SAÚDE E TRANSTORNO MENTAL NO ATLETA DE ALTO RENDIMENTO: MAPEAMENTO DOS ARTIGOS CIENTÍFICOS INTERNACIONAIS

HEALTH AND MENTAL DISORDERS IN HIGH PERFORMANCE ATHLETES: A MAPPING OF INTERNATIONAL SCIENTIFIC ARTICLES

SALUD Y TRASTORNO MENTAL EN ATLETAS DE ALTO RENDIMIENTO: MAPEO DE LOS ARTÍCULOS CIENTÍFICOS INTERNACIONALES

Resumo:

Estudos sobre a saúde mental de atletas de alto rendimento vêm crescendo internacionalmente, porém a produção nacional ainda é limitada. Esta revisão sistemática tem como objetivo mapear a produção do conhecimento sobre saúde mental desses atletas, seguindo a diretriz PRISMA para revisões sistemáticas. Encontramos aumento no número de publicações nos últimos cinco anos, com predomínio de publicações por autores de países de língua inglesa (EUA, Inglaterra/Reino Unido e Austrália) focando principalmente nos transtornos mentais mais comuns (ansiedade, depressão, distúrbio de sono, uso de álcool). Verificamos que atletas de elite têm taxas similares ou mais elevadas de transtornos mentais do que a população em geral. O esporte coletivo de invasão e o esporte individual de marca aparecem como os mais pesquisados. Este estudo avança com o debate sobre a saúde mental em atletas de alto rendimento e chama a atenção de pesquisadores, gestores e psicólogos brasileiros para essa temática.

Palavras-chave:
Literatura de revisão como assunto; Psicologia do Esporte; Saúde Mental

Abstract:

Studies on the mental health of elite athletes have been growing internationally. However, Brazilian contribution to this theme is still limited. This systematic review aims to map the studies on the mental health of elite athletes, following the PRISMA guidelines for systematic reviews. We found an increase in the number of publications in the last five years, with a predominance of publications by authors from English-speaking countries (USA, England/UK and Australia) focusing mainly on the most common mental disorders (anxiety, depression, sleep disorder, use of alcohol). We found that elite athletes have similar or higher rates of mental disorders than the general population. Team sports and athletic individual sports appear as the most investigated. This study advances the debate on mental health in elite athletes and draws the attention of Brazilian researchers, managers and psychologists to this theme.

Keywords:
Review Literature as topic; Sport Psychology; Mental health

Resumen:

Los estudios sobre la salud mental de los deportistas de alto rendimiento han aumentado a nivel internacional, pero la producción nacional aún es limitada. Esta revisión sistemática tiene como objetivo mapear la producción de conocimiento sobre la salud mental de esos atletas siguiendo la directriz PRISMA para revisiones sistemáticas. Encontramos un aumento en el número de publicaciones en los últimos cinco años, donde predominan publicaciones de autores de países de lengua inglesa (EE.UU., Inglaterra/Reino Unido y Australia) centradas principalmente en los trastornos mentales más comunes (ansiedad, depresión, desorden del sueño, consumo de alcohol). Encontramos que los atletas de élite presentan tasas similares o más elevadas de trastornos mentales que la población en general. El deporte colectivo de invasión y el deporte individual de marca aparecen como los más investigados. Este estudio avanza en el debate sobre la salud mental en deportistas de alto rendimiento y llama la atención de investigadores, gestores y psicólogos brasileños sobre este tema.

Palabras clave:
Literatura de revisión como asunto; Psicología del Deporte; Salud mental

1 INTRODUÇÃO

O desempenho do atleta de alto rendimento é influenciado por diversos fatores, como aspectos técnicos, táticos, físicos e psicológicos. Grande corpo da literatura se dedica aos primeiros aspectos, sendo que as pesquisas na área de saúde mental são realizadas em menor escala, recebendo poucos recursos e gerando relevante lacuna científica (RICE et al., 2016, 2019). Dada a elevada prioridade dos investimentos governamentais e privados, o esporte de alto rendimento deveria abranger também a preocupação com a saúde mental dos atletas, devido à sua importância para o desempenho esportivo e para a sua qualidade de vida (BUENO, 2008, MEIRA; BASTOS; BÖHME, 2012, DE BOSSCHER et al., 2006, 2007).

O esporte, como atividade humana, também apresenta fatores negativos que impactam a vida diária do praticante (NEWMAN; HOWELLS; FLETCHER, 2016, GALATTI, 2017). O esporte de alto rendimento pode gerar estresse de forma elevada, devido a diversos fatores, como lesão, overtraining, burnout, vida fora de casa, ausência de rede social de apoio íntima e afetiva, pressão interna e externa para alcançar resultados, restrições alimentares, uso de substâncias para melhorar o desempenho e administrar o estresse, entre outros (APPANEAL et al., 2009, WOLANIM; GROSS; HONG, 2015, GULLIVER et al., 2015, RICE et al., 2016, GORCZYNSKI; COYLE; GIBSON, 2017, GOUTTEBARGE et al., 2019, RICE et al., 2019, REARDON et al., 2019).

Fatores de estresse específicos do esporte, quando somados aos fatores de risco preexistentes, como genética, transtornos de personalidade, uso de drogas e álcool, abuso sexual na infância e outros, podem atuar como catalisadores para a manifestação de transtornos mentais (REARDON et al., 2019, RICE et al., 2016, 2019). Estudos realizados nos últimos anos mostram que atletas de alto rendimento geralmente estão vulneráveis a transtornos mentais, sendo o transtorno de ansiedade, transtorno depressivo, suicídio, transtornos alimentares, transtorno compulsivo obsessivo e transtorno bipolar, os mais comuns entre essa população (BAUMAM, 2016, REARDON et al., 2019, RICE et al., 2016, 2019).

Ressaltamos a urgência deste olhar para a saúde mental de atletas de alto rendimento, especialmente pela sobreposição significativa entre os anos competitivos, que varia entre os 15 e 30 anos, aproximadamente, e o pico de aparecimento de transtornos mentais na população em geral, que se encontra entre os 15 e 25 anos (SMITH; MILLINER, 1994, GULLIVER; GRIFFITHS; CHRISTENSEN, 2012, GULLIVER et al., 2012, APA, 2014, ALLEN; HOPKINS, 2015, WHO, 2017).

Apesar da relevância da temática no cenário internacional, a discussão sobre saúde do atleta de alto rendimento no contexto brasileiro ainda é escassa. Desconhecemos trabalhos que tenham investigado esses aspectos em atletas nacionais, indicando a necessidade de produção de conhecimento que auxilie na tomada de decisão de gestores, psicólogos e demais profissionais envolvidos no treinamento esportivo ou na ciência do esporte de maneira geral. Esta revisão sistemática sobre os estudos realizados na área fornece um panorama do conhecimento atual e indica caminhos a serem seguidos, contribuindo para ampliar a discussão em âmbito nacional. Assim, o objetivo deste artigo é avaliar a produção científica sobre saúde mental dos atletas de alto rendimento por meio de uma revisão sistemática.

2 MÉTODO

Este estudo identificou, organizou e sistematizou as pesquisas realizadas sobre o tema saúde mental no esporte em atletas de alto rendimento. Para encontrar os trabalhos, utilizamos o processo sistemático de busca, detalhado a seguir. Para a coleta de dados, nos guiamos por estudos de revisão (EGGER et al. 2003, GALVÃO; PEREIRA, 2014, PEREIRA; GALVÃO, 2014) que sugerem a definição de cinco etapas para o desenvolvimento do trabalho:

1. Tema: Saúde Mental (ou Transtorno Mental) em Atletas de Alto Rendimento.

2. Pergunta de Pesquisa: quais as características dos artigos sobre saúde mental de atletas de alto rendimento?

3. Descritores: Foram definidos após consulta da terminologia padronizada dos Descritores em Ciências da Saúde (DeCS) os seguintes descritores: “esportes”, “atletas”, “saúde mental”, utilizados em português, inglês e espanhol.

4. Estratégia de Busca nas Fonte de Dados: “Saúde Mental” AND “Esporte AND “Atleta”; “Mental Health” AND “Sport” AND “Athlete;” “Salud Mental” AND “Deporte” AND “Atleta”. Foco: encontrar os termos no título, resumo e palavras-chave.

5. Bases de Dados: PubMed, por ser referência nas pesquisas na área de saúde de forma geral; SPORTDiscus, por ser referência na área de Educação Física e Esportes; PsycINFO por ser referência em pesquisa na Psicologia; e SciELO pela possibilidade de encontrar literatura publicadas em português e espanhol.

Todos os métodos de análise e o relatório de dados seguiram as diretrizes para revisões sistemáticas e meta-análises do PRISMA (Preferred Reporting Items for Systematic Review and Meta-analyses: The PRISMA Statement) (MOHER et al., 2009) (Figura 1). Consideramos os estudos publicados apenas em revistas científicas com revisão pelos pares, desconsiderando, portanto, teses, dissertações, trabalhos de conclusão de curso, revistas de outros formatos, livros, trabalhos apresentados em congressos, infográficos, edital de chamamento, normas, comentários e opiniões. A pesquisa foi realizada entre 12 de outubro de 2019 e 31 de dezembro de 2019.

Figura 1
Protocolo PRISMA utilizado para seleção dos artigos sobre saúde mental e atleta de alto rendimento.

Foram considerados atletas de alto rendimento aqueles que competem em nível nacional, internacional e olímpico de forma profissional, ou universitários que comprometem sua carga horária diária e semanal a treinamentos com o objetivo de melhorar seu desempenho para a obtenção de títulos nessas competições. Dessa forma, apenas os atletas universitários que disputam os campeonatos da primeira divisão da NCAA (National College American Association) foram considerados, pelo elevado nível competitivo deste segmento, sendo uma passagem direta para o esporte profissional norte-americano.

Não foram incluídos nessa revisão: i) estudos com atletas colegiais que disputam os campeonatos da sua faixa etária; ii) estudos que não se aprofundaram, testaram ou apresentaram dados referentes a transtornos mentais de atletas de alto rendimento; iii) estudos que focaram na lesão, sem se aprofundar na relação com a saúde mental; iv) estudos que focaram em doenças gerais e citaram superficialmente sua relação com saúde mental, sem apresentar avaliações psicológicas; v) estudos que envolveram religiosidade e espiritualidade; vi) estudos que interpretavam o esporte como exercício físico; vii) estudos sobre avaliação de instrumentos de coleta de dados; viii) estudos com foco na força mental; ix) estudos relacionados ao esporte paralímpico e esporte amador.

A seleção dos estudos foi realizada em etapas. Primeiro, os artigos pesquisados nos bancos de dados foram exportados para uma pasta principal no software gerenciador de referências Mendeley. Todos os títulos e resumos foram selecionados por um pesquisador que, em seguida, removeu os estudos duplicados. Depois, todos os resumos foram analisados por três pesquisadores de forma independente para avaliar sua elegibilidade. Os artigos que apresentaram divergências de opiniões foram para uma segunda rodada de análise entre os três pesquisadores. Nesse caso, a metodologia dos estudos foi analisada com base nos critérios de inclusão e exclusão para verificar sua elegibilidade.

Os artigos escolhidos para a terceira etapa de análises seguiram para leitura completa pelos três pesquisadores. Ao ser analisado, as informações do artigo foram organizadas em categorias usando o software Excel, de acordo com subáreas: a) nível do atleta e nível de competição (nacional, internacional/olímpico, universitário); b) tipo de pesquisa (quantitativa, qualitativa, mista); c) transtornos ou tema principal do estudo; d) instrumentos utilizados para coleta de dados; e) tipo de esporte; f) sexo. O Quadro 1 apresenta as informações e processo de coleta de dados utilizado na leitura dos artigos.

Quadro 1
Processo de coleta dos dados.

Categoria	Descrição	Coleta de dados
Dados bibliográficos	Título, ano, revista e nomes autores	Direta
Esportes	Classificação dos esportes foi estabelecida de acordo Gonzalez (1999), Parlebas (1988, 2001), Riera (1989), Werner e Almond (1990)	Direta
Tipo de pesquisa	Definidas como qualitativas, quantitativas, mistas e de revisão	Direta
Gênero	Grupo investigado pelo artigo (homem, mulher ou ambos)	Direta
País dos autores	Países das universidades onde estão vinculados os autores	Direta
Transtornos abordados	Temáticas investigadas pelo estudo com base no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5)	Direta
Nível de desempenho	Classificado em universitário, nacional, internacional ou Olímpico	Direta
Instrumentos de coleta de dados	Nome dos questionários utilizados para coleta de dados	Direta

Fonte: Elaborado pelos próprios autores.

Os esportes foram classificados de acordo com as categorias discutidas por autores como Gonzalez (1999), Parlebas (1988, 2001), Riera (1989), Werner e Almond (1990), como mostra o Quadro 2.

Quadro 2
Classificação dos esportes investigados pelos artigos internacionais sobre saúde mental e atleta de alto rendimento.

Interação	Individual ou coletivo	Tipo	Esportes
Com	Individual	Combate	Wrestling, boxe, karatê, artes marciais mistas, judô, jiu-jítsu, taekwondo, esgrima
		Quadra dividida	Tênis, badminton, tênis de mesa, squash
	Coletivo	Campo e taco	Críquete, beisebol, softball
		Invasão	Futebol, basquete, futebol americano, rugby, futsal, hóquei, lacrosse
		Quadra Dividida	Voleibol
Sem	Individual	Marca	Decatlon, heptatlo, triátlon e biatlon, atletismo, natação, ciclismo, levantamento de peso, hipismo
		Estético	Ginástica artística e rítmica, saltos ornamentais, culturismo, patinação
		Precisão	Golfe, tiro, tiro com arco
	Coletivo	Marca	Vela, remo, canoa

Fonte: Elaborado pelos próprios autores.

Em seguida, dentre os artigos finais escolhidos, os autores analisaram as referências bibliográficas citadas nesses estudos, objetivando encontrar novos trabalhos que não tivessem sido detectados durante a revisão nas bases de dados. Os novos artigos encontrados foram analisados seguindo as mesmas etapas apresentadas anteriormente.

3 RESULTADOS

A Tabela 1 apresenta as características dos estudos analisados. Encontramos um aumento no número de publicações sobre saúde mental e atletas de alto rendimento ao longo dos anos, com produção mais significativa nos últimos cinco anos. A análise dos países mostrou que a maioria (58%) dos estudos é produzida em países de língua inglesa, como Estados Unidos, Reino Unido e Austrália. Notamos que a maioria dos estudos é conduzida com atletas de ambos os sexos e que a metodologia quantitativa é a mais utilizada.

Tabela 1
Mapeamento das publicações sobre saúde mental em atletas de alto rendimento.

		f	%
	1985-1989	1	1%
	1990-1994	4	2%
	1995-1999	3	2%
Período	2000-2004	3	2%
	2005-2009	11	6%
	2010-2014	21	12%
	2015-2019	136	76%
	Estados Unidos	88	35%
	Reino Unido/Inglaterra	35	14%
	Austrália	23	9%
	Holanda	17	7%
	Canadá	13	5%
	Suécia	10	4%
País dos autores	Irlanda/Irlanda Norte	8	3%
	Japão	8	3%
	África do Sul	7	3%
	Alemanha	7	3%
	Brasil	5	2%
	Itália	5	2%
	Suíça	5	2%
	Nova Zelândia	4	2%
	Dinamarca	3	1%
	França	3	1%
	Noruega	3	1%
	China	2	1%
	Outros	7	3%
	Apenas Homens	27	29%
Gênero	Apenas Mulheres	10	11%
	Ambos	55	60%
Métodos	Qualitativos	5	4%
	Quantitativos	68	53%
	Mistos	5	4%
	Revisões	50	39%

Fonte: Elaborado pelos próprios autores.

A Tabela 2 apresenta os tipos de modalidades mais pesquisadas. Notamos que os esportes coletivos de invasão são os mais investigados, seguidos pelos esportes individuais de marca.

Tabela 2
Modalidades pesquisadas pelas publicações sobre saúde mental em atletas de alto rendimento.

Interação	Categorias	Prática	f	%
Sem	Marca	Individual	100	24,8%
		Coletivo	22	5,4%
	Técnico-combinatório/Estético	Individual	32	7,9%
		Coletivo	2	0,5%
	Precisão	Individual	19	4,7%
		Coletivo	2	0,5%
Com	Invasão	Coletivo	126	31,2%
	Divisória	Individual	23	5,7%
		Coletivo	15	3,7%
	Campo e taco	Coletivo	25	6,2%
	Combate	Individual	38	9,4%

Fonte: Elaborado pelos próprios autores.

A Tabela 3 apresenta os temas mais investigados sobre saúde mental em atletas de alto rendimento. Verificamos uma diversidade de temas, sendo depressão e ansiedade as temáticas mais investigadas. A categoria “Saúde Mental Geral” representa artigos que investigaram uma ampla gama de temas relacionados aos transtornos e aspectos psicológicos de forma conjunta no esporte de alto rendimento.

Tabela 3
Temas mais pesquisados sobre saúde mental e atletas de alto rendimento.

Temas	f	%
Depressão	68	24%
Ansiedade	44	16%
Transtorno Alimentar	21	7%
Conscientização em Saúde Mental	18	6%
Distúrbios do Sono	17	6%
Uso de álcool e outras drogas	17	6%
Angústia	16	6%
Barreiras para a procura de tratamento em Saúde Mental	14	5%
Suicídio	11	4%
Uso de Esteroides Anabolizantes	6	2%
Transtorno Bipolar e Psicótico	4	1%
Dependência de Jogos de Azar	2	1%
Violência Sexual, Física e Psicológica	2	1%
Saúde mental geral	41	15%

Fonte: Elaborado pelos próprios autores.

A Tabela 4 apresenta os instrumentos mais utilizados para detecção dos transtornos mentais e temas relacionados. Os instrumentos CES-D, GAD-7, PROMIS e AUDIT-C, foram os mais utilizados pelos estudos analisados.

Tabela 4
Instrumentos de colete de dados nas publicações sobre saúde mental em atletas de alto rendimento.

Tema	Instrumento	f	%
	Centro de Estudos Epidemiológicos Escala de Depressão CES-D	11	16%
Depressão	Patient Health Questionnaire-9 (PHQ-9)	8	12%
	Inventário de Depressão de Beck (BDI)	4	6%
	Generalized Anxiety Disorder 7 Scale (GAD-7)	9	13%
Ansiedade	Social Phobia Inventory (SPIN) para pedir a fobia social	2	3%
	Inventário de Ansiedade Traço-Estado (STAI)	3	4%
Sono	PROMIS	10	15%
Álcool	AUDIT-C	15	22%
Transtorno Alimentar	Eating Disorders Inventory II (EAD-II)	5	7%

Fonte: Elaborado pelos próprios autores.

4 DISCUSSÃO

Neste estudo realizamos uma revisão sistemática de literatura que possibilitou caracterizar os estudos desenvolvidos na área da saúde mental e atletas de alto rendimento. Os resultados de nosso estudo mostram o aumento significativo de publicações sobre o tema nos últimos cinco anos, representando 76% dos artigos científicos encontrados (Tabela 1). Nossos achados corroboram estudos anteriores que mostraram o aumento do interesse pelo tema saúde mental em atletas de alto rendimento ao longo dos anos (MENON, 2016, PURCELL; GWYTHER; RICE, 2019, RICE et al., 2016, STILLMAN et al., 2019, STRÖHLE, 2019, WOLANIN; GROSS; HONG, 2015).

Alguns fatores podem explicar esse maior interesse, por exemplo, o desenvolvimento de estudos apoiados pelo Sindicato Mundial dos Jogadores (FIFPro) e pela Fédération Internationale de Football Association (FIFA), organizações que têm se dedicado a compreender a saúde mental dos atletas e estimulado pesquisas nesse segmento (GOUTTEBARGE et al., 2015, GOUTTEBARGE; AOKI; KERKHOFFS, 2015, GOUTTEBARGE et al., 2016, GOUTTEBARGE et al., 2018, JENSEN et al., 2018). Outro fator é a recente Declaração de Consenso de Especialistas do Comitê Olímpico Internacional (COI) que estimula a produção científica para se conhecer a saúde mental de atletas de alto rendimento (PURCELL; GWYTHER; RICE, 2019).

Observa-se também que os departamentos de esportes universitários norte-americanos, o Comitê Olímpico dos EUA, os Órgãos Diretivos Olímpicos dos EUA e as organizações esportivas profissionais norte-americanas estão contratando mais profissionais da área da psicologia para acompanhar a saúde mental de seus atletas, revelando a importância dessa área para o desenvolvimento integral dessa população (BAUMAN, 2016). Também é possível observar que a Sociedade Internacional de Psicologia do Esporte tem aumentado o estímulo a discussões sobre a saúde dos atletas e a sua relação com o desempenho esportivo (CARSON et al., 2018). Fatores como esses podem justificar o aumento de interesse de pesquisadores pelo tema.

Encontramos no nosso estudo um predomínio de publicações nos países EUA, Inglaterra/Reino Unido e Austrália, sendo responsáveis por quase 60% das publicações. Os estudos existentes, na sua maioria, são de atletas universitários (GOUTTEBARGE et al., 2019, NEWMAN; HOWELLS; FLETCHER, 2016, PROCTOR; BOAN-LENZO, 2010). Em contrapartida, encontramos baixa participação de pesquisadores da América do Sul, África e Ásia que pode ser explicada por algum desses fatores, como: i) desinteresse desses países pela saúde mental de atletas de alto rendimento; ii) baixo investimento recebido para estudos sobre essa temática.

Embora existam esforços para disseminar pesquisas de saúde mental no esporte, alguns órgãos do governo e clubes ainda minimizam sua importância no contexto esportivo (REARDON; FACTOR, 2010, RICE et al., 2016). Com isso, é fundamental conhecer mais sobre o assunto, ampliando sua disseminação, prevenção e tratamento. Dessa forma, mesmo com o crescimento entre 2015 e 2019, verifica-se que ainda faltam estudos epidemiológicos que abordam sintomas e distúrbios de saúde mental entre atletas e ex-atletas de elite (DOHERTY; HANNIGAN; CAMPBELL, 2016, FOSKETT; LONGSTAFF, 2018, GOUTTEBARGE et al., 2015, GOUTTEBARGE; AOKI; KERKHOFFS, 2015, GOUTTEBARGE et al., 2016, 2018, 2019, KILIC et al., 2017, MOESCH et al., 2018, REARDON; FACTOR, 2010, RICE et al., 2016, SCHAAL et al., 2011).

Verificamos no nosso estudo que a maioria das investigações sobre a saúde mental de atletas de alto rendimento utiliza instrumentos quantitativos para a coleta de dados. Entre os três mais utilizados encontramos o AUDIT-C para avaliar uso de álcool e outras drogas, o PROMIS para os distúrbios de sono e o CES-D para a depressão. Chama a atenção a ansiedade, tema bastante investigado pelos estudos, mas com variedade maior de instrumentos. Nossos achados corroboram resultados anteriores mostrando que a ansiedade, o distúrbio de sono, o uso-abuso de álcool e a depressão correspondem aos quatro transtornos mentais mais comuns (APA, 2014, WHO, 2017). Além disso, os estudos com foco na saúde mental dos atletas têm se baseado principalmente em análises transversais, em especial com dados de autorrelatos, o que interfere na subnotificação dos dados (GOUTTEBARGE et al., 2016, JUNGE; FEDDERMANN-DEMONT, 2016).

A maioria dos estudos, conforme mostramos na Tabela 1, investigou atletas de alto rendimento masculinos, corroborando os achados de estudos anteriores (GOUTTEBARGE et al., 2019, NEWMAN; HOWELLS; FLETCHER, 2016, PROCTOR; BOAN-LENZO, 2010). Esse é um fator que precisa ser repensado, já que estudos mostram que atletas mulheres apresentam maiores taxas para transtorno de ansiedade (ÅKESDOTTER et al., 2019, FOSKETT; LONGSTAFF, 2018, GULLIVER et al., 2015, JUNGE; PRINZ, 2019, RICE et al., 2019, SCHAAL et al., 2011), transtorno depressivo (ÅKESDOTTER et al., 2019, BEABLE et al., 2017, GERBER et al., 2018, GORCZYNSKI; COYLE; GIBSON, 2017, HAMMOND et al., 2013, HAGIWARA et al., 2017, JUNGE; PRINZ, 2019, JUNGE; FEDDERMANN-DEMONT, 2016, PRINZ; DVOŘÁK; JUNGE, 2016, REARDON et al., 2019, YANG et al., 2007) transtornos alimentares (GLAZER, 2008, HULLEY; HILL, 2001, JOY; KUSSMAN; NATTIV, 2016, JUNGE; FEDDERMANN-DEMONT, 2016, KRAUS; HOLTMANN; LEGENBAUER, 2018, MATHISEN; SUNDGOT-BORGEN, 2019, NEAL et al., 2013, PLATEAU et al., 2017, PRINZ; DVOŘÁK; JUNGE, 2016, REARDON et al., 2019, RICE et al., 2016, SOUTER; LEWIS; SERRANT, 2018) e distúrbios do sono (MAH et al., 2018, SCHAAL et al., 2011). Já os atletas masculinos apresentam maiores taxas de transtornos relacionados ao uso de álcool e outras drogas (CASTALDELLI-MAIA et al., 2019, EGAN 2019, MCDUFF et al., 2019, REARDON, 2017, RICE et al., 2016, SCHAAL et al., 2011, SOUTER, LEWIS; SERRANT, 2018, STILLMAN et al., 2019).

Os esportes com as maiores taxas de uso de álcool e outras drogas por atletas homens são: lacrosse, hóquei no gelo, futebol, rugby, beisebol, futebol, luta livre, levantamento de peso, esqui, biatlon, bobsleigh e natação. Para as atletas mulheres, destacamos: hóquei no gelo, ginástica, lacrosse, softball, natação e remo, sendo mais comum entre atletas de esportes coletivos do que individuais (REARDON et al., 2019, SOUTER; LEWIS; SERRANT, 2018). Diversos autores também citam que o esporte coletivo é o mais pesquisado, assim como ocorre nos resultados apresentados pelo nosso estudo, sendo um fator limitante na comparação com diferentes modalidades esportivas (GOUTTEBARGE et al., 2019, NEWMAN; HOWELLS; FLETCHER, 2016, PROCTOR; BOAN-LENZO, 2010).

Notamos que a prevalência de Transtorno Depressivo Maior chega a 15% em atletas alemães (NIXDORF et al., 2013) e 68% em nadadores de elite do Canadá (HAMMOND et al., 2013). Wolanin, Gross e Hong (2015) pesquisaram artigos sobre transtornos mentais no esporte e descobriram que a taxa de depressão entre atletas é considerada relevante. Atletas australianos de alto rendimento (críquete, futebol, hóquei, netball, remo, polo aquático, vela, softball, de 18 e 25 anos) tiveram taxas de 46,6% de sintomas de transtorno depressivo, sendo semelhante à população australiana em geral e, em alguns casos, até superior (GULLIVER et al., 2015). Da mesma maneira, Rice et al. (2016) realizaram uma revisão sistemática de literatura e observaram que atletas de alto rendimento apresentam riscos de transtorno depressivo comparáveis aos da população em geral, podendo ter índices ainda mais elevados.

Os transtornos de ansiedade também aparecem em alta prevalência. Na Austrália, 7,1% dos atletas de alto rendimento preenchiam os critérios para Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG), e 4,5% para transtorno do pânico (GULLIVER et al., 2015). Segundo os mesmos autores, mesmo com as altas taxas de TAG e pânico, ainda existem poucas pesquisas avaliando a prevalência, as causas e os tratamentos desses transtornos em atletas.

Embora nosso estudo tenha apresentado um interessante panorama das publicações sobre o tema saúde mental em atletas de alto rendimento, é importante reconhecer suas limitações. Primeiro, a busca foi restrita a algumas bases de dados específicas, podendo não ter alcançado trabalhos indexados em outras bases, como Web of Science e Scopus. Segundo, as buscas foram restritas às línguas inglesa, espanhola e portuguesa. Estudos importantes publicados em outros idiomas não foram incluídos nesta revisão. Portanto, sugerimos que estudos futuros complementem os atuais achados abrangendo as bases utilizadas e os idiomas de publicação.

5 CONCLUSÕES

Baseados na revisão de literatura sobre saúde mental em atletas de alto rendimento encontramos um aumento no número de estudos sobre o tema nos últimos cinco anos, com predomínio de publicações por autores de países de língua inglesa (EUA, Inglaterra/Reino Unido e Austrália). Não encontramos estudos sobre o tema no Brasil na literatura científica analisada.

O foco dos estudos foi principalmente nos transtornos mentais comuns (ansiedade, depressão, distúrbio de sono e uso-abuso de álcool). Verificamos que os atletas de alto rendimento apresentam taxas de transtornos mentais similares ou mais elevadas que a população em geral. O esporte coletivo de invasão e o esporte individual de marca aparecem como os mais pesquisados. A maioria dos estudos investigou atletas masculinos, indicando a necessidade de investigações com atletas mulheres pois, de acordo com a literatura, apresentam níveis mais elevados de depressão e ansiedade.

Observa-se que mesmo com o crescimento das pesquisas sobre o tema, ainda faltam estudos mais específicos. A maioria dos estudos coletou dados através de instrumentos de autorrelato, indicando a necessidade de análises clínicas para uma melhor compreensão dos transtornos. Este estudo avança com o debate sobre a saúde mental em atletas de alto rendimento e chama a atenção de pesquisadores, gestores e psicólogos brasileiros para essa temática.

• FINANCIAMENTO
  O presente trabalho foi realizado sem o apoio de fontes financiadoras.
• *
  Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Escola de Educação Física, Fisioterapia e Dança, Porto Alegre, RS, Brasil.

ÉTICA DE PESQUISA

Essa revisão de literatura é baseada em estudos anteriores e não envolve coleta de dados com seres humanos

REFERÊNCIAS

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  » https://doi.org/10.1016/j.jsams.2019.10.022
• ALLEN, Sian; HOPKINS, Will. Age of peak competitive performance of elite athletes: a systematic review. Sports Medicine, v. 45, n. 10, p. 1431-1441, 2015. DOI: 10.1007/s40279-015-0354-3
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• APA - AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. DSM 5: Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais. 5.ed. Porto Alegre: Artmed, 2014.
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Editado por

RESPONSABILIDADE EDITORIAL

Alex Branco Fraga ^*, Elisandro Schultz Wittizorecki ^*, Ivone Job ^*, Mauro Myskiw ^*, Raquel da Silveira ^*

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  08 Abr 2022
• Data do Fascículo
  2022

Histórico

• Recebido
  28 Set 2021
• Aceito
  17 Jan 2022