Open-access Produções acadêmicas sobre a Educação Escolar Indígena: um tributo a Marilda Cavalcanti

Academic production in the field of Indigenous Formal Education: A tribute to Marilda Cavalcanti

RESUMO

O campo da Educação Escolar Indígena (EEI) no Brasil vem se beneficiando da produção acadêmica oriunda de diferentes áreas do conhecimento. Nosso objetivo primeiro, neste texto, é discorrer sobre teorizações que vêm servindo de esteio para pesquisas conduzidas na área da Linguística Aplicada (LA). Iniciamos o artigo com um breve histórico da EEI em nosso país para, em seguida, descrevermos atuações de Marilda Cavalcanti que se mostraram fundamentais para a inserção da EEI, principalmente no que se refere à formação de professores indígenas, como objeto de estudo relevante na LA. Após focalizarmos políticas públicas voltadas para esse tipo de formação para a docência, bem como cursos a ela destinados, explicitamos e discutimos, então, algumas (re)conceptualizações que vêm balizando o fazer investigativo de um conjunto de pesquisadoras do Grupo de Pesquisa “Vozes na Escola” principalmente em relação às noções de interculturalidade e de identidade étnica e linguística. Concluímos o texto externando nossas preocupações acerca dos modos como as políticas públicas destinadas aos povos indígenas foram conduzidas nos últimos anos.

Palavras-chave: Educação Escolar Indígena; formação de professores indígenas; interculturalidade; identidade étnica e linguística.

ABSTRACT

Indigenous Formal Education in Brazil has benefited from academic production derived from different fields of knowledge. Our aim in this paper is to reflect upon theoretical assumptions that have served as foundation for research projects developed in the area of Applied Linguistics. We start this article presenting a brief history of Indigenous Formal Education in our country, followed by Marilda Cavalcanti’s activities that have shown to be fundamental for the inclusion of this area, particularly in what Indigenous teachers’ education is concerned, as object of investigation in Applied Linguistics. After focusing on public policies and courses geared towards this type of teacher education, we then describe and discuss some of the theoretical framework that has worked as basis for investigation projects put forward by members of the research group “Vozes na Escola”, focusing primarily on the concepts of interculturality and of ethnic and linguistic identity. We close this paper expressing our concerns about the ways public policies destined to Indigenous Peoples have been lately conducted in the country.

Keywords: Indigenous Formal Education; Indigenous teachers’ education; interculturality; ethnic and linguistic identity.

1. Introdução

Historicamente, a educação escolar promovida para os povos indígenas no Brasil sempre se caracterizou, até a Constituição de 1988, por desconsiderar as línguas e os processos educativos próprios desses povos. Como enfatizam vários estudiosos, no período colonial, a análise das ações destinadas à escolarização de populações indígenas, marcadas sempre por posturas integracionistas, parecem invariavelmente sinalizar para um vínculo com a catequese, a qual pode ser entendida como uma forma de operar da colonialidade. Um modo que, pautado em um discurso “salvacionista”, servia, de fato, para ocultar, como pontua Mignolo (2010, 2017), os reais interesses de uma expansão, em curso, de dominação do território e de imposição da lógica da Modernidade, pois o que se pretendia era prescrever modos de conhecer e de ser calcados em modelos de referenciação do homem branco, europeu. Como ressalta o antropólogo Gersem dos Santos Luciano, membro do povo Baniwa, diferentes missões religiosas, ao tomarem para si a tarefa de cristianizar e civilizar alunos indígenas, procuravam erradicar suas crenças e costumes a fim de torná-los “obedientes e submissos para facilitar a posse de suas terras e riquezas nelas existentes pelos colonizadores” (Luciano, 2007, p. 3). Afinal, a negação das culturas e da humanidade dos povos indígenas é base para a construção do racismo, do etnocídio e mesmo genocídio que caracterizam a expansão colonial europeia no novo mundo. Vale aqui destacar que os esforços despendidos para erradicar as línguas indígenas brasileiras começaram a ocorrer nesse mesmo período. Em um primeiro momento, essa política linguística foi levada a cabo pelos jesuítas, quando estes passaram a impor a língua geral, ou nheengatu4, em seus processos de evangelização e, posteriormente, no século XVIII, pelo Marquês de Pombal, que estabeleceu a obrigatoriedade do uso português como língua exclusiva da colônia, inclusive em todo e qualquer processo educativo voltado para os povos indígenas.

Findo o período colonial, o ideal de integração dos indígenas à sociedade nacional via aparato escolar, que caracteriza o assim designado Paradigma Assimilacionista de Educação Escolar Indígena, continuou imperando até o final da década de 1980, operacionalizado por diferentes órgãos indigenistas oficiais do Estado Brasileiro, como o Serviço de Proteção ao Índio (SPI), criado em 1910, e a Fundação Nacional do Índio (FUNAI), criada, durante a ditadura militar, em 1967, bem como por entidades dirigidas por missionários religiosos5. A rigor, a operacionalização desse paradigma seguia as orientações de um dos dois modelos de EEI, a saber: o Modelo de Submersão Cultural e Linguística, em que crianças indígenas eram retiradas de suas comunidades e colocadas em internatos, locais onde elas eram proibidas de utilizar suas línguas maternas e de exercitar seus costumes, de forma a aprenderem português e os modos considerados “bem educados” pelos não indígenas; e o Modelo de Transição Cultural e Linguística, em que escolas eram implantadas nas aldeias e nas quais as línguas indígenas eram toleradas, oralmente e por escrito, apenas nos anos iniciais da escolarização, já que esse procedimento, percebeu-se, facilitava a aprendizagem da língua portuguesa, este, sim, o objetivo final também desse modelo de ensino6.

Servindo como um verdadeiro divisor de águas, a Constituição promulgada em 1988, no entanto, altera legalmente a relação do Estado brasileiro com os seus povos indígenas, pois assegura a eles “o direito à diferença cultural, isto é, o direito de serem índios e de permanecerem como tal, reconhecendo-lhes sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições (Grupioni, 2008, p. 70, grifo do autor). E é com base na publicação desse documento e de um conjunto de outros dispositivos legais que o sucederam, como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), de 1996, dentre outros7, que vimos ocorrer a instauração de um Paradigma Emancipatório de Educação Escolar Indígena, no interior do qual se propõe o Modelo de Enriquecimento Cultural e Linguístico. Nesse modelo, o que se almeja promover, além do respeito às crenças, aos saberes e às práticas culturais indígenas, é um bilinguismo aditivo, isto é, a aquisição da língua portuguesa por parte do aluno indígena e o aumento, ao longo de todo o processo de escolarização, de sua competência na língua de seus ancestrais.

Importa frisar que a Linguística Aplicada, no Brasil, parecia estar alheia à necessidade de se considerar os direitos linguísticos dos povos indígenas evidenciados na nova Constituição. Isso porque ela vinha se ocupando, fundamentalmente, do estabelecimento de metodologias de ensino de línguas - estrangeiras e português como língua materna - para parcelas da população que compunham o mainstream do alunado do país. A educação linguística de grupos minoritários bi/multilíngue era ignorada por linguistas aplicados, tanto em suas investigações8, quanto em seus envolvimentos com projetos de formação de seus professores e com o estabelecimento de políticas públicas a eles destinados.

Esse quadro, no entanto, começa a se alterar a partir de algumas iniciativas voltadas para a Educação Escolar Indígena empreendidas pelo movimento indígena e indigenista que repercutem nas preocupações de cientistas sociais, em suas pesquisas. E é nesse contexto que começam a se desenvolver pesquisas no interior do Departamento de Linguística Aplicada (DLA) do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Unicamp, iniciativas essas capitaneadas, sobretudo, por Marilda Cavalcanti, como descrevemos a seguir.

2. A LA se abre para a Educação Escolar dos Povos Indígenas Brasileiros

Mais especificamente, a inserção da temática indígena no DLA se deu a partir da implantação, no final dos anos 1980, de um projeto de formação de professores indígenas Guarani residentes na Aldeia da Barragem, localizada no bairro de Parelheiros da cidade de São Paulo. Esse projeto, coordenado por Marilda Cavalcanti e Ângela Kleiman, e do qual participaram as mestrandas do Programa de Pós-graduação em Linguística Aplicada (PPG-LA) do IEL, à época, Terezinha Maher e Jackeline Mendes, representava um desafio que trazia consigo inquietude, mas que era, ao mesmo tempo, muito estimulante. Na raiz desse desafio residia o fato de que as integrantes da equipe, embora fossem bastante experientes no que tange a processos de formação de professores não indígenas, desconheciam as complexas particularidades que envolviam a educação de docentes bilíngues que se orientavam por matrizes culturais tão distintas delas próprias, como era o caso dos professores Guarani.

Findo o projeto com esses professores, Marilda Cavalcanti tomou para si a tarefa de orientar pós-graduandas do PPG-LA que se propunham a investir seus esforços acadêmicos e políticos em outros contextos indígenas em diferentes estados da Federação, inicialmente, no Acre e em Mato Grosso, e, posteriormente, na Bahia, em Roraima e em Minas Gerais.

Ressalte-se que, como forma de subsidiar a formação dessas pós-graduandas, Marilda foi (co)responsável pela vinda, ao PPG-LA, de pesquisadores renomados de universidades estrangeiras que (i) já vinham atuando no campo da Educação Escolar Indígena, principalmente na América Latina, dentre os quais destacamos Enrique Hamel (Universidad Autónoma Metropolitana, México), em 1989, e Nancy Hornberger (University of Pennsylvania, EUA), em 1997; ou que (ii) se debruçavam sobre processos educativos de grupos bi/multilíngues social e linguisticamente minoritários e marginalizados de um modo geral, como, por exemplo, Marilyn Martin Jones (University of Birmingham, Inglaterra), em 1993 e 1995, ou, ainda, que (iii) eram especialistas em etnografia escolar, como Frederick Erickson (University of Pennsylvania), em 1992. Ao viabilizar o contato com as ricas experiências desses(as) pesquisadores(as), bem com a bibliografia que eles (elas) nos apresentavam, Marilda Cavalcanti fez um investimento importantíssimo para o aprimoramento da formação de suas orientandas, as quais levaram à defesa as seguintes dissertações e teses, todas elas no campo da Educação Escolar Indígena9:


Trabalhos acadêmicos sobre a EEI orientados por Marilda Cavalcanti

Mas, é preciso sublinhar que os investimentos feitos por Marilda Cavalcanti em relação ao campo da Educação Escolar Indígena não se resumiram à orientação dos trabalhos mencionados10. Paralelamente, ela mesma vinha produzindo conhecimento sobre a EEI, por meio da condução de seus próprios projetos de pesquisa na área, a saber11:

  1. “O índio e a escola: a linguagem na construção de representações sobre a educação indígena pós-contato” (1997 - 1999);

  2. “Escolas da Floresta e a Formação de Professores: análise de interações transculturais e intraculturais em contexto pedagógico” (1997 - 1999) e

  3. “Vozes e olhares indígenas como vieses/janelas de reflexão sobre as concepções de letramento, letramento acadêmico e letramento digital” (2005-2008).

Essas investigações resultaram em etnografias e estudos que enveredavam também por um aprofundamento de discussões teóricas, promovendo uma revisão crítica de conceitos e perspectivas metodológicas que tentavam dar respostas à complexidade dos desafios do campo em questão. Tais resultados foram socializados por meio de vários artigos e capítulos de livros em publicações nacionais e internacionais relevantes (apenas à guisa de exemplos, ver Cavalcanti, 1993, 1996, 2000, 2001a e 2001b), bem como em trabalhos apresentados em eventos renomados no país (no XI Encontro da ANPOLL; no V Congresso Brasileiro de Linguística Aplicada; no II Simpósio Nacional Discurso, Identidade e Sociedade e no XV InPLA - Intercâmbio de Pesquisa em Linguística Aplicada, para citar somente alguns) e no exterior (no 5th International Pragmatics Conference, no México; no 11th World Congress of Applied Linguistics, na Finlândia; no 38th Annual BAAL Meeting e no 12th Sociolinguistics Symposium, ambos na Inglaterra, dentre outros)12.

Simultaneamente ao desenvolvimento de seus projetos de pesquisa, Marilda Cavalcanti e as demais pesquisadoras mencionadas nesta seção, além de despenderem esforços no que se refere à promoção de políticas públicas voltadas para a EEI, também investiram, de forma significativa, no estabelecimento e na condução de diferentes cursos de formação de docentes e pesquisadores indígenas, como procuramos demonstrar a seguir. Entendemos que essas intervenções também contribuíram para pavimentar a área da Educação Escolar Indígena no âmbito da Linguística Aplicada brasileira. No entanto, é bom que se ressalte, essas iniciativas se somam ao conjunto de experiências e reflexões teórico-metodológicas que vinham se desenvolvendo em algumas universidades brasileiras, mais sensíveis às reivindicações vindas dos movimentos sociais, notadamente nas áreas da Educação e da Antropologia, com as quais a Linguística Aplicada também dialoga.

3. Políticas Públicas e Cursos de Formação de Professores Indígenas

Com a promulgação da Constituição de 1988, que assegurara o direito dos povos indígenas a uma educação escolar diferenciada, específica, intercultural e bilíngue, de modo a promover o acesso dessas sociedades a novos conhecimentos sem, contudo, negar suas particularidades linguístico-culturais e identidades étnicas, tornou-se imperioso regulamentar, por meio de ações e de documentos legais, essa redefinição paradigmática. Essa necessidade acarretou modificação das responsabilidades na condução da oferta de programas educacionais indígenas, que, em 1991, deixou de ser incumbência exclusiva da FUNAI e passou a ficar sob responsabilidade do Ministério da Educação e do Desporto (MEC). Foi então quando e porque, nesse mesmo ano, o MEC criou a Coordenação Geral de Apoio às Escolas Indígenas e o Comitê de Educação Escolar Indígena. Esse Comitê, composto por representantes indígenas e por diferentes assessores interinstitucionais não indígenas ao longo de sua existência13, foi responsável pela elaboração, em 1993, das “Diretrizes para a Política Nacional de Educação Escolar Indígena” e, em 1998, do “RCNEI - Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas”, bem como, posteriormente, de um conjunto de outros importantes documento pareceres e resoluções. Foi a partir dessas iniciativas do MEC que a possibilidade de um novo modelo de educação escolar para os povos indígenas e o seu reconhecimento legal e jurídico foram assegurados, com legislação específica, configurando-se, portanto, como uma política de Estado.

Como consequência dessa política, observou-se um aumento crescente de projetos, em diversas regiões do país, voltados para a formação de professores indígenas para os anos iniciais, os conhecidos Magistérios Indígenas, os quais, em sua maioria, lidavam com a formação de professores em exercício que atuavam nas escolas em suas aldeias e participavam, de forma simultânea, dos processos complexos que envolviam o reconhecimento, pelo MEC, dos currículos de formação desses projetos e do reconhecimento das escolas indígenas por diferentes Secretarias de Educação estaduais e municipais.

Enfatize-se que a formação para a docência em vários desses cursos de Magistérios Indígenas, a cargo, principalmente, de entidades não governamentais e universidades, contou com a participação de linguistas aplicados(as) enquanto docentes-formadores(as). Nessas ocasiões, diferentes aportes teóricos da LA foram acionados como forma de melhor compreender questões envolvidas em processos de formação de professores indígenas em diferentes contextos, tais como, apenas à guisa de exemplo, nos cursos promovidos (i) pela Comissão Pró-índio do Acre14 (Maher, 1994; Cavalcanti 1996); (ii) pelo Instituto Socioambiental no Parque Indígena do Xingu (MT)15 (Mendes, 2007b) e (iii) pelas Universidade do Estado da Bahia e da Universidade Federal da Bahia em colaboração com a Associação Nacional de Ação Indigenista e Secretaria de Educação do Estado da Bahia16 (Cesar, 2002; Cesar & Costa, 2013). Afora atuações sistemáticas, é possível também encontrar registros de participações mais esporádicas de pesquisadores(as) da Linguística Aplicada, como o oferecimento de workshops, por exemplo, em cursos de Magistério Indígenas levados a cabo em outros estados brasileiros, como no Pará, em Mato Grosso do Sul, em Rondônia, no Amazonas, dentre outros.

A ampliação da demanda de oferta de educação escolar nas comunidades indígenas fez surgir, a partir dos anos 2000, um outro conjunto de iniciativas destinadas à formação de professores indígenas, desta feita em nível superior, como forma de possibilitar sua atuação em todos os níveis do ensino básico. Vai daí que diferentes cursos de Licenciaturas Interculturais, com currículos específicos voltados para as especificidades linguísticas, culturais e epistemológicas dos povos e comunidades, foram sendo implantados em várias instituições, como, dentre outras, na Universidade do Estado do Mato Grosso (UNEMAT), em 2001; na Universidade Federal de Grande Dourado (UFGD), na Universidade Federal de Goiás (UFG) e Universidade Federal de Minas Gerais, em 2006; na Universidade Federal de Amazonas (UFAM), Universidade Federal do Acre (UFAC) e na Universidade do Estado da Bahia, em 200917. Vários(as) linguistas aplicados(as) também vêm contribuindo, de diferentes maneiras, nesses cursos universitários. Gorete Neto (2014), por exemplo, vem, desde 2011, atuando no curso de licenciatura em Formação Intercultural para Educadores Indígenas (FIEI) da Faculdade de Educação (FAE) da UFMG, tendo coordenado a sua habilitação em “Línguas, Artes e Literaturas” em dois períodos distintos.

Na continuidade deste texto, tecemos considerações sobre algumas das teorizações que vêm embasando o fazer investigativo, ou são dele frutos, de linguistas aplicadas do Grupo de Pesquisa “Vozes na Escola” no campo da EEI.

4. Produções acadêmicas na LA referentes ao campo da Educação Escolar Indígena

O campo da EEI, constituído, como apontamos anteriormente, no seio dos conflitos entre a hegemonia cultural dos não-indígenas e a resistência indígena, tornou-se um potente lugar de estudo das relações interétnicas e da produção de conhecimento para o fortalecimento político e cultural dos povos indígenas. E foi nesse lugar que reflexões metametodológicas e metalinguísticas se impuseram para tentar compreender e explicar os mecanismos de construção dessa práxis, seus desafios e suas contradições. Tais reflexões tiveram por esteio não apenas teorizações tradicionalmente caras à Linguística Aplicada, como aquelas envolvendo práticas de letramentos, por exemplo, mas também concepções revisitadas dos Estudos Linguísticos e conceitos trazidos de outros campos de investigação (da Antropologia, da Sociologia, da Educação, dos Estudos Culturais, dos Estudos Feministas e dos Estudos Decoloniais).

Importa aqui sublinhar que todas as nossas produções acadêmicas voltadas para a EEI tiveram como pressuposto o princípio da interculturalidade, entendida como uma prática político-epistêmica, conceito que surge na América Latina “como uma exigência dos programas de educação bilíngue dos povos indígenas do continente” (Tubino 2004, p. 3). Também no Brasil, a questão da interculturalidade, isto é, a necessidade de “fazer dialogar conhecimentos e comportamentos construídos sob matrizes culturais distintas, e frequentemente conflitantes, passou a ser entendida como o esteio, como a razão de ser da escola indígena” (Maher, 2007a, p. 258). Tem-se, então, que da perspectiva intercultural crítica por nós adotada, a proposta, preconizada nos próprios RCNEIs - Referenciais Curriculares para as Escolas Indígenas (Brasil, 1998, p. 24), não é escamotear, mascarar conflitos históricos que tiveram sua origem no colonialismo, mas, muito pelo contrário, problematizá-los, sistematicamente, como forma de viabilizar relações menos assimétricas, entre os povos indígenas e as sociedades com as quais interagem, e de promover transformação social18.

O diálogo intercultural, quase sempre muito tenso e difícil, entre indígenas e não indígenas, deve-se, em grande medida, à visão engessada, estereotipada do que significa “ser índio”19 contemporaneamente no Brasil. Na raiz dessa visão reside um conceito de cultura equivocado, já que é mediante a cultura que “os indivíduos se reconhecem se auto representam (e são reconhecidos e representados)” (Montiel, 2003, p. 18, grifo nosso). No conjunto da sociedade brasileira, mesmo quando não entendida como mero sinônimo de sofisticação ou de sabedoria, a cultura é vista como uma “coisa”, como um substantivo, como algo reificado, que se tem e que se pode perder. Mas, como nos ensinou Street (1993), a cultura é um verbo: é ela que nos impele a agir de uma certa maneira, e não de outra, diante de tudo que nos cerca. Sendo um sistema compartilhado de significações, a cultura é que orienta a forma como atribuímos sentidos e damos inteligibilidade às coisas do mundo e dos acontecimentos. Como afirma Brubaker (2002), as culturas nada mais são do que perspectivas no mundo, visões de mundo específicas20 e não, sublinhe-se, conjuntos de atributos invariáveis, imutáveis. Muito pelo contrário: as culturas são extremamente dinâmicas. Enquanto produtos de ações sociais situadas e de intensas trocas culturais21, as culturas - bem como as identidades culturais que elas engendram - “podem se modificar e se recombinar para dar conta de novas circunstâncias” (Bucholz & Hall, 2004, p. 376, grifo nosso).

Ora, conquanto não indígenas aceitem, com naturalidade, as transformações pelas quais passam suas próprias identidades étnicas, culturais, quando o que está em jogo são identidades indígenas, exige-se que essas permanecem “puras”, “autênticas”, “fiéis a suas origens”, ou seja, perenemente aprisionadas em suas ancestralidades. Como forma de contribuir para desestabilizar essa visão essencialista de identidade indígena, que pressupõe que ela seja “fixa” porque constituída por uma essência, vimos, em nossas diferentes atuações no campo da Educação Escolar Indígena, tentando, a partir dos aportes teóricos fornecidos por Hall (2006) e Silva (2000), dentre outros, argumentar que ela, assim como toda e qualquer identidade, é sempre construída discursivamente e é relacional, mutante, inacabada e complexa porque composta de múltiplas facetas.

Vimos, além disso, tentando compreender em que consistem alguma das especificidades culturais observadas em nosso contato com membros de alguns povos indígenas. Cavalcanti (2001a) e Gorete Neto (2014, 2018), por exemplo, buscaram compreender quais eram os complexos sentidos atribuídos, por professores indígenas, à própria instituição “escola”. Enquanto a primeira direcionou o seu escopo de pesquisa para representações construídas por alguns professores indígenas do Acre, a segunda fez o mesmo em relação as professores e alunos Tapirapé22, do Mato Grosso.

Com foco nas práticas de numeramento-letramento de professores indígenas na elaboração de materiais em línguas indígenas para o ensino de matemática nas escolas do Parque do Xingu, Mendes (2018) discutiu o movimento em torno da definição e ampliação terminológica dos termos numéricos em língua kaiabi como um espaço político e simbólico de afirmação identitária por parte dos professores Kaiabi/Kawaiwete23. O conceito de numeramento nesse estudo é fruto de articulações entre os estudos provenientes dos Novos Estudos do Letramento (Street, 1995; Barton 1994) em diálogo com o campo da Etnomatemática (D’Ambrosio, 2001)24.

As diferenças culturais em ambientes educativos podem transparecer em diferentes âmbitos. Pode haver, por um lado, incongruência entre os sistemas culturais de crenças e valores de professores e de alunos no que diz respeito ao que é importante ensinar e aprender e de como fazê-los. Mas pode haver também incompatibilidade em termos do que é considerado, do ponto de vista cultural, o modo apropriado de se comportar verbalmente, já que cada cultura fornece a seus membros padrões de apropriabilidade sobre quando e como devemos falar. No interior de cada grupo social encontramos em operação, portanto, uma cultura interacional, ou seja, um código de etiqueta verbal culturalmente determinado que nos orienta quanto aos estilos e modos de utilização da linguagem na conversação (ver, entre outros, Gumperz 1982; Heath 1983 e Leavitt & Stairs 1988). Porque é sabido que tais diferenças podem gerar mal-entendidos interacionais, impedir a aprendizagem e promover a instalação de identidades e estereótipos negativos, algumas pesquisadoras do grupo “Vozes na Escola”, apoiadas em dados empíricos gerados em cursos de formação de professores indígenas nos quais estavam envolvidas, conduziram investigações nas quais buscavam refletir sobre alguns aspectos das culturas interacionais desses docentes no que eles divergiam das de seus(suas) formadores (as) não indígenas25. Em Cavalcanti & Maher (1993), por exemplo, é possível encontrar análises de diferenças culturais no que tange, dentre outros fatores, à organização de turnos na conversação. Na análise interacional entre professor não indígena e estudantes Guarani Mbya que empreendeu, Mendes (1995) discute os descompassos gerados na interação em relação à forte presença do silêncio por parte dos estudantes. Esse silêncio pode ser entendido como uma norma cultural que se faz presente nas estruturas de participação em sala de aula, diretamente ligadas, dos pontos de vista dos Guarani, aos sentidos dados ao silêncio no momento do aprender com os mais velhos. Já em Maher (2007b), o leitor poderá se inteirar de uma diferença significativa no que concerne às convenções de polidez social na interação. A pesquisadora encontrou evidências de que, enquanto formadores não indígenas tendiam a agradecer verbalmente e imediatamente após a ação ou palavras do outro, o agradecimento por parte de professores indígenas acreanos, em consonância com suas culturas interacionais, não remete a um ato de fala per se, mas é, tradicionalmente, não verbal, sendo feito por meio de agrados e presentes dados em retribuição, algum tempo depois da ação pela qual a pessoa se sente agradecida.

Ressalte-se que os padrões conversacionais mencionados anteriormente, bem como marcas estilísticas particulares encontradas em textos escritos redigidos por eles e por seus alunos, terminam por compor as diferentes variedades do Português Indígena, utilizadas, com frequência, para fazer emergir, reasseverar suas indianidades e oferecer resistência à cultura dominante (Maher 1998; Gorete Neto, 2018). Essa percepção tem nos levado a eleger, como um dos pilares de nossas pesquisa, a questão das identidades linguísticas de professores e alunos indígenas, tentando, assim, compreender as interpretações culturais das relações que eles estabelecem com as línguas que compõem seu repertório verbal (Rampton 1995, p. 340). Desse modo, conforme apregoa Ozolins (1996), procuramos examinar o que as línguas significam para os grupos que investigamos, que efeito elas têm em suas práticas cotidianas, como eles se sentem em relação a elas. É importante aqui frisar que, ao assim proceder, entendemos também as identidades linguísticas como construções discursivas fluidas, temporárias porque sempre sócio-historicamente determinadas, o que implica na adoção de uma determinada concepção de língua - e de bilinguismo -, tal como fez, por exemplo, Cesar (2002).

Em sua tese de doutorado, essa pesquisadora tentou entender a resistência indígena no que diz respeito à autoria, redefinindo o próprio conceito, retirando-o das circunscrições tradicionais, para situá-lo na práxis, como construção do projeto político revolucionário na perspectiva que lhe dá o movimento indígena, aproximando-o, assim, do conceito de autonomia a partir das contribuições de Freire (1982), De Certeau (1985) e Castoriadis (2000). Essa (re)elaboração da autoria indígena, aliada às experiências desenvolvidas pelos povos indígenas, notadamente no nordeste do Brasil, de retomadas das suas línguas ancestrais, por sua vez, levou-a, junto com Marilda Cavalcanti, a uma crítica das concepções tradicionais de língua e seus correlatos (Cesar & Cavalcanti 2007), situando, no campo da educação linguística de minorias, um debate que já se delineava por estudiosos em outros espaços.

O ensino bilíngue tradicionalmente desenvolvido no final do século passado tinha como fundamento o conceito de língua herdado da linguística ocidental moderna, cujo imaginário da língua, circunscrito e enrijecido pela noção de sistema em sua unicidade, reflete também a concepção de identidade e de falante vigentes, em conflito com a própria constituição do fenômeno linguístico-cultural e das identidades, essencialmente dinâmica, complexa e histórica. Isso se reflete, inclusive, na taxionomia e quantificação das línguas e nas políticas linguísticas que atingem os povos indígenas. Em Cavalcante & Cesar (2007), Cesar & Lima (2015) e Cesar (2018) se discute esse conflito metalinguístico e político, chamando a atenção para os equívocos de uma concepção de língua que é fechada, nomeada de forma essencializada, desconsiderando a complexidade do fenômeno sociolinguístico em si mesmo e a história dos povos indígenas no Brasil.

Considerações finais

Como populações cujas histórias são marcadas pelo genocídio e etnocídio, pelo racismo, pela colonialidade (Quijano, 2005) em suas mais variadas formas, os povos indígenas no Brasil se encontram sempre sob perigosas ameaças a sua existência. No entanto, nos últimos anos, essas condições de existência se agravaram. Não bastasse a letalidade de uma pandemia que atinge o mundo na sua quase totalidade, no Brasil, a ela se somaram as consequências desastrosas de um governo que negou a ciência e legitimou a perseguição e massacre das populações indígenas, seja pela formulação equivocada de políticas públicas, seja pela omissão ou anuência à ação de segmentos historicamente danosos à sobrevivência das sociedades indígenas. Esses, sem qualquer pudor, sobre elas avançaram impunemente ou mesmo com a proteção deliberada do governo.

Nessas circunstâncias, falar da Educação Escolar Indígena é oportuno, por ser um espaço da resistência histórica que empreendem esses povos no Brasil. A EEI pode ser entendida como um conjunto de práticas que se constroem a partir da necessidade de interação com as sociedades não-indígenas e o Estado; portanto, faz-se necessário esse campo das lutas para a construção de políticas de superação das desigualdades historicamente instituídas pelos não-indígenas, como vimos aqui.

A agência de pesquisadoras e pesquisadores no campo da Linguística Aplicada, em colaboração com professoras e professores pesquisadores indígenas nos cursos de formação ou nos espaços conquistados dentro das universidades, tem significado um espaço de colaboração inter/transcultural e transdisciplinar da maior importância para o enfrentamento dessas desigualdades e injustiças historicamente construídas. A área da Linguística Aplicada, ao se abrir para a compreensão da complexidade das nossas relações interétnicas e raciais, ao se dispor a questionar os seus próprios instrumentos a partir do trabalho com povos e grupos minoritarizados, descortina também um novo campo na produção de conhecimento, sintonizado com as demandas da coletividade onde se insere. Nesse sentido, encontra-se a importância do trabalho pioneiro desenvolvido por Marilda Cavalcanti.

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  • 4
    Essa língua havia sido criada pelos jesuítas, a partir do que julgavam ser o tupi, para se tornar uma “língua franca”, uma vez que havia se tornado inviável conduzir a cristianização dos povos indígenas em latim, devido a sua imensa diversidade linguística (Mariani, 2004).
  • 5
    Para uma discussão detalhada e crítica das ações, voltadas para a EEI, desempenhadas pelo SPI, pela FUNAI, assim como por missionários, incluindo aqueles que atuavam no Summer Institute of Linguistics (SIL), recomendamos a leitura de Ferreira (2001), Luciano (2007), Grupioni (2008) e D’Angelis (2012).
  • 6
    Tem-se, então, que, enquanto o primeiro modelo era orientado exclusivamente pelo protótipo do monolinguismo, o segundo preconizava um bilinguismo subtrativo. Para uma discussão mais aprofundada das ideologias e políticas linguísticas nas quais estão assentados esses e outros modelos de EEI, ver Maher (2007b).
  • 7
    Na seção 3 deste texto focalizamos alguns desses dispositivos.
  • 8
    É digno de nota que as únicas pesquisas realizadas, por estudiosos da linguagem brasileiros, juntos aos povos indígenas do país até o final da década de 1980, inseriam-se, sobretudo, no campo da Linguística Formal e visavam à descrição de línguas indígenas.
  • 9
    Esses trabalhos de tese e de dissertação podem ser acessados em http://www.repositorio.unicamp.br/handle/REPOSIP/260252.
  • 10
    É preciso apontar que, após seus doutoramentos, as ex-orientandas de Marilda Cavalcanti referidas vêm, elas mesmas, nas universidades públicas em que passaram posteriormente a atuar, formando jovens pesquisadores em seus projetos de pesquisas voltadas para o campo da LA e da Educação, dando, assim, continuidade ao seu legado.
  • 11
    Esses projetos de pesquisa faziam parte do Grupo de Pesquisa credenciado pelo CNPq, “Vozes na Escola: Cultura e Identidade em Cenários Sociolinguisticamente Complexos (Implicações para a Formação de Professores em Contextos Bilíngues e/ou Bidialetais)”, criado por Marilda Cavalcanti, em 1999, e do qual as autoras deste texto são membros.
  • 12
    Importa aqui destacar que, a partir de sua produção acadêmica voltada para a questão da EEI, Marilda Cavalcanti chama, enfaticamente, em seu artigo basilar de 1999 denominado “Estudos sobre Educação Bilíngue e Escolarização em Contextos de Minorias Linguísticas no Brasil”, a atenção dos linguistas aplicados brasileiros também para a existência de outros contextos bilíngues minoritários no país.
  • 13
    O Comitê de Educação Escolar Indígena do MEC foi extinto no final de 2001, e, em seu lugar, foi constituída a Comissão Nacional de Professores Indígenas, composta unicamente por professores indígenas.
  • 14
    Participavam desse projeto professores dos seguintes povos indígenas: Huni Kui/Kaxinawá, Yawanawá, Poyanawa, Jaminawa, Katukina, Apurinã, Manchineri e Asheninka.
  • 15
    Tal projeto incluía docentes dos povos: Kawaiwete/Kaiabi; Yudja/Juruna; Trumai; Kisedje/Suiá; Ikpeng/Txicão; Kamaiurá; Yawalapiti; Kalapalo; Kuikuro; Nahukuá; Matipu; Meinaku; Aweti e Waujá.
  • 16
    Participaram desses projetos docentes dos povos Kaimbé, Kiriri. Kariri-Xocó, Pankaré, Pankararu. Pankaru, Pataxó, Pataxó Hã Hã Hãe, Tuxá e Tupinambá.
  • 17
    Sublinhe-se que tais cursos vêm ajudando a implementar políticas linguísticas de valorização das línguas indígenas, situando-as, em suas propostas pedagógicas, “no mesmo patamar de prestígio da língua nacional, em todas as suas modalidades, garantindo a efetivação da comunicação e da produção de conhecimentos” (UFGD 2012, p.15).
  • 18
    Ver Tubino (2004) e Walsh (2009) para uma discussão mais aprofundada sobre a noção de interculturalidade crítica.
  • 19
    Colocamos, intencionalmente, a expressão “ser índio” entre aspas neste artigo para marcar, como salienta, Caleffi (2003, p. 175) que a expressão denota uma totalização indevida da alteridade, “posto que a classificação ‘índio’ não remete a um único grupo étnico”. Essa é uma identidade atribuída que, na verdade, designa “pessoas integrantes de diferentes grupos étnicos com um longo histórico de luta contra a marginalização imposta pelas políticas coloniais e depois nacionais”. A esse respeito, ver também Cardoso de Oliveira (2006).
  • 20
    É importante lembrar que, nesse sentido, as culturas não são hierarquizáveis, a menos que se assuma, lamentavelmente, uma postura etnocêntrica.
  • 21
    Reitere-se que as culturas, desde as suas origens, são resultado mesmo de trocas culturais (Silva, 2000).
  • 22
    Atualmente, os Tapirapé se denominam Ãpyãwa. Contam com uma população de aproximadamente mil indivíduos, distribuídos entre a Terra Indígena Urubu Branco, em Confresa, e o território Tapirapé Karajá, em Santa Teresinha.
  • 23
    Os Kaiabi não habitavam originalmente o território do Xingu; uma grande parte deles foi dali deslocada na década de 50 em função dos conflitos que vivenciavam em sua região por causa das frentes extrativistas. Mais recentemente, assumem a autodenominação Kawaiwete, que quer dizer “povo verdadeiro”.
  • 24
    Para uma discussão sobre o conceito de numeramento ver Mendes (2007a, 2007b).
  • 25
    Esses estudos trazem como aporte, além dos autores já referenciados anteriormente, contribuições da Análise da Conversação Culturalmente Contextualizada (Moerman,1988) e da Etnografia Educacional (Schultz et al., 1982).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    10 Dez 2021
  • Aceito
    20 Jan 2022
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