais prevalente em mulheres, com maior carga horária, maior número de alunos em sala e que atuam em escolas públicas como mais suscetíveis a desenvolverburnout. Para este autor esses resultados revelam preocupação, uma vez que tais professores continuam nas salas de aula, muitas vezes, agravando seus quadros clínicos, com consequências para sua saúde e implicações para o ensino-aprendizagem dos alunos.

Algumas pesquisas têm apontado que a forma como professores interagem (práticas educativas) com seus alunos podem favorecer ou dificultar o desenvolvimento emocional (habilidades sociais e problemas de comportamento) e/ou acadêmico dos alunos. Nessa direção o estudo das práticas educativas do professor na interação com os comportamentos dos alunos e com as condições de trabalho eburnout do professor se faz necessário.

Habilidades sociais compõem uma área de pesquisa e intervenção cujo objetivo é promover o desempenho efetivo das pessoas nas interações sociais em variados contextos (DEL PRETTE; DEL PRETTE, 1999, 2001DEL PRETTE, Z.A.P. ; DEL PRETTE, A. Psicologia das relações interpessoais. Vivências para o trabalho em grupo Petrópolis: Vozes, 2001.). Habilidades sociais são comportamentos presentes na interação social, que sugerem o favorecimento de resolução de problemas, diminuição de conflitos e atuam na promoção, manutenção ou enriquecimento das interações sociais de forma satisfatórias e agradáveis (BOLSONI-SILVA, 2002; BOLSONI-SILVA; CARRARA, 2010BOLSONI-SILVA, A. T.; CARRARA, K. Habilidades Sociais e análise do comportamento: compatibilidades e dissensões conceitual-metodológicas. Psicologia em Revista v.16, p.330-350, 2010.).

No que se refere ao estudo de habilidades sociais em crianças pré-escolares e escolares, a literatura tem sido frequente em apontar uma relação inversa entre esse repertório e a presença de problemas de comportamento (BARRETO; FREITAS; DEL PRETTE, 2011; BOLSONI-SILVA; LOUREIRO, 2011SILVA, N.R.; ALMEIDA, M.A. As características dos alunos são determinantes para o adoecimento de professores - um estudo comparativo sobre a incidência de Burnout em professores do ensino regular e especial. Revista Brasileira de Educação Especial, Marília, v.17, n.3, p. 373- 394, 2011.; BOLSONI-SILVA; MARTURANO; LOUREIRO, 2011BOLSONI-SILVA, A. T.; LOUREIRO, S. R.; MARTURANO, E. Validação do questionário de respostas socialmente habilidosas versão para professores - QRSH-Pr. The Spanish Journal of Psychologyv.29, n.2, p.227-234, 2011.; BERRY; O´CONNOR, 2010; KIM et al., 2010; LEME; BOLSONI-SILVA, 2010BOLSONI-SILVA, A. T.; CARRARA, K. Habilidades Sociais e análise do comportamento: compatibilidades e dissensões conceitual-metodológicas. Psicologia em Revista v.16, p.330-350, 2010.).

Em relação às interações do professor, suas práticas podem ser positivas e/ou negativas e, para o aluno, essas podem ter como consequência a emissão de problemas de comportamento e/ou habilidades sociais, podendo estabelecer influência mútua em ambos (BOLSONI-SILVA et al. , 2013BOLSONI-SILVA; A.T. et al. Contexto escolar: práticas educativas do professor, comportamento e habilidades sociais infantis. Revista Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, São Paulo, v.17, n.2, p.259-269, 2013.). Estes autores destacam que as práticas negativas utilizadas por professores são mais comuns diante de crianças com problemas de comportamento.

Nesse sentido, parece haver associação entre o uso de práticas negativas do professor e a ocorrência de comportamentos problema nos alunos, bem como as práticas positivas associadas à emissão de comportamentos socialmente habilidosos de alunos (CASTRO; BOLSONI-SILVA, 2008CASTRO, A.B.; BOLSONI-SILVA, A.T. Habilidades sociais na educação: relação entre concepções e práticas docentes na educação infantil. In: CAPELLINI, V.L.M.F. (Org.). Políticas públicas, práticas pedagógicas e ensino-aprendizagem: diferentes olhares sobre o processo educacional. Bauru: Cultura Acadêmica, 2008.; BAKER; GRANT; MORLOCK, 2008BAKER, J. A.; GRANT, S.; MORLOCK, L. The teacher-student relationship as a developmental context for children with internalizing or externalizing behavior. School Psychology Quarterly v.23, n.1, p.3-15, 2008.). A prevalência de problemas de comportamento quanto ao gênero também se mostra de forma diferenciada, ainda que a presença de habilidades sociais ocorra em ambos. Bolsoni-Silva et al. (2013)BOLSONI-SILVA; A.T. et al. Contexto escolar: práticas educativas do professor, comportamento e habilidades sociais infantis. Revista Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, São Paulo, v.17, n.2, p.259-269, 2013. identificaram que comportamentos habilidosos são mais freqüentes em meninas e problemas de comportamento em meninos.

A literatura destaca um conjunto de práticas emitidas por professores como promotoras do desenvolvimento das crianças no contexto escolar coma a habilidade de comunicação (FONSECA, 2012FONSECA, B.C.R. Práticas educativas de genitores e professoras e repertório comportamental de crianças do ensino fundamental:estudos de caso2012. Dissertação (Mestrado em Psicologia) - Programa de Pós-Graduação em Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem, Universidade Estadual Paulista, São Paulo, 2012.; HOWIE et al., 2010; UYSAL; ERGENEKON, 2010UYSAL, A.; ERGENEKON, Y. Social skills instruction carried out by teachers working at private special education institutions in Turkey. Education and training in autism and developmental disabilities, v.45, n.3, p. 459-466, 2010. ); a valorização de comportamentos habilidosos (BARNETT et al., 1996BARNETT, D. W. et al. keystone targets for change: planning for widespread positive consequences., School Psychology Quarterly v.11, n.2, p.95-117, 1996.); a colocação de regras e limites (GOMES, 2003); ensino para resolver problemas (ALLEN; BLACKSTON, 2003ALLEN, S. J.; BLACKSTON, A. R. Training preservice teachers in collaborative problem solving: An investigation of the impact of teacher and student behavior change in real-world settings. School Psychology Quarterlyv.18, n.1, p.22-51, 2003.); o suporte e acolhimento (GREENE; OLLENDICK, 1993GREENE, R.W.; OLLENDICK, T.H. Evaluation of a multidimensional program for sixth-grader in transition from elementary to middle school. Journal of Community Psychologyv.21, p.162-176 1993. ); a afetividade (BAKER; GRANT; MORLOCK, 2008BAKER, J. A.; GRANT, S.; MORLOCK, L. The teacher-student relationship as a developmental context for children with internalizing or externalizing behavior. School Psychology Quarterly v.23, n.1, p.3-15, 2008.; KULLOK, 2002KULLOK, M.G.B. (Org.). Relação professor-aluno: contribuições à prática pedagógica. Maceió: INEP, 2002.; RIBEIRO, 2010RIBEIRO, M. L. A afetividade na relação educativa. Estudos de Psicologia, Campinas, v.27, n.3, p.403-412, 2010.); a participação familiar (WEBSTER-STRATTON et al., 2008WEBSTER-STRATTON, C.M.; REID, J.; STOOLMILLER, M. Preventing conduct problems and improving school readiness: Evaluation of the incredible years teacher and child training programs in high-risk schools. Journal of Child Psychology and Psychiatryv.49, n.5, p. 471-488, 2008.) e estímulo à criatividade e interação social (OLIVEIRA; WECHSLER, 2002OLIVEIRA, E.T.A.; WECHSLER, S. M. Variáveis que afetam a aprendizagem: percepção de alunos de licenciatura e professores. Psicologia Escolar e Educacional, v.6, n.2, p.133-139, 2002.).

Hipotetiza-se, a partir dos estudos mencionados, que as condições de saúde dos professores podem interferir na forma como interage com seus alunos, o que, por sua vez, pode interferir no repertório de habilidades sociais e de problemas de comportamentos dos mesmos em sala de aula.

Nesse sentido, os estudos acima mencionados parecem indicar a associação entre as condições de trabalho, a saúde do professor, as práticas educativas dos professores e a aprendizagem e problemas de comportamento dos alunos. Contudo, nota-se na literatura que tais assuntos são abordados de forma independente e/ou com correlação, em algum nível, de uma ou outra variável, o que limita a compreensão do problema de forma plena.

Dessa forma, o presente estudo tem como objetivos correlacionar e predizer as seguintes variáveis: condições de trabalho do professor, indicadores deburnout, práticas educativas do professor e o repertório de habilidades sociais e problemas de comportamento dos alunos.

2 Método

2.1 Participantes

Participaram do estudo 94 professores do ensino regular que participavam de um curso de aperfeiçoamento na modalidade de ensino à distância (EAD) sobre práticas educativas em Educação Especial e Inclusiva. Em suas turmas havia a inserção de alunos com deficiência e que poderiam frequentar as salas de recursos multifuncionais, se disponíveis no contexto escolar.

2.2 Caracterização da amostra

Dos 94 professores, 61% dos participantes trabalham em classes regulares com inserção alunos com deficiência e 39% atuam em sala de recursos multifuncionais. Quanto ao gênero, a maioria (96%) era do sexo feminino. A média de idade era de aproximadamente 41 anos, variando entre 27 e 64 anos. A carga horária média de trabalho era de 37 horas por semana. A jornada dupla aparece em 37% dos casos, referindo-se a trabalho em mais de uma escola. O tempo médio na função era de 12 anos. Quanto ao estado civil, 62% eram casados, 15% solteiros, 7% divorciados e 4% viúvos.

2.3 Instrumentos

Para a coleta foram utilizados quatro instrumentos:

Um questionário para levantar a percepção dos professores sobre fatores de riscos ocupacionais presentes no trabalho docente que aborda os seguintes aspectos: a) dados pessoais; b) dados ocupacionais (profissão, formação, tempo na função, tempo de atuação com o alunado da educação especial); c) sintomas, afastamento e tratamentos decorrentes do exercício profissional; d) principais posturas adotadas durante o trabalho; e) condições de trabalho (ambiente de trabalho, organização do trabalho, materiais e equipamentos, recursos pedagógicos); f) formação e treinamento oferecidos para o cuidado do aluno e cuidados pessoais; g) sintomas psicossociais presentes no trabalho (fatores não físicos); h) sugestões para melhoria das condições de trabalho e manutenção da saúde; i) relações entre as condições de trabalho e o desempenho do professor; j) relações entre as condições de trabalho e saúde do professor e, k) relações entre as condições de trabalho e o aprendizado do aluno.

O protocolo Maslach Burnout Inventory - MBI (versão traduzida, adaptada e validada para a realidade brasileira por Tamayo (1997TAMAYO, M.R. Relação entre a síndrome de Burnout e os valores organizacionais no pessoal de enfermagem de dois hospitais públicos. 1997. Dissertação (Mestrado em Psicologia) - Instituto de Psicologia, Universidade de Brasília, Brasília, DF, 1997.) para avaliar a presença deburnout junto aos professores.. Para a composição dos itens que compõem as escalas, a pontuação utilizada pelo autor foi alterada em relação à versão original que oferecia sete possibilidades de resposta. Neste são oferecidas 5 possibilidades, ou seja, de 1 a 5 (1 = nunca, 2 = algumas vezes ao ano, 3 = algumas vezes ao mês, 4 = algumas vezes por semana e 5 = diariamente).

Questionário de Habilidades Sociais Educativas para Professores que visa investigar a forma como o professor se comporta em relação a seus alunos. As questões abordam a frequência de ocorrência dos comportamentos de: iniciar conversação (perguntas e respostas), expressar sentimentos positivos e negativos, estabelecer limites e manejar comportamentos de conflito na escola. Esse instrumento está disponível em ALMEIDA-VERDU et al., 2008ALMEIDA-VERDU, A.C.; RODRIGUES, O.M.P.R.; CAPELLINI, V.L.M.F. Repensando a avaliação. In: CAPELLINI, V.L.M.F.; RODRIGUES, O.M.P.R. (Org.). Práticas em educação especial e inclusiva na área da deficiência mental. Bauru: MEC/FC/SEE, 2008. v.12. , p.32-35). A construção realizada pela autora foi a partir de outro instrumento validado (BOLSONI-SILVA, 2009SILVA, N.R. Condições de trabalho e saúde de professores de alunos com e sem necessidades educacionais especiais. 2009. Tese (Doutorado em Educação Especial) - Universidade Federal de São Carlos, Programa de Pós-Graduação em Educação Especial, São Carlos, 2009.) que avalia o repertório de habilidades sociais de pais.

Inventário de Comportamentos Pró-sociais que investiga a ocorrência de comportamentos adequados e inadequados que o aluno apresenta em diferentes situações de interação na sala de aula. O instrumento está disponível em (ALMEIDA-VERDU et al., 2008ALMEIDA-VERDU, A.C.; RODRIGUES, O.M.P.R.; CAPELLINI, V.L.M.F. Repensando a avaliação. In: CAPELLINI, V.L.M.F.; RODRIGUES, O.M.P.R. (Org.). Práticas em educação especial e inclusiva na área da deficiência mental. Bauru: MEC/FC/SEE, 2008. v.12. , p.35-37).

2.4 Procedimentos de coleta de dados

O presente projeto é parte de um projeto maior que foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências, da UNESP, Bauru/SP (processo n. 192/46/01/10). Os procedimentos para a realização da coleta de dados foram:

Contato com os participantes para apresentar os objetivos da pesquisa e solicitar a colaboração na realização do estudo.

Publicação dos questionários no ambiente Teleduc (ensino à distância), juntamente com os termos de consentimento livre e esclarecido. Foram utilizados apenas os questionários respondidos acompanhados de assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido devidamente preenchido.

2.5 Procedimentos de tratamento e análise de dados

Os dados foram analisados a partir de estatística descritiva (média e desvio padrão) para cada instrumento de forma a apresentar dados quantitativos e qualitativos da amostra estudada. Em um segundo momento foi computado os escores totais para cada um dos instrumentos, conforme instruções dos autores. Análises estatísticas de correlação (Teste Spearman) foram realizadas de forma a testar as hipóteses previstas no estudo relacionando as variáveis previstas. Os resultados foram organizados em tabelas.

Também foram conduzidas análises de regressão lineares. A primeira delas buscou identificar as variáveis preditivas de condição de trabalho, que é uma medida do instrumento de condição de trabalho/saúde; entraram no modelo as variáveis dos instrumentos de práticas educativas, problemas de comportamento/habilidades sociais infantis, burnout e as demais escalas do instrumento de condições de trabalho/saúde (aspectos físicos e aspectos emocionais). As demais análises de regressão buscaram verificar o valor preditivo de todas as variáveis, já mencionadas, para cada uma das dimensões doburnout (realização, exaustão emocional e despersonalização).

3 Resultados e discussão

Esta seção apresenta os achados da correlação entre as medidas do estudo (Tabela 1) e os resultados de predição das mesmas (Tabela 2).

Tabela 1
- Resultados Teste de Correlação de Pearson

Na Tabela 1 é possível observar correlações positivas e negativas. As correlações positivas encontradas foram entre: Exaustão Emocional e Despersonalização; Exaustão Emocional e Práticas Negativas, Despersonalização e a Diminuição da Realização Pessoal e Diminuição da Realização Pessoal e Condições de trabalho. As correlações negativas encontradas foram: Diminuição da Realização Pessoal e Aspectos Emocionais; Diminuição da Realização Pessoal e Comportamentos Inadequados dos alunos; Aspectos Físicos do contexto escolar e Comportamento Adequado dos alunos; Aspectos Emocionais e Condições de trabalho; Aspectos Emocionais e Comportamento Adequado; Comportamento Adequado e Comportamento Inadequado dos alunos.

A Tabela 2 apresenta as regressões considerando as variáveis preditivas de condição de trabalho/saúde e as condizentes às medidas de burnout do professor (realização, exaustão emocional e despersonalização).

Tabela 2
- Regressões Logísticas Lineares considerando as categorias relativas às variáveis preditivas de condições de trabalho (1), realização (2), exaustão emocional (3), e despersonalização.

A Tabela 2 mostra que as variáveis que foram preditivas das condições de trabalho a realização profissional e os aspectos emocionais, foram obtidas pelo instrumento que avaliou burnout e de condições de trabalho/saúde, respectivamente. Portanto, as práticas educativas e os comportamentos infantis não predizeram as condições de trabalho.

A escala de burnout possui três dimensões as quais foram submetidas à análise de regressão. Na dimensão de despersonalização nenhuma variável de práticas, trabalho e comportamentos infantis foram preditivas. Para a dimensão de realização profissional, as outras duas escalas de burnout(exaustão emocional e despersonalização) e as condições de trabalho a predizeram. Considerando a dimensão de exaustão emocional houve predição das outras duas dimensões de burnout e das práticas educativas.

Com base nestes resultados pode-se concluir que as práticas negativas influenciam o nível de burnout dos professores, o qual é influenciado pelas condições de trabalho. Estas, por sua vez, têm influência da realização (escalaburnout) e dos aspectos emocionais do professor.

4 Discussão

Conforme mencionado anteriormente, foi encontrado um conjunto de correlações entre as variáveis estudadas, cuja discussão é apresentada a seguir:

4.1 Correlações positivas

4.1.1 Exaustão emocional e despersonalização

A correlação entre exaustão emocional e despersonalização indica que a presença de fatores de sobrecarga pode favorecer o processo de despersonalização. Gil Monte e Peiró (1997)GIL-MONTE, P; PEIRÓ, J.M. Desgaste psíquico en el trabajo: el síndrome de quemarse. Madrid, Síntesis, 1997. e Maslach, Schaufeli e Leiter (2001MASLACH, C.; SCHAUFELI, W.B.; LEITER, M.P. Job Burnout. Annual Review of Psychology, v.52, p.397-422, 2001.) encontraram correlação entre exaustão (elevada demanda de trabalho e tempo insuficiente para realizar as atividades) e a incidência de burnout.

O início de um trabalho, geralmente, é marcado de satisfação e engajamento e, desta forma, é menos provável que o burnout ocorra nesta fase, sendo a transformação dos sentimentos gradativamente substituídos por comportamentos e atitudes negativas (MASLACH; LEITER, 1997). A presença da exaustão emocional nos professores pode desencadear prejuízos na preparação e planejamento de aulas, diminuição ou perda da motivação, na criatividade, na empatia, gerando um processo de distanciamento na relação com os alunos (CARLOTTO, 2011CARLOTTO, M. S. Síndrome de Burnout em professores: prevalência e fatores associados. Psicologia: Teoria e Pesquisa Brasília, v.27 n. 4, p.403-410, 2011.).

Reis et al (2006REIS, E.J.F.B. et al. Docência e exaustão emocional. Educação Sociedade, Campinas, v.27, n.94, p.229-253, 2006.) em estudo com professores da rede municipal de Vitória da Conquista identificaram como frequentes a presença de cansaço mental e nervosismo e que tais fatores de riscos constituem elementos para as manifestações de exaustão emocional.

Vale destacar que a exaustão emocional é considerada uma das primeiras manifestações do burnout da qual podem advir outros sintomas como é o caso da despersonalização e diminuição da realização pessoal (CODO, 1999CODO, W. (Org.). Educação: carinho e trabalho. 4.ed. Petrópolis: Vozes, 1999.; BENEVIDES-PEREIRA, 2002BENEVIDES-PEREIRA, A. M. T. Burnout: quando o trabalho ameaça o bem-estar do trabalhador. 1. ed. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2002. ).

4.1.2 Exaustão emocional e prática negativa

A exaustão emocional também apresentou correlação com a prática negativa. Comportamentos e atitudes negativas dos professores podem ser comuns em situação de desgaste emocional e, assim, afetar as relações entre professores e alunos. Lyra et al. (2009LYRA, G.F.D. et al. A relação entre professores com sofrimento psíquico e crianças escolares com problemas de comportamento. Ciência & Saúde Coletiva v.14, n.2, p.435-444, 2009.) identificou a presença de sofrimento psíquico em 28% dos professores. Observaram, ainda, que professoras com sofrimento psíquico apresentaram de forma mais frequente problemas internalizantes (ansiedade e depressão) em seus alunos (15,2%) quando comparadas àquelas que não manifestaram transtorno (7,3%). Nesse sentido, indicam que o estado de saúde de professores interfere o julgamento dos comportamentos dos alunos e pode influenciar as práticas educativas.

A associação entre o uso de práticas negativas do professor e a presença de problemas comportamentais nos alunos tem sido extensamente descrita na literatura (CASTRO; BOLSONI-SILVA, 2008CASTRO, A.B.; BOLSONI-SILVA, A.T. Habilidades sociais na educação: relação entre concepções e práticas docentes na educação infantil. In: CAPELLINI, V.L.M.F. (Org.). Políticas públicas, práticas pedagógicas e ensino-aprendizagem: diferentes olhares sobre o processo educacional. Bauru: Cultura Acadêmica, 2008.; BAKER; GRANT; MORLOCK, 2008BAKER, J. A.; GRANT, S.; MORLOCK, L. The teacher-student relationship as a developmental context for children with internalizing or externalizing behavior. School Psychology Quarterly v.23, n.1, p.3-15, 2008.; BOLSONI-SILVA et al., 2013).

4.1.3 Despersonalização e diminuição da realização pessoal

Também foi observada correlação entre a despersonalização e a diminuição da realização pessoal. Como consequência da falta de ânimo e energia, o indivíduo desenvolve um afastamento psíquico e emocional dos alunos e de suas relações, podendo atingir inclusive suas relações sociais.

Volpato et al. (2003VOLPATO, D.C. et al. Burnout: O desgaste dos professores de Maringá. Revista Eletrônica InterAção Psy, v.1, n.1, p.90-101, 2003.) apontam a despersonalização como uma dimensão característica da síndrome, que a diferencia do stress. Apresenta-se como uma maneira do profissional defender-se da carga emocional que ocorre devido ao contato direto com outras pessoas. Dessa forma, o profissional desenvolve atitudes insensíveis em relação às pessoas no trabalho, defendendo-se de possíveis repercussões dos problemas e sofrimentos alheios em sua vida.

A situação se agrava quando, somada ao aspecto exaustão emocional, a despersonalização leva ao comprometimento do desempenho e sensação de incompetência estabelecendo-se, assim, a redução do sentimento de realização profissional ou ainda o baixo envolvimento pessoal no trabalho.

Nessa condição, o trabalhador perde o sentido de sua relação com o trabalho (VASQUES-MENEZES; CODO, 2006) podendo favorecer ideias de abandono da profissão (REINHOLD, 2007REINHOLD, H.H. O Burnout. In: LIPP, M.E.N. (Org.). O stress do professor 5.ed. São Paulo: Papirus, 2007. p.63-80.).

4.1.4 Diminuição da realização pessoal e condições de trabalho

Silva e Carlotto (2003SILVA, G.N.; CARLOTTO, M.S. Síndrome de Burnout: um estudo com professores da rede pública. Revista de Psicologia Escolar e Educacional v.7, n.2, p.145-153, 2003. ) descrevem que o cotidiano dos professores é permeado por condições de trabalho adversas, baixos salários, insuficiência de recursos materiais e didáticos, classes superlotadas, tensão no relacionamento com os alunos, carga horária excessiva, inexpressiva participação no planejamento da instituição e nas políticas institucionais e falta de segurança no ambiente escolar. Tais condições podem interferir na saúde dele e no julgamento de sua capacidade e da qualidade do seu trabalho. Segundo Maslach e Jackson (1981MASLACH, C.; JACKSON, S.E. Maslach bournout inventory. Human services survey. Palo Alto: Consulting Psychologics Press, 1981.) na fase de diminuição da realização pessoal são comuns sentimentos de frustração, arrependimento e insatisfação, com julgamento negativo de si próprio. Ocorre falta de motivação para seguir em frente com seu trabalho e tornam-se presentes sensações de menor rendimento, insatisfação com o seu desenvolvimento profissional e um sentimento de inadequação no trabalho. A autoestima e autoconfiança ficam prejudicadas. Peeters e Rutte (2005PEETERS, M.A.G.; RUTTE, C. G. Time management behavior as a moderator of the job demand-control interaction. Journal of Occupational Health Psychology, v.10, n.1, p.64-75, 2005.) identificaram que a combinação de alta demanda de trabalho e baixa autonomia são fatores preditivos para conduzi-los ao burnout, sobretudo com a presença de exaustão emocional e implicações na dimensão da realização pessoal.

Nesse sentido, os dados revelam que as condições de trabalho podem favorecer o adoecimento de professores (presença do burnout, em todas as suas dimensões) e influenciar as suas habilidades estimulando práticas educativas negativas. Por conseguinte, essas práticas favorecem dificuldades de aprendizagem e problemas de comportamentos nos alunos, afetando a saúde dos professores.

De maneira inversa, conforme as correlações negativas encontradas, os dados revelam que quanto melhores as condições de trabalho, menor a incidência de adoecimentos físicos ou emocionais, maior a satisfação e sentimento de realização com o trabalho e, consequentemente, menos frequentes os indicadores de problemas de comportamento nos alunos.

5 Considerações finais

Desta forma, pode-se concluir que o exercício profissional de professores é permeado por situações que oferecem riscos à saúde física e emocional decorrentes das condições existentes no ambiente e infraestrutura escolar, dos aspectos relativos à organização do trabalho, do sistema de ensino, das transformações resultantes da reforma no setor educacional e do repertório de habilidades sociais do professor. Na mesma direção, a atuação do professor, dependendo da qualidade das relações interpessoais e, consequentemente, do repertório de habilidades sociais e educativas, pode interferir negativamente no aprendizado do aluno e no desenvolvimento.

Assim, os resultados do presente estudo revelam a existência de correlações entre as condições de trabalho e infraestrutura escolar que pode favorecer o adoecimento de professores (físico ou mental). O adoecimento pode interferir na avaliação que o professor faz do aluno quanto à presença de comportamentos inadequados (avaliação negativa). Dessa forma, o repertório de práticas educativas interfere no comportamento e aprendizagem dos alunos. Nesse sentido, esta investigação apresenta uma possibilidade de estudar os assuntos de forma ampla, considerando as variáveis como multidirecionais.

Os dados também sugerem a necessidade de programas de intervenções com aos professores, seja em benefício da sua própria saúde ou no desenvolvimento de estratégias de intervenção junto aos alunos, com benefício para ambos. Contudo, os programas de intervenção tem sido escassos ou praticamente inexistentes (HERNÁNDEZ et al., 2002HERNÁNDEZ, E.G. et al. Prevenção e intervenção na síndrome deburnout. Como prevenir ou remediar o processo de burnout. In: BENEVIDES-PEREIRA, A.M.T. Burnout: quando o trabalho ameaça o bem-estar do trabalhador. 1. ed. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2002. p.227-271.). Alguns estudos mostraram efetividade (a partir do que?) para enfrentamento doburnout (SCHWARZER; HALLUM, 2008; FRIEDMAN, 2003FRIEDMAN, I. A. Self-efficacy and burnout in teaching: the importance of interpersonal-relations efficacy. Social Psychology of Education v.6, p.191-215, 2003.; DORMAN, 2003DORMAN, J.P. Relationship between school and classroom environment and teacher burnout: a LISREL analysis. Social Psychology of Education v.6, p.107-127, 2003.; HOWARD; JOHNSON, 2004). Na mesma direção programa de intervenções junto a professores para o desenvolvimento de habilidades sociais e práticas educativas tem mostrado resultados positivos (CONROY et al., 2014CONROY, M. et al. Early childhood teachers' use of effective instructional practices and the collateral effects on young children's behavior. Journal of Positive Behavior Interventions, v.16, n.2, p.81-92, 2014.; BOLSONI-SILVA; CARRARA, 2010BOLSONI-SILVA, A. T.; CARRARA, K. Habilidades Sociais e análise do comportamento: compatibilidades e dissensões conceitual-metodológicas. Psicologia em Revista v.16, p.330-350, 2010.). Assim, programas que contemplem esses conteúdos parece ser um caminho para enfrentamento dos problemas no contexto escolar.

A amostra estudada permitiu resultados de predição e não apenas de correlação, o que representa um ganho metodológico. Contudo, recomenda-se que novos estudos sejam realizados com professores com a aplicação dos instrumentos de forma presencial e não online como no presente estudo. Outro aspecto importante seria incluir na coleta instrumentos de avaliação da saúde mental de professores.

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  • http://dx.doi.org/10.1590/S1413-65382115000300004

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Set 2015

Histórico

  • Recebido
    12 Set 2014
  • Revisado
    16 Maio 2015
  • Aceito
    16 Maio 2015
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