Acessibilidade / Reportar erro

Aplicando protocolos na doença cardiovascular

EDITORIAL

Aplicando protocolos na doença cardiovascular

Carisi Anne Polanczyk

Hospital de Clínicas de Porto Alegre da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Dra. Carisi Anne Polanczyk Rua Gal. Oscar Miranda,160/1001 Porto Alegre, RS 90440-160 E-mail: carisi@terra.com.br

As últimas décadas foram marcadas pela consagração de evidências científicas do mais alto nível na avaliação e manejo das doenças cardiovasculares. Certamente, o infarto agudo do miocárdio foi o pioneiro de inúmeras doenças a nortear linhas de condutas onde terapias foram testadas em milhares de pacientes. Entretanto, ao contrário das expectativas, as evidências produzidas em larga escala, consistentes e indiscutivelmente verdadeiras, não foram uniformemente incorporadas na prática clínica. No final da década de 90, inúmeros relatos de diferentes países, incluindo do Brasil, demonstraram que as condutas baseadas em evidências são subutilizadas1-3.

A distância entre a teoria e a prática baseada em evidência foi descrita e quantificada em inúmeros estudos4,5. Três fatores parecem ser os principais determinantes da prática clínica: 1) nível da evidência científica, 2) sistema de saúde e contexto da prática profissional (acadêmico versus não-acadêmico) e 3) presença de facilitadores de adesão à boa prática. Embora os ensaios clínicos tenham aumentado exponencialmente nos últimos anos e instituições tenham aberto seu espectro de atuação, ênfase maior tem sido dada ao terceiro elemento. Facilitadores locais de adesão às boas práticas são mecanismos implementados para assegurar que condutas, reconhecidamente benéficas, associadas com redução da morbimortalidade, não sejam esquecidas pelos profissionais de saúde. Entre eles se destacam: protocolos clínicos, rotinas assistenciais, sistema de lembretes eletrônicos, modelos de prescrição sistematizados, revisão de pares e auditorias internas, retro-alimentação de indicadores, fomento de líderes locais, entre inúmeros outros6-8.

Infelizmente, ainda são incipientes as evidências demonstrando que esses elementos são efetivos em aumentar a adesão e que têm impacto em desfechos relevantes ao paciente. O estudo de Bordon e cols. neste fascículo dos Arquivos Brasileiros de Cardiologia vai ao encontro desta necessidade. Os autores avaliaram o impacto de condutas consensuais em pacientes com infarto agudo do miocárdio, inseridas através de um protocolo institucional9. É um estudo realizado em hospital terciário do Estado São Paulo onde foram comparadas a prescrição e a mortalidade de pacientes com infarto agudo do miocárdio com supradesnível do segmento ST em dois períodos distintos, antes e após adoção do protocolo. Os resultados apontaram para uma melhora significativa na prescrição durante a fase hospitalar associada a uma redução expressiva de 53% da mortalidade em 30 dias. Os resultados do estudo são impactantes, porém requerem cautela na sua interpretação por potenciais vieses metodológicos. O delineamento é retrospectivo, com análise de dois períodos muito distintos e as duas populações não foram ajustadas para todas características clínico-laboratoriais, sendo difícil atribuir todo o efeito observado à implementação do protocolo. Certamente, ao longo destes quase 10 anos de comparação, as evidências se solidificaram e se tornaram de conhecimento de todos, os médicos se aperfeiçoaram, as instituições se capacitaram para o manejo da pacientes críticos, fatores estes que podem explicar parcialmente os resultados observados. Apesar destas considerações, é importante e oportuna a experiência dos autores. A contribuição do estudo seria ainda maior, se os autores tivessem descrito em detalhes a sistemática de desenvolvimento dos protocolos, o engajamento dos profissionais de saúde, e como foi conduzido o monitoramento das condutas. Estas informações poderiam auxiliar outras instituições brasileiras na reprodução desta exitosa experiência.

Atualmente, inúmeras instituições e sociedades médicas estão engajadas no desenvolvimento de protocolos clínicos e condutas para assegurar uma qualidade assistencial de excelência10. Relatos de experiências brasileiras são bastante promissores com este tipo de ferramenta e seguem uma linha mundial de atuação11. O desafio das próximas décadas será manter a prática clínica do dia-a-dia no mesmo compasso do avanço técnico-científico. Os protocolos assistências são apenas um dos instrumentos que promotores de saúde podem lançar mão para alcançar este objetivo, mas devemos ser criativos para desenvolver ou adaptar outras estratégias que mais se adaptem à prática médica brasileira.

Referências

1. Zornoff LAM, Paiva SAR, Assalin VM et al. Perfil clínico, preditores de mortalidade e tratamento de pacientes após infarto agudo do miocárdio, em hospital terciário universitário. Arq Bras Cardiol 2002; 78: 396-400.

2. Van de Werf F, Topol EJ, Lee KL et al. Variations in patient management and outcomes for acute myocardial infarction in the United States and other countries. JAMA 1995; 273: 1586-91.

3. Fox KAA, Goodman SG, Brieger D et al. Management of acute coronary syndromes. Variations in practice and outcome. Findings from the Global Registry of Acute Coronary Events (GRACE). Eur Heart J 2002; 23: 1177-89.

4. O'Connor GT, Quinton HB, Traven ND et al. Geographic variation in the treatment of acute myocardial infarction: the Cooperative Cardiovascular Project. JAMA 1999; 281: 627-33.

5. Hasdai D, Behar S, Wallentin L et al. A prospective survey of the characteristics, treatments and outcomes of patients with acute coronary syndromes in Europe and the Mediterranean basin. The Euro Heart Survey of Acute Coronary Syndromes. Eur Heart J 2002; 23: 1190-201

6. Cannon CP, O'Gara PT. Goals, design, and implementation of critical pathways in cardiology. In: Cannon CP, O'Gara PT. Critical pathways in cardiology. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins, 2001: 3-6.

7. Soumerai SB, McLaughlin TJ, Gurwitz JH et al. Effect of local medical opinion leaders on quality of care of acute myocardial infarction: a randomized controlled trial. JAMA 1998; 279: 1358-63.

8. Kiefe CI, Allison JJ, Willamis OD, Person SD, Weaver MT, Weissman NW. Improving quality improvement using achievable benchmarks for physician feedback. A randomized controlled trial. JAMA 2001; 2871-9.

9. Bordon JC, Paiva SAR, Matsubara LS et al. Redução da mortalidade após implementação de condutas consensuais em pacientes com infarto agudo do miocárdio. Arq Bras Cardiol 2004; 82:

10. Mehta RH, Montoye CK, Gallogly M et al. Improving quality of care for acute myocardial infarction. The guidelines applied in practice (GAP) initiative. JAMA 2002; 287: 1269-76.

11. Polanczyk CA, Biolo A, Imhof BV et al. Improvement in clinical outcomes in acute coronary syndromes after the implementation of a critical pathway. Crit Pathways Cardiol 2003; 2: 222-30.

Recebido para publicação em 3/3/04

Aceito em 1/4/04

  • Endereço para correspondência
    Dra. Carisi Anne Polanczyk
    Rua Gal. Oscar Miranda,160/1001
    Porto Alegre, RS
    90440-160
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Maio 2004
    • Data do Fascículo
      Abr 2004
    Sociedade Brasileira de Cardiologia - SBC Avenida Marechal Câmara, 160, sala: 330, Centro, CEP: 20020-907, (21) 3478-2700 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil, Fax: +55 21 3478-2770 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: revista@cardiol.br