Open-access Sintomas vocais e dor musculoesquelética em não profissionais da voz

RESUMO

Objetivo  Identificar a presença de sintomas vocais e dor musculoesquelética em não profissionais da voz, verificar se há relação entre essas variáveis e comparar o desempenho entre mulheres e homens.

Métodos  Estudo transversal observacional. Participaram 59 indivíduos não profissionais da voz. Os dados foram coletados no meio on-line e aplicou-se questionário de caracterização e os seguintes protocolos de autoavaliação: Escala de Sintomas Vocais e Questionário de Investigação da Dor Musculoesquelética. Foi realizada análise estatística descritiva. A estatística inferencial comparou as variáveis entre mulheres e homens e realizou-se análise de correlação entre as variáveis de ambos os protocolos de autoavaliação por meio do teste de Spearman.

Resultados  Para todo o grupo estudado, observaram-se valores médios do escore total da Escala de Sintomas Vocais acima do ponto de corte do questionário, indicando risco para disfonia. Houve presença de dor nas regiões avaliadas, porém, em frequência baixa e intensidade leve. Verificou-se correlação positiva entre a frequência de dor nas regiões de pescoço, temporal, abaixo do queixo e laringe/garganta e a Escala de Sintomas Vocais. Mulheres apresentaram maior frequência de dor nos ombros, na região temporal e na laringe, quando comparadas aos homens.

Conclusão  A população de não profissionais da voz deste estudo apresentou escores elevados de sintomas de alteração vocal. A dor musculoesquelética foi pouco presente, com intensidade leve, porém, mais frequente em mulheres nas regiões próximas à laringe. Houve relação entre os sintomas vocais e a dor musculoesquelética, especialmente nas regiões proximais à laringe, de maneira que quanto maior a frequência da dor, maior a presença de sintomas vocais.

Palavras-chave:  Voz; Dor musculoesquelética; Disfonia; Distúrbios da voz; Qualidade da voz

ABSTRACT

Purpose  To identify the presence of vocal symptoms and musculoskeletal pain in non-professional voice users, to verify whether there is a relationship between such variables, and to compare women and men.

Methods  Crosssectional, observational study. Fifty-nine non-professional voice users (NPVU) were included. The data were collected on-line. A characterization questionnaire and self-assessment protocols were applied: Voice Symptoms Scale (VoiSS) and Musculoskeletal Pain Investigation Questionnaire (MPI). A descriptive statistical analysis was performed. The inferential statistics compared the variables between women and men and a correlation analysis was carried out between the VoiSS and MPI using the Spearman correlation test.

Results  For the entire studied group , mean values of the total VoiSS score were observed above the cut-off point, indicating risk for dysphonia. There was musculoskeletal pain in the regions assessed, but at low frequency and mild intensity. Women had a higher frequency of pain in the shoulders, temporal region and larynx, when compared to men. There was a positive correlation between the pain frequency in the regions: neck, temporal region, below the chin and larynx/throat in all or some of MPI scores.

Conclusion  The NPVU population in this study presented with high scores for signs and symptoms of voice disorders. Musculoskeletal pain was rarely present, with mild intensity, but more frequent in women in regions close to the larynx. There was a relationship between vocal symptoms and musculoskeletal pain, especially in regions proximal to the larynx, so that the greater the frequency of pain, the greater the presence of vocal symptoms.

Keywords:  Voice; Musculoskeletal pain; Dysphonia; Voice disorders; Voice quality

INTRODUÇÃO

A voz tem papel importante nas relações interpessoais, sejam elas profissionais, ou não. Sua qualidade e características expressam informações ao interlocutor que vão para além do conteúdo verbal e interferem na compreensão da mensagem. Quando utilizada de forma inadequada ou em condições ambientais prejudiciais, há consequências desfavoráveis à saúde do indivíduo(1), impactando sua qualidade de vida e trazendo sintomas e queixas.

Muitas pessoas podem apresentar sintomas de alterações vocais(2), o que está associado ao maior risco de uma disfonia(3). Tais sintomas impactam as emoções e limitam a vida do indivíduo de diferentes formas, de maneira que, quanto pior a autoavaliação da qualidade vocal, maiores os relatos de limitações e aspectos emocionais experienciados(3).

A presença de sintomas vocais frequentemente é associada ao estresse(2) e este pode estar relacionado às queixas de dor musculoesquelética(4-6). Além disso, a presença de queixas de dor musculoesquelética (DME) também pode estar associada ao uso vocal, o que pode ligar-se às disfonias comportamentais(7-12). Nestes casos há relato de dores na região cervical, concernentes a posturas inadequadas, estresse e esforço excessivo na musculatura durante a fala, além de impacto negativo na vida dos indivíduos, gerando limitações em diversos aspectos(4,8,11).

As disfonias comportamentais são as alterações vocais mais frequentes na população adulta(13). Entre não profissionais da voz (NPV), a prevalência de alterações vocais não é bem definida, uma vez que a literatura é heterogênea quanto à definição de quem são os profissionais da voz(1,10). Entretanto, estudos comparando professores e não professores, apontam uma prevalência de disfonia de 7,5% em não professores(14).

É vasta na literatura a descrição referente à ocorrência de disfonias e sintomas de dor relacionados ao uso vocal intenso e inadequado em profissionais da voz(15,16). Porém, indivíduos que não fazem o uso ocupacional da voz também estão propensos a desenvolvê-los(13,17,18). No entanto, a literatura é escassa quanto aos sintomas de alterações vocais na população que não tem a voz como seu principal instrumento de trabalho(14,19).

Portanto, ainda não é possível definir qual a ocorrência de tais achados no grupo de não profissionais da voz e se há relação entre esses fatores nesses indivíduos. Tais informações são importantes, pois podem auxiliar na identificação de risco para disfonia em indivíduos que não utilizam a voz profissionalmente. Dessa forma, o objetivo deste estudo foi identificar a presença de sintomas vocais e dor musculoesquelética em NPV, verificar se há relação entre essas variáveis e comparar o desempenho entre mulheres e homens.

MÉTODOS

Estudo transversal, observacional, de caráter quantitativo, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição em que foi realizado, sob parecer número 3.180.318. Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre Esclarecido (TCLE), após receberem as orientações e esclarecimentos quanto aos procedimentos e sigilo de dados.

O estudo foi desenvolvido por via digital, na plataforma Survey Monkey®, seguindo as orientações referentes à Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (Lei nº 13.709/2018). A coleta de dados ocorreu entre os meses de maio e junho de 2022. Quanto à elegibilidade para pesquisa, os critérios de inclusão foram: não fazer uso profissional ou recreativo da voz e ter entre 18 e 60 anos de idade. Para este estudo, foram definidos como profissionais da voz os cantores, atores, professores, pedagogos, musicoterapeutas, pastores, padres, advogados, psicólogos, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, discentes de graduação de alguma dessas áreas citadas, que estivessem em período de estágio. O uso recreativo da voz foi definido como o uso vocal em atividades que não fossem a fonte primária de renda como para cantores e atores amadores. Os critérios de exclusão foram: indivíduos com relato de diagnóstico de perda auditiva, fumantes ou não fumantes há menos de cinco anos e os que relataram ter realizado terapia vocal em algum momento da vida.

Todos os participantes responderam a um questionário com dados de identificação (idade, gênero, estado, cidade, ocupação, carga horária de trabalho, presença de doenças crônicas ou distúrbios hormonais, realização de cirurgias laríngeas, diagnóstico de perda auditiva, uso de cigarros e tempo de uso).

Foram coletadas as respostas do protocolo Escala de Sintomas Vocais (ESV), validado para o português brasileiro(19) e Questionário de Investigação de Dor Musculoesquelética (QIDM), adaptado por autores em estudo anterior(8).

A ESV foi utilizada para a autoavaliação dos sintomas de alterações vocais, em três domínios: limitação (funcionalidade), com 15 itens; emocional, com oito itens e físico (relacionado a sintomas orgânicos), com sete itens, totalizando 30 itens que foram avaliados numa escala Likert de 5 pontos, em que o 0 referia-se a “nunca” e 4 referia-se a “sempre”. O total da ESV, calculado por meio de somatória simples do valor de cada questão, indica o nível geral de sintomas vocais. A pontuação máxima é de 120, sendo 60 pontos atribuídos ao domínio limitação (nota de corte: 11,5), 32 ao emocional (nota de corte: 1,5) e 28 ao físico (nota de corte: 6,5), com nota de corte de 16 pontos para a pontuação total(19).

O QIDM apresenta desenho das partes corporais a serem avaliadas, sendo elas: região temporal, masseteres, região submandibular, laringe, parte anterior e posterior do pescoço, ombros, parte superior e inferior das costas, cotovelos, punhos, mãos, dedos, quadris, coxas, joelhos, tornozelos e pés. O QIDM é composto por duas partes. Na primeira, o participante aponta, com base nas partes corporais indicadas nas figuras do questionário, a frequência de dor em cada região nos últimos 12 meses, conforme escala que varia de 0 a 3 pontos, em que 0 se refere a “não”, 1 representa “raramente”, 2 corresponde a “com frequência” e 3 indica “sempre”. Na segunda parte do questionário, o participante deve marcar a intensidade da dor em cada região, por meio de Escala Visual Analógica (EVA) de 100 milímetros, em que, quanto mais próxima da extremidade esquerda, menor a dor e, quanto maior a dor, mais próxima da direita. A literatura na área de dor mostra valores de referência para avaliação da intensidade da dor por meio da EVA de 100 mm, de maneira que 0 a 4 mm correspondem à ausência de dor; 5 a 44 mm correspondem à dor leve; 45 a 74 mm correspondem à dor moderada e 75 a 100 mm correspondem à dor intensa(20).

Para a análise dos dados, foi utilizado o software estatístico Jamovi, versão 2,0. Aplicou-se o teste de normalidade Shapiro-Wilk para verificar a distribuição das variáveis quantitativas, seguido de análise descritiva dos achados de todos os participantes, em um único grupo, com indicação dos valores de média e desvio padrão para variáveis com distribuição normal e valores de intervalo interquartil para as variáveis sem distribuição normal e para as variáveis qualitativas ordinais.

Os dados foram comparados dividindo os participantes entre grupo masculino e grupo feminino, a fim de verificar presença de diferenças nas variáveis estudadas, de acordo com o gênero. Para as análises comparativas, foram utilizados os testes t de Student ou Mann-Whitney e considerou-se nível de significância de 5%, com intervalo de confiança de 95%.

Foi realizada matriz de correlação entre as variáveis da ESV e do QIDM utilizando o teste de correlação de Spearman. A força da correlação foi classificada de acordo com critérios anteriormente estabelecidos(21), que consideram valores de coeficiente de correlação (rho) entre 0,10 e 0,39 como fracos; entre 0,40 e 0,69 como moderados e entre 0,70 e 1,00 como fortes. Para a correlação, foi considerado nível de significância de 1%, com intervalo de confiança de 99%.

RESULTADOS

Responderam aos questionários do estudo 100 indivíduos, no entanto, após aplicação dos critérios de inclusão e exclusão, permaneceram na amostra 59, sendo 35 mulheres e 24 homens. A média de idade dos participantes foi de 29 anos e 8 meses (± 10,7), com carga horária média semanal de trabalho de 22,1h (± 19,5). Dos participantes, 44,8% (n= 26) eram estudantes, 32,8% (n=20) atuavam em escritórios e os demais variaram entre aposentados (n= 2), desempregados (n= 2), autônomos e prestadores de serviço (n= 9).

Em relação à ESV, foi possível observar que a média do escore total esteve acima da nota de corte proposta pelo questionário (16 pontos), sugerindo risco para disfonia. Além disso, como a pontuação máxima da ESV é diferente para cada domínio, foi feito um cálculo transformando os escores de cada um dos domínios da escala em porcentagens, para identificar qual deles obteve maior pontuação média. Percentualmente, o domínio com maior pontuação foi o físico. Os resultados para o grupo total de participantes encontram-se na Tabela 1.

Tabela 1
Valores de média e desvio padrão extraídos dos domínios de limitação, emocional, físico e total da Escala de Sintomas Vocais

Quanto ao QIDM, por meio dos valores de mediana foi possível observar que a dor foi ausente ou rara para a maioria das regiões corporais estudadas. Quanto à intensidade da dor, os valores de mediana indicaram dor leve em todas as regiões estudadas. Os resultados referentes à frequência e intensidade da dor, respectivamente, estão demonstrados na Tabela 2.

Tabela 2
Valores de média, desvio padrão, mediana, 1º e 3º quartil, referentes à frequência e intensidade da dor musculoesquelética

Quando comparados homens e mulheres, não foram observadas diferenças significativas entre os grupos em nenhum dos escores dos domínios da ESV. Os valores médios do escore total do questionário estiveram acima da nota de corte em ambos os grupos. Para o QIDM, a comparação apontou diferenças na frequência de dor na região dos ombros (p=0,023), região temporal (p=0,016) e região da laringe/ garganta (p=0,019), sendo a frequência de dor maior em mulheres em todos os casos em que houve diferença. Os dados descritivos e de comparação entre o grupo de mulheres e homens estão apresentados na Tabela 3.

Tabela 3
Valores de média, desvio padrão, mediana e comparação entre mulheres e homens para todas as variáveis

No que se refere às regiões do QIDM que se correlacionaram com um ou mais escores dos domínios do questionário ESV, foram elas: pescoço e domínio físico da ESV; região temporal e domínios total e físico da ESV; região abaixo do queixo e domínios total e físico da ESV; laringe/garganta e domínios total e físico da ESV (Tabela 4). Ressalta-se que para todas as variáveis em que houve correlações, estas foram positivas, sendo de força moderada para o domínio físico da ESV e a frequência de dor na região temporal, e fraca para as demais correlações. Não houve correlação entre a intensidade da dor e a ESV em nenhuma das regiões investigadas pelo protocolo de dor.

Tabela 4
Variáveis do Questionário de Investigação da Dor Musculoesquelética que se correlacionaram com algum dos escores dos domínios da Escala de Sintomas Vocais

DISCUSSÃO

Este estudo buscou identificar os sintomas vocais e a presença de DME em indivíduos NPV, além de relacioná-los. Há poucos estudos com análise desses aspectos em indivíduos que não têm a voz como instrumento principal em sua atividade laboral. Assim, os resultados podem auxiliar na identificação do risco para disfonia em não profissionais da voz e sua relação com a presença de dor.

Quanto aos dados de caracterização, a maioria dos participantes do estudo foi de adultos jovens, com menos de 30 anos de idade, o que justifica o elevado número de estudantes. A média de idade esteve abaixo de outro estudo com não profissionais da voz, porém o percentual de estudantes (entre 30% e 40%) foi semelhante(18). Isso traz a reflexão de que muitos dos indivíduos que não usam a voz como instrumento profissional ainda não ingressaram no mercado de trabalho. A carga horária de trabalho foi menor do que a descrita em outros estudos investigando a presença de dor em trabalhadores(22), porém, o desvio padrão foi elevado. Sabe-se que longos períodos de tempo no trabalho, especialmente quando é preciso ficar sentado, podem interferir na presença de dor musculoesquelética(23) e, consequentemente, nos ajustes posturais, podendo afetar de alguma forma a produção vocal, fatores estes que podem ter influenciado os resultados deste estudo.

Os resultados demonstraram que, em média, a população estudada apresentou risco para disfonia, observado pelo valor médio do escore total da ESV acima da nota de corte(19). O domínio com maior pontuação percentual foi o físico, sugerindo que os participantes referiram sintomas físicos (orgânicos) como tosse, dor e pigarro ou secreção na garganta. Apesar de não ser a hipótese inicial do estudo, tais resultados podem ter relação com o fato de que a coleta de dados desta pesquisa ocorreu próxima ao período do terceiro surto de COVID-19 no Brasil, acontecimento responsável por acometer uma parcela considerável da população e tendo em vista que a doença pode causar alterações vocais e queixas de desconforto no trato vocal(24). Logo, sugere-se que os sintomas vocais pós-Covid podem ter sido um fator relevante no aumento de sintomas vocais referidos pela população desta amostra, especialmente ao observar que o domínio com maior pontuação percentual foi o físico, que diz respeito a sensações orgânicas de alterações vocais. A ocorrência da COVID-19 também tem sido apontada em outros estudos como possível fator influente para o aumento da prevalência de alterações vocais na população(25).

Um aspecto que chamou a atenção neste estudo foi a ausência de diferença na presença de sintomas vocais entre mulheres e homens. Diversos estudos apontam que mulheres apresentam maior risco para disfonia(16,18). Assim, era esperado que esse grupo apresentasse valores diferentes nos domínios da ESV, comparado ao grupo masculino. Novamente, suspeita-se que o período pandêmico possa ter interferido nesses resultados. Ressalta-se a importância de novos estudos com equilíbrio no número de participantes de acordo com o gênero e que considere questões ocupacionais, bem como a presença de afecções de vias aéreas em curto e médio prazo, especialmente a COVID-19 e sintomas de COVID longa.

Em relação à aplicação do QIDM, observou-se que, no geral, os participantes referiram ausência de dor musculoesquelética, ou apontaram a dor como sendo em frequência baixa, em todas as regiões investigadas. Entretanto, ainda que a dor tenha sido considerada leve, de acordo com a interpretação da intensidade da dor por meio da EVA(20), esteve acima dos valores encontrados em um estudo com indivíduos disfônicos e não disfônicos, considerando os valores obtidos para ambos os grupos, utilizando o mesmo questionário, porém em formato não digital(8). Este achado pode ser justificado pelo aumento do número de indivíduos em situação de trabalho remoto nos últimos anos, sem a preparação e sem condições ergonômicas de trabalho adequadas(22). O elevado número de reuniões on-line e a falta de ergonomia no home office também relacionam-se à presença de alterações vocais, devido ao aumento da demanda de uso vocal ocasionada pela grande quantidade de videochamadas e alta carga horária de trabalho(26).

É relevante mencionar que a maioria dos participantes deste estudo era de estudantes e de pessoas que exerciam seus ofícios em escritórios, sentados, geralmente em frente a um computador. Não foi coletada a informação sobre o modelo de trabalho nos escritórios (home office ou empresa) e estudo (remoto ou presencial). Entretanto, as questões de ergonomia no ambiente, presencial ou não, podem ser fator relevante em ambos os cenários. Estudo comparando teleoperadores e a população geral encontrou presença de dores corporais em ambos os grupos, porém, em maior número para teleoperadores(9), o que traz novamente a reflexão a respeito da ergonomia em salas de aula e nos escritórios durante o trabalho ou o ensino remoto. Esses fatores podem ter contribuído para os achados desta pesquisa e devem ser melhor explorados em outros estudos.

Ao se comparar a frequência e intensidade da dor entre mulheres e homens, foi observado que mulheres apresentaram dor mais frequente nos ombros, na região temporal e na região da laringe/ garganta. Estudo com trabalhadores em home office durante a pandemia identificou aumento na frequência da dor musculoesquelética nas regiões do pescoço, ombros e região inferior das costas, de maneira que as mulheres apresentaram mais dor do que os homens, o que se relacionou à pior ergonomia no ambiente de trabalho(27). Ainda assim, considerando a alta frequência de sintomas vocais no presente estudo, tais resultados chamam a atenção, uma vez que mulheres disfônicas(8) ou pessoas com disfonia hiperfuncional(7) apresentam mais relatos de dor em relação àqueles sem disfonia, especialmente em regiões proximais à laringe, como é o caso das regiões aqui descritas.

Quanto à análise de correlação, foi observada relação entre a frequência de dor no pescoço, na região temporal, na região submandibular (abaixo do queixo) e na região da laringe, com sintomas vocais de origem física (orgânica), de maneira que, quanto mais sintomas vocais, maior a frequência de dor. A dor nas regiões temporal, submandibular e laríngea também se relacionou com a pontuação total da ESV, indicando que, quanto maior a presença de sintomas vocais, maior a presença de dor nessas regiões, que também podem ser denominadas como regiões proximais à laringe. Estudo identificou que a presença de desconforto no trato vocal se relaciona com sintomas de uma alteração vocal incipiente(15). Outro estudo identificou que pessoas disfônicas apresentam maior relação com a qualidade de vida relacionada à voz, tanto na frequência quanto na intensidade da dor, na região da laringe e regiões proximais(7).

A literatura tem mostrado que a principal ocorrência de dor em NPV é nas regiões da garganta, pescoço e costas(10). Além disso, indivíduos com queixas vocais relatam mais dores do que indivíduos sem queixas(8,15), de maneira que a alteração vocal não afeta somente as estruturas envolvidas durante a produção vocal, mas também se relaciona a qualquer tensão que gere desconforto durante a fonação(15). Assim, quanto maior a frequência de dor na laringe e nas regiões proximais a ela, maior a presença de sintomas vocais, achados que podem se associar à presença de disfonia(8,11), especialmente quando se considera a presença de disfonia por tensão muscular(28).

Assim, vale ressaltar que a presença de dor musculoesquelética nas regiões próximas à laringe, ainda que seja maior e mais frequente em profissionais da voz(29), pode ser um sintoma de disfonia e deve ser levada em consideração na avaliação vocal de indivíduos com queixas, independente do uso profissional da voz, uma vez que a disfonia está presente na população geral(18), e a prevalência de sintomas vocais tem aumentado nos últimos anos(25). A atenção aos indivíduos que passam grande parte do dia sentados, trabalhando ou estudando, deve ser levada em conta na anamnese e avaliação fonoaudiológica vocal, visto que desequilíbrios posturais podem gerar tensões inadequadas e interferir na produção da voz, causando impactos na saúde e na qualidade de vida. Vale ressaltar que em pesquisas sobre ergonomia, a DME é comumente presente nas costas e regiões de extremidades superiores(30), geralmente associada à postura inadequada durante as atividades laborais(23). Dessa forma, estudos que investiguem as queixas vocais em trabalhadores com DME também são relevantes.

Dentre as limitações deste estudo, destaca-se o tamanho amostral, limitado, principalmente, em razão da falta de consenso da literatura a respeito de quem são realmente os profissionais que utilizam a voz como um dos principais instrumentos em sua atividade laboral. Além disso, a falta de informações sobre o acometimento por COVID-19, a ocorrência de outras doenças de vias aéreas e a modalidade atual de trabalho (home office ou presencial), também se tornaram vieses para esta pesquisa. Outro fator limitante foi a informação sobre o uso de máscaras de proteção, que não foi coletada. Um viés deste estudo é o fato de que o QIDM não é um instrumento validado. Entretanto, seu uso se justifica pelo número de pesquisas na área de voz com diversas populações, utilizando o mesmo instrumento(7,10-12).

Mais estudos são necessários para comparar a ocorrência de sintomas vocais e dor musculoesquelética entre indivíduos NPV e profissionais da voz. É relevante mencionar os questionamentos levantados nesta discussão sobre o período pandêmico, uma vez que se esperava baixa presença de sintomas vocais na população estudada. Esse fato aponta para a necessidade de mais estudos populacionais para verificar os efeitos da pandemia nos distúrbios da comunicação, com foco na voz e na compreensão dos achados de forma longitudinal. O aumento do número de participantes, especialmente com equilíbrio entre mulheres e homens pode elucidar outros questionamentos, como a relação entre a dor e os sintomas vocais de acordo com o gênero, já que é sabido que mulheres apresentam maior risco de disfonia em relação aos homens. Dados sobre outras informações de saúde, modelo de trabalho ou estudo (presencial ou remoto) também devem ser incluídos em futuros estudos, a fim de encontrar possíveis associações entre variáveis.

CONCLUSÃO

Os indivíduos deste estudo, que não fazem uso profissional da voz, manifestaram sintomas vocais compatíveis com risco para disfonia. A dor musculoesquelética apresentou frequência baixa para todas as regiões estudadas e, quando esteve presente, sua intensidade foi leve. Porém, houve relação entre sintomas vocais e frequência da dor musculoesquelética na região da laringe e áreas proximais a ela. Quando comparadas aos homens, mulheres apresentaram maior frequência de dor nos ombros, na região temporal e na laringe.

  • Trabalho realizado na Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN – Natal (RN), Brasil.
  • Financiamento:
    Nada a declarar.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Set 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    08 Abr 2024
  • Aceito
    16 Jun 2024
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