SUMÁRIO OU ÍNDICE? CONCEITOS, DEFINIÇÕES E CONTROVÉRSIAS
Gilson Vieira Monteiro11 Professor do Departamento de Comunicação Social da Universidade do Amazonas, Bacharel em Comunicação Social, com Licenciatura Plena em Letras (Língua Portuguesa), especialista em Administração de Empresas e aluno (créditos concluídos) do programa de mestrado em Administração da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade, da Universidade de São Paulo Professor do Departamento de Comunicação Social da Universidade do Amazonas, Bacharel em Comunicação Social, com Licenciatura Plena em Letras (Língua Portuguesa), especialista em Administração de Empresas e aluno (créditos concluídos) do programa de mestrado em Administração da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade, da Universidade de São Paulo
CONTEÚDO
INTRODUÇÃO
O mundo globalizado de hoje não permite que mesmo instituições normativas como a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) simplesmente editem as normas e esperem que as pessoas passem a adotá-las. Dito de outra forma, hoje, a ABNT não deve ser apenas uma entidade normativa. Precisa convencer as pessoas a se utilizarem e a seguirem as normas, principalmente no que tange à representação descritiva dos registros do conhecimento, pois a ABNT não tem como punir, com multas exemplares, editores e universidades que não seguem as normas por ela estabelecidas. Uma das formas mais simples de adesão seria se as próprias normas induzissem a isso. Caso o texto dessas normas fosse claro, conciso e coerente, as dúvidas poderiam ser mínimas ou, quem sabe, talvez nem existissem.
Em algumas universidades, em geral, os argumentos favoráveis à "obediência" às normas da ABNT são dos mais estapafúrdios: "A lei existe para ser cumprida"; "não está claro mais é lei", "dicionário é um amontoado de palavras de uso comum, as normas da ABNT são técnicas e pronto". Aprende-se, com o mestre Cruz Neto (1990, p. 160) que "[...] negar uma realidade lingüística pelo simples fato de negar só pode revestir-se de dogmatismo absolutista". Certamente, a ABNT não pretende que as normas sejam seguidas por dogmatismo absolutista, mas sim, porque apresentam uma certa lógica, que pode ser facilmente sustentada.
SUMÁRIO OU ÍNDICE?
Há duas normas da ABNT que são demonstrações clássicas de como a falta de clareza e o desconhecimento da diferença entre as palavras conceito e definição, em determinados textos, pode prejudicar as interpretações. Um exemplo simples e esclarecedor da diferença entre conceito e definição pode ser obtido a partir da palavra água. Seu conceito pode ser o de um líquido incolor, inodoro e essencial para a sobrevivência dos seres humanos. Sua definição é única: uma partícula de hidrogênio associada a duas partículas de oxigênio.
Conceito, então, seria algo do senso comum, que qualquer pessoa pode ter a respeito de determinada coisa. Definição, ao contrário, é técnica, científica, operacional. Portanto, embora as normas tragam, no início, várias definições, essas são redigidas como se fossem conceitos. Se não, veja-se. Em função do que está escrito (e apenas do que está escrito) nas NBR 6027 (Sumário) e NBR 6034 (Preparação de índice de publicações) torna-se difícil descobrir qual a diferença entre sumário e índice.
Afinal, a lista das principais divisões de um trabalho científico (por exemplo), que vem localizada no início, antes da introdução, é um sumário ou um índice? Recorre-se à NBR 6027 para se chegar à definição de "sumário":
Enumeração das principais divisões, seções e outras partes de um documento, nas mesma ordem em que a matéria nele se sucede. Não se deve confundir sumário com:
a) índice,
- enumeração detalhada dos assuntos, nomes de pessoas, nomes geográficos, acontecimentos, etc., com a indicação de sua localização no texto (ver NBR 6034);
b) lista,
- enumeração de elementos selecionados do texto, tais como datas, ilustrações, exemplo, tabelas etc., na ordem de sua ocorrência.
Ao apresentar a palavra "sumário", a NBR 6027 remete para uma nota de rodapé, que explica: "em francês: table de matières; em inglês: contents". Inicialmente, a nota parece não ter muita importância. Ao final, é a chave, pelo menos, para diminuir as dúvidas ou indicar de onde elas surgiram.
A confusão semântica sobre a definição técnica das duas palavras é estabelecida pela própria NBR 6027. Veja-se: "a enumeração das principais divisões, seções e outras partes de um documento chama-se "sumário", ao passo que a enumeração detalhada dos assuntos, nomes de pessoas, nomes geográficos, acontecimentos, etc., com a indicação de sua localização no texto",* chama-se "índice".
De acordo com as definições apresentadas pela NBR 6027, qual a diferença básica entre um "sumário" e um "índice"? Enquanto o primeiro é uma enumeração das principais divisões de um documento, na ordem em que a matéria nele se sucede, "índice" é uma enumeração detalhada dos assuntos, nomes etc., com a indicação de sua localização no texto. Ou seja: enquanto "sumário" é uma enumeração das principais divisões, "índice" é uma enumeração detalhada "..." com a indicação de sua localização no texto. Uma consulta rápida à NBR 6034 não deixa margem para dúvidas: após o cabeçalho, o primeiro ponto que aparece é um sumário, apresentado desta forma:
SUMÁRIO
1 Objetivo
2 Documentos complementares
3 Definições
4 Tipos de índice
5 Conteúdo e organização geral
6 Estrutura e apresentação
Ainda nessa NBR, há a definição de "índice": "Lista de entradas ordenadas segundo determinado critério, que localiza e remete para as informações contidas num texto". Quem leu primeiro a NBR 6027 e depois a NBR 6034, como por exemplo o executivo de uma editora, que não tem tempo para descer aos detalhes somenos, certamente não terá dúvidas: quando se enumera as principais partes de um documento, sem a indicação das páginas (conforme sumário da NBR 6034) se está fazendo um sumário. Caso a enumeração seja mais detalhada, com a indicação das páginas, trata-se de um índice.
Tudo estaria muito bem se essa fosse a interpretação correta. O problema é que não o é. Então, na falta de argumentos lógicos, só resta a tentativa de força, o absolutismo dogmático, para se tentar desfazer a confusão. E essa força se manifesta em frases do tipo: "a lei existe para ser seguida"; "dicionário é um amontoado de palavras que não serve para nada". Quem estuda línguas sabe, porém, que deveria haver alguma explicação lógica para tanta confusão. Afinal, o que deveria ter sido dito nas duas NBR mas não o foi?
A explicação simples, clara, concisa e objetiva veio da professora Ivanir Kotait, doutora em editoração científica:
Sumário é a enumeração das principais divisões, seções e outras partes de um documento, na mesma ordem em que a matéria nele se sucede e índice é uma enumeração detalhada, em ordem alfabética, dos nomes de pessoas, nomes geográficos, acontecimentos, etc., com a indicação de sua localização no texto (informação verbal, por telefone).
A expressão fundamental, "em ordem alfabética", para se diferençar um sumário de um índice, não aparece em nenhuma das NBR que tratam especificamente dos dois assuntos. Só vai aparecer na NBR 10719, item 7.5 (índice[s]), subitem 7.5.2, letra a): "índice geral: relaciona, em ordem alfabética seguido do respectivo número de página (ou indicativo de seção) [sic] diversos assuntos, nomes, lugares, etc., contidos no relatório".
Diante de todo o exposto, fica evidente que não se pode desdenhar as pessoas que não empregam as palavras sumário e índice de acordo com as definições da ABNT. Afinal, os textos das NBR são os responsáveis pelas interpretações equivocadas.
Análise diacrônica das palavras
Ao definir "sumário", a NBR 6027 remete para uma nota de rodapé, que explica: "em francês: table de matières; em inglês: contents". Surge, novamente, um motivo para interpretações dúbias. Quem pesquisar, em um dicionário de inglês, não encontra, como entrada, o substantivo contents.
Em Longman (1995, p. 291) contents, é plural do substantivo content, que, na acepção mais usual, significa: coisas que estão dentro de uma caixa, bolsa, sala, etc. ([...] the things that are inside a box, bag, room etc.). Em português, content eqüivale a conteúdo, ou seja, algo que está dentro de um continente.
O segundo significado da palavra, em inglês, é: coisas que estão escritas em uma carta (the things that are written in a letter). O substantivo só assume significado igual ao proposto pela ABNT na expressão table of contents, que, modernamente, as editoras resolveram denominar apenas contents. Logo, a NBR 6027 deveria remeter para a expressão table of contents, que, em inglês, significa: "lista, no início de um livro, que mostra as diferentes partes nas quais o livro é dividido" (a list at the beginning of a book, which shows diferent parts into which the book is divided).
As controvérsias em torno dos dois substantivos, porém, não terminam. O dicionário Michaelis (1994), no início, traz a expressão table of contents, traduzida como se fosse "índice". Uma questão sobressai: como, um dicionário respeitado, que já vendeu 44 edições, cometeria um erro tão grosseiro, sem uma explicação lógica?
Não restava outro caminho que não fosse uma pesquisa etimológica do substantivo index, no original, ou seja, em inglês. Uma consulta à etimologia, em um dicionário etimológico como o Oxford English Etymology, por exemplo, revela que o substantivo index, originou-se, no século XVI, da expressão table of contents, que, à época, significava uma lista, em ordem alfabética, das partes que formam um livro.
Modernamente, em inglês, o substantivo index assumiu, totalmente, o significado antigo da expressão table of contents (Longman, 1995. p. 723): "lista alfabética de nomes, matérias, etc., localizada ao final do livro, com o número das páginas nas quais aparecem" (an alphabetical list of names, subjects etc.; at the back, with the numbers of pages where they can be found). Por outro lado, a expressão table of contents, que inicialmente, no próprio inglês, significava "índice", ganhou nova acepção e, hoje, é usada para indicar o que, em português, a NBR 6027 denomina "sumário", ou seja, "lista, no início de um livro, que mostra as diferentes partes nas quais o livro é dividido" (a list at the beginning of a book, which shows diferent parts into which the book is divided).
Conclui-se que, em inglês, index nasceu da expressão table of contents e, com o desenvolvimento histórico, social, político e técnico que uma língua reflete, tomou posse do significado original da expressão. Aquela, por sua vez, ganhou um significado semanticamente não muito diferente, mas tecnicamente importante o suficiente para manter a individualidade. Dito de outra forma, modernamente, index e table of contents significam, tecnicamente, coisas completamente diferentes. O curioso é que table of contents, que deu origem ao substantivo index, perdeu o significado inicial para aquele mas manteve a primazia de ser parte fundamental de um livro, vir à frente; e deixou, para o index, as últimas páginas.
Quem pensa que as contradições encerram-se, engana-se. Tanto em português quanto em inglês, sumário e summary, respectivamente, pertecem a duas classes de palavras diferentes: são substantivo e adjetivo. A sintaxe, ou seja, a posição que cada termo ocupa na oração, é que vai determinar se o termo exerce a função de substantivo ou de adjetivo.
Em português o substantivo (em inglês: noun) pode ser definido genericamente como o nome de todos os seres existentes ou que se imagina existir. Já o adjetivo (em inglês: adjective) é um modificador do substantivo, indicando qualidade, defeito, estado, etc. Em inglês, o adjetivo vem sempre antes do nome. Nas duas línguas, permite-se ao adjetivo exercer a função de substantivo. Esse, porém, é, somente, substantivo.
Como noun, em inglês (Longman, 1995. p. 1446), summary significa "uma declaração concisa dos pontos principais, sem revelar todos os detalhes" (a short satatement that gives the main information about something, whithout giving all the details: please write a one-page summary of this report). Em português, como substantivo, conforme Silveira Bueno (1986, p. 1084) sumário significa "recapitulação, suma; síntese, índice".
Ao assumir a função de adjetivo, em inglês, summary passa a significar "feito imediatamente, sem prestar atenção ao processo usual, regras, etc." (done immediately, without paying attention to the usual process, rules, etc.). Em português, o adjetivo "sumário" significa "resumido; breve; feito sem formalidades; simples". Então, entra em cena a palavra abstract. Em inglês, como substantivo, abstract, além do significado genérico de coisa abstrata, é também "uma declaração escrita e curta das idéias mais importantes de um discurso, artigo, etc.(a short written statement of the most important ideas in a speech, article, etc.).
Essas observações se fazem necessárias a fim de se evitar o argumento de que abstract e summary não têm nada que ver. Ao contrário, são substantivos muito próximos. A diferença básica é que, como substantivo, summary, significa fazer uma declaração concisa dos pontos principais, sem revelar todos os detalhes, enquanto o substantivo abstract é uma declaração escrita e curta das idéias mais importantes de um discurso, artigo, etc. Como se vê, semanticamente, pode-se admitir que os dois substantivos sejam sinônimos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O exercício de elaboração de um texto como este é de uma significância ímpar, principalmente por permitir um mergulho profundo nas regras de editoração propostas pela ABNT, algo que pouco se faz no processo de aprendizagem formal, ao longo dos anos. A norma pela norma é um dogmatismo absolutista que não deve ser aceito na sociedade moderna.
Hoje, as pessoas precisam ser convencidas. Não basta baixar normas. É preciso entender que, principalmente no caso da editoração, seguir as normas é o primeiro passo para se alcançar a "qualidade total", expressão tão usada hoje em dia, e que beira o desgaste. Convencer as pessoas é demonstrar que as normas seguem uma lógica e que a lógica das normas não fere a lógica da língua, a mais antiga das normas.
Convencer é também apresentar as divergências sintáticas, semânticas e etimológicas que as palavras e expressões carregam ou adquirem ao longo do tempo. Discussões autoritárias e, inicialmente, com ares de inóspitas, foram o primeiro passo para que os caminhos percorridos pelas palavras abstract, index e summary, bem como pela expressão table of contents, fossem descobertos. É bem verdade que há casos nos quais o argumento de quem não tem argumentos é a força. Mas, ainda assim, a Ciência avança. Afinal, o oxigênio da Ciência são as dúvidas.
Este artigo deixa claro que table of contents não é sinônimo de summary. Portanto, a expressão não poderia ser traduzida simplesmente como sumário, que, embora alguns técnicos teimem em dizer que não há nenhuma relação entre summary e sumário, a primeira só pode ser traduzida pela segunda.
Quanto à expressão table of contents, que deu origem ao que a ABNT chama de sumário, em bom Português e ao pé da letra, poderia ser traduzida como "tabela de conteúdos", ou simplificadamente, "conteúdo". É evidente que, em bom Português, conteúdo é tudo o que se encontra dentro de um continente. Ainda assim, fere menos a língua admitir que um livro é um continente e que a enumeração das principais divisões na mesma ordem em que a matéria nele se sucede é seu conteúdo que simplesmente traduzir a expressão table of contents como sumário.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
13 Jun 2001 -
Data do Fascículo
Abr 1998