Declaração de potencial conflito de interesses dos autores/colaboradores das II Diretrizes Brasileiras de Fibrilação Atrial da Sociedade Brasileira de Cardiologia Se nos últimos 3 anos o autor/colaborador das Diretrizes:
1. Introdução
1.1. Necessidade de atualização
Atualmente, existe uma enorme quantidade de evidências científicas sobre um determinado assunto, com o objetivo de auxiliar os médicos na escolha da melhor abordagem do paciente na prática clínica diária. As diretrizes resumem e avaliam todas essas evidências, e a Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) periodicamente emite esse tipo de documento, com foco em várias afecções cardiovasculares.
Desde 2009, quando a SBC divulgou as Diretrizes Brasileiras de Fibrilação Atrial11 Zimerman LI, Fenelon G, Martinelli Filho M, Grupi C, Atié J, Lorga Filho A, et al; Sociedade Brasileira de Cardiologia. Diretrizes brasileiras de fibrilação atrial. Arq Bras Cardiol. 2009;92(6 supl 1):1-39. foram publicados vários estudos importantes sobre o tema, notadamente com respeito aos Novos Anticoagulantes Orais (NACO)22 Wolf PA, Abbott RD, Kannel WD. Atrial fibrillation as an independent risk factor for stroke: the Framingham Study. Stroke. 1991;22(8):983-8.
3 Watson T, Shantsila E, Lip GY. Mechanisms of thrombogenesis in atrial fibrillation: Virchow's triad revisited. Lancet. 2009;373(9658):155-66.
4 Al-Saady NM, Obel OA, Camm AJ. Left atrial appendage: structure, function, and role in thromboembolism. Heart. 1999;82(5):547-55.
5 Di Biase L, Santangeli P, Anselmino M, Mohanty P, Salvetti I, Gili S, et al. Does the left atrial appendage morphology correlate with the risk of stroke in patients with atrial fibrillation? Results from a multicenter study. J Am Coll Cardiol. 2012;60(6):531-8.-66 Agmon Y, Khandheria BK, Gentile F, Seward JB. Clinical and echocardiographic characteristics of patients with left atrial thrombus and sinus rhythm: experience in 20 643 consecutive transesophageal echocardiographic examinations. Circulation. 2002;105(1):27-31. e pelo menos três desses medicamentos (dabigatrana, rivaroxabana e apixabana) encontram-se atualmente aprovados para uso clínico no Brasil.
Além do tratamento farmacológico, novos dados relacionados com o tratamento não farmacológico [notadamente a ablação com radiofrequência (RF)] permitiram ampliar a indicação para o uso dessa modalidade terapêutica. O papel da ablação continua evoluindo rapidamente, com melhora na eficácia e segurança do procedimento. Esse avanço resultou em aumento nas evidências de que, em algumas situações, a ablação pode ser considerada superior ao tratamento farmacológico,77 Davies MJ, Pomerance A. Pathology of atrial fibrillation in man. Br Heart J. 1972;34(5):520-5.
8 Choudhury A, Lip GY. Atrial fibrillation and the hypercoagulable state: from basic science to clinical practice. Pathophysiol Haemost Thromb. 2003;33(5-6):282-9.
9 Willougby SR, Roberts-Thomson RL, Lim HS, Schulz C, Prabhu A, De Sciscio P, et al. Atrial platelet reactivity in patients with atrial fibrillation. Heart Rhythm. 2010;7(9):1178-83.
10 Risk factors for stroke and efficacy of antithrombotic therapy in atrial fibrillation: analysis of pooled data from five randomized controlled trials. Arch Intern Med. 1994;154(13):1449-57.-1111 Stroke Prevention in Atrial Fibrillation Investigators. Risk factors for thromboembolism during aspirin therapy in patients with atrial fibrillation: the stroke prevention in atrial fibrillation study. J Cerebrovasc Dis. 1995;5:147-57. fazendo com que o papel dessa modalidade terapêutica deva ser revisto.
Todas essas novidades trouxeram grande impacto na clínica cardiológica, tornando necessária uma atualização. Assim, a SBC e a Sociedade Brasileira de Arritmias Cardíacas (SOBRAC) optaram por incluir as novas evidências e tratamentos para essa importante arritmia, que afeta um grande número de pessoas e faz parte do dia a dia de todos os cardiologistas.
2. Mudanças epidemiológicas da fibrilação atrial nas últimas décadas
Nas últimas duas décadas, a Fibrilação Atrial (FA) tornou-se um importante problema de saúde pública, com grande consumo de recursos em saúde. Apresenta importante repercussão na qualidade de vida, em especial devido a suas consequências clínicas, fenômenos tromboembólicos e alterações cognitivas. Nos Estados Unidos, estima-se que sua prevalência será de 15,9 milhões em 2050, com metade desses pacientes apresentando idade superior a 80 anos. 1212 Patel NJ, Deshmukh A, Pant S, Singh V, Patel N, Arora S, et al. Contemporary trends of hospitalization for atrial fibrillation in the United States, 2000 through 2010: implications for healthcare planning. Circulation . 2014;129(23):2371-9. Dessa forma, é crucial uma visão epidemiológica e social clara do impacto dessa arritmia, com o objetivo de uso adequado de recursos em saúde e planejamento estratégico de políticas em saúde.
A FA é a arritmia sustentada mais frequente na prática clínica, e sua prevalência na população geral foi estimada entre 0,5 e 1%. Estudos mais recentes, entretanto, demonstram que a prevalência é quase o dobro da observada na década passada, variando de 1,9%, na Itália, a 2,9%, na Suécia. 1313 Zoni-Berisso M, Lercari F, Carazza T, Domenicucci S. Epidemiology of atrial fibrillation: European perspective. Clin Epidemiol. 2014;6:213-20. Além disso, possivelmente esses números ainda estão subestimados, uma vez que muitos casos (10 a 25%) não provocam sintomas.
Estudos americanos com pessoas acima de 65 anos demonstram um aumento na prevalência de FA em 0,3% ao ano e crescimento absoluto de 4,5%, no período de 1993 a 2007, possivelmente associado ao aumento na idade. A figura 1 demonstra com clareza a relação da idade com a FA, sendo que, em pacientes com menos de 60 anos, a prevalência é inferior a 0,1%, ao passo que, naqueles acima de 80 anos, sua prevalência é de 8%. 11 Zimerman LI, Fenelon G, Martinelli Filho M, Grupi C, Atié J, Lorga Filho A, et al; Sociedade Brasileira de Cardiologia. Diretrizes brasileiras de fibrilação atrial. Arq Bras Cardiol. 2009;92(6 supl 1):1-39.
Além do envelhecimento populacional, outros potenciais fatores podem ser levantados para explicar o incremento na prevalência de FA. Um deles é a maior habilidade de tratamento de doenças cardíacas crônicas, contribuindo para um número maior de indivíduos suscetíveis a FA. A melhoria nos recursos de investigação, com o uso de ferramentas para monitorização prolongada na prática clínica, também pode ser levantada como um fator contribuinte ao aumento da prevalência, uma vez que pacientes portadores de FA sintomática podem ter a sua arritmia documentada.
A prevalência também sofre influência do sexo. A razão homem-mulher observada na FA é de aproximadamente 1.2:1. Apesar da maior predisposição no sexo masculino, as mulheres representam maior massa de pacientes com FA, devido à sua maior sobrevida. Além disso, é conhecida a maior susceptibilidade a fenômenos tromboembólicos e a mortalidade observada no sexo feminino. 1414 Renoux C, Patenaude V, Suissa S. Incidence, mortality, and sex differences of non-valvular atrial fibrillation: a population-based study. J Am Heart Assoc. 2014;3(6):e001402.,1515 Michelena HI, Powell BD, Brady PA, Friedman PA, Ezekowitz MD. Gender in atrial fibrillation: ten years later. Gend Med. 2010;7(3):206-17.
Finalmente, em relação à classificação, a forma de apresentação permanente é a mais frequente, de acordo com estudos clínicos observacionais, ocorrendo em aproximadamente 40 a 50% dos pacientes,1616 Zoni-Berisso M, Filippi A, Landolina M, Brignoli O, D'Ambrosio G, Maglia G, et al. Frequency, patient characteristics, treatment strategies, and resource usage of atrial fibrillation [From the Italian Survey of Atrial Fibrillation Management (ISAF) Study]. Am J Cardiol. 2013;111(5):705-11. seguida pelas formas paroxísticas e persistentes.
2.1. Fatores clínicos predisponentes
A FA ocorre quando anormalidades eletrofisiológicas alteram o tecido atrial e promovem formação/propagação anormal do impulso elétrico. Muitos fatores de risco clínicos estão associados ao aumento no risco de FA e, possivelmente, participam da elevação na prevalência observada nas últimas décadas. Além dos fatores de risco clássicos [hipertensão, diabetes, doença valvar, infarto do miocárdio e insuficiência cardíaca (IC)],1717 Benjamin EJ, Levy D, Vaziri SM, D'Agostino RB, Belanger AJ, Wolf PA. Independent risk factors for atrial fibrillation in a population-based cohort. The Framingham Heart Study. JAMA. 1994;271(11):840-4.,1818 Wang TJ, Larson MG, Levy D, Vasan RS, Leip EP, Wolf PA, et al. Temporal relations of atrial fibrillation and congestive heart failure and their joint influence on mortality: the Framingham Heart Study. Circulation . 2003;107(23):2920-5. podemos observar novos fatores de risco potenciais, que podem ocasionar grandes implicações no manejo clínico da FA. Dentre eles, destacam-se a presença de Apneia Obstrutiva do Sono (AOS),1919 Gami AS, Hodge DO, Herges RM, Olson EJ, Nykodym J, Kara T, et al. Obstructive sleep apnea, obesity, and the risk of incident atrial fibrillation. J Am Coll Cardiol . 2007;49(5):565-71. obesidade,2020 Frost L, Hune LJ, Vestergaard P. Overweight and obesity as risk factors for atrial fibrillation or flutter: the Danish Diet, Cancer, and Health Study. Am J Med. 2005;118(5):489-95. uso de bebidas alcoólicas,2121 Conen D, Tedrow UB, Cook NR, Moorthy MV, Buring JE, Albert CM. Alcohol consumption and risk of incident atrial fibrillation in women. JAMA. 2008;300(21):2489-96. exercício físico,2222 Frost L, Frost P, Vestergaard P. Work related physical activity and risk of a hospital discharge diagnosis of atrial fibrillation or flutter: the Danish Diet, Cancer, and Health Study. Occup Environ Med. 2005;62(1):49-53. história familiar e fatores genéticos,2323 Lubitz SA, Yin X, Fontes JD, Magnani JW, Rienstra M, Pai M, et al. Association between familial atrial fibrillation and risk of new-onset atrial fibrillation. JAMA. 2010;304(20):2263-9.,2424 Ellinor PT, Lunetta KL, Albert CM, Glaser NL, Ritchie MD, Smith AV, et al. Meta-analysis identifies six new susceptibility loci for atrial fibrillation. Nat Genet. 2012;44(6):670-5. mas, na prática clínica, a influência da obesidade e da AOS parece impactar significativamente na abordagem terapêutica dos pacientes portadores de FA.
A AOS é caracterizada pela obstrução, completa ou parcial, recorrente das vias aérea superiores durante o sono, resultando em períodos de apneia, dessaturação de oxiemoglobina, e em despertares noturnos frequentes. Os mecanismos relacionados a anormalidade do sono e o dano cardiovascular possivelmente são inúmeros. No entanto, três fatores principais merecem destaque: hipóxia intermitente, despertares frequentes e alterações na pressão intratorácica. Essas alterações acabam por desencadear hiperatividade do sistema nervoso simpático, disfunção endotelial e inflamação,2525 McCord JM. Oxygen-derived free radicals in postischemic tissue injury. N Engl J Med. 1985;312(3):159-63.,2626 Findley LJ, Boykin M, Fallon T, Belardinelli L. Plasma adenosine and hypoxemia in patients with sleep apnea. J Appl Physiol. 1988;64(2):556-61. culminando com o aparecimento de várias comorbidades cardiovasculares - dentre elas, a FA.
Em estudo prospectivo com pacientes referidos para a cardioversão elétrica de FA/flutter atrial, observaram-se 82% de recorrência nos pacientes com AOS sem tratamento ou com tratamento inadequado e 42% de recorrência nos pacientes tratados.2727 Kanagala R, Murali NS, Friedman PA, Ammash NM, Gersh BJ, Ballman KV, et al. Obstructive sleep apnea and recurrence of atrial fibrillation. Circulation . 2003;107(20):2589-94 Além disso, no grupo de pacientes não tratados, a recorrência foi ainda maior entre os que apresentavam maior queda na saturação de oxigênio, durante o evento de apneia. A influência da AOS também foi verificada após o isolamento elétrico das VP, como estratégia de controle do ritmo em pacientes com FA. Os autores demonstraram que o tratamento com CPAP (abreviatura do inglês continuous positive airway pressure) resultou em uma maior taxa de sobrevida livre de FA quando comparado com o grupo com AOS sem tratamento efetivo (71,9% vs. 36,7%; p = 0,01).2828 Fein AS, Shvilkin A, Shah D, Haffajee CI, Das S, Kumar K, et al. Treatment of obstructive sleep apnea reduces the risk of atrial fibrillation recurrence after catheter ablation. J Am Coll Cardiol . 2013;62(4):300-5. A taxa de recorrência dos pacientes apneicos tratados com CPAP foi semelhante à observada em indivíduos sem AOS (HR: 0,7; p = 0,46). A recorrência de FA após isolamento elétrico das VP, no grupo sem tratamento com CPAP, foi significativamente mais alta e semelhante à de pacientes com AOS que tiveram a FA controlada com medicamentos sem o tratamento intervencionista. Duas importantes metanálises sobre o assunto foram concluídas recentemente, demonstrando a influência significativa da apneia no aumento da taxa de recorrência de FA após ablação por cateter e os benefícios da terapia com CPAP, enfatizando, assim, a necessidade do reconhecimento dessa condição em pacientes com FA elegíveis ao tratamento intervencionista.2929 Ng CY, Liu T, Shehata M, Stevens S, Chugh SS, Wang X. Meta-analysis of obstructive sleep apnea as predictor of atrial fibrillation recurrence after catheter ablation. Am J Cardiol . 2011;108(1):47-51.,3030 Li L, Wang ZW, Li J, Ge X, Guo LZ, Wang Y, et al. Efficacy of catheter ablation of atrial fibrillation in patients with obstructive sleep apnoea with and without continuous positive airway pressure treatment: a meta-analysis of observational studies. Europace. 2014;16(9):1309-14.
2.2. Classificação clínica
A classificação mais utilizada na prática clínica refere-se a forma de apresentação da FA. Define-se "fibrilação atrial paroxística" aquela que é revertida espontaneamente ou com intervenção médica em até 7 dias de seu início. Episódios com duração superior a 7 dias têm o nome de "fibrilação atrial persistente". Alguns estudos utilizam a terminologia de "fibrilação atrial persistente de longa duração" para designar os casos com duração superior a 1 ano. Finalmente, o termo "fibrilação atrial permanente" é utilizado nos casos em que as tentativas de reversão ao ritmo sinusal não serão mais instituídas.
"Fibrilação atrial não valvar" é definida por FA na ausência de estenose mitral reumática, válvula mecânica ou biológica ou plastia mitral prévia.
2.3 Prognóstico
Estudos epidemiológicos demonstram clara associação entre FA e risco de Acidente Vascular Cerebral (AVC), isquêmico ou hemorrágico, e mortalidade. Alterações cognitivas, IC e implicações socioeconômicas também são consequências importantes da FA. Em estudos clínicos envolvendo pacientes com IC, a FA foi considerada fator de risco independente para mortalidade. IC e FA coexistem em uma alta porcentagem de pacientes (22 a 42%). Além disso, o aparecimento de FA em pacientes portadores de IC está associado à elevação de duas vezes o risco de morte em comparação com os indivíduos sem o distúrbio do ritmo. 1818 Wang TJ, Larson MG, Levy D, Vasan RS, Leip EP, Wolf PA, et al. Temporal relations of atrial fibrillation and congestive heart failure and their joint influence on mortality: the Framingham Heart Study. Circulation . 2003;107(23):2920-5.,3131 Mountantonakis SE, Grau-Sepulveda MV, Bhatt DL, Hernandez AF, Peterson ED, Fonarow GC. Presence of atrial fibrillation is independently associated with adverse outcomes in patients hospitalized with heart failure: an analysis of Get with the Guidelines - Heart Failure. Circ Heart Fail. 2012;5(2):191-201.,3232 Chamberlain AM, Redfield MM, Alonso A, Weston SA, Roger VL. Atrial fibrillation and mortality in heart failure: a community study. Circ Heart Fail. 2011;4(6):740-6.
Em indivíduos acima de 65 anos, a mortalidade associada à FA é de 10,8% em 30 dias após o diagnóstico da arritmia, chegando a 42% em 3 anos de acompanhamento. 3333 Piccini JP, Hammil BG, Sinner MF, Jensen PN, Hernandez AF, Heckhert SR, et al. Incidence and prevalence of atrial fibrillation and associated mortality among Medicare beneficiaries: 1993-2007. Circ Cardiovasc Qual Outcomes. 2012;5(1):85-93. Pacientes com 65 anos apresentam risco relativo de morte de 4,88 para mulheres e de 3,07 para homens em 1 ano. A FA é um preditor significativo de morte por todas as causas na presença de insuficiência renal, câncer e doença pulmonar obstrutiva crônica. 3434 Andersson T, Magnuson A, Bryngelson IL, Frobert O, Henriksson KM, Edvardsson N, et al. All cause mortality in 272186 patients hospitalized with incident atrial fibrillation1995-2008: a Swedish nationwide long-term case-control study. Eur Heart J. 2013;34(14):1061-7.
3. Prevenção de fenômenos tromboembólicos
3.1. Algoritmos de avaliação do risco de fenômenos tromboembólicos e de sangramento
A FA é a principal fonte emboligênica de origem cardíaca de que se tem conhecimento, representando cerca de 45% dos casos quando comparada com outras cardiopatias, como infarto do miocárdio, aneurismas ventriculares e doenças valvares.22 Wolf PA, Abbott RD, Kannel WD. Atrial fibrillation as an independent risk factor for stroke: the Framingham Study. Stroke. 1991;22(8):983-8. Em condições não relacionadas a doenças concomitantes ou a fatores de risco apropriados, raramente o trombo se forma em pacientes com FA. As causas da formação de trombos são multifatoriais e estão relacionadas com a tríade de Virchow que inclui: (1) estase sanguínea atrial; (2) lesão endotelial; (3) aumento da trombogenicidade sanguínea, própria dessa arritmia.33 Watson T, Shantsila E, Lip GY. Mechanisms of thrombogenesis in atrial fibrillation: Virchow's triad revisited. Lancet. 2009;373(9658):155-66. No primeiro caso, a lentificação do fluxo na região do Apêndice Atrial Esquerdo (AAE) favorece a estase sanguinea e a formação de coágulos de fibrina, que se acumulam e geram o trombo. Essas estruturas se deslocam daquela pequena cavidade, vão para o território atrial e se desprendem para a circulação sistêmica. Infelizmente, o cérebro, muito mais que membros e vísceras, é a região mais afetada, em cerca de 80% dos casos. O aspecto morfológico do apêndice atrial também pode desempenhar um papel importante no risco de tromboembolismo sistêmico.44 Al-Saady NM, Obel OA, Camm AJ. Left atrial appendage: structure, function, and role in thromboembolism. Heart. 1999;82(5):547-55.
5 Di Biase L, Santangeli P, Anselmino M, Mohanty P, Salvetti I, Gili S, et al. Does the left atrial appendage morphology correlate with the risk of stroke in patients with atrial fibrillation? Results from a multicenter study. J Am Coll Cardiol. 2012;60(6):531-8.-66 Agmon Y, Khandheria BK, Gentile F, Seward JB. Clinical and echocardiographic characteristics of patients with left atrial thrombus and sinus rhythm: experience in 20 643 consecutive transesophageal echocardiographic examinations. Circulation. 2002;105(1):27-31.
Além disso, estudos da década de 1970 já mostravam que lesões do endocárdio atrial apresentavam microtrombos e que estes eram os precursores de trombos maiores.77 Davies MJ, Pomerance A. Pathology of atrial fibrillation in man. Br Heart J. 1972;34(5):520-5. Pacientes que não apresentavam tais lesões tinham muito menor propensão à trombose atrial. O atrito do sangue com o endocárdio, lesões miocitárias causadas por agressões teciduais secundárias a citocinas inflamatórias (fator de necreose tumoral, interleucina 6, proteína C-reativa e outras) prejudicam ainda mais os miócitos atriais e expõem tecido colágeno na superfície, o que aumenta a aderência de plaquetas e a deposição de fibrina, gerando o trombo. Dessa forma, a FA cria um estado pró-trombótico, hipercoagulável próprio.88 Choudhury A, Lip GY. Atrial fibrillation and the hypercoagulable state: from basic science to clinical practice. Pathophysiol Haemost Thromb. 2003;33(5-6):282-9.
O aumento da agregação plaquetária [mais intensa no átrio esquerdo (AE)],99 Willougby SR, Roberts-Thomson RL, Lim HS, Schulz C, Prabhu A, De Sciscio P, et al. Atrial platelet reactivity in patients with atrial fibrillation. Heart Rhythm. 2010;7(9):1178-83. a elevação dos níveis plasmáticos do fator de Von Wilebrand, os fragmentos de protrombina e do fibrinogênio plasmático, dentre outros, confirmam essa maior trombogenicidade sanguínea, independentemente de qualquer outro fator.88 Choudhury A, Lip GY. Atrial fibrillation and the hypercoagulable state: from basic science to clinical practice. Pathophysiol Haemost Thromb. 2003;33(5-6):282-9. Assim, as três condições estabelecidas por Virshow estão presentes em paciente com FA.
Apesar disso, nem todos os pacientes com FA evoluem com tromboembolismo sistêmico, indicando que outros fatores estão presentes nessa condição, e que sua identificação pode facilitar a indicação e tornar menos empírico o tratamento com ACO nos pacientes acometidos. Estudos realizados em décadas passadas apontaram a presença de fatores de risco comuns aos pacientes com FA associada ao tromboembolismo sistêmico.1010 Risk factors for stroke and efficacy of antithrombotic therapy in atrial fibrillation: analysis of pooled data from five randomized controlled trials. Arch Intern Med. 1994;154(13):1449-57.,1111 Stroke Prevention in Atrial Fibrillation Investigators. Risk factors for thromboembolism during aspirin therapy in patients with atrial fibrillation: the stroke prevention in atrial fibrillation study. J Cerebrovasc Dis. 1995;5:147-57.,3535 Wang TJ, Massaro JM, Levy D, Vasan RS, Wolf PA, D'Agostino RB, et al. A risk score for predicting stroke or death in individuals with new-onset atrial fibrillation in the community: the Framingham Heart Study. JAMA. 2003;290(8):1049-56. Nestes estudos, idade (acima de 75 anos), história prévia de AVC, presença de IC, diabetes e sexo feminino eram os fatores mais frequentemente presentes. Assim, em 2001, foi possível a primeira descrição de um escore de risco para fenômeno tromboembólico em pacientes com FA, que incluiu a maioria desses fatores para ser aplicada em pacientes ambulatoriais3636 Gage BF, Waterman AD, Shannon W, Boechler M, Rich MW, Radford MJ. Validation of clinical classification schemes for predicting stroke: results from the National Registry of Atrial Fibrillation. JAMA. 2001;285(22):2864-70. (Tabela 1).
Escore de CHADS2 utilizado para avaliação de risco para fenômenos tromboembólicos em pacientes portadores de fibrilação atrial
À medida que a pontuação aumentava, foi possível determinar que o risco de AVC também aumentava. Passou-se a indicar a anticoagulação para pacientes com escore CHADS2 ≥ 2 (risco elevado) enquanto que pacientes com escores entre zero e 1, apesar de apresentarem algum risco (por volta de 2,8 a 4% ao ano), não tinham a anticoagulação contemplada. O escore CHADS2, portanto, identificava particularmente indivíduos de alto risco, ou seja, aqueles que realmente deveriam ser tratados.
Devido à maior propensão de pacientes com FA de apresentarem risco inerente à própria arritmia de formar coágulos, independentemente de outros fatores, parece clara a necessidade de se identificar exatamente aquele de menor risco e excluí-lo da necessidade de anticoagular, por meio da inclusão de outros critérios de risco que possam caracterizá-los. Em outras palavras, ficariam fora da necessidade de terapia com ACO os pacientes com real risco baixo. Por essa razão, outras variáveis, que foram identificadas naqueles estudos clínicos como importantes fatores de risco e que não estavam presentes no escore CHADS2, passaram a ser valorizadas. Passou-se a considerar que pacientes de muito baixo risco, ou seja, pacientes nos quais aquelas variáveis não eram encontradas, não necessitariam de anticoagulação. Os fatores de risco incorporados a essa nova proposta incluíam sexo feminino, doença vascular periférica e idade entre 64 e 75 anos. No entanto, mais importante ainda foi a valorização da idade acima de 75 anos (2 pontos). Com essas informações, foi criado o escore CHA2DS2-VASc (Tabela 2).3737 Lip GY, Nieuwlaat R, Pisters R, Lane DA, Crijns HJ. Refining clinical risk stratification for predicting stroke and thromboembolism in atrial fibrillation using a novel risk factor-based approach: the Euro Heart Survey on Atrial Fibrillation. Chest. 2010;137(2):263-72. A grande vantagem de sua utilização é que pacientes com escore zero não necessitam anticoagulação, pois o risco de complicação trombótica, neste caso, é muito baixo. No caso de CHA2DS2-VASc igual a 1, o risco é considerado baixo (1,3% ao ano), e a anticoagulação é opcional e fica na dependência do risco de sangramento e opção do paciente. Em outras palavras, são identificados, por meio desse escore de risco, os pacientes verdadeiramente de baixo risco.3838 Potpara TS, Polovina MM, Licina MM, Marinkovic JM, Prostran MS, Lip GY. Reliable identification of 'truly low' thromboembolic risk in patients initially diagnosed with 'lone' atrial fibrillation: the Belgrade Atrial Fibrillation Study. Circ Arrhythm Electrophysiol. 2012;5(2):319-26. Na prática, esse fato indica que todos os pacientes com FA devem ser anticoagulados, exceto aqueles de baixo risco identificados pelo escore CHA2DS2-VASc.
Pacientes com FA apresentam, por outro lado, um risco maior de hemorragia quando tratados com ACO. História de sangramento, disfunção renal ou hepática, bem como a hipertensão arterial não controlada (níveis pressóricos acima de 160 mmHg), além labilidade da taxa de Razão Normalizada Internacional (RNI), a idade > 65 anos e uso de fármacos anti-inflamatórios ou consumo de álcool, são todos fatores de risco que aumentam a possibilidade de sangramento em pacientes em uso de varfarina. Por essa razão, na terapêutica com ACO, visando-se à prevenção do AVC, torna-se necessário não apenas avaliar o risco de tromboembolismo sistêmico, utilizando-se o escore CHA2DS2-VASc mas também de hemorragia3939 Lip GY, Andreotti F, Fauchier L, Huber K, Hylek E, Knight E, et al. Bleeding risk assessment, management in atrial fibrillation patients. Executive Summary of a Position Document from the European Heart Rhythm Association [EHRA], endorsed by the European Society of Cardiology [ESC] Working Group on Thrombosis. Europace. 2011;13(5):723-46. quando o ACO for prescrito. O escore de risco para hemorragia mais empregado na atualidade é o HAS-BLED (Tabela 3), cuja pontuação > 3 indica maior risco de hemorragia pelo ACO. Deve-se destacar, contudo, que esse escore não contraindica o uso de ACO, mas orienta quanto a necessidade de cuidados especiais para tornar o tratamento mais seguro.
Variáveis clinicas empregadas para identificação de pacientes com risco de hemorragia pelos anticoagulantes orais incluídas no escore HAS-BLED
Quando os escores de risco para tromboembolismo e hemorragia são considerados, a terapia anticoagulante torna-se menos empírica e mais segura. O conceito "benefício líquido" leva em consideração os aspectos positivos da redução de risco de tromboembolismo bem como de hemorragia, causados pelo ACO, e é essa premissa que deve ser buscada quando o tratamento é implementado em pacientes com FA. Os escores CHA2DS2-VASc e HAS-BLED são, na atualidade, as principais ferramentas recomendadas para esse objetivo4040 Olesen JB, Lip GY, Hansen ML, Hansen PR, Tolstrup JS, Lindhardsen J, et al. Validation of risk stratification schemes for predicting stroke and thromboembolism in patients with atrial fibrillation: nationwide cohort study. BMJ. 2011;342:d124.
41 Singer DE, Chang Y, Fang MC, Borowsky LH, Pomernacki NK, Udaltsova N, et al. The net clinical benefit of warfarin anticoagulation in atrial fibrillation. Ann Intern Med. 2009;151(5):297-305.-4242 Friberg L, Rosenqvist M, Lip G. Net clinical benefit of warfarin in patients with atrial fibrillation: a report from the Swedish Atrial Fibrillation cohort study. Circulation . 2012;125(19):2298-307. (Quadro 1).
3.2. Novos anticoagulantes disponíveis na prática clínica
Atualmente, quatro Novos ACO (NACO) foram disponibilizados na prática clínica para prevenção de fenômenos tromboembólicos em pacientes portadores de FA. Tratam-se dos inibidores diretos do fator Xa, como a rivaroxabana, a apixabana e a edoxabana, e o inibidor do fator IIa, dabigatrana.
3.2.1 Dabigatrana
Foi o primeiro NACO disponibilizado no mercado e validado pelo estudo RE-LY (Randomized Evaluation of Long-termanticoagulante therapY with dabigatran etexilate).4343 Connolly SJ, Ezekowitz MD, Yusuf S, Eikelboom J, Oldgren J, Parekh A, et al; RE-LY Steering Committee and Investigators. Dabigatran vs. warfarin in patients with atrial fibrillation. N Engl J Med. 2009;361(12):1139-51. Trata-se de um estudo prospectivo, randomizado, fase III que comparou duas doses de dabigatrana (110 mg e 150 mg) duas vezes ao dia com doses ajustadas de varfarina. O desfecho primário foi AVC e embolia sistêmica. A dose de 150 mg foi superior a varfarina sem diferenças significativas entre os desfechos de segurança, incluindo sangramento maior. A dose de 110 mg foi não inferior a varfarina, com 20% de redução na taxa de sangramento.
3.2.2 Rivaroxabana
O estudo ROCKET-AF (Rivaroxaban-once daily, oral, directfactor Xa inhibition compared with vitamin K antagonism forprevention of stroke and Embolism Trial in Atrial Fibrillation) foi o responsável por introduzir a rivaroxabana na prática clínica para prevenção de fenômenos tromboembólicos no paciente com FA não valvar.4444 Patel MR, Mahaffey KW, Garg J, Pan G, Singer DE, Hacke W, et al; ROCKET AF Investigators. Rivaroxaban vs. warfarin in nonvalvular atrial fibrillation. N Engl J Med. 2011;365(10):883-91. Estudo duplo-cego, que randomizou 14.264 pacientes de alto risco para eventos tromboembólicos para rivaroxabana 20 mg ao dia. Pacientes com prejuízo da função renal receberam 15 mg do medicamento. Esse estudo apresenta a peculiaridade de apresentar uma população com risco para fenômenos tromboembólico superior ao observado nos demais estudos com os NACO. A rivaroxabana foi não inferior a varfarina para o desfecho primário de AVC e embolia sistêmica. Em relação aos desfechos de segurança, houve redução significativa no AVC hemorrágico e sangramento intracraniano, sem impacto na taxa de mortalidade.
3.2.3 Apixabana
O ARISTOTLE (Apixaban for Reduction in Stroke andOther Thromboembolic Events in Atrial Fibrillation) foi o principal estudo de avaliação da apixabana em pacientes com FA não valvar.4545 Granger CB, Alexander JH, McMurray JJ, Lopes RD, Hylek EM, Hanna M, et al; ARISTOTLE Committees and Investigators. Apixaban vs. warfarin in patients with atrial fibrillation. N Engl J Med. 2011;365(11):981-92. Esse estudo duplo-cego, randomizado, analisou a dose de 5,0 mg duas vezes ao dia, ou a dose ajustada de 2,5 mg duas vezes ao dia, nos pacientes com pelo menos dois dos três fatores a seguir: com idade superior a 80 anos, peso abaixo de 60 kg e creatinina sérica igual ou superior a 1,5 mg/dL. O controle foi realizado com varfarina. Houve redução significativa nos desfechos de eficácia (AVC e embolia sistêmica) em 21%, quando comparado com a varfarina, associada a reduções significativas de 31% em sangramento maior e de 11% na mortalidade por todas as causas.
3.2.4 Edoxabana
Avaliada pelo estudo ENGAGE-AF (Edoxaban versusWarfarin in Patients with Atrial Fibrillation),4646 Giugliano RP, Ruff CT, Braunwald E, Murphy SA, Wiviott SD, Halperin JL, et al; ENGAGE AF-TIMI 48 Investigators. Edoxaban versus warfarin in patients with atrial fibrillation. N Engl J Med. 2013;369(22):2093-104. duplo-cego e randomizado, com três braços (varfarina, edoxabana alta dose e edoxabana baixa dose), a edoxabana mostrou-se não inferior à varfarina, tanto no regime de alta dose (60 mg uma vez ao dia), quanto no regime de baixa dose (30 mg uma vez ao dia). A dose foi reduzida à metade da dose indicada na randomização nos pacientes randomizados para os dois regimes de edoxabana, quando presente um dos seguintes fatores: clearance de creatinina inferior a 50 mL/minuto, peso inferior a 60 kg e uso concomitante a inibidores potentes da glicoproteína P (basicamente Verapamil).
Analisando-se o regime de alta dose da edoxabana, houve redução significativa na ocorrência de AVC (isquêmicos e hemorrágicos). Já no regime de baixa dose, identificou-se aumento significativo de AVC isquêmico no grupo da edoxabana. Dessa forma, a melhor relação de eficácia e segurança ocorreu no regime de alta dose, enquanto que o regime de baixa dose tende a perder em eficácia, conferindo maior segurança quanto ao risco de sangramentos maiores e AVC hemorrágicos (Quadro 2).
Recomendações para o uso dos novos anticoagulantes para a prevenção de fenômenos tromboembólicos na fibrilação atrial.
As principais características dos quatro estudos estão resumidas na tabela 4.
Características metodológicas e principais resultados dos estudos fase III com os novos anticoagulantes
3.3. Orientações aos pacientes em uso de anticoagulação
O sucesso do tratamento anticoagulante está muito mais influenciado pela educação do paciente e/ou familiares e cuidadores, do que pela escolha do ACO per se.4747 Kagansky N, Knobler Hilla, Rimon E, Ozer Z, Levy S. Safety of anticoagulation therapy in well-informed older patients. Arch Intern Med. 2004;164(18):2044-50.,4848 Hendriks JM, de Wit R, Crijns HJ, Vrijhoef HJ, Prins MH, Pisters R, et al. Nurse-led care vs. usual care for patients with atrial fibrillation: results of a randomized trial of integrated chronic care vs. routine clinical care in ambulatory patients with atrial fibrillation. Eur Heart J. 2012;33(21):2692-9. É necessário que o paciente ou cuidador responsável tenham conhecimento dos ACO, sejam os tradicionais Antagonistas da Vitamina K (AVK) ou os ACO sem esse mecanismo de ação, os NACO, incluindo as possibilidades de interação medicamentosa, aderência aos horários, detalhes da alimentação (especialmente com os AVK) e necessidade de controles laboratoriais.
3.3.1. Pacientes em uso de antagonistas da vitamina K
Os pacientes que estão em uso de AVK necessitam de controles laboratoriais periódicos, devendo ser feito o reajuste da dose de acordo com o valor estabelecido do RNI. O valor padrão é oscilar entre 2,0 e 3,0 a cada aferição, pelo menos quinzenal ou mensal, tempo este que pode ser mais encurtado quando houver grande oscilação de RNI. A automonitorização pode ser considerada, se preferida pelo paciente.4949 Heidbuchel H, Verhamme P, Alings M, Antz M, Hocke W, Oldgren J, et al. European Heart Rhythm Association Practical Guide on the use of new oral anticoagulants in patients with non-valvular atrial fibrillation. Europace. 2013;15(5):625-51. O cartão de acompanhamento do uso do anticoagulante, assim como maior detalhamento do acompanhamento estão disponíveis no www.sobrac.org.br.
3.3.2. Pacientes em uso dos novos anticoagulantes orais
Antes de prescrever um NACO ao paciente com FA, a função renal deve ser avaliada. Pacientes portadores de insuficiência renal com importante comprometimento no clerance de creatinina não devem receber os NACO. É importante considerar também as interações medicamentosas, que podem influenciar nos resultados de segurança e eficácia desses fármacos5050 Lahaye SA, Gibbens SL, Ball DG, Day AG, Olesen JB, Skanes AC. A clinical decision aid for the selection of antithrombotic therapy for the prevention of stroke due to atrial fibrillation. Eur Heart J. 2012;33(17):2163-71. e o uso de medicamentos como os inibidores de bomba de próton podem ser considerados para reduzir o risco de sangramento gastrintestinal nesses pacientes. 5151 Blech S, Ebner T, Ludwig-Schwellinger E, Stangier J, Roth W. The metabolism and disposition of the oral direct thrombin inhibitor, dabigatran, in humans. Drug Metab Dispos. 2008;36(2):386-99.,5252 Moore KT, Plotnikov AN, Thyssen A, Vaccaro N, Ariyawansa J, Burton PB. Effect of multiple doses of omeprazole on the pharmacokinetics, pharmacodynamics, and safety of a single dose of rivaroxaban. J Cardiovasc Pharmacol. 2011;58(6):581-8.
3.4. Orientações nos casos de sangramento com os novos anticoagulantes
NACO trouxeram uma drástica mudança na abordagem terapêutica da FA não valvar em termos de prevenção de acidentes tromboembólicos, entretanto as complicações hemorrágicas relacionadas ao uso dessas drogas podem representar uma limitação. Os NACO são fármacos de meia-vida curta, portanto um sangramento de pequena intensidade pode ser solucionado simplesmente pela suspensão da droga. As características farmacocinéticas são distintas entre os NACO e tais peculiaridades podem determinar mudanças de conduta. A dabigatrana, por exemplo, é um fármaco que apresenta fraca ligação às proteínas plasmáticas, sendo potencialmente removida por hemodiálise. A rivaroxabana e a apixabana, por outro lado, não são substâncias dialisáveis, dada a sua forte ligação proteica no plasma.5353 Eriksson BI, Quinlan DJ, Weitz JI. Comparative pharmacodynamics and pharmacokinetics of oral direct thrombin and factor Xa inhibitors in development. Clin Pharmacokinet. 2009;48(1):1-22. O carvão ativado pode ser utilizado nos casos de ingestão do anticoagulante até 2 horas do evento hemorrágico. É conveniente salientar que seu uso é contraindicado em situações de hemorragia digestiva. O carvão ativado está disponível sob a forma de pó e pode ser administrado diluído em água ou suco, se o paciente estiver acordado, ou por sonda nasogátrica, na dose de 1 g por kg de peso corporal. Embora não estejam disponíveis atualmente no Brasil, existem avanços com relação a medicamentos que possam reverter a ação dos NACO. O Idarucizumab é um fragmento de anticorpo monoclonal, que se liga à dabigatrana com mais afinidade que a observada com a trombina, e seu uso intravenoso para a reversão já foi avaliado5454 Pollack C V, Reilly PA, Eikelboom J, Glund S, Verhamme P, Bernstein RA, et al. Idarucizumab for Dabigatran Reversal. N Engl J Med. 2015;373(6):511-20. e, com base nos resultados, o medicamento foi recentemente aprovado para uso clínico nos Estados Unidos.
A Andexanet, por sua vez, é uma proteína recombinante inativa que se liga aos inibidores do fator X ativado (rivaroxabana, apixabana e edoxabana), revertendo o seu efeito anticoagulante. Os efeitos da administração intravenosa já foram avaliados, com taxa de reversão satisfatória,5555 Siegal DM, Curnutte JT, Connolly SJ, Lu G, Conley PB, Wiens BL, et al. Andexanet Alfa for the Reversal of Factor Xa Inhibitor Activity. N Engl J Med. 2015;373(25):2413-24. e é esperado que o seu uso clínico também seja aprovado.
A administração de Plasma Fresco Congelado pode ser realizada, mas, como medida de suplementação de fatores de coagulação apresenta concentrações muito inferiores às observadas nos Concentrados de Complexos Protrombínicos (CCP). A indicação de CCP é razoável em situações de hemorragias graves.5656 Babilonia K, Trujillo T. The role of prothrombin complex concentrates in reversal of target specific anticoagulants. Thromb J. 2014;12:8.
3.5. Uso dos novos anticoagulantes em situações especiais
3.5.1. Cardioversão elétrica
Uma subanálise do estudo RE-LY com 1.989 cardioversões elétricas encontrou taxa semelhante de AVC dentro de 30 dias (0,6% com varfarina, 0,3% com dabigatrana 150 mg duas vezes ao dia e 0,8% com dabigatrana 110 mg duas vezes ao dia).5757 Nagarakanti R, Ezekowitz MD, Oldgren J, Yang S, Chernick M, Aikens TH, et al. Dabigatran versus warfarin in patients with atrial fibrillation: an analysis of patients undergoing cardioversion. Circulation . 2011;123(2):131-6. A maioria dos pacientes fez uso da terapia por mais que 3 semanas, sendo o ecocardiograma transesofágico realizado somente em 25% dos casos. Também não houve diferença significativa na presença de trombo no AE.
O estudo X-VeRT (Rivaroxaban vs. vitamin K antagonistsfor cardioversion in atrial fibrillation)5858 Cappato R, Ezekowitz MD, Klein AL, Camm AJ, Ma CS, Le Heuzey JY, et al; X-VeRT Investigators. Rivaroxaban vs. vitamin K antagonists for cardioversion in atrial fibrillation. Eur Heart J. 2014;35(47):3346-55. foi o primeiro estudo prospectivo randomizado com o uso de um NACO em pacientes portadores de FA submetidos à cardioversão elétrica eletiva. Foram randomizados 1.504 pacientes para receber rivaroxabana (20 mg/dia ou 15 mg/dia caso clerance de creatinina entre 30 a 49 mL/min) ou varfarina. Além disso, o estudo avaliou o protocolo de cardioversão precoce (1 a 5 dias, com utilização de ecocardiograma transesofágico) ou tardia (3 a 8 semanas sem a utilização de ecocardiograma transesofágico). O uso da rivaroxabana foi associado à incidência de eventos adversos e a sangramentos similar a varfarina, mas a rivaroxabana reduziu significativamente o tempo para cardioversão nos pacientes elegíveis ao protocolo tardio.
Recentemente 540 pacientes submetidos à cardioversão elétrica foram analisados. Os pacientes estavam em uso de apixabana ou varfarina, sendo as taxas de eventos adversos semelhantes entre os dois grupos.5959 Flaker G, Lopes RD, Al-Khatib SM, Hermosillo AG, Hohnloser SH, Tinga B, et al; ARISTOTLE Committees and Investigators. Efficacy and safety of apixaban in patients after cardioversion for atrial fibrillation: insights from the ARISTOTLE Trial (Apixaban for Reduction in Stroke and Other Thromboembolic Events in Atrial Fibrillation). J Am Coll Cardiol. 2014;63(11):1082-7. Porém as pesquisas avaliando o papel dos NACO na cardioversão elétrica ainda são escassas e novos estudos são necessários antes de sua recomendação para esses casos. O ecotransesofágico deve ser considerado nos casos em que existe alguma dúvida na aderência do paciente ao tratamento (Quadro 3).
3.5.2. Fibrilação atrial valvar
Pacientes portadores de valva protética mecânica ou estenose mitral hemodinamicamente significativa foram excluídos dos principais estudos com os novos anticoagulantes em pacientes portadores de FA.4444 Patel MR, Mahaffey KW, Garg J, Pan G, Singer DE, Hacke W, et al; ROCKET AF Investigators. Rivaroxaban vs. warfarin in nonvalvular atrial fibrillation. N Engl J Med. 2011;365(10):883-91.
45 Granger CB, Alexander JH, McMurray JJ, Lopes RD, Hylek EM, Hanna M, et al; ARISTOTLE Committees and Investigators. Apixaban vs. warfarin in patients with atrial fibrillation. N Engl J Med. 2011;365(11):981-92.-4646 Giugliano RP, Ruff CT, Braunwald E, Murphy SA, Wiviott SD, Halperin JL, et al; ENGAGE AF-TIMI 48 Investigators. Edoxaban versus warfarin in patients with atrial fibrillation. N Engl J Med. 2013;369(22):2093-104. O estudo RE-ALIGN (Dabigatran versus warfarin in patients withmechanical heart valves), que comparou dabigatrana à varfarina em pacientes com valva protética mecânica, foi suspenso pela maior ocorrência de eventos (AVC, infarto agudo do miocárdio e trombose de prótese) no grupo em uso de dabigatrana.6060 Van de Werf F, Brueckmann M, Connolly SJ, Friedman J, Granger CB, Hartter S, et al. A comparison of dabigatran etexilate with warfarin in patients with mechanical heart valves: The Randomized, phase II study to evaluate the safety and pharmacokinetics of oral dabigatran etexilate in patients after heart valve replacement (RE-ALIGN). Am Heart J. 2012;163(6):931-7. Além disso, houve maior sangramento após cirurgia valvar nos usuários de dabigatrana. Alguns estudos com os nAOC, como o ARISTOTLE e ENGAGE-AF, permitiram a randomização de pacientes com FA e próteses biológica, mas apesar de previsões para apresentação em breve, até o momento não há análises publicada desse subgrupo de pacientes.
3.6. Oclusão percutânea do apêndice atrial esquerdo
Os agentes ACO continuam como a principal opção terapêutica na prevenção de fenômenos embólicos em pacientes com FA. No entanto, a utilização dos anticoagulantes oferece riscos significativos. Os mais temidos são a ocorrência de AVC hemorrágico e outras hemorragias potencialmente graves, como o sangramento gastrintestinal. Além disso, a necessidade de monitorização periódica do RNI, em pacientes que fazem uso de varfarina, e as diversas interações com outros fármacos e alimentos resultam frequentemente em níveis subterapêuticos de anticoagulação ou em elevado risco de eventos hemorrágicos.6161 Wyse DG. Bleeding while starting anticoagulation for thromboembolism prophylaxis in elderly patients with atrial fibrillation: from bad to worse. Circulation. 2007;115(21):2684-6.,6262 Flegel KM, Shipley MJ, Rose G. Risk of stroke in non-rheumatic atrial fibrillation. Lancet. 1987;1(8532):526-9.
Mesmo para os NACO, a necessidade de suspensão, em função de efeitos colaterais e eventos hemorrágicos, chega a 25% nos grandes estudos recentemente realizados. Tais limitações terapêuticas, associadas à gravidade dos eventos embólicos relacionados à FA, motivaram o desenvolvimento de novas estratégias com o objetivo de reduzir a taxa de fenômenos tromboembólicos. Dessa forma, a oclusão do AAE surgiu como uma importante alternativa terapêutica.
3.6.1. Dispositivos para oclusão do apêndice atrial esquerdo
Na última década, diversos dispositivos para oclusão percutânea foram desenvolvidos. Cada sistema possui características próprias, porém o método de implante é semelhante para todos eles.6363 Aryana A, Saad EB, d'Avila A. Left atrial appendage occlusion and ligation devices: what is available, how to implement them, and how to avoid and manage complications. Curr Treat Options Cardiovasc Med. 2012;14(5):503-19. Esses dispositivos são liberados por meio de uma técnica que utiliza acesso vascular venoso e punção transeptal, geralmente sob orientação de ecocardiograma transesofágico e/ou intracardíaco. Atualmente, existem duas formas de abordagem para ocluir o AAE por via percutânea. A primeira estratégia utiliza dispositivos que são inseridos no AAE com o objetivo de ocluí-lo em sua face endocárdica. A outra utiliza uma técnica de ligadura percutânea epicárdica, destinada a excluir externamente o AAE.
3.6.1.1. Dispositivo WATCHMAN®
O WATCHMAN® é implantado por meio de punção transeptal e possui uma membrana de polietileno cobrindo uma armação de nitinol autoexpansível com farpas para ancorar adequadamente o dispositivo no AAE. É o dispositivo com maior número de evidências científicas publicadas.6464 Holmes DR, Reddy VY, Turi ZG, Doshi SK, Sievert H, Buchbinder M, et al. Percutaneous closure of the left atrial appendage versus warfarin therapy for prevention of stroke in patients with atrial fibrillation: a randomised non-inferiority trial. Lancet. 2009;374(9689):534-42.
65 Reddy VY, Doshi SK, Siever H, Buchbinder M, Neuzil P, Huber K, et al. Percutaneous left atrial appendage closure for stroke prophylaxis in patients with atrial fibrillation: 2.3 year follow-up of the PROTECT AF trial (Watchman left atrial appendage system for embolic protection in patients with atrial fibrillation) trial. Circulation. 2013;127(6):720-9.
66 Reddy VY, Mobius-Winkler S, Miller MA, Neuzil P, Schuler G, Wiebe J, et al. Left atrial appendage closure with the Watchman device in patients with a contraindication for oral anticoagulation: the ASAP study (ASA Plavix Feasibility Study With Watchman Left Atrial Appendage Closure Technology). J Am Coll Cardiol. 2013;61(25):2551-6.
67 Reddy VY, Holmes DR, Doshi SK, Neuzil P, Kar S. Safety of percutaneous left atrial appendage closure: results from the watchamn left atrial appendage system for embolic protection in patients with AF (PROTECT AF) clinical trial and the continued access registry. Circulation. 2011;123(4):417-24.-6868 Gangireddy SR, Halperin JL, Fuster V, Reddy VY. Percutaneous left atrial appendage closure for stroke prevention in patients with atrial fibrillation: an assessment of net clinical benefit. Eur Heart J. 2012;33(21):2700-8.
O primeiro e mais importante estudo controlado com esse dispositivo PROTECT-AF − WATCHMAN (Left Atrial Appendage System for Embolic Protection in Patients with Atrial Fibrillation)6464 Holmes DR, Reddy VY, Turi ZG, Doshi SK, Sievert H, Buchbinder M, et al. Percutaneous closure of the left atrial appendage versus warfarin therapy for prevention of stroke in patients with atrial fibrillation: a randomised non-inferiority trial. Lancet. 2009;374(9689):534-42. envolveu 707 pacientes com FA não valvar e sem contraindicações para emprego de anticoagulantes, sendo randomizados para utilização do dispositivo (e posterior suspensão da anticoagulação) ou para uso permanente da varfarina com RNI alvo entre 2 e 3. Foi demonstrada a não inferioridade da intervenção percutânea para o desfecho composto por AVC, embolia sistêmica e morte cardiovascular. Houve redução de risco relativo de 38%, sugerindo que o tratamento pode ser uma alternativa à anticoagulação crônica. Além disso, o risco de hemorragias foi significativamente menor no grupo que recebeu o dispositivo, visto que 86% dos pacientes interromperam o anticoagulante após 45 dias do implante e 93% estavam sem esse tratamento aos 12 meses. Houve, porém, significativa incidência (12%) de efeitos adversos relacionadas ao procedimento (derrame pericárdico, migração do dispositivo, AVC e sepse). O seguimento do estudo PROTECT-AF demonstrou a não inferioridade deste dispositivo comparado à varfarina após média de 2,3 anos e o benefício a favor da oclusão, com redução de 40% no desfecho primário, após 5 anos de acompanhamento.6565 Reddy VY, Doshi SK, Siever H, Buchbinder M, Neuzil P, Huber K, et al. Percutaneous left atrial appendage closure for stroke prophylaxis in patients with atrial fibrillation: 2.3 year follow-up of the PROTECT AF trial (Watchman left atrial appendage system for embolic protection in patients with atrial fibrillation) trial. Circulation. 2013;127(6):720-9.
3.6.1.2. Dispositivo AMPLATZER CARDIAC PLUG®
O AMPLATZER CARDIAC PLUG® é feito de uma malha de nitinol autoexpansível, apresentando um lobo distal e um disco proximal conectados por uma haste articulada. O lobo foi projetado para fixação ao interior do AAE e o disco, para selar seu óstio. Estudo canadense avaliou o AMPLATZER CARDIAC PLUG® em 52 pacientes com contraindicação ao uso de anticoagulantes e alto risco tromboembólico e hemorrágico. Foi demonstrada baixa taxa de eventos embólicos (1,1% de AVC isquêmico) quando comparado com 8,6% esperado pelo escore de risco.6969 Urena M, Rodés-Cabau J, Freixa X, Saw J, Webb JG, Freeman M, et al. Percutaneous left atrial appendage closure with the AMPLATZER cardiac plug device in patients with nonvalvular atrial fibrillation and contraindications to anticoagulation therapy. J Am Coll Cardiol. 2013;62(2):96-102. Nessa série, nenhuma embolia do dispositivo foi observada e derrame pericárdico ocorreu em apenas 1,9% dos casos. Houve também significativa redução de eventos hemorrágicos maiores.
3.6.1.3. Dispositivo LARIAT®
Uma nova alternativa para exclusão do AAE envolve a combinação de acesso endocárdico (via transeptal) e epicárdico (punção subxifoide percutânea), utilizando um dispositivo magnético para enlaçar o AAE em seu óstio. Esse dispositivo foi avaliado em 85 pacientes.7070 Bartus K, Han FT, Bednarek J, Myc J, Kapelak B, Sadowsky J, et al. Percutaneous left atrial appendage suture ligation using the LARIAT device in patients with atrial fibrillation: initial clinical experience. J Am Coll Cardiol. 2013;62(2):108-18. Em 82 pacientes (96,5%), foi obtida oclusão completa do AAE. As complicações relatadas foram relacionadas à punção epicárdica e transeptal.
É importante mencionar que, após a oclusão do AAE, a terapia antitrombótica ainda é necessária. O uso da aspirina associada ao clopidogrel pode ser mantida por 3 a 6 meses após o implante, seguida de monoterapia com aspirina, na ausência de contraindicações7171 Lewalter T, Ibrahim R, Albers B, Camm AJ. An update and current expert opinions on percutaneous left atrial appendage occlusion for stroke prevention in atrial fibrillation. Europace. 2013;15(5):652-6.,7272 Camm AJ, Lip GY, De Caterina R, Savelieva I, Atar D, Hohnloser SH, et al; ESC Committee for Practice Guidelines (CPG). 2012 focused update of the ESC Guidelines for the management of atrial fibrillation: an update of the 2010 ESC Guidelines for the management of atrial fibrillation. Developed with the special contribution of the European Heart Rhythm Association. Eur Heart J. 2012;33(21):2719-47. Erratum in: Eur Heart J. 2013;34(10):790. Eur Heart J. 2013;34(36):2850-1. (Quadro 4).
4. Drogas antiarrítmicas mais utilizadas no manejo clínico da fibrilação atrial
Após a avaliação de um caso de FA, o paciente pode ser alocado na estratégia de controle do ritmo ou controle da frequência, de acordo com suas características clínicas, ecocardiográficas e evolução de tratamentos anteriores. Nesse cenário, o uso de drogas AA apresenta papel relevante em ambas as estratégias. A avaliação inicial deve definir a presença de cardiopatia estrutural, assim como avaliar se a causa é reversível. Por exemplo, episódios causados por ingesta excessiva de álcool ou crise tireotóxica que reverteram ao ritmo sinusal espontaneamente ou após cardioversão não necessitam de tratamento com AA por longo prazo.
Deve-se lembrar que as medidas não farmacológicas, como atividade física regular, dieta balanceada, controle de peso, otimização da qualidade do sono, devem ser instituídas. Além disso, alguns medicamentos não AA apresentam importante papel na prevenção de FA como as estatinas, os inibidores da enzima conversora da angiotensina e bloqueadores dos receptores da angiotensina I, especialmente nos pacientes que também apresentam hipertensão arterial ou IC. A descrição e o uso de tais medicamentos foram abordados na Diretriz de Fibrilação Atrial, de 2009.11 Zimerman LI, Fenelon G, Martinelli Filho M, Grupi C, Atié J, Lorga Filho A, et al; Sociedade Brasileira de Cardiologia. Diretrizes brasileiras de fibrilação atrial. Arq Bras Cardiol. 2009;92(6 supl 1):1-39. As estratégias utilizadas para controle do ritmo estão sumarizadas na figura 2.
Estratégia para controle do ritmo em pacientes com fibrilação atrial. ICC: insuficiência cardíaca congestiva.
4.1. Medicamentos utilizados para manutenção do ritmo sinusal
Para essa finalidade, há um número limitado de medicamentos, já que não temos disponíveis dofetilide e dronedarona. As drogas disponíveis no Brasil são: propafenona, sotalol e amiodarona. A propafenona é um fármaco útil tanto na reversão aguda como na manutenção do ritmo sinusal. É uma medicação segura em pacientes com coração estruturalmente normal, mas deve ser evitado na presença de cardiopatia estrutural, pelo risco de induzirem a arritmias ventriculares.7373 Stroobandt R, Stiels B, Hoebrechts R. Propafenone for conversion and prophylaxis of atrial fibrillation. Propafenone Atrial Fibrillation Trial Investigators. Am J Cardiol. 1997;79(4):418-23.
O sotalol é um fármaco sem resultados significativos na reversão aguda da arritmia, mas útil na prevenção de recorrências, com descrição de manutenção de ritmo sinusal em até 72% dos pacientes em 6 meses em determinados grupos. Além disso, diminui sintomas por reduzir a resposta ventricular dos episódios devido ao seu efeito betabloqueador. Os efeitos colaterais mais comuns são aqueles ligados ao efeito betabloqueador, como cansaço e fadiga. No entanto, o mais importante é o prolongamento do intervalo QT e desenvolvimento de torsade de pointes. O sotalol não pode ser utilizado em pacientes com ICC.7474 Jull-Moller S, Edvardsson N, Rehenqvist-Ahlberg N. Sotalol versus quinidine for the maintenance of sinus rhythm after direct current conversion of atrial fibrillation. Circulation. 1990;82(6):1932-9.
A amiodarona é bastante efetiva na reversão e manutenção do ritmo sinusal. Alguns estudos demonstram superioridade dessa medicação em relação as demais,7575 Kochiadakis GE, Marketou ME, Igoumenidis NE, Chrysostomakis SI, Mavrakis HE, Kaleboubas MD, et al. Amiodarone, sotalol, or propafenone in atrial fibrillation: which is preferred to maintain normal sinus rhythm? Pacing Clin Electrophysiol. 2000;23(11 Pt 2):1883-7.,7676 Freemantle N, Lafuente-Lafuente C, Mitchell S, Eckert L, Reynolds M. Mixed treatment comparison of dronedarone, amiodarone, sotalol, flecainide, and propafenone, for the management of atrial fibrillation. Europace. 2011;13(3):329-45. contudo, além do risco proarrítmico, pode apresentar efeitos colaterais importantes em vários órgãos, como tireoide, pulmão, fígado, olhos e pele. O índice de descontinuidade do tratamento com essa droga é por volta de 30% em 5 anos. Atualmente, é a medicação disponível para pacientes com insuficiência cardíaca congestiva.7777 Deedwania PC, Singh BN, Ellenbogen K, Fisher S, Fletcher R, Singh SN. Spontaneous conversion and maintenance of sinus rhythm by amiodarone in patients with heart failure and atrial fibrillation: observations from the veterans affairs congestive heart failure survival trial of antiarrhythmic therapy (CHF-STAT). The Department of Veterans Affairs CHF-STAT Investigators. Circulation. 1998;98(23):2574-9.,7878 Roy D, Talajic M, Dorian P, Connoly S, Eisenberg MJ, Green M, et al: Amiodarone to prevent recurrence of atrial fibrillation. N Engl J Med. 2000;342(13):913-20.
4.2. Medicamentos utilizados para controle da frequência
O controle da frequência na FA é uma estratégia importante, tanto para a prevenção de sintomas (palpitações, cansaço e redução da capacidade de exercício etc. ) como para redução da morbidade associada à doença e, principalmente, o desenvolvimento de taquicardiomiopatia, o que impacta na qualidade de vida do paciente. Os parâmetros de fequência Cardíaca (FC) ótima na FA permanecem controversos. No estudo RACE II (Lenient versus Strict Rate Control inPatients with Atrial Fibrillation), não houve diferença entre um controle de frequência mais estrito (menor que 80 bpm no repouso e 110 bpm durante exercício moderado) e um menos estrito (inferior a 110 bpm no repouso), tanto no desfecho primário composto por mortalidade e morbidade cardiovascular, quanto nos desfechos secundários, que incluíram sintomas e classe funcional.7979 Van Gelder IC, Groenveld HF, Crijns HJ, Tuininga YS, Tijssen JG,Alings AM, et al; RACE Investigators. Lenient versus strict rate control in patients with atrial fibrillation. N Eng J Med 2010;362(15):1363-73. Contudo há uma crítica a esse estudo pelo fato de a média da frequência dos pacientes alocados para o grupo controle menos estrito não ter sido alta (85 ± 14 bpm). Esse controle menos estrito pode ser considerado na prática clínica especialmente em pacientes assintomáticos portadores de FA permanente, sem doença estrutural cardíaca. Uma análise post-hoc do estudo RACE II, que incluiu pacientes com disfunção sistólica (fração de ejeção do ventrículo esquerdo inferior a 40%) ou com histórico de hospitalização ou sinais e sintomas de IC demonstrou, após 3 anos de seguimento, também não haver diferença no desfecho primário composto por morbidade cardiovascular e mortalidade entre o controle estrito vs. menos estrito nesse grupo de pacientes.8080 Mulder BA, Van Veldhuisen DJ, Crijns HJ, Tijssen JG, Hillege HL, Hillege HL, et al. Lenient vs. strict rate control in patients with atrial fibrillation and heart failure: a post-hoc analysis of the RACE II Study. Eur J Heart Fail. 2013;15(11):1311-8. Apesar desse estudo, ainda não há dados suficientes contra a realização de avaliações periódicas da função ventricular visando à prevenção da taquicardiomiopatia, pois o tempo de seguimento curto poderia não ser suficiente para gerar perda de função.
Os determinantes principais da frequência ventricular durante a FA são as características de condução e refratariedade do nó atrioventricular (AV) e dos tônus simpático e parassimpático.8181 Camm AJ, Kirchhof P, Lip GY, Schotten U, Savelieva E, Ernst S, et al. Guidelines for the management of atrial fibrillation: the Task Force for the Management of Atrial Fibrillation of the European Society of Cardiology (ESC). Eur Heart J. 2010;31(19):2369-429. Vários fármacos foram testados e provaram ser eficazes no controle da frequência. Entre eles, estão os betabloqueadores, os bloqueadores dos canais de cálcio não diidropiridínicos e alguns AA, como, por exemplo, a amiodarona e o sotalol. Para a escolha, é importante considerar o grau de sintomas do paciente, o estado hemodinâmico, a função ventricular, os fatores precipitantes da FA e o risco de eventos adversos.
Os betabloqueadores são os medicamentos mais comumente utilizados para o controle da frequência na FA.8282 Olshansky B, Rosenfeld LE, Warner AL, Solomon AJ, O'Neill G, Sharma A, et al. The Atrial Fibrillation Follow-up Investigation of Rhythm Management (AFFIRM) study: approaches to control rate in atrial fibrillation. J Am Coll Cardiol . 2004;43(7):1201-8. Têm como ação principal o bloqueio do tônus adrenérgico por meio da inibição competitiva da ligação catecolaminas-receptores beta. Seus representantes reduzem o declive da despolarização espontânea (fase 4 do potencial de ação), particularmente nas células no nó sinusal e do nó AV (reduzem a condução pelo nó AV). Também aumentam a refratariedade do sistema His-Purkinje. Podem ser seletivos beta-1 (atenolol, bisoprolol, esmolol e metoprolol), não seletivos (propranolol e nadolol) ou não seletivos com efeito no bloqueio alfa-adrenérgico (carvedilol e labetalol). São especialmente úteis na presença de aumento do tônus adrenérgico e na isquemia miocárdica sintomática ocorrendo simultaneamente à FA.8181 Camm AJ, Kirchhof P, Lip GY, Schotten U, Savelieva E, Ernst S, et al. Guidelines for the management of atrial fibrillation: the Task Force for the Management of Atrial Fibrillation of the European Society of Cardiology (ESC). Eur Heart J. 2010;31(19):2369-429. Também são importantes no manejo da frequência elevada nos pacientes portadores de IC com disfunção ventricular, desde que hemodinamicamente estáveis. O uso intravenoso de esmolol, propranolol e metoprolol foi efetivo em casos de FA aguda.8383 Abrams J, Allen J, Allin D, Anderson J, Anderson S, Blanski L, et al. Efficacy and safety of esmolol vs propranolol in the treatment of supraventricular tachyarrhythmias: a multicenter double-blind clinical trial. Am Heart J. 1985;110(5):913-22.
84 Platia EV, Michelson EL, Porterfield JK, Das G. Esmolol versus verapamil in the acute treatment of atrial fibrillation or atrial flutter. Am J Cardiol. 1989;63(13):925-9.-8585 Demircan C, Cikriklar HI, Engindeniz Z, Cebicci H, Atar N, Guler V, et al. Comparison of the effectiveness of intravenous diltiazem and metoprolol in the management of rapid ventricular rate in atrial fibrillation. Emerg Med J. 2005;22(6):411-4. A combinação entre betabloqueadores e outras classes mostrou-se também efetiva no controle da frequência. O uso de carvedilol associado à digoxina auxiliou no controle da frequência bem como na melhora da função ventricular de pacientes portadores de IC.8686 Khand AU, Rankin AC, Martin W, Taylor J, Gemmell I, Cleland JG. Carvedilol alone or in combination with digoxin for the management of atrial fibrillation in patients with heart failure? J Am Coll Cardiol . 2003;42(11):1944-51.
Os bloqueadores de canais de cálcio não diidropiridinicos como o verapamil e o diltiazem bloqueiam os canais de cálcio do tipo L do sistema de condução cardíaco principalmente no nó AV. São eficazes para controle da frequência na FA aguda ou permanente,8787 Ellenbogen KA, Dias VC, Plumb VJ, Heywood JT, Mirvis DM. A placebo-controlled trial of continuous intravenous diltiazem infusion for 24-hour heart rate control during atrial fibrillation and atrial flutter: a multicenter study. J Am Coll Cardiol . 1991;18(4):891-7.
88 Phillips BG, Gandhi AJ, Sanoski CA, Just VL, Bauman JL. Comparison of intravenous diltiazem and verapamil for the acute treatment of atrial fibrillation and atrial flutter. Pharmacotherapy. 1997;17(6):1238-45.-8989 Schamroth L. Immediate effects of intravenous verapamil on atrial fibrillation. Cardiovasc Res. 1971;5(4):419-24. tanto na administração intravenosa quanto oral. O verapamil e o diltiazem não devem ser utilizados em pacientes com disfunção ventricular esquerda ou IC descompensada devido ao seu efeito inotrópico negativo. A associação com outro fármaco (digital, por exemplo) pode permitir doses menores com consequente melhor tolerância.
A digoxina é comumente utilizada mesmo não sendo considerada um agente de primeira linha para o controle da frequência na FA. Atua diretamente na membrana das células atriais, ventriculares e do sistema de condução, com efeito principal no aumento do tônus vagal, reduzindo a automaticidade do nó sinusal e lentificando a condução pelo nó AV. Devido ao seu pico de ação prolongado (aproximadamente 6 horas), não é a melhor opção quando há a necessidade de rápida redução da resposta ventricular.9090 Jordaens L, Trouerbach J, Calle P, Tavernier R, Derycke E, Vertongen P, et al. Conversion of atrial fibrillation to sinus rhythm and rate control by digoxin in comparison to placebo. Eur Heart J. 1997;18(4):643-8. Também é pouco eficaz no controle da resposta ventricular durante o exercício. É muito utilizada nos casos de IC, por não apresentar efeito inotrópico negativo. A dose de digoxina deve ser ajustada conforme nível sérico, devido ao seu perfil de efeitos adversos. Esse ajuste é mais importante em idosos, portadores de insuficiência renal e usuários de outras medicações que reduzem sua excreção (amiodarona, propafenona ou bloqueador do cálcio não diidropirinínico). Em subanálise do estudo AFFIRM (Atrial FibrillationFollow-Up Investigation of Rhythm Management), a digoxina esteve associada com maior mortalidade independente de presença de IC.9191 Whitbeck MG, Charnigo RJ, Khairi P, Zaida K, Bailey AL, Zegarra MM, et al. Increased mortality among patients taking digoxin - analysis from the AFFIRM study. Eur Heart J. 2013;34(20):1481-8. Esses dados não foram confirmados em outra subanálise do mesmo estudo em pacientes que já utilizavam a medicação desde a inclusão,9292 Gheorghiade M, Fonarow GC, Van Veldhuisen DJ, Cleland JG, Butler J, Epstein AE, et al. Lack of evidence of increased mortality among patients with atrial fibrillation taking digoxin: findings from post hoc propensity-matched analysis of the AFFIRM trial. Eur Heart J. 2013;34(20):1489-97. nem em subanálise do estudo RACE II, cujos dados foram recentemente demonstrados.9393 Mulder BA, Van Veldhuisen DJ, Crijns HJ, Tijssen JG, Hillege HL, Hillege HL, et al. Digoxin in patients with permanent atrial fibrillation: data from de RACE II Study. Heart Rhythm. 2014;11(9):1543-50. Já no estudo DIG (The Effectof Digoxin on Mortality and Morbidity in Patients with HeartFailure) houve incremento da mortalidade quando o nível sérico de digoxina esteve > 0,9 mg/mL.9494 Digitalis Investigation Group. The effect of digoxin on mortality and morbidity in patients with heart failure. N Engl J Med. 1997;336(8):525-33.
Finalmente, os AA da classe III atuam prolongando a duração do potencial de ação da célula predominantemente pelo aumento do período refratário. Por serem fármacos com efeito importante na reversão do ritmo, são considerados agentes de segunda linha para controle de frequência e devem ser evitados em pacientes portadores de FA permanente a menos que não haja outra opção.8181 Camm AJ, Kirchhof P, Lip GY, Schotten U, Savelieva E, Ernst S, et al. Guidelines for the management of atrial fibrillation: the Task Force for the Management of Atrial Fibrillation of the European Society of Cardiology (ESC). Eur Heart J. 2010;31(19):2369-429. A amiodarona é considerada o mais potente AA por sua atuação mais abrangente (ação nos canais de sódio, potássio, cálcio e na modulação da adrenalina). Contudo, é menos efetiva no controle da frequência quando comparada aos bloqueadores dos canais de cálcio não diidropiridínicos em pacientes críticos, além de requerer maior tempo para o controle adequado.9595 Siu CW, Lau CP, Lee WL, Lam KF, Tse HF. Intravenous diltiazem is superior to intravenous amiodarone or digoxin for achieving ventricular rate control in patients with acute uncomplicated atrial fibrillation. Crit Care Med. 2009;37(7):2174-9.,9696 Hofmann R, Steinwender C, Kammler J, Kypta A, Leisch F. Effects of a high dose intravenous bolus amiodarone in patients with atrial fibrillation and a rapid ventricular rate. Int J Cardiol. 2006;110(1):27-32. Seu início de ação pode ser acelerado com doses de ataque mais elevadas, porém há o risco de piora hemodinâmica em pacientes hipotensos ou portadores de IC agudamente descompensada. Quanto ao controle da frequência na FA permanente, demonstrou eficácia semelhante à digoxina.9797 Tse HF, Lam YM, Lau CP, Cheung BM, Kumana CR. Comparison of digoxin versus low-dose amiodarone for ventricular rate control in patients with chronic atrial fibrillation. Clin Exp Pharmacol Physiol. 2001;28(5-6):446-50. Seu perfil de eventos adversos (alteração da função tireoidiana, fibrose pulmonar, depósitos na córnea etc.) torna seu uso crônico indesejável. Assim como os demais representantes do grupo, apresenta como efeito adverso o prolongamento do intervalo QT. Conforme já descrito, o sotalol (por seu efeito betabloqueador) também pode ser utilizado no controle da frequência, porém seu uso isolado não é indicado, a menos que o controle do ritmo seja também objetivo8181 Camm AJ, Kirchhof P, Lip GY, Schotten U, Savelieva E, Ernst S, et al. Guidelines for the management of atrial fibrillation: the Task Force for the Management of Atrial Fibrillation of the European Society of Cardiology (ESC). Eur Heart J. 2010;31(19):2369-429. (Quadro 5).
5. Ablação por cateter na fibrilação atrial
A terapia invasiva da FA por meio da ablação por cateter pode ser considerada nos cenários do controle da frequência ou do ritmo.
5.1. Controle da frequência cardíaca
O controle do ritmo com drogas Antiarrítmicas (AA) é o tratamento de escolha na maioria dos pacientes com FA. No entanto, devido à baixa eficácia e aos efeitos adversos desses fármacos, o controle da FC se estabeleceu como estratégia terapêutica aceitável em certos grupos de pacientes, principalmente nos idosos (mais que 65 anos).11 Zimerman LI, Fenelon G, Martinelli Filho M, Grupi C, Atié J, Lorga Filho A, et al; Sociedade Brasileira de Cardiologia. Diretrizes brasileiras de fibrilação atrial. Arq Bras Cardiol. 2009;92(6 supl 1):1-39.,9898 Roy D, Talajic M, Nattel S, Wise DG, Dorian P, Lee KL, et al. Rhythm control versus rate control for atrial fibrillation and heart failure. N Eng J Med. 2008;358(25):2667-77. O uso de fármacos que atuam no nó AV é o método de eleição para controle da FC, mas, nos pacientes resistentes ou intolerantes, o implante de Marca-Passo (MP), associado à ablação da junção AV (indução de bloqueio AV total), pode ser indicado (Quadro 6).
Essa intervenção é simples, com elevada taxa de sucesso e baixo risco de complicações, melhorando a qualidade de vida e reduzindo hospitalizações e incidência de IC quando comparada com o tratamento farmacológico. 9999 Ozcan C, Jahangir A, Friedman PA, Patel PJ, Munger TM, Rea RF, et al. Long-term survival after ablation of the atrioventricular node and implantation of a permanent pacemaker in patients with atrial fibrillation. N Engl J Med. 2001;344(14):1043-51.,100100 Wood MA, Brown-Mahoney C, Kay GN, Ellenbogen KA. Clinical outcomes after ablation and pacing therapy for atrial fibrillation: a meta-analysis. Circulation. 2000;101(10):1138-44. Desvantagens dessa abordagem incluem a dependência do MP, a necessidade de anticoagulação permanente e os efeitos deletérios da dissincronia gerada pela estimulação do ventrículo direito. Nesse aspecto, é importante avaliar criteriosamente a função ventricular, para determinar o tipo de MP (convencional ou ressincronizador) a ser implantado nos pacientes submetidos à ablação da junção AV.101101 Curtis AB, Worley SJ, Adamson PB, Chung ES, Niasi I, Sherfesee L, et al. Biventricular pacing for atrioventricular block and systolic dysfunction. N Engl J Med. 2013;368(17):158-93.
O implante do MP deve preceder à ablação da junção AV em 4 a 6 semanas, a fim de possibilitar adequada maturação dos cabos-eletrodos, posto que o paciente fica dependente do MP. Face ao risco de morte súbita por torsades depointes após a ablação, o dispositivo deve ser programado com frequência elevada (90 a 100bpm), com diminuição progressiva em 3 a 4 semanas. 102102 Wang RX, Lee HC, Hodge DO, Cha YM, Friedman PA, Rea RF, et al. Effect of pacing method on risk of sudden death after atrioventricular node ablation and pacemaker implantation in patients with atrial fibrillation. Heart Rhythm. 2013;10(5):696-701.
Atualmente, a ablação da junção AV com implante de MP é pouco utilizada, sendo mais indicada nos pacientes idosos com muitas comorbidades, intolerância a fármacos ou que não sejam candidatos à ablação da FA [isolamento das Veias Pulmonares − VP e também naqueles em que a FA provoca terapias inapropriadas pelo CDI. 11 Zimerman LI, Fenelon G, Martinelli Filho M, Grupi C, Atié J, Lorga Filho A, et al; Sociedade Brasileira de Cardiologia. Diretrizes brasileiras de fibrilação atrial. Arq Bras Cardiol. 2009;92(6 supl 1):1-39.
5.2. Controle do ritmo
Evidências sólidas indicam que a ablação da FA (isolamento das VP) é mais eficaz do que as drogas AA para controle do ritmo.103103 Calkins H, Reynolds MR, Spector P, Sondhi M, Xu Y, Martin A, et al. Treatment of atrial fibrillation with antiarrhythmic drugs or radiofrequency ablation: two systematic literature reviews and meta-analyses. Circulation Arrhythm Electrophysiol. 2009;2(4):349-61.
104 Piccini JP, Lopes RD, Kong MH, Hasselblad V, Jackson K, Al-Khatib SM. Pulmonary vein isolation for the maintenance of sinus rhythm in patients with atrial fibrillation: a meta-analysis of randomized, controlled trials. Circ Arrhythm Electrophysiol. 2009;2(6):626-33.-105105 Terasawa T, Balk EM, Chung M, Garlitski AC, Alsheikh-Ali AA, Lau J, et al. Systematic review: comparative effectiveness of radiofrequency catheter ablation for atrial fibrillation. Ann Intern Med . 2009;151(3):191-202. Esse sucesso ampliou paulatinamente as indicações para o tratamento intervencionista da FA. Diretrizes internacionais recentes8181 Camm AJ, Kirchhof P, Lip GY, Schotten U, Savelieva E, Ernst S, et al. Guidelines for the management of atrial fibrillation: the Task Force for the Management of Atrial Fibrillation of the European Society of Cardiology (ESC). Eur Heart J. 2010;31(19):2369-429.,106106 Calkins H, Kuck KH, Cappato R, Brugada J, Camm AJ, Chen SA, et al. 2012 HRS/EHRA/ECAS expert consensus statement on catheter and surgical ablation of atrial fibrillation: recommendations for patient selection, procedural techniques, patient management and follow-up, definitions, endpoints, and research trial design: a report of the Heart Rhythm Society (HRS) Task Force on Catheter and Surgical Ablation of Atrial Fibrillation. Heart Rhythm. 2012;9(4):632-96. e21.,107107 January CT, Wann LS, Alpert JS, Calkins H, Cigarroa JE, Cleveland JC Jr, et al. 2014 AHA/ACC/HRS Guideline for the Management of Patients With Atrial Fibrillation: Executive Summary: a Report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Practice Guidelines and the Heart Rhythm Society. Circulation . 2014;130(23):2071-104. indicam a ablação como opção (Classe I) para a falência de uma droga AA e também como primeira escolha (Classe IIa) em pacientes selecionados com FA paroxística, sem doença estrutural. Pacientes com cardiopatia estrutural e FA paroxística igualmente podem ser considerados para ablação como terapia inicial, desde que se suspeite de taquicardiomiopatia e que o paciente deseje realizar ablação (ver figura 2 da página 9).
A eficácia da ablação da FA varia conforme as características clínicas da arritmia e a extensão da cardiopatia de base. As evidências mais robustas de benefício e os melhores resultados são obtidos nos pacientes jovens com FA paroxística/persistente sintomática sem cardiopatia estrutural relevante. 107107 January CT, Wann LS, Alpert JS, Calkins H, Cigarroa JE, Cleveland JC Jr, et al. 2014 AHA/ACC/HRS Guideline for the Management of Patients With Atrial Fibrillation: Executive Summary: a Report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Practice Guidelines and the Heart Rhythm Society. Circulation . 2014;130(23):2071-104.,108108 Leong-Sit P, Zado E, Callans DJ, Garcia F, Lin D, Dixit S, et al. Efficacy and risk of atrial fibrillation ablation before 45 years of age. Circ Arrhythm Electrophysiol. 2010;3(5):452-7. Nesse perfil de pacientes, a intervenção proporciona melhora significativa da sintomatologia e da qualidade de vida. Porém faltam dados que comprovem o benefício do procedimento nos pacientes muito idosos, com FA persistente de longa duração, ou IC avançada.107107 January CT, Wann LS, Alpert JS, Calkins H, Cigarroa JE, Cleveland JC Jr, et al. 2014 AHA/ACC/HRS Guideline for the Management of Patients With Atrial Fibrillation: Executive Summary: a Report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Practice Guidelines and the Heart Rhythm Society. Circulation . 2014;130(23):2071-104. A indicação para pacientes assintomáticos ainda não está estabelecida, sendo motivo de grande controvérsia.8181 Camm AJ, Kirchhof P, Lip GY, Schotten U, Savelieva E, Ernst S, et al. Guidelines for the management of atrial fibrillation: the Task Force for the Management of Atrial Fibrillation of the European Society of Cardiology (ESC). Eur Heart J. 2010;31(19):2369-429.,106106 Calkins H, Kuck KH, Cappato R, Brugada J, Camm AJ, Chen SA, et al. 2012 HRS/EHRA/ECAS expert consensus statement on catheter and surgical ablation of atrial fibrillation: recommendations for patient selection, procedural techniques, patient management and follow-up, definitions, endpoints, and research trial design: a report of the Heart Rhythm Society (HRS) Task Force on Catheter and Surgical Ablation of Atrial Fibrillation. Heart Rhythm. 2012;9(4):632-96. e21.,107107 January CT, Wann LS, Alpert JS, Calkins H, Cigarroa JE, Cleveland JC Jr, et al. 2014 AHA/ACC/HRS Guideline for the Management of Patients With Atrial Fibrillation: Executive Summary: a Report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Practice Guidelines and the Heart Rhythm Society. Circulation . 2014;130(23):2071-104. Ainda não existem evidências de que a intervenção seja superior a dos fármacos AA, no tocante à redução de desfechos duros, como mortalidade, IC e acidentes vasculares cerebrais. Estudos em andamento estão avaliando esses pontos.109109 Packer DL, Lee KL, Mark DB, et al. Catheter Ablation vs Antiarrhythmic Drug Therapy for Atrial Fibrillation: Results of the CABANA Pilot Study. In: 59(th) American College of Cardiology Annual Scientific Sessions, March 15, 2010. Atlanta; 2010.
O objetivo principal da ablação de FA é o isolamento elétrico das VP. Dentre as várias técnicas disponíveis para esse fim, a ablação por RF convencional ponto a ponto, com auxílio de mapeamento eletroanatômico e/ou ecocardiografia intracardíaca, é a mais utilizada.110110 Wilber DJ, Pappone C, Neuzil P, De Paola A, Marchlinski F, Natale A, et al. Comparison of antiarrhythmic drug therapy and radiofrequency catheter ablation in patients with paroxysmal atrial fibrillation: a randomized controlled trial. JAMA. 2010;303(4):333-40.
111 Morillo CA, Verma A, Connolly SJ, Kuck KH, Nair GM, Champagne J, et al. Radiofrequency ablation vs antiarrhythmic drugs as first-line treatment of paroxysmal atrial fibrillation (RAAFT-2): a randomized trial. JAMA. 2014;311(7):692-700.-112112 Kim SS, Hijazi ZM, Lang RM, Knight BP. The use of intracardiac echocardiography and other intracardiac imaging tools to guide noncoronary cardiac interventions. J Am Coll Cardiol. 2009;53(23):2117-28. A crioablação, que utiliza cateter balão para obter o isolamento circunferencial das VP, é uma técnica alternativa igualmente validada. 107107 January CT, Wann LS, Alpert JS, Calkins H, Cigarroa JE, Cleveland JC Jr, et al. 2014 AHA/ACC/HRS Guideline for the Management of Patients With Atrial Fibrillation: Executive Summary: a Report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Practice Guidelines and the Heart Rhythm Society. Circulation . 2014;130(23):2071-104.,113113 Packer DL, Kowal RC, Wheelan KR, Irwin JM, Champagne J, Guerra PG, et al. Cryoballoon ablation of pulmonary veins for paroxysmal atrial fibrillation: first results of the North American Arctic Front (STOP AF) pivotal trial. J Am Coll Cardiol. 2013;61(16):1713-23.,114114 Andrade JG, Khairy P, Guerra PG, Deyell MW, Richard L, Macie L, et al. Efficacy and safety of cryoballoon ablation for atrial fibrillation: a systematic review of published studies. Heart Rhythm. 2011;8(9):1444-51. Cateteres multipolares em forma espiral capazes de liberar energia de RF por meio de todos os eletrodos simultaneamente115115 Hummel J, Michaud G, Hoyt R, DeLurgio D, Rasekh A, Kusumoto F, et al; TTOP-AF Investigators. Phased RF ablation in persistent atrial fibrillation. Heart Rhythm. 2014;11(2):202-9. e cateteres balão a laser116116 Dukkipati SR, Kuck KH, Neuzil P, Woollett I, Kautzner J, McElderry HT, et al. Pulmonary vein isolation using a visually guided laser balloon catheter: the first 200-patient multicenter clinical experience. Circ Arrhythm Electrophysiol. 2013;6(3):467-72. também vêm ganhando espaço para criar lesões ao redor das VP.
Os alvos eletrofisiológicos do procedimento de ablação variam de acordo com o tipo da FA.8181 Camm AJ, Kirchhof P, Lip GY, Schotten U, Savelieva E, Ernst S, et al. Guidelines for the management of atrial fibrillation: the Task Force for the Management of Atrial Fibrillation of the European Society of Cardiology (ESC). Eur Heart J. 2010;31(19):2369-429.,106106 Calkins H, Kuck KH, Cappato R, Brugada J, Camm AJ, Chen SA, et al. 2012 HRS/EHRA/ECAS expert consensus statement on catheter and surgical ablation of atrial fibrillation: recommendations for patient selection, procedural techniques, patient management and follow-up, definitions, endpoints, and research trial design: a report of the Heart Rhythm Society (HRS) Task Force on Catheter and Surgical Ablation of Atrial Fibrillation. Heart Rhythm. 2012;9(4):632-96. e21.,107107 January CT, Wann LS, Alpert JS, Calkins H, Cigarroa JE, Cleveland JC Jr, et al. 2014 AHA/ACC/HRS Guideline for the Management of Patients With Atrial Fibrillation: Executive Summary: a Report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Practice Guidelines and the Heart Rhythm Society. Circulation . 2014;130(23):2071-104. O isolamento das VP, via de regra, é suficiente para os casos paroxísticos. Nas formas persistentes, principalmente as de longa duração, com átrios já remodelados, abordagens adicionais são muitas vezes necessárias, incluindo a criação de lesões lineares,117117 Jones DG, Haldar SK, Jarman JW, Johar S, Hussain W, Markides V, et al. Impact of stepwise ablation on the biatrial substrate in patients with persistent atrial fibrillation and heart failure. Circ Arrhythm Electrophysiol. 2013;6(4):761-8. e a ablação de potenciais fragmentados complexos,118118 Verma A, Sanders P, Champagne J, Macle L, Nair GM, Calkins H, et al. Selective complex fractionated atrial electrograms targeting for atrial fibrillation study (SELECT AF): a multicenter, randomized trial. Circ Arrhythm Electrophysiol. 2014;7(1):55-62. de plexos ganglionares,119119 Scherlag BJ, Jackman WM. Unravelling the paradoxical effects of ganglia ablation. Circ Arrhythm Electrophysiol . 2014;7(4):570-2. de ninhos de FA identificados por análise espectral120120 Pachon M JC, Pachon M EI, Pachon M JC, Lobo TJ, Pachon MZ, Vargas RN, et al. A new treatment for atrial fibrillation based on spectral analysis to guide the catheter RF-ablation. Europace . 2004;6(6):590-601. Erratum in: Europace . 2005;7(1):92-3.,121121 Mateos JC, Mateos EI, Lobo TJ, Pachón MZ, Mateos JC, Pachón DQ, et al. Radiofrequency catheter ablation of atrial fibrillation guided by spectral mapping of atrial fibrillation nests in sinus rhythm. Arq Bras Cardiol. 2007;89(3):124-34, 140-50. e, mais recentemente, de rotores. 122122 Narayan SM, Baykaner T, Clopton P, Schricker A, Lalani GG, Krummen DE, et al. Ablation of rotor and focal sources reduces late recurrence of atrial fibrillation compared with trigger ablation alone: extended follow-up of the CONFIRM trial (Conventional Ablation for Atrial Fibrillation With or Without Focal Impulse and Rotor Modulation). J Am Coll Cardiol . 2014;63(17):1761-8.
O tipo da arritmia e a extensão do substrato atrial têm influência direta no sucesso da ablação: na FA paroxística e persistente em átrios normais (ou pouco alterados), os resultados são excelentes, com sucesso de aproximadamente 70% sem uso de fármacos AA e de 80 a 90% quando são associadas drogas. 110110 Wilber DJ, Pappone C, Neuzil P, De Paola A, Marchlinski F, Natale A, et al. Comparison of antiarrhythmic drug therapy and radiofrequency catheter ablation in patients with paroxysmal atrial fibrillation: a randomized controlled trial. JAMA. 2010;303(4):333-40.,111111 Morillo CA, Verma A, Connolly SJ, Kuck KH, Nair GM, Champagne J, et al. Radiofrequency ablation vs antiarrhythmic drugs as first-line treatment of paroxysmal atrial fibrillation (RAAFT-2): a randomized trial. JAMA. 2014;311(7):692-700.,113113 Packer DL, Kowal RC, Wheelan KR, Irwin JM, Champagne J, Guerra PG, et al. Cryoballoon ablation of pulmonary veins for paroxysmal atrial fibrillation: first results of the North American Arctic Front (STOP AF) pivotal trial. J Am Coll Cardiol. 2013;61(16):1713-23. No entanto, os resultados ainda são desapontadores nas formas persistentes de longa duração ou quando o AE apresenta dilatação importante (maior que 50 mm). 103103 Calkins H, Reynolds MR, Spector P, Sondhi M, Xu Y, Martin A, et al. Treatment of atrial fibrillation with antiarrhythmic drugs or radiofrequency ablation: two systematic literature reviews and meta-analyses. Circulation Arrhythm Electrophysiol. 2009;2(4):349-61.
104 Piccini JP, Lopes RD, Kong MH, Hasselblad V, Jackson K, Al-Khatib SM. Pulmonary vein isolation for the maintenance of sinus rhythm in patients with atrial fibrillation: a meta-analysis of randomized, controlled trials. Circ Arrhythm Electrophysiol. 2009;2(6):626-33.-105105 Terasawa T, Balk EM, Chung M, Garlitski AC, Alsheikh-Ali AA, Lau J, et al. Systematic review: comparative effectiveness of radiofrequency catheter ablation for atrial fibrillation. Ann Intern Med . 2009;151(3):191-202. Desse modo, a ablação deve ser indicada precocemente, antes que ocorra progressão da arritmia e remodelação atrial significativa. 123123 Bunch TJ, May HT, Bair TL, Johnson DL, Weiss JP, Crandall BG, et al. Increasing time between first diagnosis of atrial fibrillation and catheter ablation adversely affects long-term outcomes. Heart Rhythm. 2013;10(9):1257-62.
A despeito de sua comprovada eficácia, a ablação da FA é um procedimento de alta complexidade, com risco de complicações maiores em torno de 4,5%,107107 January CT, Wann LS, Alpert JS, Calkins H, Cigarroa JE, Cleveland JC Jr, et al. 2014 AHA/ACC/HRS Guideline for the Management of Patients With Atrial Fibrillation: Executive Summary: a Report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Practice Guidelines and the Heart Rhythm Society. Circulation . 2014;130(23):2071-104.,124124 Cappato R, Calkins H, Chen SA, Davies W, Iesaka Y, Kalman J, et al. Updated worldwide survey on the methods, efficacy, and safety of catheter ablation for human atrial fibrillation. Circ Arrhythm Electrophysiol . 2010;3(1):32-8.
125 Arbelo E, Brugada J, Hindricks G, Maggioni A, Tavazzi L, Vardas P, et al. ESC-EURObservational Research Programme: the Atrial Fibrillation Ablation Pilot Study, conducted by the European Heart Rhythm Association. Europace . 2012;14(8):1094-103.-126126 Shah RU, Freeman JV, Shilane D, Wang PJ, Go AS, Hlatky MA. Procedural complications, rehospitalizations, and repeat procedures after catheter ablation for atrial fibrillation. J Am Coll Cardiol . 2012;59(2):143-9. incluindo tamponamento cardíaco (1,3 a 3,8%), fístula átrio-esofágica (0,04%), Acidente Vascular Cerebral AVC ou Ataque Isquêmico Transitório (AIT) (0,94%), e óbito (0,15%). Essas observações reforçam a recomendação de que a ablação de FA seja realizada apenas por grupos experimentados.
A ablação de FA não é curativa. Recorrências são comuns, ocorrendo devido à reconexão das VP ou à progressão do substrato atrial.127127 Ouyang F, Tilz R, Chun J, Schmidt B, Wissner E, Zerm T, et al. Long-term results of catheter ablation in paroxysmal atrial fibrillation: lessons from a 5-year follow-up. Circulation. 2010;122(23):2368-77. Nesses casos, um novo procedimento de ablação pode ser necessário.128128 Pokushalov E, Romanov A, De Melis M, Artyomenko S, Baranova V, Losik D, et al. Progression of atrial fibrillation after a failed initial ablation procedure in patients with paroxysmal atrial fibrillation: a randomized comparison of drug therapy versus reablation. Circ Arrhythm Electrophysiol . 2013;6(4):754-60. Após a ablação, todos os pacientes devem ser anticoagulados por 2 a 3 meses.8181 Camm AJ, Kirchhof P, Lip GY, Schotten U, Savelieva E, Ernst S, et al. Guidelines for the management of atrial fibrillation: the Task Force for the Management of Atrial Fibrillation of the European Society of Cardiology (ESC). Eur Heart J. 2010;31(19):2369-429.,106106 Calkins H, Kuck KH, Cappato R, Brugada J, Camm AJ, Chen SA, et al. 2012 HRS/EHRA/ECAS expert consensus statement on catheter and surgical ablation of atrial fibrillation: recommendations for patient selection, procedural techniques, patient management and follow-up, definitions, endpoints, and research trial design: a report of the Heart Rhythm Society (HRS) Task Force on Catheter and Surgical Ablation of Atrial Fibrillation. Heart Rhythm. 2012;9(4):632-96. e21.,107107 January CT, Wann LS, Alpert JS, Calkins H, Cigarroa JE, Cleveland JC Jr, et al. 2014 AHA/ACC/HRS Guideline for the Management of Patients With Atrial Fibrillation: Executive Summary: a Report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Practice Guidelines and the Heart Rhythm Society. Circulation . 2014;130(23):2071-104. Ao final desse prazo, a suspensão dos anticoagulantes está autorizada apenas nos pacientes com baixo risco de fenômenos tromboembólicos.129129 Themistoclakis S, Corrado A, Marchlinski FE, Jais P, Zado E, Rossillo A, et al. The risk of thromboembolism and need for oral anticoagulation after successful atrial fibrillation ablation. J Am Coll Cardiol. 2010;55(8):735-43.,130130 Saad EB, D'Avila A, Costa IP, Aryana A, Slater C, Costa R, et al. Very low risk of thromboembolic events in patients undergoing successful catheter ablation of atrial fibrillation with a CHADS2 score < 3: a long-term outcome study. Circ Arrhythm Electrophysiol. 2011;4(5):615-21. Como recorrências tardias e assintomáticas da FA podem acontecer, principalmente após a ablação,131131 Wokhlu A, Hodge DO, Monahan KH, Asirvatham SJ, Friedman PA, Munger TM, et al. Long-term outcome of atrial fibrillation ablation: impact and predictors of very late recurrence. J Cardiovasc Electrophysiol. 2010;21(10):1071-8.,132132 Verma A, Champagne J, Sapp J, Essebag V, Novak P, Skanes A, et al. Discerning the incidence of symptomatic and asymptomatic episodes of atrial fibrillation before and after catheter ablation (DISCERN AF): a prospective, multicenter study. JAMA Intern Med. 2013;173(2):149-56. é necessário monitorar o paciente por períodos prologados, para assegurar o controle da arritmia.
Com relação aos resultados de longo prazo, uma revisão da literatura mostra que, de 2003 a 2011, foram publicados 19 estudos que avaliavam o resultado da ablação da FA em longo prazo, considerando um tempo de seguimento superior a 3 anos (média maior que 24 meses), num total de 6.167 pacientes. 133133 Ganesan AN, Shipp NJ, Brooks AG, Kuklik P, Lau DH, Lim HS, et al. Long-term outcomes of catheter ablation of atrial fibrillation: a systematic review and meta-analysis. J Am Heart Assoc. 2013;2(2):e004549. Nesta metanálise, em 11 estudos, foram mostrados os resultados de longo prazo da ablação da FA paroxística; em 6, da FA não paroxística; e em outros 6, englobaram os resultados da FA paroxística e não paroxística. O isolamento das VP, por meio de ablação circunferencial antral extensa ou isolamento segmentar, foi a técnica predominante. No seguimento de longo prazo, superior a 3 anos, a taxa de sucesso global foi 53,1% (Intervalo de Confiança de 95% − IC95%: 46,2% - 60,0%). Com relação aos resultados da ablação da FA paroxística e não paroxística, a taxa de sucesso global foi 54,1% (IC95%: 44,4% - 63,4%) e 41,8% (IC95%: 25,2% - 60,5%) respectivamente.
Em se tratando a ablação por cateter, que constitui um procedimento de alto grau de complexidade, não é surpresa que os riscos de complicações sejam mais altos que os observados em ablações de outras arritmias. A incidência de complicações maiores foi avaliada em dois grandes levantamentos multicêntricos de alcance global. 124124 Cappato R, Calkins H, Chen SA, Davies W, Iesaka Y, Kalman J, et al. Updated worldwide survey on the methods, efficacy, and safety of catheter ablation for human atrial fibrillation. Circ Arrhythm Electrophysiol . 2010;3(1):32-8.,134134 Cappato R, Calkins H, Chen SA, Davies W, Iesaka Y, Kolman J, et al. Worldwide survey on the methods, efficacy, and safety of catheter ablation for human atrial fibrillation. Circulation. 2005;111(9):1100-5.,135135 Cappato R, Calkins H, Chen SA, Davies W, Iesaka Y, Kolman J, et al. Prevalence and causes of fatal outcome in catheter ablation of atrial fibrillation. J Am Coll Cardiol 2009;53(19):1798-803. Em que pese o caráter voluntário na coleta desses dados, tais levantamentos nos permitiram reconhecer as complicações mais graves e prevalentes. No primeiro, 6% dos pacientes tiveram pelo menos uma complicação maior, com quatro mortes precoces em 8.745 pacientes. As complicações mais frequentes e temidas foram: tamponamento cardíaco, estenose de VP, fístula átrio-esofágica, lesão do nervo vago e AVC ou embolia sistêmica.
As indicações para a ablação da FA estão elencadas no quadro 7.
Recomendações para a ablação por cateter da fibrilação atrial para manutenção do ritmo sinusal
6. Novas tecnologias de mapeamento e ablação
Desde o advento da ablação da FA, em 1998,136136. Lavergne T, Jaïs P, Bruszewski W, Shah DC, Bruneval P, Takahashi A, et al. Segment by segment linear ablation with an articulated bilimb catheter: initial experimental results. Pacing Clin Electrophysiol . 1998;21(11 Pt 2):2539-46. várias técnicas e novas tecnologias vem sendo incorporadas, para melhorar seus resultados e diminuir suas complicações.
Recomendações para uso de anticoagulantes em situações especiais inicial, cujo objetivo era encontrar gatilhos dentro das VP utilizando o sistema tradicional de mapeamento eletrofisiológico, sem nenhuma sofisticação, e ablacioná-los com cateteres clássicos com ponta de 4 mm, já se passaram 15 anos. Inúmeros avanços tecnológicos ocorreram, tanto nos sistemas de mapeamento quanto nos cateteres que utilizamos para mapeamento e ablação do AE.
Atualmente, a utilização de sistemas de mapeamento tridimensional para a ablação da FA é considerada no mundo inteiro o tratamento padrão. Com o objetivo de orientar visualmente o operador no entendimento da complexidade anatômica do AE, assim como na localização do cateter, eles permitiram a diminuição da quantidade de radiação para o paciente e para toda a equipe envolvida no procedimento.
Hoje dispomos de diferentes sistemas de mapeamento, assim como de diferentes formas de energia para ablação, alguns já existem no nosso meio há mais de 10 anos, outros já foram aprovados para uso em humanos, mas ainda não estão liberados para uso no Brasil.
7. Sistemas de mapeamento tridimensional
Os sistemas de mapeamento tridimensional auxiliam na visão direta do cateter, ao navegar em uma anatomia tridimensional, orientação esta que não pode ser visualizada pela radioscopia bidimensional utilizada tradicionalmente nos laboratórios de hemodinâmica e eletrofisiologia.137137 Piorkowski C, Hindricks G, Schreiber D, Tanner H, Weise W, Koch A, et al. Electroanatomic reconstruction of the left atrium, pulmonary veins, and esophagus compared with the "true anatomy" on multislice computed tomography in patients undergoing catheter ablation of atrial fibrillation. Heart Rhythm. 2006;3(3):317-27.
138 Khaykin Y, Oosthuizen R, Zarnett L, Wulffhart ZA, Whaley B, Hill C, et al. CARTO-guided vs. NavX-guided pulmonary vein antrum isolation and pulmonary vein antrum isolation performed without 3-D mapping: effect of the 3-D mapping system on procedure duration and fluoroscopy time. J Interv Card Electrophysiol. 2011;30(3):233-40.-139139 Macías R, Uribe I, Tercedor L, Jiménez J, Barrio T, Alvarez M. A zero-fluoroscopy approach to cavotricuspid isthmus catheter ablation: comparative analysis of two electroanatomical mapping systems. Pacing Clin Electrophysiol. 2014;37(8):1029-37.
Ambos os sistemas, apesar de tecnologicamente diferentes, têm utilização semelhante, no que tange ao mapeamento e na ablação da FA. Basicamente, possibilitam reconstruir de forma tridimensional o AE e as VP poe meio da mobilização de um cateter posicionado na cavidade e em contato direto com a parede do AE. É reconhecido que, com o uso desses sistemas, existe uma significativa redução de exposição ao raio X.140140 Rotter M, Takahashi Y, Sanders P, Haissaguerre M, Jais P, Hsu LF, et al. Reduction of fluoroscopy exposure and procedure duration during ablation of atrial fibrillation using a novel anatomical navigation system. Eur Heart J. 2005;26(14):1415-21.
Softwares mais modernos permitem ainda a fusão da imagem angiotomográfica ou de angiorressonância do AE, com o mapa gerado pelo sistema com a manipulação do cateter, aumentando a acurácia do procedimento e facilitando ainda mais a navegação.141141 Caponi D, Corleto A, Scaglione M, Blandino A, Biasco L, Cristoforetti Y, et al. Ablation of atrial fibrillation: does the addition of three-dimensional magnetic resonance imaging of the left atrium to electroanatomic mapping improve the clinical outcome?: a randomized comparison of Carto-Merge vs. Carto-XP three-dimensional mapping ablation in patients with paroxysmal and persistent atrial fibrillation. Europace . 2010;12(8):1098-104.
Como já referido, outros sistemas de mapeamento tridimensionais já estão disponíveis, mas ainda não são amplamente difundidos e testados, sobretudo no Brasil. 142142 Sommer P, Richter S, Hindricks G, Rolf S. Non-fluoroscopic catheter visualization using MediGuide(tm) technology: experience from the first 600 procedures. J Interv Card Electrophysiol. 2014;40(3):209-14.,143143 Bourier F, Fahrig R, Wang P, Santangeli P, Kurzidim K, Strobel N, et al. Accuracy assessment of catheter guidance technology in electrophysiology procedures: a comparison of a new 3D-based fluoroscopy navigation system to current electroanatomic mapping systems. J Cardiovasc Electrophysiol. 2014;25(1):74-83. Há consenso entre os especialistas brasileiros de que o uso do mapeamento tridimensional aumenta a segurança do procedimento.
8. Ecocardiograma intracardíaco
O Ecocardiograma Intracardíaco (ICE - abreviatura do inglês intracardiac echocardiogram) consiste na utilização de uma sonda de ecocardiograma especial, posicionada no átrio direito, sendo hoje um ótimo recurso adjuvante nos procedimentos de ablação.
Permite auxílio na punção transeptal, diminuindo as complicações do procedimento;144144 Lakkireddy D, Rangisetty U, Prasad S, Verma A, Biria M, Berenbom L, et al. Intracardiac echo-guided radiofrequency catheter ablation of atrial fibrillation in patients with atrial septal defect or patent foramen ovale repair: a feasibility, safety, and efficacy study. J Cardiovasc Electrophysiol. 2008;19(11):1137-42. possibilita visualização dos óstios das VP, assim como do cateter multipolar, que é colocado no antro das VP;145145 Jongbloed MR, Bax JJ, de Groot NM, Dirksen MS, Lamb HJ, de Roos A, et al. Radiofrequency catheter ablation of paroxysmal atrial fibrillation; guidance by intracardiac echocardiography and integration with other imaging techniques. Eur J Echocardiogr. 2003;4(1):54-8. e, além disso, pode ser útil na monitorização em tempo real de possíveis complicações, como o aparecimento de trombo na ponta do cateter ou na bainha, e o surgimento de efusões pericárdicas.146146 Wazni OM, Rossillo A, Marrouche NF, Saad EB, Martin DO, Bhargava M, et al. Embolic events and char formation during pulmonary vein isolation in patients with atrial fibrillation: impact of different anticoagulation regimens and importance of intracardiac echo imaging. J Cardiovasc Electrophysiol. 2005;16(6):576-81. Há consenso entre os especialistas brasileiros de que o uso do ICE aumenta a segurança do procedimento.
9. Angiografia rotacional
A angiografia rotacional para mapeamento e ablação da FA é um método radiológico utilizado para se adquirir a imagem do AE no laboratório de eletrofisiologia utilizando um equipamento de hemodinâmica básico.147147 Yeh DT, Oralkan O, Wygant IO, O'Donnell M, Khuri-Yakub BT. 3D ultrasound imaging using a forward-looking CMUT ring array for intravascular/intracardiac applications. IEEE Trans Ultrason Ferroelectr Freq Control. 2006;53(6):1202-11.,148148 Singh SM, Heist EK, Donaldson DM, Collins RM, Chevalier J, Mela T, et al. Image integration using intracardiac ultrasound to guide catheter ablation of atrial fibrillation. Heart Rhythm. 2008;5(11):1548-55. A qualidade da imagem é muito próxima de uma tomografia, mas é feita em tempo real no laboratório, podendo a imagem ser utilizada como memória no ato do mapeamento para a navegação dos cateteres.149149 Kriatselis C, Tang M, Roser M, Fleck E, Gerds-Li H. A new approach for contrast-enhanced X-ray imaging of the left atrium and pulmonary veins for atrial fibrillation ablation: rotational angiography during adenosine-induced asystole. Europace . 2009;11(1):35-41.,150150 Li JH, Haim M, Movassaghi B, Mendel JB, Chaudhry GM, Haffajee CI, et al. Segmentation and registration of three-dimensional rotational angiogram on live fluoroscopy to guide atrial fibrillation ablation: a new online imaging tool. Heart Rhythm. 2009;6(2):231-7. A desvantagem desse método em relação ao mapeamento tridimensional, descrito acima, é a utilização de contraste iônico, além de uma grande quantidade de radiação.
10. Tecnologias dos cateteres de ablação
Atualmente, os cateteres de ablação irrigados são utilizados em praticamente todos os procedimentos.151151 Yamamoto T, Yamada T, Yoshida Y, Inden Y, Tsuboi N, Suzuki H, et al. Comparison of the change in the dimension of the pulmonary vein ostia immediately after pulmonary vein isolation for atrial fibrillation-open irrigated-tip catheters versus non-irrigated conventional 4 mm-tip catheters. J Interv Card Electrophysiol. 2014;41(1):83-90.,152152 Stabile G, Bertaglia E, Pappone A, Themistoclakis S, Tondo C, Calzolari V, et al. Low incidence of permanent complications during catheter ablation for atrial fibrillation using open-irrigated catheters: a multicentre registry. Europace. 2014;16(8):1154-9. Mais recentemente, os cateteres irrigados passaram a estar disponíveis também com a tecnologia de controle de contato, que é capaz de medir a intensidade da interação cateter-miocárdio, parecendo aumentar a eficácia da lesão com a diminuição das complicações.153153 Okumura Y, Johnson SB, Bunch TJ, Henz BD, O'Brien CJ, Packer DL. A systematical analysis of in vivo contact forces on virtual catheter tip/tissue surface contact during cardiac mapping and intervention. J Cardiovasc Electrophysiol. 2008;19(6):632-40.
154 Yokoyama KN, Shah DC, Lambert H, Leo G, Aeby N, Ikeda A, et al. Novel contact force sensor incorporated in irrigated radiofrequency ablation catheter predicts lesion size and incidence of steam pop and thrombus. Circ Arrhythm Electrophysiol. 2008;1(5):354-62.
155 Schmidt B, Kuck KH, Shah D, Reddy V, Saoudi N, Herrera C, et al. Toccata multi-center clinical study using irrigated ablation catheter with integrated contact force sensor: first results. Heart Rhythm. 2009;6:S536.-156156 Natale A, Reddy VY, Monir G, Wilber DJ, Lindsay BD, McElderry HT, et al. Paroxysmal AF catheter ablation with a contact force sensing catheter: results of the prospective, multicenter SMART-AF trial. J Am Coll Cardiol . 2014;64(7):647-56.
Diversos cateteres de ablação vêm sendo desenvolvidos e estudados, muitos já em uso. Multieletrodos para ablação, irrigados ou não,157157 Richter B, Gwechenberger M, Kriegisch M, Albinni S, Marx M, Gössinger HD. Combined circular multielectrode catheter and point-by-point ablation is superior to point-by-point ablation alone in eliminating atrial fibrillation. Int J Cardiol . 2013;168(4):3721-7.
158 Shin DI, Kirmanoglou K, Eickholt C, Schmidt J, Clasen L, Butzbach B, et al. Initial results of using a novel irrigated multielectrode mapping and ablation catheter for pulmonary vein isolation. Heart Rhythm. 2014;11(3):375-83.-159159 Rosso R, Halkin A, Michowitz Y, Belhassen B, Glick A, Viskin S. Radiofrequency ablation of paroxysmal atrial fibrillation with the new irrigated multipolar nMARQ ablation catheter: verification of intracardiac signals with a second circular mapping catheter. Heart Rhythm. 2014;11(4):559-65. com aplicação de energia unipolar ou bipolar, cateteres balão, entre outros: as pesquisas continuam e a vantagem tecnológica almejada visa à redução do tempo do procedimento, aliado à segurança. O isolamento da VP com uma ou duas aplicações já se mostra realidade.
Apesar de presentes, estudos mais robustos precisam ser realizados para definirmos, de forma mais precisa, sua segurança e efetividade.
Quanto às novas fontes de energia, existem disponíveis três variedades, todas já em utilização nesses cateteres: ultrassom, laser e crioterapia. Destaque pode ser dado a crioterapia, que vem sendo amplamente estudada e utilizada fora do nosso país. Diversos estudos demonstram sua grande efetividade, porém não são isentos de complicações. Relatos de estenose de VP e lesão de nervo frênico160160 Oswald H, Gardiwal A, Lusebrink U, Klein G. Left atrial substrate ablation in addition to pulmonary vein isolation in paroxysmal atrial fibrillation using a large 28-mm cryoballoon. Pacing Clin Electrophysiol. 2009;32(2):273-4.
161 Chun KR, Schmidt B, Metzner A, Tilz R, Zerm T, Koster I, et al. The "single big cryoballoon" technique for acute pulmonary vein isolation in patients with paroxysmal atrial fibrillation: a prospective observational single centre study. Eur Heart J. 2009;30(6):699-709.
162 Mondésert B, Andrade JG, Khairy P, Guerra PG, Dyrda K, Macle L, et al. Clinical experience with a novel electromyographic approach to preventing phrenic nerve injury during cryoballoon ablation in atrial fibrillation. Circ Arrhythm Electrophysiol. 2014;7(4):605-11.-163163 Aryana A, Morkoch S, Bailey S, Lim HW, Sara R, d'Avila A, et al. Acute procedural and cryoballoon characteristics from cryoablation of atrial fibrillation using the first- and second-generation cryoballoon: a retrospective comparative study with follow-up outcomes. J Interv Card Electrophysiol. 2014;41(2):177-86. ainda alertam para se ter cautela para uso em larga escala.
11. Tecnologias de navegação robótica
A elevada exposição à radiação imposta pela maioria das modalidades de ablação fez surgir a navegação robótica. Fora do Brasil dois tipos dessa navegação estão disponíveis: a navegação robótica remota e a navegação remota magnética.164164 Saliba W, Reddy VY, Wazni O, Cummings JE, Burkhardt JD, Haissaguerre M, et al. Atrial fibrillation ablation using a robotic catheter remote control system: initial human experience and long-term follow-up results. J Am Coll Cardiol. 2008;51(25):2407-11.
165 Pappone C, Vicedomini G, Manguso F, Gugliotta F, Mazzone P, Gulletta S, et al. Robotic magnetic navigation for atrial fibrillation ablation. J Am Coll Cardiol. 2006;47(7):1390-400.-166166 Di Biase L, Fahmy TS, Patel D, Bai R, Civello K, Wazni OM, et al. Remote magnetic navigation: human experience in pulmonary vein ablation. J Am Coll Cardiol. 2007;50(9):868-74. Aliado à principal vantagem do operador não estar dentro do ambiente da radioscopia, diminuindo a exposição à radiação, a maior rapidez da curva de aprendizado para a realização das ablações complexas parece ser uma importante contribuição dessa modalidade. No entanto, não existem, até o momento, estudos que comprovem maior sucesso ou a diminuição das complicações com esses sistemas, e o elevado custo ainda se mostra uma grande barreira a ser vencida.
12. Tratamento cirúrgico da fibrilação atrial
Vários procedimentos foram desenvolvidos para o tratamento cirúrgico da FA desde a década de 1980.167167 Guden M, Akpinar B, Sanisoglu I, Sagbas E, Bayindir O. Intraoperative salineirrigated radiofrequency modified Maze procedure for atrial fibrillation. Ann Thorac Surg. 2002;74(4):S1301-6. Guiraudon at al.168168 Guiraudon GM, Campbell CS, Jones DL. Combined sinoatrial node atrioventricular node isolation: a surgical alternative to his bundle ablation in patients with atrial fibrillation. Circulation . 1985;72(Suppl 2):III-220. descreveram o "procedimento do corredor" em 1985. Eles criaram um corredor entre o nó sinusal e o nó AV, que restaurava o ritmo regular. Porém o sucesso com a cirurgia do corredor foi limitado pela perda da função atrial de transporte, pois a maioria do tecido muscular atrial permanecia em FA. Baseado em estudos de mapeamento da FA em animais e humanos, Cox at al.169169 Cox JL, Schuessler RB, D'Agostino HJ Jr, Stone CM, Chang BC, Cain ME, et al. The surgical treatment of atrial fibrillation. III. Development of a definitive surgical procedure. J Thorac Cardiovasc Surg. 1991;101(4):569-83. desenvolveram um procedimento cirúrgico (procedimento de Cox-Maze) que controla a FA em mais de 90% dos pacientes selecionados. No procedimento original, o apêndice atrial é ressecado, e as VP são isoladas. Incisões apropriadas nos átrios não só interrompem a principal rota do circuito de reentrada mais comum, como também direcionam o impulso sinusal direto do nó sinusal para o nó AV, por uma rota específica.169169 Cox JL, Schuessler RB, D'Agostino HJ Jr, Stone CM, Chang BC, Cain ME, et al. The surgical treatment of atrial fibrillation. III. Development of a definitive surgical procedure. J Thorac Cardiovasc Surg. 1991;101(4):569-83.,170170 Cox JL, Boineau JP, Schuessler RB, Jaquiss RD, Lappas DG. Modification of the Maze procedure for atrial flutter and atrial fibrillation. I. Rationale and surgical results. J Thorac Cardiovasc Surg . 1995;110(2):473-84. Embora resultados encorajadores e de sucesso tenham sido obtidos, a técnica cirúrgica original, a cirurgia de Cox-Maze I, foi modificada para se tornar cirurgia de Cox-Maze II, por conta de problemas cronotrópicos tardios, com a ablação cirúrgica do nó sinusal e o retardo da condução intra-atrial, que resultavam em diminuição da contração atrial.
No entanto, a cirurgia de Cox-Maze II mostrou-se tecnicamente difícil de ser realizada. Como resultado, foi novamente modificada, tornando-se a cirurgia de Cox-Maze III, a qual se tornou a técnica de escolha para o tratamento de paciente com indicação de cirurgia cardíaca, cursando com FA concomitante.170170 Cox JL, Boineau JP, Schuessler RB, Jaquiss RD, Lappas DG. Modification of the Maze procedure for atrial flutter and atrial fibrillation. I. Rationale and surgical results. J Thorac Cardiovasc Surg . 1995;110(2):473-84.,171171 Cox JL. Cardiac surgery for arrhythmias. J Cardiovasc Electrophysiol. 2004;15(2):250-62. A cirurgia de Cox-Maze III, ou cirurgia do labirinto, é o padrão-ouro para o tratamento cirúrgico da FA (Figura 3). Na verdade, é a mais efetiva terapia curativa da FA já desenvolvida. 170170 Cox JL, Boineau JP, Schuessler RB, Jaquiss RD, Lappas DG. Modification of the Maze procedure for atrial flutter and atrial fibrillation. I. Rationale and surgical results. J Thorac Cardiovasc Surg . 1995;110(2):473-84.,172172 Cox JL, Schuessler RB, Boineau JP. The development of the Maze procedure for the treatment of atrial fibrillation. Semin Thorac Cardiovasc Surg. 2000;12(1):2-14.
173 McCarthy PM, Gillinov AM, Castle L, Chung M, Cosgrove D 3(rd).et al. The Cox-Maze procedure: the Cleveland Clinic experience. Semin Thorac Cardiovasc Surg. 2000;12(1):25-9.-174174 Schaff HV, Dearani JA, Daly RC, Orszulak TA, Danielson GK. Cox-Maze procedure for atrial fibrillation: Mayo Clinic experience. Semin Thorac Cardiovasc Surg. 2002;12(1):30-7. Na cirurgia de Cox-Maze III, incisões no átrio direito e esquerdo e criolesões são construídas para interromper os circuitos múltiplos e desorganizados de reentradas que caracterizam a FA. Em adição, essas lesões direcionam o impulso sinusal diretamente do nó sinusal para o nó AV por uma rota específica. Múltiplos "caminhos cegos", partindo dessa via principal de condução (semelhante a um labirinto), propiciam a coordenação elétrica do miocárdio atrial. Os componentes-chave da cirurgia de Maze permanecem o isolamento das VP e a ressecção do apêndice atrial. Estes fatores são mantidos na maioria das novas técnicas cirúrgicas desenvolvidas para tratar a FA.
Representação esquemática da parede posterior do átrio esquerdo na cirurgia de Cox-Maze III. As linhas descontinuadas representam as incisões cirúrgicas. A linha contínua oval representa a incisão cirúrgica para ressecção do apêndice atrial esquerdo.
Apesar de a cirurgia de Maze poder ser minimamente invasiva, utilizando uma pequena incisão na parede torácica, a operação requer circulação extracorpórea e cardioplegia. Em mãos experientes, a cirurgia de Maze requer 45 a 60 minutos de circulação extracorpórea e cardioplegia.173173 McCarthy PM, Gillinov AM, Castle L, Chung M, Cosgrove D 3(rd).et al. The Cox-Maze procedure: the Cleveland Clinic experience. Semin Thorac Cardiovasc Surg. 2000;12(1):25-9.
174 Schaff HV, Dearani JA, Daly RC, Orszulak TA, Danielson GK. Cox-Maze procedure for atrial fibrillation: Mayo Clinic experience. Semin Thorac Cardiovasc Surg. 2002;12(1):30-7.-175175 Cox JL, Ad N, Palazzo T, Fitzpatrick S, Suyderhoud JP, Degroot KW, et al. Current status of the Maze procedure for the treatment of atrial fibrillation. Semin Thorac Cardiovasc Surg. 2000;12(1):15-9. A operação, embora possa ser realizada isoladamente, é comumente indicada para pacientes que necessitem ser submetidos à cirurgia cardíaca por outras doenças, como as valvulopatias ou as cardiomiopatias isquêmicas.
Talvez o mais importante fator, em adição à restauração do ritmo sinusal, seja a diminuição do risco potencial de AVC ou de outros fenômenos tromboembólicos.176176 Ad N, Cox JL. Stroke prevention as an indication for the Maze procedure in the treatment of atrial fibrillation. Semin Thorac Cardiovasc Surg . 2001;12(1):56-62.,177177 Gillinov AM, Sirak J, Blackstone EH, McCarthy PM, Rayeswaran J, Pettersson G, et al. The Cox Maze procedure in mitral valve disease: predictors of recurrent atrial fibrillation. J Thorac Cardiovasc Surg. 2005;130(6):1653-60. Nesse aspecto, o tratamento cirúrgico pode ser útil para pacientes com idade inferior a 65 anos, com presença de trombo em AE ou fatores de risco para tromboembolismo, se este for previsto como maior que 2% ao ano.178178 Kalil RA, Lima GG, Leiria TL, Abrahão R, Pires LM, Prates PR, et al. Simple surgical isolation of pulmonary veins for treating secondary atrial fibrillation in mitral valve disease. Ann Thorac Surg. 2002;73(4):1169-73.,179179 Abreu Filho CA, Lisboa LA, Dallan LA, Spina GS, Grinberg M, Scanavacca M, et al. Effectiveness of the maze procedure using cooled-tip radiofrequency ablation in patients with permanent atrial fibrillation and rheumatic mitral valve diseaseCirculation. 2005;112(9 Suppl):I20-5.
Outros centros têm documentado excelentes resultados com a cirurgia de Maze, com restauração do ritmo sinusal em 75 a 95% dos pacientes, baixo risco de AVC tardio, e pouquíssimas morbidade e mortalidade operatória.174174 Schaff HV, Dearani JA, Daly RC, Orszulak TA, Danielson GK. Cox-Maze procedure for atrial fibrillation: Mayo Clinic experience. Semin Thorac Cardiovasc Surg. 2002;12(1):30-7.,175175 Cox JL, Ad N, Palazzo T, Fitzpatrick S, Suyderhoud JP, Degroot KW, et al. Current status of the Maze procedure for the treatment of atrial fibrillation. Semin Thorac Cardiovasc Surg. 2000;12(1):15-9. A despeito desses achados, a cirurgia de Maze tem sido relativamente pouco usada. Hoje, poucos pacientes são referidos para um procedimento cirúrgico de ablação de FA isoladamente e, mesmo naqueles submetidos à cirurgia cardíaca por outras razões, os cirurgiões são relutantes em adicionar a cirurgia de Maze. A complexidade e a magnitude da cirurgia contribuem para essa tendência.
13. Tratamento híbrido da fibrilação atrial
Os chamados "procedimentos híbridos" combinam cirurgia epicárdica minimamente invasiva com mapeamento eletrofisiológico e ablação por cateter endocárdicos. O objetivo dessa técnica mista é tratar, em especial, pacientes com FA persistente ou persistente de longa duração, nos quais essas técnicas utilizadas isoladamente teriam resultados insatisfatórios.180180 Robertson JO, Lawrance CP, Maniar HS, Damiano RJ. Surgical techniques used for the treatment of atrial fibrillation. Circ J. 2013;77(8):1941-51.
A maioria dos estudos com procedimentos híbridos foi observacional - alguns deles em que as etapas cirúrgica e percutânea foram realizadas separadamente, e outros em que estas foram simultâneas. As taxas de sucesso, livres de drogas AA, variaram de 36,8 a 93%.181181 Gelsomino S, Van Breugel HN, Pison L, Parise O, Crijns HJ, Wellens F, et al. Hybrid thoracoscopic and transvenous catheter ablation of atrial fibrillation. Eur J Cardiothorac Surg. 2014;45(3):401-7.
182 Mahapatra S, LaPar DJ, Kamath S, Payne J, Bilchick KC, Mangrum JM, et al. Initial experience of sequential surgical epicardial catheter endocardial ablation for persistent and long-standing persistent atrial fibrillation with long-term follow-up. Ann Thorac Surg. 2011;91(6):1890-8.
183 Muneretto C, Bisleri G, Bontempi L, Curnis A. Durable staged hybrid ablation with thoracoscopic and percutaneous approach for treatment of long standing atrial fibrillation: a 30-month assessment with continuous monitoring. J Thorac Cardiovasc Surg. 2012;144(6):1460-5.
184 Bisleri G, Rosati F, Bontempi L, Curnis A, Muneretto C. Hybrid approach for the treatment of long-standing persistent atrial fibrillation: electrophysiological findings and clinical results. Eur J Cardiothorac Surg. 2013;44(5):919-23.
185 La Meir M. Surgical options for treatment of atrial fibrillation. Ann Cardiothorac Surg. 2014;3(1):30-7.
186 La Meir M, Gelsomino S, Lucà F, Pison L, Parise O, Colella A, et al. Minimally invasive surgical treatment of lone atrial fibrillation: early results of hybrid versus standard minimally invasive approach employing radiofrequency sources. Int J Cardiol. 2013;167(4):1469-75.-187187 Kurfirst V, Mokrácek A, Bulava A, Canádyová J, Hanis J, Pesl L. Two-staged hybrid treatment of persistent atrial fibrillation: short-term single centre results. Interact Cardiovasc Thorac Surg. 2014;18(4):451-6. A taxa geral de complicações foi de 4,1%, incluindo três mortes precoces por fístula átrio-esofágica (0,8%) e conversão para esternotomia, devido a sangramento incontrolável, de 10%.188188 Krul SP, Driessen AH, van Boven WJ, Linnenbank AC, Geuzebroek GS, Jackman WM, et al. Thoracoscopic video-assisted pulmonary vein antrum isolation, ganglionated plexus ablation, and periprocedural confirmation of ablation lesions: First results of a hybrid surgical- electrophysiological approach for atrial fibrillation. Circ Arrhythm Electrophysiol . 2011;4(3):262-70.
No geral, os resultados iniciais publicados com os procedimentos híbridos são expressivos, principalmente considerando a maior complexidade da população tratada (FA persistente e de longa duração), porém com número restrito de pacientes. É esperado que o aprimoramento da técnica permita a sua maior utilização (Quadro 8).
Anexo I – Principais medicamentos e posologia utilizada em pacientes portadores de fibrilação atrial
Anexo II – Efeitos adversos mais comuns
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
Abr 2016