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Winnicott, Bergson, Lacan: tempo e psicanálise

Winnicott, Bergson, Lacan: time and psychoanalysis

Resumos

O artigo trabalha as concepções de Winnicott e Lacan a respeito do tempo. Em Winnicott, o tempo é pensado no plano da diferença ontológica, enquanto que Lacan privilegia a diferença sexual. Pretende-se mostrar como essas duas idéias a respeito da temporalidade implicam distintas concepções sobre a constituição subjetiva, assim como diferentes estratégias clínicas. Com relação ao tempo, Winnicott será associado ao filósofo Henri Bergson e à sua noção de duração.

Tempo; diferença; estratégias clínicas


This article discusses Winnicott and Lacan's conceptions of time verifyng its diferents clinical estrategies. Winnicott will be associated to Henri Bergson in respect of his notion of duration.

Time; difference; clinical strategies


ARTIGOS

Winnicott, Bergson, Lacan: tempo e psicanálise* * Este artigo é um desenvolvimento da palestra "Tempo e psicanálise", apresentada no Círculo Psicanalítico do Rio de Janeiro em 2/4/2005. Agradeço as contribuições de Edson Lannes e Neyza Prochet sobre a noção de tempo em Winnicott.

Winnicott, Bergson, Lacan: time and psychoanalysis

Jô Gondar

Psicanalista; doutora em Psicologia Clínica (PUC-Rio); professora do Programa de Pós-graduação em Memória Social da UniRio. jogondar@uol.com.br

RESUMO

O artigo trabalha as concepções de Winnicott e Lacan a respeito do tempo. Em Winnicott, o tempo é pensado no plano da diferença ontológica, enquanto que Lacan privilegia a diferença sexual. Pretende-se mostrar como essas duas idéias a respeito da temporalidade implicam distintas concepções sobre a constituição subjetiva, assim como diferentes estratégias clínicas. Com relação ao tempo, Winnicott será associado ao filósofo Henri Bergson e à sua noção de duração.

Palavras-chave: Tempo, diferença, estratégias clínicas.

ABSTRACT

This article discusses Winnicott and Lacan's conceptions of time verifyng its diferents clinical estrategies. Winnicott will be associated to Henri Bergson in respect of his notion of duration.

Keywords: Time, difference, clinical strategies.

Começo com uma questão oriunda da clínica. Uma paciente em tratamento há alguns anos me diz, em certo momento da análise, estar descobrindo duas coisas que até então havia tomado por simples e óbvias. A primeira é que tudo passa; a outra é que os homens são diferentes das mulheres. É uma afirmação interessante, e me fez pensar para além do caso particular desta moça. As duas descobertas falam do reconhecimento de uma diferença: temos, de um lado, a diferença trazida pelo tempo — o tempo que faz tudo se transformar, tudo passar; e, de outro, a diferença sexual — os homens são diferentes das mulheres. Eu me perguntava então se essas duas descobertas não seriam uma só, a descoberta da diferença, realizada a partir de duas vertentes. Mas me indagava também se uma das duas descobertas não seria mais básica do que a outra, ou, em outros termos, se uma delas não seria apenas a derivação de uma diferença fundamental.

Há uma corrente da psicanálise que defende a dominância da diferença sexual sobre as demais: essa moça só poderia dizer que tudo passa porque descobriu que os homens são diferentes das mulheres; desse modo, a subjetivação do tempo teria como condição o reconhecimento da diferença sexual. Há, entretanto, uma outra corrente para a qual a diferença mais importante não estaria no plano da sexualidade, mas no plano do ser, ou melhor, na relação entre o ser e o tempo — tudo passa, o que é, deixa de ser, se transforma. Nesse caso, a paciente só poderia admitir a diferença entre os homens e as mulheres na medida que se dá conta da diferença que o tempo imprime nas coisas e nela mesma: o reconhecimento da dessimetria sexual e da castração derivaria de uma experiência mais fundamental com a diferença.

Minha proposta é pensar o tempo a partir dessas duas possibilidades: a primeira afirma a diferença ontológica como predominante; a segunda toma como eixo a diferença sexual. Daí decorrem, duas maneiras distintas de pensar a constituição da subjetividade. O interesse deste confronto não é o de descobrir, afinal, quem tem razão, quem está com a verdade, mas sim o de discutir as estratégias clínicas que estão associadas a essas duas concepções. Em outros termos: pretendemos mostrar como diferentes maneiras de abordar o tempo redundam em estratégias clínicas diferenciadas. Cremos que há sempre uma idéia sobre o tempo subjacente a qualquer modo de se pensar e de se praticar a psicanálise, e que é possível enfocar a diversidade entre autores e escolas a partir de suas perspectivas sobre a temporalidade. É claro que o tema é por demais vasto para ser devidamente aprofundado sob a forma de um artigo. Pretendemos, aqui, centrar-nos em dois autores da psicanálise que apresentam divergências teóricas e clínicas com relação ao problema do tempo, mas mesmo as propostas destes autores não poderiam ser aqui esgotadas. Gostaríamos de focalizar apenas um aspecto de suas concepções: o que relaciona 'tempo' e 'diferença'.

Antes de abordar suas divergências, cabe dizer algo sobre o tempo. Trata-se de um problema que não é só da psicanálise, mas da ciência, das artes, da filosofia, um problema do homem desde que ele começou a fazer perguntas. Comecemos com a pergunta clássica: do que é que estamos falando, quando falamos do tempo? O que é o tempo? Uma resposta muito famosa a esta pergunta é a de Santo Agostinho, no século III (AGOSTINHO, 1984). Diz ele: o tempo é o tema mais banal de nossas conversas cotidianas, e não fazemos outra coisa senão falar disso. E, no entanto, se alguém nos pergunta sobre o que é isso de que tanto falamos, nos vemos diante de um paradoxo: "O que é, por conseguinte, o tempo? Se ninguém me perguntar, eu sei; mas se o quiser explicar a quem me faz a pergunta, já não sei" (Idem, p.304).

Santo Agostinho nos indica nossa impossibilidade de formular um conceito de tempo, ao menos no sentido clássico — aquele que implica na definição clara e precisa de alguma coisa. De fato, definir o tempo seria um contra-senso: toda definição pretende dizer o que algo é, a despeito de qualquer mudança. Quando definimos uma coisa, afirmamos aquilo que dessa coisa permanece invariante, e, desse modo, a subtraímos do tempo. Ora, se pretendermos dizer o que o tempo é, teremos que subtrair o tempo do tempo, recusando, no mesmo gesto, aquilo que estamos querendo compreender.

Freud também não deixa de dar razão a Santo Agostinho quando diz que o tempo, em si mesmo, não é representável, assim como não podemos representar a diferença sexual, nem se representa a própria morte (FREUD, 1915/1972; 1920/1972). De fato, todas as vezes que tentamos representar o tempo, construímos nossa representação sobre o modelo do espaço, seja através de uma quantificação espacial, um espaço percorrido ao qual associamos números — como no relógio — ou através de imagens espaciais: o rio que corre, a flecha que nada detém. Do tempo, nós podemos ter uma noção, mas jamais um conceito ou uma definição. Assim, vamos falar do tempo mesmo sem poder defini-lo. Benjamin (1939/1999) dizia que o conhecimento surge como a luz dos relâmpagos. O texto é apenas o longo trovão que se segue. É desse modo que me proponho a falar do tempo. Nenhuma luz, mas algumas trovoadas.

Voltemos agora à psicanálise. Freud nunca se dispôs a formular um conceito ou uma definição do tempo. Mesmo assim, o tempo está presente em toda sua teoria. É sobre a base do tempo que se pode pensar em memória, em transmissão, em repetição, em perlaboração, em pulsão, em invenção, em acontecimento, em novo. Uma das noções de tempo que atravessam a obra de Freud tornou-se a mais conhecida — a noção de Nachträglich, que podemos traduzir por 'posteriormente' ou por 'a posteriori'. Essa noção vai ser o ponto de partida para pensarmos duas modalidades de tempo apresentadas por dois autores diferentes da psicanálise — Lacan e Winnicott.

Freud nunca se preocupou em fornecer uma definição precisa sobre a noção de Nachträglich. Isso permitiu que diferentes escolas psicanalíticas utilizassem essa noção como bem lhes aprouvesse. Um exemplo claro disso está nas traduções muito diferentes que fizeram do termo em alemão. As versões francesa e inglesa da obra de Freud não atribuíram o mesmo sentido ao termo, cada uma delas escolhendo um equivalente capaz de se harmonizar com a noção de tempo mais adequada à sua escola. Os franceses traduziram Nachträglich por après-coup, enquanto que os ingleses preferiram traduzir por deferred action (ação retardada ou ação preterida).

A escolha desses termos é fruto de duas idéias muito diferentes sobre a temporalidade. A escola inglesa defende a idéia de uma temporalidade processual, contínua, expressando-se em um desenvolvimento progressivo. É verdade que esse desenvolvimento comporta fixações ou regressões, mas elas são consideradas emperramentos de um processo que, em condições favoráveis, deveria seguir o seu curso. A idéia de uma sucessão de fases ou etapas de desenvolvimento é bastante característica dessa continuidade temporal; nesse sentido, uma ação é dita retardada ou preterida quando algo já se encontrava presente, ao menos em germe, em potência, mas levou certo tempo para manifestar-se ou apresentar os seus efeitos. Subjaz aí a idéia de retardamento, de demora, de espera. É claro que há divergências, meandros distintos entre alguns analistas ingleses, mas me parece ser possível marcar com duas palavras o solo temporal a partir do qual suas noções de tempo são construídas: processo e continuidade.

A idéia de continuidade ou temporalidade processual é descartada na tradução francesa do Nachträglich. O termo aprés-coup sugere 'golpe', 'ruptura', 'descontinuidade'. Os franceses não valorizam a idéia de etapas sucessivas de desenvolvimento, mas sim o modo como são subitamente reorganizadas, de maneira retrospectiva, as posições subjetivas. Se os ingleses defendem a idéia de uma temporalidade processual, isto é, de uma permanente mudança no tempo, os franceses privilegiam os momentos críticos, as cristalizações capazes de reordenar, num varrido, todas as contingências anteriores (GONDAR, 1995). Nesse caso, o tempo se constitui a partir de uma série de rupturas. A realidade temporal não é dada pela duração, mas pelo instante, ou seja, o tempo é fundamentalmente descontínuo. Trata-se de uma visão estrutural do tempo. O que estabelece diferenças, isto é, o que distingue um 'antes' e um 'depois' são instantes de subjetivação: um sujeito emerge num átimo, num instante, podendo em seguida desaparecer. Assim, a ênfase não é dada à espera, mas ao que se dá de súbito, num instante privilegiado. Podemos marcar com duas palavras essa concepção de tempo: instante e descontinuidade.

WINNICOTT COM BERGSON

Vamos examinar com mais detalhes esses dois modos de pensar o tempo e as estratégias clínicas que decorrem ou que promovem essas concepções. Em primeiro lugar, a idéia do tempo como processo e continuidade, própria da escola inglesa. Para isso vamos nos servir de Winnicott, ainda que ele não seja um representante típico desta escola; de fato, na psicanálise, Winnicott se situa numa zona de fronteira, e não no interior de determinado grupo. Mesmo assim, enquanto psicanalista inglês, Winnicott se encontra imerso numa tradição que privilegia o empirismo — ao invés do racionalismo vigente na França — e meu interesse está no modo como ele radicaliza uma noção processual do tempo, enfatizando a continuidade. Na verdade, vamos ter que desentranhar da obra de Winnicott uma concepção de tempo, porque esse não foi um tema sobre o qual ele escreveu de maneira explícita.

Do ponto de vista do tempo, Winnicott vai combinar duas idéias que, a princípio, parecem antagônicas: a idéia de continuidade — ou seja, o privilégio é dado à duração e não ao instante — e a idéia de heterogeneidade, de diferença. Por um lado, Winnicott vai privilegiar, na constituição da subjetividade, aquilo que ele chama de 'desenvolvimento emocional', apresentando-a sob a forma de estágios sucessivos. Como é que um bebê, que a princípio depende do meio ambiente de maneira absoluta e não se distingue dele, vai se tornar alguém singular, vai adquirir um si mesmo? É em torno da relação de dependência do ambiente que Winnicott vai propor três estágios sucessivos de desenvolvimento: dependência absoluta, dependência relativa e rumo à independência. A passagem de um estágio a outro não depende de rupturas, momentos críticos, acontecimentos súbitos, mas se dá numa relação de continuidade. Essa continuidade vai ser garantida por um ambiente suficientemente bom, capaz de fornecer sustentação a um processo natural de desenvolvimento, um processo que se realiza de modo imanente. Aliás, seria esta a diferença entre uma concepção estrutural e uma concepção processual da subjetividade. Na última, a diferença não se dá entre lugares, já que os lugares são pontos de chegada de um processo; a diferença se dá no próprio processo. Há um contínuo diferenciar-se. Em Winnicott a subjetividade, isto é, a individualidade (ou a independência) comporta uma infinidade de graus, de matizes, e em homem algum ela se encontra de todo realizada. Podemos estar rumo à independência, mas jamais instalados na independência como um estado, um lugar, uma posição definida. A individualidade jamais está realizada por inteiro, mas sempre em vias de realização. Vamos agora abordar esta questão por meio de uma outra entrada nas idéias de Winnicott.

Winnicott é um empirista. Não está preocupado com leis universais, exteriores, transcendentes à subjetividade e, como tal, capazes de organizar o campo subjetivo. O que vai constituir ou organizar a subjetividade não é nenhum princípio ou razão extrínseca a ela própria — como, por exemplo, a Lei da castração ou o campo do Outro — e sim um campo de experiências. Desse modo, o que se toma como ponto de partida não é o Outro — não existe nenhum Outro prévio — mas a imanência da experiência. E uma dessas experiências é a mais fundamental de todas elas. Aquilo que talvez seja a mais simples de todas as experiências, diz Winnicott, é a experiência de ser. E o que o ser quer é persistir enquanto tal, isto é, continuar a ser (WINNICOTT, 1960/1965).

Espinosa (1675/1973) dizia que tudo o que existe quer perseverar em seu ser: a pedra quer ser infinitamente pedra, e o tigre um tigre. Mas no caso do homem, para que ele persevere em seu ser é preciso que ele tenha experenciado este ser como uma continuidade. A idéia de Winnicott é que, a partir dos cuidados da mãe, que protege o bebê das invasões e dos choques do ambiente, ele vai adquirindo uma existência própria, experenciando uma continuidade em seu ser. É sobre a base dessa experiência de continuidade que se dá o desenvolvimento emocional, em direção à independência: o bebê traz um potencial herdado que, pouco a pouco, experimentando uma continuidade de ser, vai constituindo um si mesmo independente e diferenciado. Há um ponto de partida do processo, que são as potencialidades de cada um, porém não há um ponto de chegada: o si-mesmo é um seguir-sendo (LANNES, 1997). Quando se fala em ser, em estágios de desenvolvimento, em constituição de subjetividade, o tempo em questão está sempre no gerúndio: ser não é apenas existir; ser é seguir sendo, é o processo através do qual, sem nenhuma pressa ou nenhum dever, algumas potencialidades vão se desdobrando, se atualizando, ganhando forma.

Este seria o processo de criação para Winnicott. Qualquer criação, seja de uma obra de arte ou da própria vida, é um processo de diferenciação, de atualização de potencialidades, de criação de possíveis. O ambiente vai ser visto como um facilitador ou um dificultador deste processo. A vida subjetiva seria um processo de criação, e não da assunção de uma verdade. O tempo em Winnicott seria, portanto, um tempo contínuo, mas consetâneo ao surgimento do novo, do heterogêneo, da diferença.

Na filosofia, há um pensador do tempo cujas idéias entram numa comunhão bastante forte com as de Winnicott. Não creio que seja Heidegger; esta é a proposta de Loparic,1 1 Os trabalhos de Zeljko Loparic têm sido desenvolvidos no Grupo de Pesquisa em Filosofia e Práticas Psicoterápicas do Programa de Estudos Pós-graduados em Psicologia Clínica da PUC-SP, sendo diversos deles publicados na revista semestral Natureza Humana. Revista internacional de filosofia e práticas psicoterápicas, São Paulo, Educ. que realiza um belo trabalho a respeito de Winnicott, mas de quem, sob este aspecto, vou me permitir discordar. Em Heidegger, há um privilégio do futuro — trata-se de um futuro aberto, de um porvir que se abre para nós a partir da antecipação da nossa possibilidade mais certa, a possibilidade extrema do nosso ser, a morte. Daí a noção heideggeriana de ser-para-a-morte, que significa ser na medida que é posta a possibilidade de não ser, sendo o homem o único capaz de admitir essa possibilidade (HEIDEGGER, 1929/1978). Ora, Winnicott também privilegia o porvir, na medida que enfatiza a criação; contudo, este porvir não se abre para nós a partir de nossa finitude — não há nada em Winnicott que se assemelhe a um ser-para-a-morte — e sim a partir de nossa obra em processo, daquilo que inventamos e somos capazes de inventar. Sob este aspecto, o filósofo que melhor expressaria a concepção de Winnicott sobre o tempo seria Bergson. Três idéias de Bergson, ao meu ver, permitem sua aproximação com Winnicott.

A primeira é a noção de duração, que é o nome por ele dado ao tempo. Bergson diz que o tempo é criação, ou não é absolutamente nada. A duração não é pensada como permanência do mesmo, mas como continuidade indivisível e criação permanente do novo. (BERGSON, 1896/1990; 1907/1979). O que há de permanente, portanto, é a diferença ou a mudança. A duração não é o processo contínuo pelo qual uma coisa se diferencia de outra coisa, mas o processo contínuo pelo qual um ser vai se diferenciando de si próprio. A duração em Bergson se torna uma experiência ontológica, e condição de todas as outras experiências. Dizendo de outro modo: enquanto algo dura, esse algo está sempre se diferenciando; onde pensamos ver uma permanência, um estado, uma fase, o que encontramos, de fato, é um formigar de diferenças. O que há de mais vital no desenvolvimento é a continuação imperceptível da mudança de forma.

Mas isso não é algo que se possa apreender através da inteligência, segundo Bergson. Só podemos apreender a duração, o fluxo do tempo, pela intuição. A nossa inteligência tende a paralisar o devir, e seria um instrumento muito grosseiro para apreender a continuidade em mudança (BERGSON, 1907/1979).

A segunda idéia de Bergson que eu gostaria de marcar é que a duração, como processo de diferenciação, não envolve um encadeamento sucessivo entre passado, presente e futuro, mas um processo no qual algo que se encontrava numa dimensão potencial, virtual, vem a se realizar no presente, a se atualizar. A isso ele chama de 'processo de diferenciação' ou de atualização, isto é, de passagem do virtual para o atual. Essa passagem do virtual para o atual, para a criação de formas atuais, não é realização de uma possibilidade que já se encontrava lá, dada, bastando apenas ser concretizada. Não se trata da concretização de um programa prévio, e sim de um movimento criativo, porque aquilo que se atualiza não é idêntico à virtualidade que é desdobrada no processo. A própria passagem do virtual ao atual já implica uma criação (idem).

Um exemplo literário dessa passagem seria a experiência do sabor da madalena mergulhada no chá, narrada por Proust (1913/1999). Desse sabor emerge toda uma cidade, uma Combray com suas ruas, transeuntes, seu burburinho, suas cores. "E como nesse divertimento japonês de mergulhar numa bacia de porcelana cheia d'água pedacinhos de papel, até então indistintos e que, depois de molhados, se estiram, se delineiam, se colorem, se diferenciam [...] toda a Combray e seus arredores, tudo isso que toma forma e solidez saiu, cidade e jardins, da minha taça de chá" (idem, p.51). Contudo, a cidade que ganha forma e solidez não existia antes da madalena no chá: é uma Combray criada nessa experiência. Não se trata da recuperação de um tempo perdido ou de uma lembrança recalcada. Aquilo que se atualiza, no presente, condensa todo um campo de virtualidades, de potencialidades, e abre um novo campo de possíveis para a vida.

Bergson (1896/1990) apresenta uma terceira idéia a respeito da duração que me parece facilitar o entendimento da proposta de Winnicott. A duração é aquilo que nos permite escapar da determinação pura e simples entre estímulo sensório e resposta motora, a determinação pura e simples de um arco reflexo. Nos seres vivos se instaura um intervalo de tempo entre um estímulo e sua resposta; Bergson vai chamar esse intervalo de tempo de intervalo de indeterminação. Ou seja, há o estímulo, mas ao invés de sua resposta imediata dá-se um entre, um intervalo de indeterminação, uma experimentação de possibilidades; esse tempo permite que o ser vivo escolha criativamente uma resposta entre as possíveis. Este intervalo é um outro modo da duração, e a ele Bergson vai fornecer mais um nome: 'subjetividade'. Ou seja, subjetividade é tempo, é indeterminação, é ação retardada. Quanto mais um ser vivo é complexo, numa escala evolutiva, maior será o seu intervalo de indeterminação — menos o seu comportamento será automático, determinado, e mais chance ele terá de hesitar, esperar, escolher, inventar. Essa indeterminação, essa perda de tempo é para Bergson a condição da nossa liberdade e da nossa capacidade de criar; trata-se de um tempo no qual as virtualidades, isto é, as pequenas diferenças que ainda não se determinaram, não ganharam forma, vão ser experenciadas.

Assim como Bergson, Winnicott (1971) também trabalha a esfera do entre, valorizando elementos semelhantes aos do filósofo francês. Winnicott, porém, não chama esse entre de 'tempo', e sim de 'espaço': um espaço potencial, uma área intermediária de experimentação entre o interno e o externo, entre o que é subjetivamente concebido e o que é objetivamente percebido. Esse espaço vai ser pensado, de início, na relação entre a mãe e o bebê, como condição para a passagem da dependência à autonomia, ou seja, como condição de diferenciação. Mas Winnicott vai também valorizar este espaço na vida adulta, como espaço da experiência cultural e da criatividade. Trata-se, todavia, de um espaço temporalizado, um espaço construído sob uma lógica temporal, mais do que espacial. O que nele está em jogo é a continuidade do ser, a diferenciação, a criação, a experimentação, a potencialidade, todas elas dimensões ligadas ao tempo. Em termos filosóficos, poderíamos dizer que se trata, aí, mais do tempo do que do espaço. Mas talvez Winnicott não quisesse ficar com uma dimensão apenas, espaço ou tempo; talvez ele estivesse, até no plano conceitual, propondo um entre. Há um certo momento em que Winnicott se pergunta: "onde estamos quando estamos fazendo o que de fato fazemos a maior parte do tempo, ou seja, desfrutando de nós mesmos?" (WINNICOTT, 1971, p.104). Onde estamos quando desfrutamos de nós mesmos? Estamos nessa área intermediária, e é curioso que Winnicott a ela se refira numa dupla dimensão, inserindo na pergunta um advérbio de lugar — onde, e também um advérbio de tempo — quando. Winnicott junta também as duas dimensões na resposta que oferece, um pouco mais adiante: "o brincar e a experiência cultural são coisas que valorizamos de uma maneira toda especial; elas reúnem o passado, o presente e o futuro; elas resgatam o tempo e o espaço" (Idem, p.109).

Voltemos agora para a paciente sobre quem falei no início, aquela que descobriu duas coisas na análise: tudo passa e os homens são diferentes das mulheres. Em Winnicott, podemos dizer que a diferença fundamental diz respeito à ação do tempo no ser, e não à sexualidade. É claro que Winnicott considera a diferença sexual importante. Importante, mas não primária. A diferença fundamental não se dá entre duas dimensões atuais — duas posições subjetivas, dois regimes eróticos ou dois modos de gozo. O que está em questão é um ser que vai diferindo de si mesmo, é uma passagem do virtual para o atual no plano do ser, é uma diferença ontológica. É na medida que tudo passa — isto é, na medida que o virtual se atualiza — que os homens se tornam diferentes das mulheres. Mesmo que Winnicott (1971b) os distinga relacionando o masculino ao fazer e o feminino ao ser, é ainda referindo-se ao ser que a diferença é pensada.

O que não deixa de ter conseqüências para as estratégias clínicas por ele propostas. Winnicott forjou essa concepção de tempo porque se deparou com pacientes que precisavam dela — eles precisavam de tempo. As contribuições mais importantes de Winnicott provêm de sua experiência com pacientes que não eram clássicos — crianças muito pequenas, pacientes com sofrimentos psicóticos, psicossomáticos, anti-sociais; esses sofrimentos, como ele pôde perceber, derivavam de um momento muito precoce, quando estes indivíduos ainda eram bebês. Era preciso buscar então na relação mãe-bebê, num momento em que o sistema de representações ainda não estava construído, o entendimento e as estratégias clínicas para lidar com esse sofrimento. Estes pacientes não eram sensíveis ao referencial clássico da psicanálise, assentado nas noções de recalque, Édipo e interdição; para eles não funcionavam as intervenções movidas por uma vontade de verdade.

Cabe observar que Winnicott não descartou este referencial para o tratamento das neuroses. Todavia, foi capaz de observar que a questão principal no tratamento dos pacientes não sensíveis às intervenções clássicas não era o reconhecimento de um desejo inconsciente ou a assunção de uma verdade, mas, muito antes, o da construção da possibilidade de desejar, de sentir-se real, vivo, espontâneo, sendo e continuando a ser. Tratava-se de pessoas que padeciam de uma falta de continuidade de ser, que sofriam de um fechamento de possíveis, e as estratégias clínicas, nesses casos, visavam a criação de possíveis. A tarefa maior do analista seria a de ajudar os pacientes a desenvolverem o sentimento de existir, a partir do qual eles poderiam criar um mundo próprio e suas próprias vidas. "Após ser — fazer e ser feito. Mas em primeiro lugar, ser" (WINNICOTT, 1971b, p.85). A lógica temporal que preside estas estratégias clínicas é a da duração: hesitação, espera, experimentação de virtualidades. Caberia ao analista, nesses casos, propiciar as condições da criação.

LACAN

Vamos passar agora do tempo concebido como duração e processo para o tempo da descontinuidade e do instante, trabalhando com a escola francesa. O privilégio do instante, como já vimos, expressou-se na tradução do Nachträglich freudiano pelo termo francês aprés-coup. Mas foi Lacan quem levou adiante a lógica do après-coup, erigindo-a como a temporalidade própria da psicanálise. É o que nos propõe em seu artigo sobre "O tempo lógico e a asserção de certeza antecipada" (LACAN, 1945/1998). Ainda que a questão do tempo lógico não esgote a abordagem da temporalidade na obra lacaniana, é sobre ela que vamos nos deter para enfatizar a relação entre tempo e diferença sob a vertente da descontinuidade.

O artigo sobre o tempo lógico apresenta uma inspiração heideggeriana já no próprio título, ao aludir à asserção de uma certeza antecipada. A antecipação de uma certeza é, para Heidegger, condição para a temporalização: é a partir da certeza da morte, não enquanto realidade, mas enquanto possibilidade, que o tempo se coloca como questão para o homem. Ora, Lacan vai valorizar, da mesma maneira que Heidegger, a relação entre o tempo e a finitude. Mas vai substituir a finitude absoluta da morte pela finitude do sujeito. A finitude faz um apelo, convoca o sujeito a se posicionar, a dizer quem ele é. Se me dou conta de que sou finito, de que não tenho todo o tempo do mundo, é melhor me posicionar de uma vez, dizer a que vim, afirmar logo o meu desejo. Para Lacan, não sou finito porque vou morrer um dia e admito que esta morte seja certa — pois isso só diria respeito ao meu ser, independentemente de minha relação com os outros. Sou finito porque preciso do outro para me posicionar, porque não me totalizo, porque não tenho todos os sexos ou todas as cores: alguns carregam discos pretos nas costas enquanto outros carregam discos brancos, e devo me responsabilizar e me arriscar pela minha parte. De fato, não sei qual foi a cor do disco colocado às minhas costas, pois isso não dependeu de mim; porém depende de mim afirmar a minha condição. E afirmar a minha condição é afirmar a condição da minha liberdade. Assim, é enquanto sujeito finito, sexuado, incompleto que me afirmo.

Vamos retornar, outra vez, à paciente citada no início e às suas duas descobertas já mencionadas. Qual das duas descobertas deveria, nesse caso, ser privilegiada? Na lógica lacaniana, a diferença sexual seria a matriz de todas as diferenças, ao invés da diferença ontológica, como em Heidegger. Para este último, o que está em questão é a relação entre ser e tempo — o fundamental é que tudo passa, e é secundário que se seja homem ou mulher, preto ou branco. Em Lacan, dá-se o inverso: é porque os homens são diferentes das mulheres que tudo pode passar; nesse caso, é melhor que o sujeito se apresse.

Tentamos, desse modo, resumir a concepção de finitude proposta por Lacan em seu artigo sobre o tempo lógico. Cabe dizer ainda que este tempo apresenta três modulações: instante de olhar, tempo para compreender, momento de concluir. Porém tão essenciais quanto essas três modulações são, na lógica lacaniana, as chamadas moções suspensas — os intervalos de hesitação. No artigo de Lacan, as modulações temporais se articulam às hesitações. Em um primeiro momento, vejo tudo o que está dado, toda a situação: vejo o que está fora de mim, vejo os outros, mas ainda não sei quem sou; em um segundo momento, realiza-se o trabalho de elaboração: tento compreender (vale dizer que o tempo para compreender corresponde ao que Freud chamou de 'perlaboração') e tento me fazer reconhecer, creio poder dizer quem sou, mas ainda não estou convicto: hesito, volto a olhar os outros e minha hesitação se articula com a hesitação deles (os momentos de parada ocorrem duas vezes, e são as chamadas 'moções suspensas'); por fim, dá-se a asserção subjetiva: crio coragem para me posicionar e passo da hesitação para a pressa. Apresso-me a concluir e, ainda que essa conclusão seja provisória, sou capaz de me lançar, sem garantias.

O tempo lógico é muitas vezes associado às sessões curtas praticadas por Lacan, mas isso, em termos teóricos, não seria exato. Para Lacan, o tempo lógico é o tempo do inconsciente, que não pode ser medido pelo relógio, e não o tempo das sessões. Se existe sessão curta, existe sessão comprida e ambas supõem uma medida, um tempo espacializado. Não é o tempo da sessão que é lógico: o tempo das sessões pode ser fixo ou variável. No entanto, nós podemos articular o tempo lógico ao tempo das sessões, não pelo fato delas serem curtas ou compridas, mas pelo fato delas sofrerem um corte que, para Lacan, produz efeitos de interpretação, precipitando os momentos de concluir. Se a prática de Lacan tem a ver com o tempo lógico é porque ele cortava as sessões, e não porque as encurtava.2 2 Para um aprofundamento desta questão, cf. Gusmão (1993) e Perez (2002). O sofisma do tempo lógico exige que o sujeito precipite sua certeza num ato, e é esta dimensão que rege as sessões de duração variável: o ato do analista, o corte visa apressar o tempo para compreender para precipitar a asserção subjetiva. A hesitação, a espera, devem dar lugar à pressa, num apelo do futuro, numa urgência do momento de concluir.

Forrester (1990) faz uma análise interessante sobre os motivos que teriam levado Lacan a praticar as sessões de duração variável, que, ao fim e ao cabo, possuíam uma duração curta. Ele afirma, em primeiro lugar, que essa prática foi desenvolvida como uma espécie de técnica ativa, no sentido ferencziano — na qual Lacan também teria se inspirado ao propor a idéia de ato analítico. Só há uma justificativa para o emprego das técnicas ativas para Ferenczi: é a estagnação da análise. E quando é que essa estagnação tendia a acontecer, na prática de Lacan? Aí entra a hipótese de Forrester: haveria uma figura tipo para a qual o corte da sessão foi dirigido, um tipo específico de paciente, o obsessivo. De fato, na neurose obsessiva o tempo possui um papel importante: o obsessivo é aquele que demora, que duvida, que hesita, que procrastina, que preenche o tempo com atos que não são atos, apresentando um domínio estratégico do discurso tão perfeito, tão bem-sucedido que nada de inconveniente poderia acontecer. Abraham (1907/1927) dizia que as histéricas são aquelas pessoas interessantes para quem sempre alguma coisa está acontecendo. Neste caso, dizemos nós, os obsessivos são aquelas pessoas para quem nunca está acontecendo nada.

O corte da sessão, como uma técnica ativa, seria uma tentativa de romper um conluio entre o cerimonial obsessivo, o analista e as estratégias de postergação que estes pacientes apresentam. O corte seria feito para apressar o período de dúvida, hesitação, silêncio, quando nada acontece. Pensada sob esta ótica, a duração seria entendida como um tempo de espera destituído de acontecimentos efetivos e afetivos. Se o analista fosse muito ortodoxo ou correto, ele estaria compactuando, por sua passividade, com o obsessivo. A função do analista seria a de romper esse equilíbrio: foi o reconhecimento dessa dificuldade do obsessivo que teria levado Lacan, na hipótese de Forrester, a produzir cortes na sessão, e a encurtá-las. "(...) naquilo que foi chamado de nossas sessões curtas (...) pudemos fazer vir à luz num dado sujeito masculino fantasias de gravidez anal, com o sonho de sua resolução por cesariana, num prazo em que, de outro modo, ainda estaríamos escutando suas especulações sobre a arte de Dostoievsky" (LACAN, 1953/1998, p.316).

Sem dúvida, o intervalo de hesitação ou de indeterminação no obsessivo não seria, na maior parte das vezes, criativo: a espera seria sinônimo de procrastinação. Lacan teria inventado um artifício técnico muito engenhoso para fazer a análise desses pacientes avançar. Criou uma maquinação nega-entrópica para facilitar a asserção subjetiva e enfrentou muitas lutas por conta de sua ousadia. Era preciso nadar contra a corrente, e ele o fez. Mas se é próprio da psicanálise nadar contra a corrente, é preciso observar a corrente e ver quando ela muda de direção. A corrente hoje não nos permite hesitar ou esperar, ela impõe a pressa; os poderes que pretendem controlar a nossa vida tornam o tempo cada vez mais achatado, os intervalos de elaboração cada vez mais curtos. Outras configurações subjetivas se impõem na atualidade. Uma figura exemplar: o compulsivo. O compulsivo é alguém que vai do instante de olhar para o momento de concluir sem passar pelo tempo para compreender. O que é que podemos lhe oferecer na nossa clínica? O tempo talvez seja aí um dos principais elementos. Quiçá o principal, como sugere Derrida (1989): o tempo é a única coisa que se dá.

Mas ainda que as compulsões, o pânico, os fenômenos psicossomáticos ganhem cada vez mais espaço — e mais tempo — na clínica, hoje, continuamos a receber obsessivos, histéricas, mas, na maior parte das vezes, pacientes com sofrimentos "mistos" que extravasam as catalogações que utilizamos como ponto de conforto. Lacan e Winnicott são os expoentes mais radicais, sobre o aspecto do tempo, das vertentes inglesa e francesa da psicanálise, e suas concepções alimentam estratégias clínicas muito diferenciadas: valorizar o espaço potencial, espaço/tempo de espera, hesitação e experimentação é algo bem diverso de valorizar a função da pressa a fim de precipitar a asserção subjetiva. De um lado, a ênfase é dada à duração e ao processo; de outro, ao instante e ao corte. E aqui caberia a pergunta: seria preciso escolhermos um ou outro?

E se não tivermos que escolher? E se nos mantivermos numa certa indeterminação? Por que o tempo deveria ter apenas uma imagem — o ponto, o fluxo, a linha, a fonte jorrando, a flecha que voa? Ao escolhermos o ponto, o instante, a pressa e o corte, nossas estratégias clínicas privilegiam a emergência do sujeito e a assunção do desejo: a questão seria fazer o sujeito responsabilizar-se pelo seu desejo, o tempo estando colocado a serviço da assunção de uma diferença. Ao escolhermos o fluxo, a duração, a espera e a criação, nossas estratégias são mais condizentes com o estabelecimento de um holding, como um campo de experiências pré-subjetivo no qual um desejo pode se constituir ou ganhar consistência. Nesse último caso, a questão temporal seria menos a de assumir uma diferença, e mais a de fruir um diferenciar-se. Qual desses tempos seria o melhor?

O problema é que estamos acostumados a pensar o tempo como uma categoria universal, unívoca, mas, na realidade, estamos sempre às voltas com apreensões particulares e multívocas do tempo. Podemos pensar o tempo como multiplicidade e a subjetividade como multitemporal (PELBART, 1998). Essa multiplicidade não evoca uma linha ou um fluxo de tempo, mas um emaranhado de tempo, um dobrar ou desdobrar de muitas linhas. Nesse caso, porém, o que orientará nossas estratégias clínicas? Como podemos manter um fundamento no tempo sem nos perder nesse emaranhado multitemporal?

Talvez o paciente e o tipo de sofrimento que ele apresenta sejam a melhor bússola: privilegiarmos o paciente em tratamento, mais do que a filiação a essa ou aquela escola, a essa ou aquela concepção.3 3 Perla Klautau (2002) desenvolve bem este problema. Uma noção sobre o tempo influencia, sem dúvida, o modo de condução de uma análise. Porém, esta análise só tem sentido e vigor se consistir, simultaneamente, no tratamento daquele paciente em particular e num tratamento particular também sobre o tempo, podendo diferenciar-se em relação a um mesmo paciente e aos diversos tempos que ele atravessa. Não nos parece absurdo supor que exista uma sobreposição, num mesmo sujeito, de diferentes regimes temporais, e a sensibilidade clínica do analista seria aqui convocada para avaliar um momento de corte ou de espera, de pontualidade ou de duração. Pode ser importante recortar o momento em que, num fluxo discursivo, o paciente diz algo que é mais significativo; contudo, em outras situações, uma espera ativa da parte do analista pode ser muito mais efetiva do que uma intervenção pontual. Em suma, as estratégias clínicas relacionadas aos diferentes modos temporais podem ser muitas, tanto quanto as múltiplas temporalidades que nos atravessam. O aferramento a uma única perspectiva estaria indicando apenas nossa tentativa de congelar o tempo e de resistir à sua passagem. Talvez, como propõe Fédida (1977, p.439), possamos dizer que "para o homem a desilusão em sua acepção de tempo e sua ferida narcísica sejam uma e mesma coisa".

(1915) "Reflexões para o tempos de guerra e morte", v.XIV, p.310-341.

(1920) "Além do princípio do prazer", v.XVIII, p. 13-85.

Recebido em 5/3/2006. Aprovado em 24/4/2006.

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  • *
    Este artigo é um desenvolvimento da palestra "Tempo e psicanálise", apresentada no Círculo Psicanalítico do Rio de Janeiro em 2/4/2005. Agradeço as contribuições de Edson Lannes e Neyza Prochet sobre a noção de tempo em Winnicott.
  • 1
    Os trabalhos de Zeljko Loparic têm sido desenvolvidos no Grupo de Pesquisa em Filosofia e Práticas Psicoterápicas do Programa de Estudos Pós-graduados em Psicologia Clínica da PUC-SP, sendo diversos deles publicados na revista semestral
    Natureza Humana. Revista internacional de filosofia e práticas psicoterápicas, São Paulo, Educ.
  • 2
    Para um aprofundamento desta questão, cf. Gusmão (1993) e Perez (2002).
  • 3
    Perla Klautau (2002) desenvolve bem este problema.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      23 Ago 2006
    • Data do Fascículo
      Jun 2006

    Histórico

    • Aceito
      24 Abr 2006
    • Recebido
      05 Mar 2006
    Programa de Pós-graduação em Teoria Psicanalítica do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ Instituto de Psicologia UFRJ, Campus Praia Vermelha, Av. Pasteur, 250 - Pavilhão Nilton Campos - Urca, 22290-240 Rio de Janeiro RJ - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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