Resumos
Uma das críticas feitas a estudos empíricos de base qualitativa diz respeito ao uso inadequado de metodologias de pesquisa, fruto de uma relação pouco criteriosa entre objeto/problema de pesquisa e procedimentos de produção de dados. Muitas vezes, deixa-se de levar em conta que a adoção de determinada metodologia é orientada pelo que é necessário fazer para obter material empírico cuja densidade e riqueza permitam uma melhor apreensão dos diferentes aspectos que envolvem o problema acerca do qual se empreende uma investigação, para que seja possível formular hipóteses bem fundamentadas. Cabe ao pesquisador escolher o método que melhor se adéqua à obtenção dos dados e aos pressupostos teóricos que a orientam, e, para tanto, ele precisa ter conhecimento de diferentes possibilidades de escolha. O presente artigo apresenta reflexões e orientações acerca do uso, cada vez mais frequente, de videogravações na realização de pesquisas qualitativas, discutindo especificidades da produção e da análise de materiais audiovisuais articulados a procedimentos de investigação em ciências sociais e humanas. As considerações apresentadas aqui foram construídas a partir da experiência com o uso desse recurso em pesquisas realizadas pelas autoras ao longo dos últimos cinco anos, em diálogo com publicações de outros pesquisadores que, tendo também trabalhado com esse recurso, relatam, em seus textos, dificuldades e soluções relacionadas à sua adoção. Espera-se, assim, contribuir para o debate acerca da necessária e estreita correlação entre objeto e método em estudos empíricos.
Videogravação; Pesquisa qualitativa; Análise de dados qualitativos
One of the criticisms made about empirical studies of a qualitative basis concerns the inappropriate use of research methodologies as a result of a less than careful match between the research object/problem and the data production procedures. A fact often neglected is that the adoption of a given methodology is dictated by what is necessary to do in order to obtain empirical material whose density and wealth allows a better understanding of the different aspects surrounding the problem under investigation, so that well grounded hypotheses can be formulated. It is up to the researcher to choose the method best suited to the gathering of the data and to the theoretical assumptions guiding it, and to that purpose he/she must have knowledge of the various choices available. This article presents reflections and guidelines about the ever more frequent use of video recordings in qualitative research, discussing specificities of the production and analysis of audiovisual material associated to investigation procedures in social and human sciences. The considerations put forward here were built from the experience in the use of this kind of resource in studies carried out by the authors during the last five years, in constant dialogue with publications by other researchers who, having also worked with this resource, describe in their texts the difficulties and solutions related to its adoption. It is hoped that this will contribute to the debate on the necessary and close correlation between object and method in empirical studies.
Video recording; Qualitative research; Analysis of qualitative data
ARTIGOS ARTICLES
Produção e análise de vídeogravações em pesquisas qualitativas
Andrea Garcez; Rosalia Duarte; Zena Eisenberg
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
Correspondência Correspondência: Andrea Garcez Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Departamento de Educação Marquês de São Vicente, 225, 1049 L 22451-900 - Rio de Janeiro/RJ E-mail: andrea.garcez@bol.com.br
RESUMO
Uma das críticas feitas a estudos empíricos de base qualitativa diz respeito ao uso inadequado de metodologias de pesquisa, fruto de uma relação pouco criteriosa entre objeto/problema de pesquisa e procedimentos de produção de dados. Muitas vezes, deixa-se de levar em conta que a adoção de determinada metodologia é orientada pelo que é necessário fazer para obter material empírico cuja densidade e riqueza permitam uma melhor apreensão dos diferentes aspectos que envolvem o problema acerca do qual se empreende uma investigação, para que seja possível formular hipóteses bem fundamentadas. Cabe ao pesquisador escolher o método que melhor se adéqua à obtenção dos dados e aos pressupostos teóricos que a orientam, e, para tanto, ele precisa ter conhecimento de diferentes possibilidades de escolha. O presente artigo apresenta reflexões e orientações acerca do uso, cada vez mais frequente, de videogravações na realização de pesquisas qualitativas, discutindo especificidades da produção e da análise de materiais audiovisuais articulados a procedimentos de investigação em ciências sociais e humanas. As considerações apresentadas aqui foram construídas a partir da experiência com o uso desse recurso em pesquisas realizadas pelas autoras ao longo dos últimos cinco anos, em diálogo com publicações de outros pesquisadores que, tendo também trabalhado com esse recurso, relatam, em seus textos, dificuldades e soluções relacionadas à sua adoção. Espera-se, assim, contribuir para o debate acerca da necessária e estreita correlação entre objeto e método em estudos empíricos.
Palavras-chave: Videogravação - Pesquisa qualitativa - Análise de dados qualitativos.
Introdução
O presente artigo apresenta reflexões e recomendações acerca do uso da videogravação na realização de pesquisas qualitativas, discutindo especificidades da produção e da análise de materiais audiovisuais em procedimentos de investigação. As reflexões que apresentamos foram construídas a partir da experiência com o uso desse recurso em pesquisas realizadas por nós e do diálogo com publicações de outros pesquisadores que discutem o tema. As pesquisas nas quais nos baseamos para a produção deste trabalho tinham objetos e objetivos diferentes: a) acompanhar e analisar a relação de crianças com filmes (SACRAMENTO; SILVA; DUARTE, 2009); b) compreender a relação de crianças com programas televisivos classificados como especialmente recomendados (GARCEZ, 2010); c) analisar a construção da noção de tempo por crianças em creche (EISENBERG; LEMOS, 2010). Entretanto, em todas elas, o uso da videogravação mostrou-se essencial.
O que apresentamos neste texto, portanto, é nosso ponto de vista acerca de quando e de como esse recurso se faz necessário à realização de uma pesquisa, de que modo e em quais circunstâncias ele deve ser utilizado, e de que maneira pode ser organizado, catalogado e analisado o material empírico construído a partir da adoção de tal procedimento.
Videogravação como recurso metodológico na produção de material empírico
A opção por uma dada metodologia de pesquisa não pode ser orientada apenas por um maior ou menor conhecimento deste ou daquele procedimento, mas pelo que é necessário fazer para obter material empírico cujas densidade e riqueza permitam-nos uma melhor aproximação do objeto de pesquisa, para que seja possível formularmos hipóteses explicativas acerca do fenômeno que queremos compreender. Desse modo, é a necessidade de produzir registros confiáveis do trabalho de campo e de construir materiais empíricos válidos, que possam ser tomados como fonte para a compreensão de determinado fenômeno e/ou problema de pesquisa, o que determina a adoção de procedimentos e recursos. Em pesquisas qualitativas, por exemplo, é fundamental que o pesquisador se pergunte se, diante de seu objeto e de seus objetivos, seria mais adequado realizar observações sistemáticas, produzir um diário de campo manuscrito ou audiogravado, realizar entrevistas (estruturadas ou não), fotografar, videogravar e assim por diante. A resposta adpropriada a essas questões definirá, em certa medida, a qualidade, o alcance, a adequabilidade e a viabilidade do material empírico coletado.
Cabe perguntar, então, em quais circunstâncias a videogravação coloca-se como recurso necessário à realização de uma pesquisa empírica de base qualitativa.
De acordo com Peter Loizos (2008), o registro em vídeo torna-se necessário "sempre que algum conjunto de ações humanas é complexo e difícil de ser descrito compreensivamente por um único observador, enquanto este se desenrola" (p. 149). O autor aponta como exemplos cerimônias religiosas, atividades artísticas, uma hora de ensino em sala de aula, brincadeiras de crianças no pátio da escola, entre outros.
Nossa experiência e a de outros pesquisadores da área de educação (HONORATO et al., 2006; SADALLA; LAROCCA, 2004; CARVALHO, 2004; PINHEIRO; KAKEHASHI; ANGELO, 2005; LEONARDOS; FERRAZ; GONÇALVES, 1999; SILVA, 2007) indicam que o uso adequado da imagem em movimento, aliada ao áudio, permite capturar aspectos difíceis de serem captados com outros recursos, tais como expressões corporais, faciais e verbais utilizadas em situações cotidianas (no caso de uma observação sistemática, por exemplo); reações de diferentes sujeitos em face de uma atividade ou questão proposta pelo pesquisador - como visualização e interpretação de filme e/ou imagem fixa (fotografia, gravura, símbolo, ícone etc.); audição de música; reação à leitura em voz alta de um texto; leitura individual de texto; participação em grupo focal; realização de tarefas e/ou atividades em grupos operativos ou individualmente etc.
Para Aurélia Honorato et al. (2006), a captação de imagens em vídeo é uma rica fonte de elementos, especialmente, em pesquisas com crianças, "afinal, como registrar tantos meandros, tantos detalhes, tantas relações para depois debruçar-se sobre? Há ditos que não são pronunciados oralmente; ditos que não são captados por um gravador e acabam perdidos sem um registro..." (p. 6) De acordo com as autoras, o som e as imagens em movimento integradas podem ajudar a desvendar a complexa rede de produção de significados e sentidos manifestados em palavras, gestos e relações, a compreender as culturas infantis e a captar a essência das narrativas em jogo.
Segundo Ana Maria Sadalla e Priscila Larocca (2004), a videogravação também é adequada para estudar fenômenos complexos como a prática pedagógica, carregada de vivacidade e dinamismo, que sofre interferência simultânea de múltiplas variáveis. Para elas, "a videogravação permite registrar, até mesmo, acontecimentos fugazes e não-repetíveis que muito provavelmente escapariam a uma observação direta" (p. 423).
Anna Maria de Carvalho (2004) vem utilizando videogravações em pesquisas no Laboratório de Pesquisa e Ensino de Física (LaPEF) desde o início dos anos 1990. Para a pesquisadora, essa técnica "tem se mostrado altamente produtiva quer nas pesquisas em que o enfoque é o professor quer nas investigações que procuram entender como os alunos constroem os conhecimentos científicos durante as aulas" (p. 3), pois a filmagem das aulas possibilita estudar o detalhamento do processo de ensino-aprendizagem. As anotações dos professores e os resultados das provas dos alunos, antes principais fontes de pesquisa do laboratório, passaram a ser tomados como elementos de triangulação e validação de dados construídos a partir da videogravação. Nesse caso, a utilização do vídeo permitiu que o grupo de pesquisa pudesse passar do quanto se aprende para o como se aprende.
A ideia de que o vídeo capta elementos de complexidade está presente também em pesquisas fora da área da educação, como é o caso do artigo de Eliana Pinheiro, Tereza Kakehashi e Margareth Angelo (2005), publicado na Revista Latino-Americana de Enfermagem. As autoras fazem uma revisão da literatura sobre o uso de filmagem em pesquisa qualitativa, argumentando que a expressão do pensamento do indivíduo faz-se apenas 7% com palavras e o restante com gestos, movimentos corporais, entonação da voz, velocidade da pronúncia etc. (SILVA, 1996 apud PINHEIRO; KAKEHASHI; ANGELO, 2005).
Nas pesquisas tomadas como referência para a produção deste artigo, a videogravação foi muito importante para captar exatamente os aspectos que vão além da fala. Em duas delas (SACRAMENTO; SILVA; DUARTE, 2009; GARCEZ, 2010), interessava-nos registrar e analisar as reações de crianças diante da exibição, em oficinas operativas, de produtos audiovisuais (filmes e programas de televisão, respectivamente), além do modo como elas interpretavam o conteúdo desses produtos imediatamente após os terem visualizado. Embora tenha havido triangulação com outras estratégias, a videogravação dessas oficinas foi o principal recurso de coleta/produção de dados, compondo um corpus de algumas horas de filmagem.
Vale citar alguns exemplos de situações, nesse contexto, em que o material empírico poderia ter ficado prejudicado caso não houvesse a possibilidade de gravação em vídeo: durante uma oficina, foi exibido um episódio de desenho animado que abordava o tema dos jogos infantis e suas regras, e uma das crianças usou o termo trapacear para descrever uma situação passível de ocorrer em um jogo. Ao ser convidado a explicar o termo, o menino levantou-se da roda onde as crianças estavam sentadas, em conversa com a pesquisadora, e começou a correr como se estivesse jogando futebol, enquanto dizia: "cada jogo tem um juiz. Se for juiz de futebol - não pode fazer assim" [simula um jogador correndo e empurrando outro], "aí o cara faz assim" [faz o gesto de jogar a bola com as duas mãos por cima da cabeça, como se estivesse cobrando uma lateral, referindo-se a outra regra do futebol].
Em outra oficina, um menino disse que não costumava assistir ao programa exibido naquele dia. Quando questionado quanto ao motivo, ele respondeu enfaticamente, fazendo gestos vigorosos com as mãos enquanto dizia pausadamente "eu-já-disse-que-não-sei-qual-é-o-canal". No momento, estranhamos a reação tão enfática à nossa pergunta, mas supusemos que ele houvesse acabado de dizer e que nós não escutáramos. Somente ao analisar o material, percebemos que a criança havia dado essa mesma informação cinco semanas antes, o que, provavelmente, teria motivado a ênfase dada na repetição da mesma.
Em sua pesquisa, Zena Eisenberg e Gisele Lemos (2010) utilizam o recurso da videogravação para capturar as interações de crianças pequenas com artefatos temporais na sala de atividades da creche. O objetivo é entender como os artefatos temporais - construídos pelas professoras juntamente com as pesquisadoras - operam como mediadores de conceitos temporais para as crianças; por exemplo, as noções de sequência de eventos da rotina, de dias da semana etc. Nesse contexto, o recurso de videogravação possibilitou que fossem analisadas de forma microgenética as manipulações que as crianças fazem dos artefatos e as interações que estabeleceram entre si e com as educadoras. Sendo uma pesquisa de cunho qualitativo, o vídeo permite capturar o contexto das interações, assim como permite que façamos repetidas revisões, a fim de criar códigos para uma análise compreensiva do fenômeno. Ademais, o recurso também oferece a oportunidade de estabelecermos confiabilidade nos julgamentos e na aplicação dos códigos.
No que se refere a pesquisas com crianças em grupos, é importante lembrar que elas falam ao mesmo tempo, interagem, brincam, sentam, levantam, não param quietas e comunicam-se entre si e com os pesquisadores durante todo o tempo. Com isso, certos aspectos somente podem ser registrados e analisados mediante o uso da gravação em vídeo.
Outras possibilidades do uso do vídeo são apontadas por pesquisadores. Algumas delas são: observar contradições entre discurso e comportamento (PINHEIRO; KAKEHASHI; ANGELO, 2005); minimizar a intervenção do pesquisador, embora ela nunca seja eliminada, pois há sempre o olhar de quem filma (HONORATO et al., 2006); revisitar o campo inúmeras vezes e em diferentes momentos, por meio das múltiplas leituras que podem ser feitas do que foi vivenciado, pela visualização do material gravado (LEONARDOS; FERRAZ; GONÇALVES, 1999), e mesmo possibilitar outras interpretações do material empírico por parte de outros pesquisadores (SADALLA; LAROCCA, 2004); distanciamento emotivo para a análise reflexiva do material (registros manuscritos da observação trazem a carga emotiva que acompanha a situação registrada, o que pode dificultar uma percepção menos engajada e mais profícua da mesma); diferentes possibilidades de visualizar o material videogravado, acelerando, saltando partes, pausando, congelando a imagem, retrocedendo, avançando, repetindo a visualização quantas vezes forem necessárias para uma boa apreensão e interpretação do material (SADALLA; LAROCCA, 2004).
O vídeo pode servir também como uma forma de feedback para o pesquisador, ainda durante o processo de pesquisa de campo. Segundo Rosália Duarte (2002), ao transcrever entrevistas e ouvir sua própria voz, o pesquisador pode avaliar criticamente seu desempenho e melhorá-lo gradativamente. O mesmo pode acontecer ao assistirmos às videogravações imediatamente após terem sido produzidas. Ver-se em ação e tomar consciência de sua interação com os sujeitos da pesquisa são formas de ir corrigindo alguns aspectos importantes do posicionamento do pesquisador em campo, modificando, se necessário, sua atuação nas atividades subsequentes.
É importante assinalar que o vídeo não é mera transcrição da realidade em imagens; há que se considerar o olhar de quem filma, seu posicionamento diante do que está sendo registrado, seus recortes, enquadramentos, escolhas. Muitas vezes, é necessário ter outro pesquisador operando a câmera, sobretudo quando o trabalho de campo exige uma atuação direta do pesquisador junto aos sujeitos da pesquisa, como frequentemente ocorre, por exemplo, nos estudos que envolvem crianças. Nesse caso, cabe o alerta feito por Honorato et al. (2006) de que aquele que filma pode ser considerado coautor da pesquisa, pois as opções que faz no momento da gravação interferem diretamente no modo como os registros são produzidos.
Aspectos éticos da pesquisa com videogravação
O uso da videogravação e os avanços tecnológicos que permitem editar facilmente um vídeo trazem novas questões para a discussão sobre a ética em pesquisas. A identificação ou não dos sujeitos no texto final da pesquisa, por exemplo (se pelo nome verdadeiro, por um código criado pelo pesquisador ou por um pseudônimo escolhido pelo próprio sujeito ou pelo pesquisador), perde o sentido quando as imagens desses sujeitos são exibidas, já que estas os identificam tanto quanto ou até mais que seus nomes. Imagens somente podem ser difundidas com o pleno conhecimento e concordância, por escrito, daqueles que as forneceram. Assim, é preciso, antes de mais nada, dar ciência dos objetivos da pesquisa a todas as pessoas que terão suas imagens gravadas e solicitar de cada uma delas autorização expressa assinada de uso de imagem.
No caso de crianças, é necessária a autorização dos pais ou responsáveis e, mesmo assim, a veiculação das imagens depende das circunstâncias. Crianças vítimas de violência, que vivem em situações de risco ou que sofrem medidas pedagógicas ou punitivas em razão de alguma infração cometida não podem ter suas imagens divulgadas, em nenhuma circunstância, mesmo com autorização dos responsáveis.
Sonia Kramer (2002) discute o uso de nomes verdadeiros ou fictícios de crianças e a difusão de suas imagens em relatos de pesquisa. A autora apresenta diversas pesquisas que tem orientado, nas quais a questão da identidade das crianças foi um problema. Se, por um lado, as crianças são entendidas nesses estudos como sujeitos e por isso se considera que devam ser identificadas com seus nomes verdadeiros no texto para que possam ler-se, ver-se, reconhecer-se, por outro, há muitas situações em que o anonimato pode preservá-las. Para ela, é paradoxal o cuidado exagerado com o nome das crianças associado a uma exibição gratuita, abusiva e indiscriminada de suas imagens em alguns relatos de pesquisa.
A nosso ver, é fundamental realizar a devolução dos resultados das pesquisas que realizamos aos que se dispuseram a ser sujeitos delas, independentemente do recurso que tenha sido utilizado na produção do material empírico. No caso de terem sido realizadas videogravações, é necessário produzir uma edição curta do material na qual os participantes do estudo possam ver-se e ter uma ideia geral dos resultados obtidos. Quando se trata de crianças, caso o pesquisador opte pela produção de uma edição destinada à exibição em apresentações públicas de seu trabalho (defesas de trabalho de conclusão, congressos, palestras etc.), o ideal é que os rostos delas apareçam levemente desfocados.
Aspectos técnicos da videogravação
A produção de videogravações envolve, inevitavelmente, o conhecimento dos aspectos técnicos relacionados à captura e à edição de imagens. O avanço tecnológico colocou câmeras digitais, com recursos relativamente sofisticados, ao alcance de todos que tenham interesse em utilizá-las. Atualmente, não há mistério em operar uma câmera desse tipo. Entretanto, para que uma videogravação desempenhe, efetivamente, o papel a ela destinado em contextos investigativos, é necessário que o pesquisador esteja minimamente familiarizado com o equipamento e sinta-se à vontade para utilizá-lo. As imagens e sons capturados nesses contextos têm a função específica de constituírem-se em material empírico e, dependendo do modo como as gravações forem realizadas, o resultado pode não atender aos objetivos do pesquisador. Ainda que a gravação das situações de pesquisa venha a ser realizada por outrem, cabe ao pesquisador determinar as situações que deverão ser registradas em vídeo, o tempo de duração de cada gravação, os ângulos a partir dos quais ela deverá ser realizada, o tipo de enquadramento que ele considera mais adequado e assim por diante. Para tanto, é preciso algum conhecimento das especificidades da linguagem audiovisual e muito planejamento e organização prévios. Como no uso de qualquer outro recurso de pesquisa, não há espaço para improvisações.
Em muitos casos, pode ser necessária a realização de um pré-teste para que o pesquisador possa definir o tempo de gravação e o posicionamento da câmera que ele considera mais condizentes com seus objetivos, e para que ele também possa testar a qualidade do áudio (registros com baixa qualidade de áudio podem inviabilizar a utilização do material)1. Testar a câmera e verificar previamente a qualidade das imagens e dos sons que são por ela capturados é essencial para o sucesso do trabalho que será realizado no campo. Todo o cuidado não é pouco, pois erros e distrações são inevitáveis. Por exemplo, em um de nossos estudos, perdemos a gravação da primeira das dez oficinas realizadas. Em outro, a pesquisadora colocou-se entre a câmera e a criança, e assim ficamos apenas com o áudio da gravação. É relativamente comum esquecer de ligar a câmera nas primeiras sessões ou de acionar a gravação do áudio. Para minimizar os erros - que, nesses casos, podem trazer grande prejuízo -, é importante que se pratique muito antes de começar a pesquisa em campo. Uma entrevista que não é gravada causa um grande transtorno para a pesquisa e para quem participa e cede seu tempo.
O tripé pode ser um recurso útil no caso de filmagens de longos períodos de tempo em que não haja muita movimentação ou em que as situações a serem registradas aconteçam em uma área mais ou menos restrita. No nosso caso, utilizamos o tripé geralmente durante as exibições dos produtos audiovisuais, momentos nos quais as crianças costumavam ficar mais centradas e quietas, ocupando um espaço mais restrito no interior da sala em que era realizada a pesquisa. Esperávamos, com isso, registrar as reações das crianças em face do material que estávamos exibindo: expressões faciais, comentários, brincadeiras e interações, entre outras. A câmera ficava direcionada para as crianças, mas era possível também gravar trechos do que estava sendo projetado na tela (as projeções eram feitas em parede inteira e/ou em tela grande). Isso permitiu que as diferentes reações das crianças pudessem ser relacionadas com as falas delas a respeito dos filmes que foram exibidos.
O tripé também pode ser utilizado quando o pesquisador decide fazer, ele próprio, as gravações. Nesse caso, é preciso posicioná-lo em local que possibilite gravar, da forma mais ampla possível, as atividades ou eventos a serem registrados. Pode ser necessário ir reposicionando-o, eventualmente, para modificar o ângulo de gravação de forma a produzir um registro mais preciso.
A dimensão técnica da videogravação deve ser pensada de forma sempre articulada aos objetivos da pesquisa, já que influi diretamente na coleta/produção dos dados e, consequentemente, nos resultados. O tempo de permanência no campo, o tempo a ser dedicado ao registro audiovisual - o que deverá ser registrado e por quanto tempo -, o tamanho da câmera, quem vai operá-la, se ela ficará fixa (com um tripé) ou móvel, o tempo de duração de cada filmagem, se esta será realizada de forma contínua ou se haverá cortes, ângulos e posicionamento da câmera etc. são escolhas feitas pelo pesquisador sempre de acordo com seu objeto de pesquisa, isto é, sempre articuladas ao que ele quer saber.
Carvalho (2004) percebeu, por exemplo, em pesquisas sobre o processo ensino-aprendizagem de física, que, para associar discursos de alunos e de professores, as aulas deveriam ser filmadas integralmente, pois seria impossível prever o momento em que um acontecimento relevante iria acontecer. Para que essas gravações de aulas ou de sequências de aulas se transformassem em dados, no entanto, foi preciso que situações-chave, relacionadas com as perguntas dos pesquisadores, fossem recortadas dos vídeos e então analisadas. Honorato et al. (2006) advertem para não cairmos na tentação de filmar tudo e estocar um grande volume de gravações que não atenderão às necessidades do pesquisador e que poderão, inclusive, tornar-se incompreensíveis.
Na metodologia desenvolvida pelo LAPEF (CARVALHO, 2004), a posição da câmera na sala de aula, nas pesquisas sobre o ensino de física, deveria seguir dois padrões: quando as situações envolvessem a participação de toda a classe, a câmera deveria estar localizada em um dos lados da frente da sala, focalizando mais os alunos, mas sem perder de vista o professor, para que suas falas fossem facilmente identificadas; no caso de trabalhos em pequenos grupos, focalizava-se o mesmo grupo durante todo o trabalho, para que pudesse ser observada a evolução completa das atividades e as argumentações.
É interessante que o equipamento seja apresentado aos sujeitos da pesquisa um pouco antes do início oficial do trabalho de campo, a fim de que estes acostumem-se com a ideia de que serão filmados. Na pesquisa com crianças, é importante permitir que elas, sob supervisão, manipulem os aparelhos, filmando umas às outras e assistindo em seguida. Essa introdução ao equipamento traz várias vantagens: sacia parcialmente a curiosidade e o fascínio pela novidade, atrapalha menos o andamento das atividades em sala e mostra respeito pelas crianças, pois permite que compreendam o que está acontecendo e do que estão participando. Na visualização de nossos materiais videogravados, ficou evidente o quanto pesquisadores e sujeitos de pesquisa vão se posicionando cada vez mais à vontade diante da câmera à medida que as gravações são realizadas.
Vale salientar que registros audiovisuais não são evidência do real; são produções quase tão subjetivas e pessoais quanto o diário de campo, e isso precisa ser levado em conta no momento da análise.
Catalogação, organização e análise de material videogravado
Todo o material gravado precisa ser identificado, catalogado e arquivado adequadamente logo depois de produzido, de forma a tornar possível o acesso a cada item e sua análise. Embora a videogravação seja um recurso bastante utilizado em pesquisas qualitativas, há pouca produção bibliográfica a respeito da análise desse tipo de material. Muitos pesquisadores optam por transcrever as gravações, transformando o texto audiovisual em texto escrito para analisá-lo segundo os pressupostos utilizados na análise desse tipo de material.
Tal procedimento provoca perda de qualidade e pode ser considerado um mau uso do potencial de um material videogravado. Transcrever falas é possível, porém, por mais que se tente descrever com detalhes gestos, olhares e entonações da voz, cadências etc., imagens dificilmente podem ser transpostas para a linguagem escrita resguardando a devida precisão. Para Diana Rose (2008), o processo de transformação do material audiovisual em texto escrito é uma translação, e normalmente toma a forma de uma simplificação. Segundo a autora,
todo passo no processo de análise de materiais audiovisuais envolve transladar. E cada translado implica decisões e escolhas. Existirão sempre alternativas viáveis às escolhas concretas feitas, e o que é deixado fora é tão importante quanto o que está presente. (p. 343)
Mesmo que todos os aspectos da imagem em movimento, aliada ao som (que compõe o vídeo) - como entonação, cadência e timbre da fala dos atores, som ambiente, tipo de tomada, ângulos, características físicas dos sujeitos, postura, gestos, vestimentas, detalhes do cenário/ambiente filmado etc. - pudessem ser descritos minuciosamente, teríamos como resultado um verdadeiro tratado escrito sobre alguns minutos de videogravação e, ainda assim, muitos aspectos deixariam de ser considerados. Vale lembrar que, de um modo geral, cada minuto de gravação pode corresponder a várias laudas de texto escrito. Se considerarmos que é possível termos, ao final de um trabalho de campo, dezenas de horas de gravação, é possível imaginar o volume de laudas necessário para transladar tudo isso, assim como sua total ineficiência.
Honorato et al. (2006) ressaltam a redução e o consequente empobrecimento da transcrição em relação à imagem gravada. As autoras citam Maria Isaura de Queiroz, para quem o pesquisador torna-se novamente um intermediário ao transcrever os dados que já foram por ele recortados no momento da filmagem e, portanto, reduzi-los (QUEIROZ apud HONORATO et al., 2006). Assim, se no que diz respeito à análise de material empírico a opção do pesquisador é trabalhar com material escrito, é melhor que ele produza registros manuscritos das observações de campo e, caso realize entrevistas ou coleta de depoimentos, que o faça por meio de audiogravações e não de videogravações.
Pelas razões apontadas, optamos por realizar análise do material empírico mantendo-o no mesmo formato em que foi gerado, isto é, em vídeo. Optamos pela análise de conteúdo (AC), mas há muitas outras possibilidades de análise a serem adotadas nesse contexto. A AC é uma metodologia "que utiliza um conjunto de procedimentos para produzir inferências válidas de um texto. Essas inferências são sobre emissores, a própria mensagem ou a audiência da mensagem" (WEBER, 1985 apud BAUER, 2008, p. 192). Nesse caso, os vídeos são textos.
De acordo com Martin Bauer (2008), "procedimentos de AC reconstroem representações em duas dimensões principais: sintática e semântica" (p. 192). A sintaxe permite descrever como algo é dito ou escrito, a frequência do uso de determinadas expressões, termos ou palavras, sua ordenação na frase e/ou no enunciado como um todo. O foco dos procedimentos ligados à dimensão semântica é "a relação entre os sinais e seu sentido normal - sentidos denotativos e conotativos em um texto" (p. 193). A AC é um procedimento sistemático e estruturado de análise que implica a fragmentação do texto em unidades de análise, a codificação dessas unidades, assim como sua descrição e interpretação, a serem realizadas pelo pesquisador de acordo com seu o objeto/problema de pesquisa e com o referencial teórico em que se apoia. Essa metodologia é tradicionalmente adotada na análise de materiais escritos, mas produz resultados bastante satisfatórios quando aplicada a materiais audiovisuais.
A nosso ver, a análise de videogravações produzidas em contextos de investigação científica exige, obrigatoriamente, o uso de programas de computador; em nosso caso, optamos pela utilização do programa ATLAS.ti2 pelo fato de ele permitir a integração de documentos em diferentes formatos - texto, imagem, gráfico, áudio e vídeo - no mesmo ambiente operacional. A título de exemplificação, apresentamos e discutimos, a seguir, alguns procedimentos adotados no processo de análise de videogravações, alertando que se trata de uma possibilidade entre muitas a serem adotadas nesse sentido.
O primeiro passo para análise de material videogravado utilizando computador é transferir para ele os vídeos gravados em fitas ou na memória digital da câmera. Isso pode ser feito conectando a câmera diretamente ao computador ou, no caso do uso de fitas mini-DV, lançando mão de um deck de edição3 e de um programa de edição de imagem4. A conversão do conteúdo de fitas mini-DV para a memória do computador é muito simples, mas demanda tempo, uma vez que se dá em tempo real. Entretanto, problemas desse tipo estão praticamente solucionados, já que as câmeras atuais dispõem de dispositivos de memória incorporados, dispensando o uso de fitas; basta, portanto, conectá-las ao computador (ou em um disco rígido externo, conectado a este) para efetuar a transferência dos dados de forma rápida, semelhante ao procedimento adotado para a conversão de fotografias de câmeras digitais.
Feita a conversão para a memória do computador, o conteúdo das videogravações precisa ser inserido no ambiente operacional do programa. O ATLAS.ti é um deles, mas há outros. É importante que todos os arquivos de vídeo estejam organizados em um único local - um mesmo DVD ou pendrive, por exemplo, ou uma mesma pasta, no computador ou em HD externo - antes de serem transferidos para o banco de dados do programa.
O princípio norteador desse tipo de análise é semelhante ao adotado na análise e interpretação de conteúdo de material escrito - fragmentação do texto e recomposição dos fragmentos a partir de critérios e/ou categorias eleitas pelo pesquisador, de acordo com seus objetivos de pesquisa e seu referencial teórico. O primeiro procedimento a ser utilizado em uma análise desse tipo é a fragmentação das imagens videogradas em unidades de análise - o menor fragmento de imagem que faça sentido para o pesquisador. Não é possível especificar, de antemão, o tempo considerado adequado para a definição de uma unidade de análise; pode ser menos de um minuto (se as imagens contidas ali fizerem sentido para quem analisa), ou podem ser alguns minutos (mas é importante lembrar que, em linguagem audiovisual, poucos segundos de imagem podem conter muitos elementos a serem analisados). O programa possibilita essa fragmentação: abre uma pequena janela onde o vídeo é exibido em sua totalidade, permitindo que o pesquisador selecione o início e o fim das cenas que serão recortadas em forma de citações.
Vale lembrar que as câmeras digitais possuem codificações de tempo que, em caso de um grande número de horas de gravação, poderão ser utilizadas para fazer pré-seleções do material que será analisado. Ou seja, tomadas consideradas desnecessárias ou de má qualidade poderão ser excluídas em uma primeira edição do material5, para que venha a ser inserido no banco de dados do programa apenas o que será efetivamente objeto de análise.
Ao longo da análise, os pequenos fragmentos de vídeo deverão ser reorganizados e codificados, isto é, associados a categorias, palavras-chave, conceitos ou mesmo a um código neutro, como letras ou números, de modo a permitir a produção de relatórios nos quais se pode visualizar o conjunto da análise. É difícil definir unidades de análise a priori; por isso, é necessário ir quebrando, gradativa e criteriosamente, todas as cenas gravadas e, ao mesmo tempo, ir organizando-as, catalogando-as e associando-as a categorias.
Outra especificidade importante da análise de material audiovisual diz respeito aos registros e anotações acerca das citações (fragmentos de imagens). O que pode ser considerado um complemento na análise de conteúdo de textos escritos adquire papel crucial na análise de textos audiovisuais: todo o acervo precisa ter fichas de identificação, lembretes, registros de datas, locais e circunstâncias em que o material foi produzido. Quando realizamos a análise de textos escritos, selecionamos fragmentos, organizando-os em categorias, e imprimimos um relatório com os resultados desses procedimentos, podemos visualizar todas as unidades de análise selecionadas que foram associadas a categorias, sejam elas palavras, frases ou fragmentos do texto.
Na análise de vídeo, as unidades de análise não ficam visíveis ao analista durante todo o tempo, pois são representadas por seus time codes, isto é, o código relativo à sua localização dentro do tempo de duração do vídeo6. Após as cenas serem recortadas do conjunto (fragmentadas em unidades de análise) e durante os procedimentos de análise, temos acesso apenas ao código de tempo, que é muito importante para localizar exatamente a cena dentro do arquivo global, mas não podemos visualizá-la. Por isso, é absolutamente necessário fazermos lembretes curtos, dentro do próprio programa, acerca do conteúdo das cenas, pois, ao imprimirmos o relatório de análise parcial, teremos apenas uma dada quantidade de códigos de tempo associados a categorias e/ou conceitos. A saída é, portanto, registrar no campo destinado a anotações, palavras-chave ou mini descrições que façam referência a cada fragmento, como pode ser observado no exemplo a seguir:
P 8: Oficina 5.avi - 8:127 [Oficina 5.avi] (45759 [2502]) (Super)
Codes: [regras de jogos8 - Family: Níveis de desenvolvimento segundo Piaget]
memos - Arthur e Matheus jogando par ou ímpar. Matheus pede para ir de novo. Os dois pedem par. Matheus aceita ser ímpar. Arthur faz impar-par e ganha. Matheus diz que ganhou e pede para jogar de novo, decidindo quem vai ser o personagem na dramatização
P 9: Oficina 7.avi - 9:6 [Oficina 7.avi] (30358 [560]) (Super)
Codes: [regras de jogos - Family: Níveis de desenvolvimento segundo Piaget]
memos - Daniel e Breno jogando par ou ímpar. Daniel - o ímpar ganha.
P 9: Oficina 7.avi - 9:7 [Oficina 7.avi] (32286 [236]) (Super)
Codes: [regras de jogos - Family: Níveis de desenvolvimento segundo Piaget9]
No memos
Comment: "Eu ganhei porque eu gosto de jogar esse jogo".
Programas para análise de dados que possibilitam a integração de diferentes tipos de documentos permitem que as citações (fragmentos) sejam revistas quantas vezes se quiser. O pesquisador pode escolher visualizar, por exemplo, as citações associadas a determinada categoria, uma de cada vez, mas não é possível visualizar todas ao mesmo tempo, tendo uma ideia de conjunto. Nesse caso, os relatórios auxiliam, desde que enriquecidos com comentários do pesquisador e/ou palavras de referência.
O processo de codificação dos dados e a construção de categorias na análise de conteúdo de material videogravado, com uso de programas de computador, é semelhante ao adotado em análises sem uso de computador: o pesquisador visualiza cada uma das cenas previamente decupadas10 e codificadas (unidades de análise), e vai associando-as a categorias, conceitos-chave e/ou eixos temáticos (dependendo da filiação teórico-metodológica) definidos por ele, levando em conta a(s) pergunta(s) norteadora(s) da pesquisa. Desse modo, diversas unidades de análise serão agrupadas sob uma mesma designação (a isso chamamos codificação). Esse procedimento é repetido até que todas as cenas consideradas relevantes estejam codificadas, compondo diferentes conjuntos analíticos.
Numa etapa seguinte, será possível construir, com esses conjuntos, mapas e/ou quadros analíticos minuciosos, a partir dos quais poderá vir a ser realizada a descrição/interpretação global do material empírico, em diálogo com o referencial teórico.
A diferença fundamental no uso de programas de computador está na possibilidade de as citações (cenas decupadas / unidades de análise) e suas respectivas codificações compartilharem o mesmo ambiente operacional, ao mesmo tempo. Isso oferece ao pesquisador a possibilidade de visualizar o material categorizado quantas vezes achar necessário e reavaliar a adequação das categorizações que ele produziu. Desse modo, pode criar novas categorias e/ou excluir, substituir, fundir, modificar, associar as já existentes, além de remanejar as citações. Do nosso ponto de vista, o uso de um programa adequado pode conferir maior agilidade, flexibilidade e transparência ao processo de análise.
Considerações finais
Buscamos, neste texto, apresentar resultados da discussão que vimos fazendo no interior de nossos grupos de pesquisa sobre o uso de videogravações como recurso para a produção de dados empíricos em pesquisas qualitativas, no intuito de contribuir com o debate acerca da necessária articulação entre objeto e método em procedimentos investigativos. Acreditamos que o uso desse recurso não se faz em substituição à presença do pesquisador no campo, nem com o intuito de produzir evidências do real. Imagens produzidas em situação de pesquisa têm as mesmas marcas de subjetividade que registros manuscritos, embora possam, eventualmente, trazer mais elementos do contexto observado. Seu uso é, acima de tudo, uma decisão teórico-metodológica que precisa estar estreitamente associada ao objeto e aos objetivos de pesquisa, exigindo fundamentação e justificativa adequadas.
No intuito de refletir sobre o processo e também de oferecer, tanto quanto possível, um caminho das pedras para aqueles que desejam trabalhar desse modo, discutimos vantagens e desvantagens de lançar mão de tal recurso, assim como possíveis problemas que podem vir a ocorrer ao longo do trabalho de campo.
Salientamos que, a nosso ver, o mérito maior da videogravação está na possibilidade de realizar um registro e uma codificação de dados minuciosos produzidos por mais de um observador, buscando maiores confiabilidade, fidedignidade e riqueza na produção e na análise de material empírico, sobretudo em pesquisas que lidam com questões e temáticas difíceis de serem apreendidas empiricamente.
Ressaltamos também que a videogravação não deve ser transcrita, pois dessa forma perde grande parte de seu potencial e de sua riqueza. Há, hoje em dia, recursos tecnológicos - como os oferecidos pelo ATLAS.ti - que permitem uma codificação direta do material gravado, ainda que com limitações operacionais, o que torna possível buscar no vídeo aquilo que ele pode oferecer de melhor para a pesquisa, sem transformá-lo em outro tipo de dado (escrito).
Recebido em 07.09.10
Aprovado em 12.12.10
Andrea Garcez é doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e membro do Grupo de Pesquisa em Educação e Mídia.
Rosalia Duarte é professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, coordenadora do Grupo de Pesquisa em Educação e Mídia e pesquisadora 1D do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). E-mail: rosalia@puc-rio.br.
Zena Eisenberg é professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e coordenadora do Grupo de Estudos Desenvolvimento Humano e Educação. E-mail: zwe@puc-rio.br.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
22 Ago 2011 -
Data do Fascículo
Ago 2011
Histórico
-
Recebido
07 Set 2010 -
Aceito
12 Dez 2010