Open-access Mulheres negras nos carnavais paulistanos: quem são elas? (1921-1967)

Black Women in São Paulo Carnivals: Who Are They? (1921-1967)

Resumo:

A análise referente a participação das mulheres negras nas pândegas carnavalescas insere-se muito além dos interesses de grupo, considerando que os paradigmas sobre essas festividades e as questões de gênero e do feminino atravessam o assunto, inscrevendo o temário em reflexões transnacionais que envolvem protagonistas de espectros distintos. Neste texto, a intenção é articular esses campos, sem perder de vista as especificidades referentes às folionas afrodescendentes e seus percalços, que se manifestam, de imediato, nas limitações dos registros memoriais e da historiografia que transversalmente exploram o seu papel nesses folguedos carnavalescos manifestos na cidade de São Paulo. Nesse sentido, percebe-se uma leitura sexista e seletiva dos registros dessas participações e, ao mesmo tempo, tem-se uma memória fragmentária dessa participação que pouco foi alterada ao longo dos anos. Esse percurso será acompanhado entre os anos de 1921, data inicial da aparição de mulheres negras em um “cordão carnavalesco”, ao ano de 1967, data do encerramento dos carnavais “não oficiais” em São Paulo. Quem são, portanto, as mulheres negras que foram identificadas e dignas desse protagonismo?

Palavras-chave: Brasil; Mulheres afrodescendentes; Carnaval brasileiro; Gênero; Carnaval paulistano

Abstract:

The analysis regarding the participation of black women in carnival celebrations falls within well beyond the group's interests, considering that these festivities’ paradigms and gender and women's issues cross the subject, inscribing the agenda in transnational reflections involving protagonists of different spectra. In this text, the main intention is to articulate these fields, without losing sight of the specifics related to Afro-descendant revellers and their mishaps, which manifest themselves immediately in the limitations of memorial records and historiography that transversally explore their role in these Sao Paulo unmistakable carnival frolics. In this sense, it is possible to see a sexist and selective reading of records of these appearances and, at the same time, it has a fragmented memory of this appearance that little has changed over the years. This route will be monitored between years 1921, the start date of black women appearance in a "carnival cord", and 1967, the closing date of São Paulo "unofficial” carnivals. Therefore, who are the black women who were identified and worthy of this protagonism?

Keywords: Brazil; Afro-descendant Women; Brazilian Carnival; Gender; São Paulo Carnival

Introdução

Abordar esta temática que envolve as mulheres negras1 participantes dos carnavais paulistanos do século XX significa situá-la num contexto mais amplo dos estudos desses campos - da festa carnavalesca e do feminino/feminismo.

Diria que o interesse de pesquisadores por esses temas é assimétrico, considerando que os estudos sobre os carnavais, embora existentes e transnacionais,2 não alcançaram o mesmo empenho de investigação como ocorreu com o tema referente às mulheres. Assim, diferentemente daquela situação, as questões relativas ao campo do feminino/feminismo projetaram-se em dimensões transnacionais com as reflexões de Michelle PERROT,3 Joan SCOTT,4 entre tantas outras pesquisadoras cujo protagonismo alavancou o debate em escala que vai muito além das fronteiras acadêmicas de seus países. O resultado aparece nas variadas abordagens e temas trazidos a lume que foram capazes de constituir campo específico de reflexão sobre as mulheres e suas trajetórias pelo mundo afora.

No Brasil, os estudos sobre o feminino têm nas obras de Rachel SOIHET (1998) e Joana Maria PEDRO (2003; 2006, 2007, 2008, 2012), produzidas em tempos distintos, as matrizes de divulgação e estruturação das pesquisas sobre as mulheres.5

Independentemente de suas especificidades, as reflexões sobre as mulheres afrodescendentes e sua participação nos carnavais da cidade alinham-se a esse campo e, ainda, ao do riso e do humor. Vale dizer que, apesar dessa inserção, os estudos sobre as brincantes femininas nos folguedos de Momo estão aquém de seu envolvimento nessas festividades. O que dizer, então, da participação das mulheres negras nos carnavais paulistanos?

O período analisado configura-se como os primórdios das escolas de samba que não haviam ainda se consolidado na categoria de indústria cultural e não eram o foco dos registros da imprensa sobre esses festejos. Como consequência, a trajetória dos carnavais da comunidade negra paulistana ao longo do século XX apoiou-se inicialmente nos registros memorialísticos de seus protagonistas, promissores em detalhes, mas também indicativos de esquecimentos e omissões (Verena ALBERTI, 2005) e, tardiamente, na imprensa diária, visando à identificação dos seus blocos, cordões e escolas de samba. Os impressos diários somente deram notícias sobre os carnavais dos afrodescendentes no final da década de 1920 e, mesmo assim, eram genéricas (Iêda Marques BRITTO, 1986; Olga Rodrigues de Moraes von SIMSON, 2007). O “silêncio” traduz a linha editorial desses jornais que não privilegiava os segmentos populares e muito menos a comunidade negra, certamente por preconceito e recusa de aceitação dos pretos livres como parte integrante da sociedade brasileira. Em decorrência, os registros sobre as performances dos foliões negros ocorreram, basicamente, nos seus jornais e nas memórias dos dirigentes e integrantes dessas agremiações carnavalescas. Essas narrativas foram concedidas a pesquisadores, ao MIS/SP para o projeto Carnaval Paulistano e, ainda, publicadas em livro individual. Esses registros memoriais se constituíram nas principais fontes usadas no presente texto.

Na rememoração dessa trajetória, os percussionistas, músicos e ritmistas ganharam destaque por serem, nessa visão, considerados o centro da folia carnavalesca e os responsáveis por dar vida aos carnavais populares que ocorreram na cidade de São Paulo independentemente das contribuições de outros pândegos que se engajaram na folia. Nesses discursos, as mulheres não passavam de coadjuvantes e colaboradoras que carregavam o estandarte, a bandeira da agremiação, integravam as alas das “amadoras”/“pastoras”. E, também, eram “balizas” (papel representado por homens e mulheres) que faziam evolução à frente do agrupamento. Afora essas situações, aqui e acolá apareceram nos depoimentos dos antigos dirigentes carnavalescos a própria mãe ou alguma mulher que integrara os cordões tradicionais e uma ou outra protagonista (figuras quase invisíveis) que cozinhava6 ou costurava as fantasias dos integrantes da escola etc.

Sabe-se dessa presença pelas fotos das apresentações nos carnavais de rua dos cordões, nas décadas de 1920, 1930 e seguintes, nos papéis acima apontados, quando as escolas de samba ainda estavam em processo de estruturação, o que prevaleceu até 1967. No ano seguinte ocorreu a institucionalização dos carnavais na cidade de São Paulo, seguindo o paradigma carioca que implicou reformulações em seus desfiles.

Explicar o porquê de essas mulheres aparecerem precariamente nos registros e nas memórias dos próprios dirigentes de suas agremiações - se eram o esteio do grupo - passa por questões que estão além das relações homem/mulher no âmbito dessa comunidade. Tratá-las como figurantes sugerindo que eram apenas suportes às pândegas, estruturadas para a diversão dos homens do grupo, não correspondia ao papel desempenhado na trajetória dessa comunidade. Portanto, a busca de sua presença e os diferentes sentidos de seu envolvimento nas pândegas carnavalescas será o objetivo deste texto.

A invisibilidade das mulheres negras nas pândegas carnavalescas: o que dizer?

O “quase silêncio” entre os próprios protagonistas repetiu-se na historiografia que reiterou igual representação por ignorar as folionas negras nas folganças de Momo, se levarmos em consideração os poucos trabalhos que enfocaram a sua participação nesses eventos. O assunto foi discutido por Maria Isaura Pereira de Queiroz (1992) e Olga von SIMSON (1991; 1992) e, transversalmente, apareceu nas obras de Rachel Soihet7 e Maria Clementina Pereira CUNHA (2000) sobre os carnavais do Rio de Janeiro, do século XIX às primeiras décadas do século XX. Mais recentemente se tem verificado interesse de pesquisadores enfocando as mulheres no carnaval, embora não seja recorrente.8 Essas reflexões, contudo, são mais breves por se tratar de artigos, como o de Rachel Soihet (2003), “A sensualidade em festa: representações do corpo feminino nas festas populares do Rio de Janeiro na virada do século XIX para o XX”, e o de Eric Brasil Nepomuceno (2013), “Paradoxos carnavalescos: a presença feminina em carnavais da primeira república (1889-1910)”.

Queiroz e Simson defenderam que as mulheres (de um modo geral) tiveram participação diferenciada nos carnavais, de distintas conjunturas, assumindo o protagonismo nesses festejos do segmento feminino de elite durante o período em que prevaleceu o Entrudo, diferentemente das mulheres negras escravas, cujo papel era dar suporte aos festejos.9

Na análise de Simson, os segmentos femininos de elite, além de responsáveis por sua organização, tiveram participação ativa durante as festanças do Entrudo, diversamente do que ocorrerá nos carnavais modernos ou venezianos nos quais se tornaram figurantes. Explica a autora que nesses folguedos que se disseminam após 1851, com os bailes de máscaras e com as apresentações inicialmente de carruagens e, depois, de carros alegóricos das Grandes Sociedades, dirigidas por homens, as mulheres que saíam como destaques (das passeatas) eram as chamadas “mulheres alegres” (cocottes) e não as moças de família. Essas características prevaleceram por algum tempo, modificando-se com os protestos das mulheres de elite que resultaram na criação do corso e dos bailes fechados nos clubes, revertendo parte das perdas do protagonismo anterior que se expressava no comando e na participação dos festejos momescos.

No século XX, diz Simson (1992), a inserção das mulheres populares nos festejos carnavalescos foi abrangente. Evidenciou-se na criação e consolidação das agremiações, notadamente na fase em que predominava o domínio familiar, perdendo espaço quando as escolas de samba se tornaram empresas carnavalescas e ficaram excluídas dos cargos de direção. À maneira tradicional, essas agremiações passaram a valorizar, seletivamente, as mulheres bonitas em detrimento das demais folionas, com o objetivo de aferir prestígio às escolas.

A autora sintetizou a questão numa temporalidade alargada, realçando sua exclusão em setores dominados pelos homens:

Quanto aos folguedos populares, observou-se uma participação efetiva desde seu surgimento, muito provavelmente por haverem se originado como brincadeiras familiares. Apesar dessa atuação relevante das mulheres, há ainda nas escolas de samba atuais, redutos que lhes são barrados: os cargos de direção, o setor de criação carnavalesca (a ala dos compositores) e aquele que é responsável pela manutenção da coesão e integridade da agremiação no desfile (a bateria). Quando uma mulher demonstra talento excepcional para alguma dessas atividades, observa-se até sua aparente aceitação, mas as pressões sociais, principalmente masculinas, vivenciadas no exercício da nova função são fortes, que geralmente ela não consegue manter o posto conquistado (SIMSON, 1992, p. 31).

Recuperar a trajetória de mulheres negras nos quadros diretivos das associações carnavalescas, portando a bandeira ou o estandarte, desfilando como balizas ou em situações informais de cooperação nessas instituições exigiu transitar por pistas dispersas, presentes na bibliografia especializada, nos textos memorialísticos, nos jornais da imprensa negra e na cobertura fragmentária da imprensa diária, cujos jornais não foram mencionados por não destacar essas folionas.

Os indícios sobre sua participação são variados, o que nos leva a arguir os motivos dessa “ausência”, acima apontada, considerando que ela se choca com a trajetória das mulheres negras que sempre exerceram o papel de agregadoras do grupo, de fundamental importância, bem antes da abolição da escravatura.10 Nos anos iniciais da República elas passaram a chefiar a família, tornando-se sustentáculo material e simbólico e, enquanto tal, se constituíram em referência afetiva e religiosa11 da comunidade, como já demonstrado pela historiografia.12 Por que, então, abdicariam de participar da organização dos festejos carnavalescos e, consequentemente, da exibição projetiva nos espaços públicos das performances de suas agremiações nesses momentos lúdicos que lhes propiciariam maior visibilidade?

A incorporação das mulheres nas pândegas carnavalescas não foi automática. Nas crônicas desses eventos e nos registros memorialísticos de Dionísio Barboza,13 a explicação para as restrições às mulheres integrarem os cordões, antes da década de 1930, voltaram-se para a falta de segurança propiciada por esses folguedos, devido às ações da polícia para coibir essas passeatas e as brigas constantes dos diversos grupos carnavalescos durante as exibições. As mulheres negras, segundo esses dirigentes, somente se integraram à folia quando aquela situação foi alterada. No G. C. Barra Funda (primeira agremiação negra, fundada em 1914), por exemplo, as mulheres, formando a ala das “amadoras”, se exibiram em 1921 nas ostentações do grupo pelas ruas da cidade. Em 1930, em seu desfile inaugural, o Cordão Futebolístico Carnavalesco Vai Vai não teve mulheres entre os seus componentes. Somente em 1931, a garota Sinhá, de 12 anos, (depois conhecida por Dona Sinhá, a dama do samba e do G. C. Barra Funda ([ou Camisas Verde e Branco]) desfilou como baliza do cordão.

Em meio a entidades masculinas surgiu, em 1933, o Cordão Carnavalesco Baianas Teimosas (também conhecido por Baianas Paulistas), formado por mulheres negras com o objetivo de divulgar o samba. Os homens que integravam o bloco faziam parte de seu núcleo de músicos, mas não eram os dirigentes da agremiação. O Cordão Campos Elyseos, em 1933, elegeu duas mulheres, Srta. Benedicta Carvalhaes e D. Sebastiana M. Barreto, para cargos diretivos de vice-presidente e de diretora, deixando explícito o que já ocorria nessa agremiação. Isso implicou a partilha de comando entre homens e mulheres, como se evidenciou nesse caso, considerando a figura de João Valério, assinalado como o outro diretor, e Antonio Brígido Gomes como presidente.14

A “excepcionalidade” que singularizou as relações entre homens e mulheres no âmbito desta comunidade foi se alargando ao longo dessa década, com mulheres negras dirigindo cordão e escola de samba. Em 1936 foi criada em São Paulo a Escola de Samba Lavapés, por um grupo constituído por homens e mulheres, que passou a ser dirigida por Deolinda Madre (conhecida por Madrinha Eunice), que se destacou entre os carnavalescos por dirigir, além da escola, o time de futebol da agremiação. Em 1949 foi criada a Escola de Samba Nenê da Vila Matilde que, em seu primeiro desfile, no mesmo ano, registrou apenas três mulheres integrando o grupo.

Porém, a visibilidade conferida a essas mulheres decorre de suas performances. Elas são chamadas de balizas, porta-bandeiras, passistas e integrantes de alas dos Cordões e das Escolas de Samba, “ala das amadoras”, “ala das pastoras”, “ala das baianas”, “rainha” do carnaval, “destaque da escola”, nomenclaturas que supostamente lhes conferem projeção. Quando são identificadas, somente aparece o seu primeiro nome, permanecendo no anonimato em decorrência da precária identidade.

A produção especializada repetiu o mesmo mecanismo identificador, por opção, a exemplo de Olga von Simson, que entrevistou algumas dessas mulheres, motivo pelo qual não seria difícil saber os seus sobrenomes. A autora dedicou poucas páginas de seu livro Carnaval em branco e negro15 (SIMSON, 2007) para falar dessas protagonistas que se destacaram nos primeiros Cordões carnavalescos. Elas foram designadas pelo apelido ou pelo primeiro nome, atitude travestida de certa intimidade que pouco acrescentou à sua identificação, considerando a impessoalidade e generalidade de tais atributos identitários. Chamá-las, por exemplo, de Antonia, Alzira, Odete, Iracema, Preta não conferiu a elas singularidade identitária por requerer ainda o cotejamento dentro do grupo para saber quem era a protagonista.

Certamente, a “participação limitada” não era apenas decorrente dos “perigos da polícia”, mas do machismo que prevalecia no meio carnavalesco, como admitiu Olga von Simson ao descrever a escolha de Dona Sinhá como baliza no Cordão Vai Vai, quando era criança, e não uma mulher adulta para essas exibições. Outras mulheres do Vai Vai foram protagonistas. Destacaram-se pelas suas participações Dona Iracema, que portava o estandarte do cordão; Dona Odete, que relembrou situações de confronto nas décadas de 1950 e 1960, quando saíam os resultados dos concursos que, em regra, não agradavam aos integrantes dos cordões, virando uma confusão entre os competidores. Ou, mesmo, a saída no “Bloco do esfarrapado”, sempre marcada por incertezas quanto à tranquilidade do desfile.

Simson, ao analisar o envolvimento dessas mulheres nos folguedos de Momo, destacou as suas performances gerais:

A participação feminina se estendeu finalmente a todas as atividades de Momo, não deixando nenhum aspecto de lado, nem mesmo no bloco do esfarrapado, uma atividade mais arriscada e agressiva. Pé Rachado, ao referir-se a esse antigo costume da turma do Vai Vai, salientou a participação de mulheres de todas as idades no mesmo: “Ia a mulherada também. Ia menina, ia alguma velha que gostava mesmo de samba. Não tinha problema” (SIMSON, 2007, p. 181).

Os nomes das mulheres, citados na nota abaixo,16 explicitam o precário registro sobre a inserção dessas integrantes das agremiações carnavalescas e o papel ocupado em seu interior, ajudando a dirigir essas entidades, ou envolvidas nas atividades carnavalescas na qualidade de balizas, porta-bandeiras, ou ainda integrando suas alas na exibição de seus desfiles temáticos.

Para se ter uma ideia mais abalizada dessa participação, o gráfico 1, organizado por categoria de inserção, sintetiza essas informações. Os nomes repetidos são decorrentes de mudança de escola dessas protagonistas, o que ocorreu com as porta-bandeiras, porta-estandarte e pastoras. Certamente, essa lista não contempla todas as mulheres brincantes dessas agremiações, o que se pode constatar nas fotos das Alas que marcam a presença significativa de mulheres nos desfiles de rua (SILVA; BRAIA, 2000).17

Gráfico 1
Tipo de inserção das mulheres negras nas agremiações carnavalescas

Nos depoimentos de alguns sambistas, homens e mulheres, registrados no Museu da Imagem e do Som de São Paulo, apareceram informações sobre o funcionamento de algumas dessas agremiações e o papel das mulheres em seu interior. O depoimento de Deolinda Madre, conhecida por Madrinha Eunice, esclareceu vários aspectos dos carnavais da comunidade negra. Nascida em Piracicaba por volta de 1911, estudou até o 4º ano primário e frequentou em São Paulo os espaços por onde transitavam as crianças negras, na infância e na juventude. No “carnaval só começou a participar depois de casada” (Silvio Ferreira FARO e Simson, 1982), com Francisco Papa, rapaz branco, filho de italiano e pai de seus seis filhos. Após assistir, juntamente com Papa, em 1935, ao carnaval na Praça Onze, no Rio de Janeiro, resolveu criar, em 1936, a Escola de Samba Lavapés, que desfilou pela primeira vez em 1937 com cerca de trinta pessoas. A Escola, de cor vermelho e branco, teve como “[...] fundadores (a própria Dona Deolinda Madre ou Madrinha Eunice), José Madre (irmão), Francisco Papa (marido), uma moça branca que saía de porta-estandarte e Maria Rosa (do Cordão Baianas Teimosas), a porta-bandeira” (FARO e SIMSON, 1982). Desde sua criação a escola foi dirigida pela protagonista “Madrinha Eunice”, recebendo reforço de outras mulheres em 1939, com a incorporação do Cordão Baianas Teimosas, que se dedicava ao samba.

Ao falar sobre a participação feminina na escola, esclareceu “Madrinha Eunice” o seguinte:

“[...] quando a Lavapés saiu já tinham mulheres e crianças nos desfiles. Não era só masculino. As “Baianas Teimosas” se integram a Lavapés em 1939. Antes era difícil a participação das mulheres porque havia muitas brigas entre os cordões. A entrada da mulher não foi um problema. Porque depois de entrar era tudo igual. Não havia problema das roupas ousadas” (FARO e SIMSON, 1982).

A trajetória das mulheres, nos cordões e nas escolas de samba, cabe lembrar, seguiu o ritmo das mudanças na sociedade brasileira que, paulatinamente, envolveu a aceitação dos negros, com suas expressões culturais específicas. Aos poucos, as batucadas foram incorporadas no cotidiano do país e, com elas, os seus criadores, com seus ritmos, danças e música.

O relato de Seu Nenê sobre o ato fundador e o primeiro desfile da Escola de Samba Nenê da Vila Matilde evidenciou a participação de poucas mulheres. Geraldina, irmã daquele protagonista, integrou o grupo dos treze que criou a escola.18 Mas, apareceram outras três mulheres na foto19 do primeiro desfile, ocorrido em 1949.

(O Seu Nenê afirma que o primeiro desfile da Nenê, em 1949, foi informal e dele participaram umas 30 pessoas): Só tinha três moças, a Zaira, a Cida e a Joana (a Joana como porta-bandeira) e o resto, todos batuqueiros. Uns vinte vinham tocando, o pessoal do Largo do Peixe, e a Dona Inês de Camargo, que era do clube 21 de Abril, vinha no meio, cantando, foi a primeira pastora da escola. Formávamos uma única ala. Era um samba bom, mas não tínhamos nada. Era só festa, brincadeira e alegria (SILVA; BRAIA, 2000, p. 55).

Acompanhando os depoimentos dos carnavalescos, homens e mulheres, percebeu-se que as mulheres tinham presença significativa nos cordões e nas escolas de samba. Mesmo assim, elas não detiveram a centralidade de suas decisões, mas, em alguns casos, foram cruciais para a fixação de seus integrantes, considerando dois fenômenos: a instalação das agremiações em bairros muito próximos, o que dificultava a sua consolidação pelo vai e vem dos filiados dessas escolas e associações, como relatou Madrinha Eunice; e o deslocamento de associados para bairros distantes, gerando descontinuidade de colaboração nos trabalhos da escola ou do cordão, fenômeno que foi amenizado com a criação, por algumas mulheres, de núcleos desses agrupamentos nos bairros nos quais foram morar. Com isso, garantiram a formação de Alas, o trabalho de elaboração das fantasias e os ensaios no próprio bairro. Essa alternativa descentralizada acomodou os interesses, ficando nos momentos próximos ao carnaval a obrigação dos ensaios gerais na sede da escola. Foi essa a opção do Vai Vai, conforme relatou Pé Rachado,20 seu diretor, que observou ser a estratégia descentralizada, sugerida pelas mulheres, a solução para viabilizar a permanência de muitas delas em seus quadros.

No cotidiano dessas agremiações, as relações entre homens e mulheres nem sempre foram harmônicas. Se Madrinha Eunice avaliou positivamente essas relações, as pistas sugerem a existência de disputas, de naturezas distintas, difíceis de serem esmiuçadas pela falta de elementos para avaliar sua extensão e, também, sua incidência. Mas, as manifestações de Seu Zezinho,21 do Camisas Verdes, sinalizaram nessa direção, bem como as “desavenças” mencionadas por Seu Nenê, entre Dona Inês e Balduíno, sobre as escolhas das letras de samba que deveriam ser cantadas (isso em pleno desfile), indicando tensões entre seus integrantes (SILVA; BRAIA, 2000, p. 57-58).

Independente desses aspectos, algumas mulheres foram mencionadas com muito carinho por alguns carnavalescos, como Madrinha Eunice, Tia Zefa, sugerindo o papel agregador dessas protagonistas no âmbito do grupo que ultrapassava os limites dos festejos carnavalescos.

Além das questões apontadas, seria possível traçar outra trajetória para as mulheres afrodescendentes nesses festejos?

De protagonistas a coadjuvantes nos desfiles?

Essas questões são desafiantes e, certamente, não serão respondidas a contento pela falta de informações. Sabe-se que o perfil dessas agremiações - cordões e escolas de samba - era masculino. À medida que as escolas de samba iam se estruturando, as mulheres cada vez mais eram afastadas de suas decisões, em que pese ocupar as posições de maior projeção nesses eventos. Eram elas quem portava o estandarte da agremiação e, posteriormente, tornaram-se porta-bandeira, formaram as Alas que se tornaram referência nos desfiles, notadamente a Ala das baianas - que era intimamente associada às “mães de santo”, das religiões afro-brasileiras.22 Aos poucos, as passistas também ganharam projeção nos desfiles e tornaram-se figuras de destaque no desenrolar dos enredos.

Pelos registros fotográficos destacaram-se, além dos figurantes, a bateria, a ala das pastoras e as personagens principais que carregavam a bandeira e o estandarte da agremiação. Algumas dessas mulheres foram fotografadas e seus nomes lembrados, mesmo que incompletos. As demais continuarão na categoria de figurantes anônimas, embora tenham sido de fundamental importância para o acontecer carnavalesco.

O protagonismo dessas personagens centrais foi realçado e se manifestou de forma diferenciada nas conjunturas. Alguns indícios deixaram antever alterações no perfil das porta-estandartes dos anos 1950 e 1960 e das porta-bandeiras dos anos posteriores. O diferencial projetou-se na beleza dessas mulheres e no glamour das fantasias que se destacavam do conjunto do vestuário, pela busca de diferenciação em relação aos demais integrantes da escola. Portar o estandarte ou a bandeira da agremiação não era definido somente pela beleza dessa mulher, mas certamente também se inscrevia nas relações e nas redes de sociabilidade que perpassavam o grupo e, sobretudo, nos conhecimentos técnicos no domínio da dança e destreza para sua exibição. O livro de memória de Seu Nenê mostra o casal de porta-bandeira e mestre-sala desfilando, em 1952,23 quando essas personagens não eram usuais.24 A porta-bandeira era uma jovem de nome Odete que, certamente, se singularizou no âmbito do grupo, conduzindo a bandeira, um dos semióforos25 da Escola, em seus desfiles. Esses símbolos serviam de referência aos seus integrantes ao se constituírem em elemento de ligação entre o visível e o invisível, materializando os seus valores e aspirações e, em decorrência, garantiam a coesão do grupo.

Na década seguinte, Dona Eugênia era a primeira porta-estandarte (SILVA; BRAIA, 2000, p. 48), num período em que as exibições da Nenê já eram pautadas por samba-enredo, indicando maior estruturação dessa escola.Nos depoimentos memorialísticos essas informações apareceram naturalizadas e são ditas sem muito destaque, a exemplo de Seu Nenê quando informou que uma das integrantes da Escola era “amadora”, mas não esclareceu qual era sua função nas exibições da escola. A “Ala das Pastoras” era responsável pela evolução do tema durante os desfiles e parece ser antecessora da “Ala das baianas”. Dionizio Barboza fez referência à criação dessa Ala que inaugurou a inserção e o primeiro desfile de mulheres no Cordão Camisas Verdes e Branco, em 1921, assumindo as jovens as duas funções: de cantoras e de dançarinas, responsáveis pelas encenações dos enredos ou temas durante as passeatas carnavalescas. Essa Ala prevaleceu por longo tempo nos cordões e foi incorporada pelas escolas de samba. Dona Sebastiana, por exemplo, contou que “ela também era amadora. Cantava no cordão [Camisas Verdes e Branco], junto com outras mulheres, inclusive Dona Antonieta, mãe do Sr. Zezinho” (OLIVEIRA, In SIMSON, 1980).

Além das mulheres que levavam os semióforos da escola (o estandarte e a bandeira), outro grupo de projeção era o das “amadoras”, que cantava nas performances dos cordões e das escolas de samba. Elas eram as vozes da agremiação (cordão, escola) como informou Dona Sebastiana de Oliveira.26 Inicialmente a protagonista foi amadora no “Camisas Verdes”. Posteriormente passou a integrar a diretoria do bloco Campos Elyseos. Em sua narrativa, ela cantou várias músicas do “Camisas Verdes” (marchinhas sambadas) acompanhada de Seu Zezinho, dirigente do referido cordão e músico conhecido, do meio artístico, por ter criado e ser figura principal do conjunto Águias da Meia Noite. Dona Sebastiana disse que “sempre gostou de cantar” e fez isso nos desfiles da Nenê da Vila Matilde de 1967.27 Os memorialistas, entretanto, não faziam distinção entre as “amadoras” e as “pastoras”, referindo-se indistintamente as mesmas. Sabe-se, entretanto, que, nessas festividades, tanto as amadoras quanto as pastoras cantavam durante as apresentações nas ruas.

Integrar esses destaques não significava ocupar uma posição que rivalizasse com aquelas ligadas aos cargos de maior projeção dentro do cordão e da escola. Percebe-se, pelos dados recuperados na pesquisa, que a estruturação e consolidação das escolas não significaram a ampliação da presença das mulheres nos cargos de direção dessas agremiações, embora muitas delas tenham sido fundamentais para o andamento da agremiação, agindo nos bastidores para garantir o seu sucesso, a exemplo de tia Zefa (que também desfilava), no Camisas Verde e Branco, Geraldina (irmã de Seu Nenê) e Maria Tereza (mulher de Seu Nenê), da Nenê da Vila Matilde. Maria Tereza e Geraldina foram incansáveis colaboradoras da Escola durante toda a vida. Segundo Seu Nenê, elas “nunca puseram uma fantasia, mas ajudaram em tudo. Organizavam, disciplinavam, tomavam conta” (SILVA; BRAIA, 2000, p. 80). Maria Tereza participou de suas decisões e foi a coordenadora do trabalho de preparação da Ala das Baianas. Diz Seu Nenê: “se hoje estamos num caminho bom, devemos muito à Maria Tereza” (SILVA; BRAIA, 2000, p. 80) que assumiu, junto com Geraldina, todos os detalhes que envolviam o trabalho de preparação da escola para suas exibições durante os folguedos de Momo (SILVA; BRAIA, 2000, p. 75-80), em São Paulo ou em outros lugares.

Os indícios sugerem que a trajetória de subordinação dessas mulheres não se alterou se comparada ao espectro evidenciado nas primeiras iniciativas de décadas anteriores, prevalecendo pelo menos até 1967 o predomínio dos dirigentes do sexo masculino à frente dessas agremiações. A exceção foi a Lavapés, que continuou sob o comando de uma mulher. Esse quadro somente alterou-se em situações excepcionais, como ocorreu com a Escola de Samba Morro da Casa Verde. Criada em 1962 e dirigida pelo Sr. Zezinho de Nazareth que, após sua morte, teve Laurinete Nazaré da Silva Campos (Guga), sua filha, como sua sucessora na direção da escola.

As relações homem/mulher nos domínios subterrâneos do grupo, o que dizer?

Muito além desse mapeamento sobre as performances das mulheres afrodescendentes no aludido processo, podem ser detectadas outras dimensões referentes às relações homem/mulher dentro do grupo. A historiografia apenas mencionou rapidamente o assunto, como fizeram Olga von Simson, em texto citado anteriormente sobre as mulheres negras de São Paulo, Mônica Velloso (1990) e Carla Porto (2008), que abordaram questões referentes às mulheres negras no Rio de Janeiro. Elas admitem as dificuldades dessas relações que eram marcadas pelo autoritarismo explícito (violência física, assassinatos etc.) e velado que se manifestava no convívio entre os homens negros e suas mulheres. Isso significa que eram reproduzidos os mesmos valores presentes na sociedade brasileira no tratamento consagrado às mulheres, apesar de se detectar especificidades e valores próprios, atinentes à subcultura do grupo que se expressavam, entre outros aspectos, na aceitação das uniões matrimoniais informais, com recorrentes separações e novos arranjos afetivos frequentemente marcados por conflitos exacerbados, como demonstra Carla Porto em sua pesquisa (PORTO, 2008).

O encaminhamento dessa discussão sinaliza para a necessidade de recuperar qual era o comportamento esperado pelas lideranças negras em relação às mulheres do grupo. Alguns indícios podem ser detectados na imprensa negra que, na década de 1930, definia um “padrão elegante” para suas condutas que envolvia não se embriagar, não brigar e fazer arruaças publicamente, isso em qualquer situação. Mas essas exigências não eram feitas aos homens, o que denota uma postura machista e cerceadora dos passos e condutas dessas mulheres.

Se os passos dos homens eram livres, vale acompanhar o comportamento desses sujeitos nas relações com as mulheres, no dia a dia das agremiações. Alguns indícios apontam para convívios marcados por desigualdades, claramente sexistas, embora, na percepção de Madrinha Eunice, uma de suas líderes, essas relações fossem tranquilas. Em sua compreensão, se não havia censuras ao vestuário feminino ou mesmo impedimentos para sua inserção nas agremiações, as barreiras sexistas estariam eliminadas.

Mas, os espaços ocupados pelas mulheres no interior dessas agremiações eram reduzidos e subalternos ao poder masculino,28 considerando que os critérios para elas galgarem as posições de destaque não eram claros. Sabe-se que certos atributos, como saber dançar e cantar, eram esperados para ser porta-bandeira, porta-estandarte ou passistas, como esclareceu Seu Nenê. Nesse sentido, as seleções dessas protagonistas não estavam vinculadas, apenas, às relações familiares e de amizade dentro do grupo. Isso não eliminava a existência de outros mecanismos subjetivos para garantir a tomada de decisões para essas escolhas. Seu Nenê admitiu a existência de jogo de sedução (entre as candidatas e quem detinha o poder de decisão, no caso, o Presidente), no momento das indicações ao posto de rainha, considerado o ápice de projeção nos desfiles das agremiações. Insistiu, contudo, que essa não era sua conduta traçando o seu perfil e o de Paulistinha, compositor da Nenê, que definiu como um homem conquistador, contrapondo ao próprio comportamento para reafirmar a lisura de suas decisões.29 Essas estratégias avalizam uma postura sexista nas relações homem/mulher reafirmando o machismo de gênero. Ou seja, da mesma forma que os homens usam o seu poder para ampliar suas conquistas amorosas, as mulheres acionavam seus encantos como moeda de troca em seu benefício, mesmo que à custa de “favores” sexuais.

Ainda sobre a sensualidade da mulher negra, merecem reflexão os requebros e gingados de corpos, expostos em suas exibições. Esses bailados do samba foram vistos como formas de expressão libidinosas em diversas representações ao longo do tempo; e foram motivos de perturbação e censura de viajantes estrangeiros que os qualificaram de exibições “lascívias”, “danças obscenas” e “animalescas”, como analisou Rachel Soihet (MATOS; SOIHET, 2003, p. 180-181), que enfatizou a longa trajetória de recriminações que foram além desses protagonistas. Relembrou a autora que nos séculos XIX e passagem para o XX, as recriminações foram de médicos e religiosos que seguiam a mesma perspectiva de seus antecessores. Somente na década de 20 esses requebros e gingados foram vistos como parte integrante da cultura brasileira.

A par da mudança de perspectiva na avaliação dessas expressões corpóreas, no processo de ritualização dos sambas-enredo essa sensualidade reduziu-se a alguns integrantes nomeados de passistas, como se verifica nas fotografias dos desfiles das escolas de samba paulistanas no período analisado, nas quais apareceram homens e mulheres que exibiam passos de dança, seguindo o ritmo do batuque. Os indícios sugerem que houve certo esgarçamento dessa “sensualidade” no decurso do processo de institucionalização do samba produzido pelas escolas para os desfiles de carnaval, não porque fosse uma crítica à apropriação sexual da mulher negra que se perpetuou ao longo dos séculos (antes resultante de sua escravização e, nos tempos atuais, atualizado pelo machismo) - perspectiva recorrentemente reafirmada, como esclarece Danubia de Andrade Fernandes (2016) em texto sobre a trajetória do feminismo negro nos EUA e no Brasil.

Cabe observar, entretanto, que no período analisado nesse estudo as agremiações não apresentavam uma estrutura complexa para exibição dos desfiles e ainda não eram formadas por várias alas. Com a nova estruturação dos desfiles, após 1968, ocorreu a abolição dos/das balizas, personagens interpretados por homens e mulheres que vinham à frente desses agrupamentos carnavalescos, fossem eles cordões ou escolas de samba. Em seu lugar, as passistas ganharam projeção, bem como a bateria, que passou a ser considerada o “coração” da escola.

Considerações finais

Nas narrativas dos dirigentes dessas agremiações, a inserção das mulheres negras na organização e nos destinos de muitos cordões e escolas de samba foi limitada, inicialmente, pela presença de homens briguentos durante suas exibições. Na década de 1930, para Madrinha Eunice, não havia impedimento para a inserção dessas folionas, o que não garantia igualdade entre os sexos. Essas explicações não abrangem outras questões subjacentes às relações entre homens e mulheres negras como o machismo e preconceitos. Mesmo assim, as mulheres projetaram-se nas frestas desses discursos. Foram consideradas o suporte importante para a montagem e realização desses festejos, exibindo-se como porta-estandarte, balizas, amadoras ou porta-bandeira. Aqui e acolá, uma senhora foi lembrada pelo papel fundamental exercido na agremiação, até quando não desfilava, como foi o caso de Maria Tereza, mulher de seu Nenê. A projeção de Madrinha Eunice - que organizou e dirigiu a Escola de Samba Lavapés e seu time de futebol desde sua origem - é excepcional, diferentemente das demais brincantes; algumas delas, embora inseridas nas atividades carnavalescas, ficaram anônimas, como aquelas que costuravam as fantasias e as que cozinhavam para os integrantes da escola durante a preparação dos desfiles e para arrecadar recursos para a agremiação.

Assim, pode-se afirmar que a forma como as agremiações se apresentaram no seu dia a dia, indicaram que as relações entre os sexos eram marcadas por hierarquias e diferenças que estavam evidentes na divisão de tarefas de acordo com os conhecimentos “naturais” de parte a parte. Aos homens cabiam os elementos de criação voltados à música e ao batuque e a estruturação administrativa da agremiação requerida para realização do evento, por serem eles, supostamente, os detentores dos saberes e conhecimentos nesse campo. Às mulheres negras cabiam a execução de certas tarefas que envolviam a modelagem e a confecção das fantasias, a dança e o canto, considerados apropriados ao sexo feminino, além de cozinhar e cuidar da proteção espiritual de toda a comunidade. Enfim, a repetição dos papéis aceitos pela sociedade brasileira, que mantém as hierarquias assentadas em valores já consagrados - patriarcal e machista - para orientar as relações entre homens e mulheres. Porém, ser dona de seu corpo e exibir-se mostrando a sua sensualidade sob a cadência do ritmo e do batuque não seriam elementos de ruptura nesse processo hierarquizado e de controle exercido por homens?

Referências

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  • 1
    Neste texto usarei o termo afrodescendente para me referir aos brasileiros pretos, livres, mesmo se tratando de uma temporalidade que é anterior a esta discussão que busca desconstruir o tratamento linguístico para nomear os homens e mulheres de origem africana (e seus descendentes) que foram escravizados pelo mundo afora, em cruel e involuntária diáspora. Não considero que seja anacronismo ou confusão linguística o seu uso. Também usarei as palavras preta, negra, negro que igualmente têm sentidos negativos nos registros do Dicionário Aurélio. Aliás, seria ingenuidade pensar que a dicionarização de qualquer palavra esteja isenta da ideologia e preconceitos de seu tempo. Tal situação exige do pesquisador a constante reavaliação de suas referências e fontes para não endossar suas representações e valores ideológicos sobre os temas tratados.
  • 2
    Refiro-me à obra de Mikhail Bakhtin, traduzida no Brasil em 1987, e de Emmanuel Le Roy Ladurie, em 2002, que se constituíram em referências para análise dos carnavais da Europa e, alhures, por suas posições teóricas distintas sobre os sentidos desta festa, interpretada como inversão da ordem e espaço de resistência diferentemente das elites que viam nesses festejos momentos de congraçamento e, portanto, de alienação de classe. Esses paradigmas orientaram o debate sobre o assunto no Brasil, a exemplo das reflexões, entre outras, de Roberto DAMATTA (1981; 1997), Rachel Soihet (1998), seguidores de Bakhtin, de um lado e, do outro, com registros distintos, podemos identificar as interpretações de Maria Isaura Pereira de QUEIROZ (1992), que não vê alteração nas relações sociais durante os festejos, mantendo-se as mesmas hierarquias; e de Maria Clementina Pereira da Cunha (2000), que identifica nesta festa o momento de afloramento dos conflitos de classe.
  • 3
    Michelle Perrot, em suas reflexões, abriu caminho para problemáticas diversas. Alertou para as possibilidades de pesquisas até mesmo quando se tem apenas indícios ou o silêncio sobre mulheres que intervieram em sua contemporaneidade de diversas formas. São várias as obras da autora referentes ao assunto, destacando-se o livro As mulheres ou os silêncios da história (2005). O balanço de suas obras sobre as mulheres tem sido recorrente como resenhas pontuais de cada livro ou mais ampliada, a exemplo do texto de Joana Maria Pedro publicado em 2003.
  • 4
    Ao fazer um balanço sobre o feminismo, Scott (1995) trouxe a discussão para uma dimensão que provocou o debate teórico em torno da diferenciação da categoria gênero, buscando, a partir dela, estabelecer as diferenças entre homens e mulheres e as relações de poder em seu âmbito.
  • 5
    O alargamento do debate no Brasil é evidente e se manifesta nas publicações de periódicos específicos, na publicação de livros, nos eventos acadêmicos bem como nas dissertações e teses que abordam assuntos variados sobre as mulheres, em sua trajetória ao longo do tempo. A pesquisadora Joana Maria Pedro (2003; 2006; 2007; 2008; 2012) se torna referência neste campo, com as constantes reflexões e atuação em todas essas frentes: propondo eventos, orientando pesquisas, publicando artigos individualmente e em parceria e, ainda, livros coletivos etc.
  • 6
    As mulheres que prepararam as famosas feijoadas não são nomeadas. Com os seus saberes culinários, propiciaram a arrecadação de recursos para a agremiação ou apenas cozinharam visando à alimentação do grupo, no decurso das atividades de preparação das propostas dos desfiles das escolas e demais agrupamentos carnavalescos durante o ano inteiro.
  • 7
    Rachel Soihet (1998), embora tenha se dedicado em outros estudos a refletir sobre as mulheres, em relação ao carnaval traz um capítulo sobre o tema no livro A subversão pelo riso: estudos sobre o carnaval carioca da Belle Époque ao tempo de Vargas. Em 2003, publicou um artigo enfocando as mulheres das classes populares nesses festejos, questionando a ótica dos viajantes estrangeiros e de seus seguidores.
  • 8
    Raramente essas pesquisas tomaram as mulheres, independentemente da cor, como objetos específicos de reflexão como fez Ellen Karin Dainese MAZIERO (2011), que enfocou essa presença nos filmes de chanchada em sua dissertação de mestrado. A autora continua as investigações enfocando as mulheres folionas em seu doutorado.
  • 9
    Essa perspectiva é refutada por Maria Clementina Pereira CUNHA (2001), que diz que a mulher negra, escrava, também participava das brincadeiras carnavalescas, independentemente de sua condição.
  • 10
    Refiro-me à sua participação nas irmandades negras católicas, portanto, autorizadas, que, em São Paulo, datam dos anos 1870 e que tiveram papel importante na resistência contra a escravidão (Antonia Aparecida QUINTÃO, 2002).
  • 11
    As mulheres negras eram líderes religiosas, não apenas das religiões afro, tais como Umbanda, Candomblé etc. Elas também participavam de ordens religiosas católicas, integrando várias delas, desde o século XIX, a exemplo da Irmandade do Rosário, Irmandade São Benedito, Irmandade Santa Efigênia e Irmandade Santo Elesbão, como analisa Quintão (2002, p. 44-46) no livro citado.
  • 12
    Veja-se, por exemplo, a análise de Marina MALUF e Maria Lucia MOTT (1998), que identifica o papel das mulheres negras no mercado de trabalho como cozinheiras, lavadeiras e passadeiras de roupa, empregadas domésticas nas primeiras décadas do século XX. Igualmente, Mônica VELLOSO (1990) descreve a experiência de mulheres negras no Rio de Janeiro que ocupam papel fundamental na organização dessa comunidade, na qualidade de chefes de família e líderes religiosas. O mesmo é apresentado por George Reid ANDREWS (1998) sobre as dificuldades de inserção dos homens negros no mercado formal de trabalho no início da República, em São Paulo, assumindo as mulheres a chefia das famílias.
  • 13
    Dionísio Barboza foi um líder negro, morador do bairro pobre da Barra Funda, da cidade de São Paulo, que agregou a comunidade negra em torno do primeiro Cordão Carnavalesco da Barra Funda (ou Camisa Verde e Branco) criado por ele em 1914. A agremiação funcionou como espaço de sociabilidade do grupo para enfrentar a exclusão dessa comunidade negra, recentemente saída da escravidão (1888), que enfrentava muitas dificuldades para inserção na sociedade dos brancos. O cordão funcionou como o espaço de resistência e de reafirmação dos valores culturais dos afrodescendentes e local de práticas do samba, do batuque, do choro e biombo para suas práticas religiosas. Também era o local de agregação para os piqueniques e a participação das festas de Bom Jesus de Pirapora e Nossa Senhora Aparecida que serviam para suas “práticas religiosas”, em que a Igreja nem sempre acreditava. Servia, portanto, de ponto de encontro dos “batuqueiros” e de reafirmação de seus valores culturais (BRITTO, 1986).
  • 14
    O Cordão Campos Elyseos, fundado em 1919, notabilizou-se na cidade por suas exibições. Na década de 1920 não constava nome de mulheres em sua diretoria (EVOLUÇÃO, 1933, p. 12).
  • 15
    Neste caso em particular, os indicativos sugerem que a autora optou por chamá-las apenas pelo primeiro nome porque entrevistou várias dessas mulheres.
  • 16
    Os nomes das mulheres integrantes dos cordões e das escolas de samba, entre 1921 a 1967, são os seguintes: Porta-bandeira: Maria Rosa – Baianas Teimosas; Maria Rosa (primeira porta-bandeira da escola Lavapés) – Escola de Samba Lavapés; Joana (1ª porta-bandeira da Nenê), Preta, Maria Inês Camargo, Simone Sampaio – Escola de Samba Nenê da Vila Matilde – Zona Leste; Porta-estandarte: Dona Eugênia (1ª porta-estandarte da Nenê); Dona Iracema (porta-estandarte do Cordão Vai Vai crido em 1930 – do Bexiga); Dirigentes: Maria Ondina (Presidente) – Baianas Teimosas – cordão fundado em 1932 – Bairro da Liberdade; Deolinda Madre – Escola de samba Lavapés, fundada em 1936 – Bairro do Glicério; Benedicta Carvalhaes, Sebastiana Barreto, Dona Cecília – Cordão Campos Elyseos, fundado em 1919 – Barra Funda; Laurinete Nazaré da Silva Campos (Guga) – Escola de Samba Morro da Casa Verde. (Assumiu a presidência após a morte de Sr. Zezinho); Fundadoras: Maria Rosa, Maria Ondina – Baianas Teimosas; Deolinda Madre – Lavapés; Geraldina Alves da Silva – Escola de Samba Nenê da Vila Matilde; Integrantes: Maria Rosa, Maria Ondina, Deolinda Madre, Zaira, Cida, Joana, Preta, Maria Inês Camargo (pastora), Simone Sampaio, Dona Antonia, Tia Zefa, Antonieta (mãe de Sr. Zezinho), Dona Sebastiana (pastora), Dona Sinhá, Dona Odete, Dona Iracema, Risoleta, Alzira, Benedicta Carvalhaes, Sebastiana de Oliveira, Dona Olímpia, Laurinete Nazaré da Silva Campos, Dona Cecília. Foram consultadas as seguintes fontes: EVOLUÇÃO/SP, (13/05/1933, p. 12); Alberto Alves SILVA, Ana BRAIA (2000); Simson (2007, p. 179-184); Faro e Simson (1982).
  • 17
    Estas fotos fazem parte dos arquivos pessoais de Seu Nenê e algumas delas foram publicadas em seu livro de memórias.
  • 18
    Os fundadores da “Nenê”, segundo o seu Presidente, Alberto Alves da Silva, seu Nenê, foram as seguintes pessoas: “Éramos 13 – eu, Toquio, Juvenal, Balduíno, José Brito Laurindo, Didi, Getúlio, Julião, Expedito, Livino, Benedito Justino, minha irmã Geraldina e o Manolo – cinco pretinhos e o resto todos brancos, mas tudo branco bom de samba” (SILVA; BRAIA, 2000, p. 48).
  • 19
    Os componentes da nova agremiação, moças e rapazes registrados na foto (pertencente ao Seu Nenê) eram muitos jovens. Vestiam trajes com objetivos caricatos indicando o travestimento (Vladimir PROPP, 1992) para provocar o riso. Os rapazes portavam camisas listradas e chapéus; e as moças, três delas, as roupas eram brancas e, na cabeça, usavam uma espécie de quepe. Segundo depoimentos, eram fantasias de marinheiros/as, vestimentas preferidas pelos pândegos do período. A inversão ocorre entre as moças e também entre os rapazes. Dois deles exibem chapéus femininos. Avaliando a foto em si, vê-se que foi posada e desvelou a intenção do grupo em gravar a “memória de si” para a posteridade. O nome do fotógrafo perdeu-se no tempo, caindo a foto no total anonimato juntamente com o autor, o que impossibilitou identificá-lo – como sugerem os estudiosos do assunto, a exemplo de Boris KOSSOY (2000), entre outros. Cabe lembrar que o debate sobre a fotografia e seus significados é amplo. Alguns autores são referências, a exemplo de Martine JOLY (1996), em Introdução à análise da imagem, entre outros que trazem aporte importante para pensar os significados das imagens em movimento ou fixas.
  • 20
    Sebastião do Amaral era conhecido pelo apelido de Pé Rachado. Ele foi diretor de bateria do Cordão Vai Vai por vários anos (SIMSON, 1981).
  • 21
    Músico que dirigiu o conjunto Águias da Meia Noite – que acompanhava cantores famosos, como Ângela Maria e Silvio Caldas nas rádios paulistas. O grupo não conseguiu tocar suas músicas nas rádios, por preconceito. Relata Seu Zezinho, em depoimento no Museu da Imagem e do Som/SP, que os integrantes do grupo recebiam quantias insignificantes como músicos. Por isso, eram obrigados a trabalhar em outras atividades braçais para garantir o seu sustento e de suas famílias. Além de músico e compositor, Seu Zezinho foi dirigente do Cordão Camisas Verdes e Branco. Criou posteriormente a Escola de Samba Morro da Casa Verde (em 06/04/1962 – Dissidência da Unidos do Morro da Casa Verde).
  • 22
    Ao narrar a trajetória da Escola Lavapés e de outros agrupamentos, Madrinha Eunice (Deolinda Madre), respondendo à questão dos entrevistadores sobre a proteção aos folguedos, dos deuses afro – Umbanda, Candomblé – diz que era “aquibandista”. E esclarece: “[...] nunca utilizei as forças da aquibanda. É da seita dos diabinhos. Não pede nada. Tudo que tem pedido para eles (deuses da aquibanda [tem sido atendida]). Os diabos não fazem nada de graça. Todas as escolas fazem os pedidos aos seus deuses e fazem suas homenagens” (MADRE, In FARO e SIMSON, 1982).
  • 23
    No livro citado existe uma foto de porta-bandeira e mestre-sala desfilando nas ruas1 (In: SILVA; BRAIA, 2000, p. 110).
  • 24
    Diz seu Nenê que a Escola de Samba Lavapés (criada em 1936) nas décadas de 30 e 40 já “desfilava com baianas, passistas, já tinha uma boa bateria, estandarte e balizas. Eles eram terríveis! Não tinha mestre-sala nem porta-bandeira, isso surgiu depois, mas tinha porta-estandarte, tinha estilo e foi uma grande escola de samba” (SILVA; BRAIA, 2000, p. 20). A escola foi referência para os demais agrupamentos que surgiram posteriormente. A própria Madrinha Eunice (Deolinda Madre) informa que o seu primeiro desfile, em 1937, ocorrido no Brás, era composto por apenas de 36 pessoas, sendo a passeata composta por “um grupo de baianas, porta-estandarte e sambistas que iam à frente da Escola” (MADRE, In FARO e SIMSON, 1982 – Fita 112-24).
  • 25
    O semióforo, segundo Krzysztof POMIAN (1984), é um signo que vai à frente, no caso, o estandarte e a bandeira, indicando ao agrupamento que integra aquela agremiação o caminho a seguir e, por isso, serve de referência ao grupo.
  • 26
    Dona Sebastiana de Oliveira era “amadora”. Em seu depoimento, ela canta várias músicas. Informa que era de Santos e que os seus familiares trabalhavam nas Docas (OLIVEIRA, In SIMSON, 1980).
  • 27
    Em algumas fotos as moças foram chamadas de passistas.
  • 28
    Nas falas dos dirigentes dessas agremiações, a exemplo de Sebastião Amaral (Pé Rachado) e Seu Nenê, existem essas queixas sobre o abandono de muitas mulheres folionas dos desfiles carnavalescos após o casamento.
  • 29
    Enfatiza Seu Nenê que sempre fora fiel à Maria Tereza.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2018

Histórico

  • Recebido
    03 Nov 2017
  • Revisado
    15 Fev 2018
  • Aceito
    15 Fev 2018
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