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Normatização dos equipamentos e técnicas de exames para realização de procedimentos em cardiologia nuclear: controle de qualidade e desempenho da instrumentação

NORMATIZAÇÃO DOS EQUIPAMENTOS E TÉCNICAS DE EXAMES

Normatização dos equipamentos e técnicas de exames para realização de procedimentos em cardiologia nuclear

CONTROLE DE QUALIDADE E DESEMPENHO DA INSTRUMENTAÇÃO

Equipamentos de Medicina Nuclear

O instrumento padrão para obtenção de imagens estáticas e dinâmicas em Medicina Nuclear é a Câmara de Cintilação de Anger, lançada comercialmente em 19641 e conhecida mundialmente como gama-câmara. Ao longo dos anos, modificações introduzidas neste equipamento aumentaram, drasticamente, seus parâmetros de desempenho campo de visão, uniformidade, sensibilidade, resolução espacial, resolução energética 1 -, além de favorecer a estabilidade mecânica e eletrônica dos sistemas, com calibrações cada vez mais automatizadas e duradouras. A melhora da qualidade dos detectores de aquisição, com cristais cada vez mais adaptados às suas funções, tem ocorrido em paralelo ao desenvolvimento de equipamentos com dois ou três detectores, objetivando aumento da sensibilidade dos sistemas, além de permitir o uso de colimadores cada vez mais específicos em termos energéticos e de resolução espacial do equipamento, e de diminuir o tempo de aquisição das imagens tomográficas.

O conjunto detector das câmaras de cintilação é formado por colimador, cristal cintilador e tubos fotomultiplicadores, ligados ao sistema eletrônico associado, onde os resultados são registrados 1.

O cristal de iodeto de sódio, ativado com partículas de tálio, recebe o feixe incidente de radiação direcionado pelo colimador, emitindo luz - cintilação do cristal – proporcional à energia da radiação incidente, que é convertida em sinal elétrico pelas fotomultiplicadoras. Este sinal é enviado, então, ao sistema eletrônico associado, para determinar contagens por área e pontos luminosos, que são detectados nos eixos x e y para formação das imagens cintilográficas.

Os colimadores funcionam como filtros direcionadores da radiação incidente, de forma que a mesma chegue ortogonalmente à superfície do cristal. São construídos com materiais de blindagem – ricos em chumbo – que deixam orifícios de forma e diâmetro definidos para cada tipo de colimador, separados por paredes (septos) que permitem orientar os feixes incidentes de radiação até o cristal detector. Colimadores de alta resolução possuem orifícios menores e septos de maior blindagem que os de alta sensibilidade. Nestes, os orifícios são maiores, na sua maioria com septos paralelos, permitindo detecções mais amplas pelo cristal e mais contagens pelo sistema eletrônico associado, porém com menor discriminação das imagens em relação aos colimadores de alta resolução. Colimadores com septos angulados divergentes a partir dos cristais, usados para aumentar o campo de visão dos mesmos, têm perdido sua aplicabilidade, já que os equipamentos atuais possuem grandes cristais e amplo campo de visão, que permitem colocar os órgãos de interesse dos pacientes totalmente dentro da área de detecção do equipamento.

As imagens cintilográficas detectadas pelo cristal e enviadas ao sistema eletrônico associado são digitalizadas e armazenadas em diferentes mídias, podendo ser impressas tanto em papel quanto em filme radiológico.

O desenvolvimento da informática2 tem possibilitado melhora no processamento das imagens cintilográficas, com programas de alta sofisticação e cada vez mais interativos com o operador, o que traz melhor qualidade das informações e possibilita mais quantificações. Deve-se ressaltar, entretanto, a necessidade de controle de qualidade das informações obtidas, com o uso de bancos de dados consistentes que permitam reprodutibilidade dos resultados, evitando perda da especificidade do estudo e diminuindo a variabilidade de interpretação inter-observadores. Durante muitos anos, as câmaras de cintilação captaram imagens nos eixos x e y, mantendo o detector orientado e fixo em posições definidas, não obtendo imagens enquanto se movimentava. Surge daí a denominação de imagens planas: de um plano e numa posição específica. Atualmente, as câmaras de cintilação possuem a capacidade de adquirir imagens enquanto se movimentam, armazenando esses dados na memória de seus computadores. Tais imagens, que podem ser reconstruídas após serem processadas, permitem análises em diferentes planos e cortes, o que é definido como técnica tomográfica de imagem por utilização de fótons únicos incidentes (Single Photon Emission Computed Tomography – SPECT)2. Diferentes eixos e planos podem ser estudados pela técnica tomográfica, destacando-se, na análise cardíaca, os eixos longitudinal ou longo e transversal ou curto. Os planos longos horizontais permitem avaliar diferentes cortes do coração entre a região anterior e a inferior. Os planos longos verticais possibilitam análise de cortes cardíacos entre o septo interventricular e a parede lateral do ventrículo esquerdo. Os planos curtos, entre o ápice e a base do coração, determinam cortes perpendiculares aos planos longitudinais para análise do órgão. A superposição das imagens obtidas nos eixos curtos (planos transversais), com as apicais no centro e as basais cada vez mais periféricas, formam a imagem do mapa polar, mais conhecidas como diagrama "bull's eye". A reconstrução desses diferentes eixos e planos permite imagens tridimensionais do coração, extremamente úteis para análise visual, mas muito influenciadas por captações extracardíacas adjacentes ao órgão, tais como a do intestino e a hepática. O controle de qualidade exige que se separe o coração dessas imagens não-cardíacas, evitando-se artefatos de imagens e quantificações errôneas.

O conjunto detector e o sistema eletrônico associado, trabalhando em perfeita sincronia, permitem imagens e contagens otimizadas, daí os procedimentos de Controle de Qualidade serem fundamentais, tanto em relação aos tipos de testes quanto à sua freqüência de realização 3.

Procedimentos gerais para o controle de qualidade

Para que os equipamentos funcionem de forma adequada, níveis mínimos de Controles de Qualidade (CQ) são indispensáveis, de forma a evitar que os resultados obtidos após aquisição das imagens sejam influenciados por alterações existentes nos equipamentos ou por interferências ambientais3. Apesar de variar em função do fabricante, os testes de CQ são fundamentais para detectar, tanto influências devidas ao ambiente, quanto calibrações inadequadas dos equipamentos, além de apontar erros em componentes específicos.

Os requisitos mínimos definidos pela Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) 4 em relação aos testes de Instrumentação de Medicina Nuclear definem para a câmara de cintilação, obrigatoriamente, os testes listados na tabela I com suas respectivas freqüências.

Tanto as câmaras de cintilação planas quanto as tomográficas necessitam avaliações diárias que variam da simples inspeção direta do equipamento – para verificação de cabos, colimadores e defeitos mecânicos — até a avaliação dos fotopicos para cada radionuclídeo utilizado e medida dos níveis ambientais anormais de radiação, que podem mostrar pontos hipercaptantes ("quentes") nas imagens, passíveis de falsear resultados na aquisição de imagens dos pacientes3.

Testes diários de uniformidade de campo, obtidos com fantomas, detectam e evitam graves deteriorações das imagens cintilográficas antes mesmo de se tornarem visíveis nas aquisições rotineiras. A uniformidade do campo deve ser verificada tanto sem uso do colimador (intrínseca) quanto com a utilização do mesmo (extrínseca ou do sistema) 5.

Ajustes e calibrações impróprias também podem interferir no desempenho dos equipamentos, principalmente na resolução dos mesmos, distorcendo imagens e criando artefatos. Outro fator com grande influência na qualidade das imagens é a calibração energética do sistema, com a necessidade de definição das janelas apropriadas de energia para cada radionuclídeo utilizado, que correspondem a um ou mais picos de energia do radionuclídeo em uso e afetam tanto a uniformidade quanto a resolução dos equipamentos, mas que podem deixar de ser identificados na avaliação exclusiva de uniformidade 3.

Procedimentos para controle de qualidade nos equipamentos com aquisição por técnica tomográfica (SPECT)

As câmaras de cintilação SPECT são mais sensíveis às variações de calibração, pois, além de terem suas imagens influenciadas pela unidade de aquisição dos equipamentos, também são diretamente afetadas pelo processo de reconstrução das imagens e pelo movimento do equipamento durante a obtenção das mesmas. É possível que uma câmara de cintilação que funcione muito bem como instrumento plano possa produzir artefatos nas imagens SPECT 6, daí a necessidade de testes específicos para esses sistemas, como o Centro de Rotação, a Avaliação dos Filtros de Retroprojeção (na qualidade das imagens adquiridas) e os Mapas de Correção Energética.

Correção da uniformidade de campo com fantomas de alta contagem

Um dos mais freqüentes e mais graves artefatos de reconstrução é o do anel concêntrico conhecido como bull's-eye, com variações na sensibilidade regional das imagens projetadas3, causadas por defeitos da linearidade espacial e da resposta energética, além de defeitos nos septos dos colimadores, exigindo avaliação da uniformidade de campo do sistema com e sem colimadores acoplados. A comparação entre os testes de uniformidade durante e após a aquisição deve ser feita em procedimentos com alta taxa de contagem, admitindo-se até 1% de variação entre as duas aquisições 3,5. Os diversos colimadores usados para SPECT devem ser avaliados individualmente. Dois tipos de fantomas podem ser usados para avaliação e correção da uniformidade de campo, os de cobalto-57 (sólidos, leves e com meia-vida longa) e os de tecnécio-99m (baratos, perenes e líquidos, que inclusive podem ser preenchidos com diferentes radionuclídeos)7,8.

Uma das maneiras para a redução de artefatos de uniformidade é a utilização de órbitas elípticas, que diminuem os artefatos do anel central em até 20 vezes, aumentando ainda a resolução espacial das reconstruções, pela maior proximidade entre o paciente e o detector5. A presença de múltiplos detectores diminui a influência das alterações de uniformidade de campo, pois os defeitos eventuais de cada detector seriam atenuados por estarem em locais distintos das imagens obtidas pelo equipamento.

Tabelas de correção energética - Existe uma relação entre a energia do fotopico e a linearidade de resposta do cristal do detector de cintilação, que deve ser observada para se obter a melhor uniformidade de campo.

Muitas câmaras de cintilação atuais já possuem programas para correção automática das variações energéticas e da linearidade do cristal, que devem ser utilizados, dependendo da estabilidade de sistema3. Se não existirem esses recursos, por sua vez, essa correlação deve ser otimizada nas manutenções periódicas dos equipamentos.

Centro de rotação - O eixo de rotação mecânica do equipamento deve coincidir com o eixo físico, ou seja, aquele que o programa de processamento assume para reconstrução de imagens, evitando distorções nos cortes tomográficos, presença de artefatos e perda de resolução espacial das imagens9. O peso dos colimadores, os raios de rotação dos detectores e o próprio movimento de giro dos mesmos podem influenciar a qualidade das imagens. Análises periódicas do alinhamento do sistema são necessárias para compensar eventuais defeitos do piso3, que podem ocorrer e que devem ser corrigidos. O teste para análise do Centro de Rotação dos Equipamentos SPECT é indispensável para o bom desempenho destes equipamentos.

REFERÊNCIAS

1. Graham LS, Levin GS, Muehllehner. Anger Scintillation Camera. In: Sandler MP, Coleman RE, Patton JA, Wackers FJT, Gottschalk A. Diagnostic Nuclear Medicine. 4ª ed. Lippincott: Williams & Wilkins. 2003. P.31-42.

2. Patton JA, Budinger TF. Single Photon Emission Computed Tomography. In: Sandler MP, Coleman RE, Patton JA, Wackers FJT, Gottschalk A. Diagnostic Nuclear Medicine. 4ª ed. Lippincott: Williams & Wilkins. 2003: 43-59.

3. Australian and New Zealand Society of Nuclear Medicine – ANZSNM – Standards for Accreditation of Nuclear Medicine Practices – Minimum Quality Control Requirements for Nuclear Medicine Equipment – version 5.7 – November 1999:1-20.

4. Comissão Nacional de Energia Nuclear – CNEN – NN 3.05 – Requisitos de Radioproteção e Segurança para Serviços de Medicina Nuclear – D.O.U. 19/04/1996.

5. Groch, WG, Erwin WD. Single-Photon Emission Computed Tomography in the Year 2001: Instrumentation and Quality Control. J Nucl Med Tech 2001; 29: 9-15.

6. Murphy PH. Acceptance testing and quality control of gamma cameras, including SPECT. J Nucl Med 1987; 28: 1221-27.

7. Rogers WL, Clinthorne NH, Harkness BA, et al. Field-flood requirements for emission computed tomography with anger camera. J Nucl Med 1982; 23:162-68.

8. Oppenheim BW, Appledorn CR. Uniformity correction for SPECT using a mapped Cobalt-57 sheet source. J Nucl Med 1985; 26:409-15.

9. Prowsner RA, Prowsner ER. Quality Control. In: Essentials of Nuclear Medicine Physics. Malden MA: Blackwell Science; 1998. p.148-163.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Dez 2006
  • Data do Fascículo
    Abr 2006
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