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AGROTÓXICOS USADOS NA CULTURA DO ALGODÃO: EFEITO NA ATIVIDADE DAS ENZIMAS DESIDROGENASE E ARILSULFATESE DO SOLO*

PESTICIDE IN COTTON CROP: EFFECTS ON SOIL DEHYDROGENASE AND ARYLSULFATASE

RESUMO

Algumas culturas, como o algodão, necessitam de tratamentos com diferentes agrotóxicos para controle de pragas. Estes compostos atingem o solo e podem afetar a microbiota provocando mudanças nas atividades de ciclagem de nutrientes e conseqüentemente, na fertilidade dos solos. A influência dos vários agrotóxicos utilizados em algodão foi estudada sobre a atividade microbiológica de solo Gleissolo de área do campo experimental do Instituto Biológico, SP, que foi subdividida em duas subáreas, e em solo Nitossolo Vermelho Distrófico coletado de área da Estação Experimental do Instituto Agronômico, Tatuí, SP, todas sob plantio de algodão. Os estudos de atividade microbiológica do solo foram realizados por meio de medidas da atividade das enzimas desidrogenase (DHA) e arilsulfatase por quantificação de formazan e p-nitrofenol, respectivamente. A atividade da DHA no Gleissolo variou de aproximadamente 90,7 a 218,7 µg de formazan g-1 solo na subárea sem tratamento e de 87,7 µg g-1 solo após aplicação de carbaril a 258,8 µg g-1 solo após tratamento com monocrotofós na subárea tratada com os agrotóxicos. No Nitossolo Vermelho Distrófico, a variação da DHA foi de 33,3 µg formazan g-1 solo no primeiro período entre plantios a 103,8 µg g-1 solo após aplicação da mistura de paration metílico + deltametrina. A atividade da arilsulfatase variou aproximadamente de 0,75 a 9,76 µg p-nitrofenol g-1 solo na subárea sem tratamento de São Paulo e de 3,8 µg g-1 solo após tratamento com carbaril a 11,6 µg g-1 solo também após tratamento com monocrotofós. No solo de Tatuí a atividade desta enzima variou de 0 no período entre plantios a 3,81 µg g -1 solo após aplicação de paration metílico. Verificou-se que os agrotóxicos atuaram diferentemente nos 2 tipos de solo, ora inibindo, ora estimulando a atividade das enzimas estudadas.

PALAVRAS-CHAVE:
Bioatividade; microrganismos; impacto ambiental.

ABSTRACT

Some crops, as cotton, need different pesticide treatments for control of pests and diseases. These compounds reach the soil where the may promote changes in the microbial activities which may affect the nutrient cycling and the soil fertility. The influence of some pesticides was studied on the soil microbial activity of Gley and Red Latosol soils, respectively from the "Instituto Biológico", SP, Brazil, experimental field (in São Paulo) and "Instituto Agronômico" Experimental Station (at Tatuí), all planted with cotton. The studies on the soil microbial activity were evaluated by measurements of the dehydrogenase (DHA) and arylsulfatase activities, by quantification of formazan and p-nitrophenol, respectively formed by reaction of these enzymes. The DHA activity in the Gley soil varied approximately from 90.7 to 218.7 µg formazan g-1 in the untreated subarea, and from 87.7 µg g-1 after treatment with carbaryl, to 258.8 µg g-1 soil after treatment of the treated subarea with monocrotofos. The variation in the amounts of the formazan formed in the Red Latosol from Tatuí was from 33.3 µg g-1 soil in the first inter-cropping period to 103.8 µg g-1 after the application of the mixture methyl parathion + deltametryn. The arylsulfatase activity varied approximately from 0.75 to 9.76 µg p-nitrophenol g-1 in the untreated subarea, and from 3.7 µg g-1 soil after treatment with carbaryl to 11.6 µg g-1 soil also after treatment with monocrotofos. In the Red Latosol from Tatuí, this enzyme activity varied from 0 in the inter-cropping period to 3.81 µg p-nitrophenol g-1 soil after the methyl parathion treatment. It was then verified that pesticides influenced differently the 2 types of soil, by promotion or inhibition of the studied soil enzymes activities.

KEY WORDS:
Bioactivity; microorganisms; environmental impact.

INTRODUÇÃO

A agricultura moderna utiliza grandes quantidades de insumos visando menores perdas e melhor qualidade dos produtos cultivados. Entre estes, os agrotóxicos são usados em larga escala para o controle de pragas (insetos, doenças e plantas daninhas) durante o plantio e no armazenamento. Sua introdução no ambiente deve ser observada em relação aos aspectos de poluição ambiental, já que por atingirem o solo, podem causar mudanças no ambiente edáfico, principalmente, em relação aos aspectos de contaminação, persistência de resíduos e influência na bioatividade dos solos (PERES, 2000PERES, T.B. Efeito da aplicação de pesticidas na atividade microbiológica do solo e na dissipação do 14C-Paration Metílico. São Paulo: 2000. 75p. [Dissertação (Mestrado) - Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares, São Paulo].).

A cultura do algodão, por exemplo, é atacada por diferentes pragas em diferentes épocas do cultivo e, por isso, recebe tratamentos com agrotóxicos de diferentes classes químicas, de acordo com a necessidade e a eficiência de controle (GRIDI-PAPP et al., 1992GRIDI-PAPP, I.L.; CIA, E.; FUZATTO, M.G.; S ILVA, N.M.; FERRAZ, C.A.M.; CARVALHO, N.; CARVALHO, L.H.; S ABINO, N.P.; KONDO, J.I.; P ASSOS, S.M.G.; CHIAVEGATO, E.J.; C AMARGO, P.P.; CAVALIERI, P.A. Manual do produtor do algodão. São Paulo: Bolsa de Mercadorias & Futuros, 1992. 158p.).

No solo, o metabolismo enzimático microbiano é importante na degradação da matéria orgânica proveniente de plantas e animais, e na liberação de nutrientes e elementos de origem mineral necessários para o desenvolvimento das plantas (NANNIPIERI et al., 1990NANNIPIERI, P.; GRECO, S.; CECCANTI, B. Ecological significance of the biological activity in soil. In: BOLLAG, J.M. & STOTZKY, G. (Eds.). Soil biochemistry. New York: Marcel Dekker, 1990. p.293-355.; SCHINNER et al., 1996SCHINNER, F.; ÖHLINGER, R.; M ARGESIN, R. (Eds.). Methods in soil biology. Berlin: Springer-Verlag, 1996. Enzymes involved in sulfur metabolism, p.228-232.). Os agrotóxicos podem provocar pressão de seleção nos organismos, alterar a composição de espécies e alterar os processos bioquímicos deste ambiente, com conseqüentes mudanças na disponibilidade de nutrientes e, portanto, na fertilidade dos solos (BOTTOMLEY, 1999BOTTOMLEY, P.J. Microbial ecology. In: SYLVIA, D.M.; FUHREMANN, J.J.; HARTEL, P.G.; ZUBERER, D.A. (Eds.). Principles and applications of soil microbiology. New York: Prentice Hall, 1999. p.149-167.). Por isso, a manutenção da atividade biológica é de extrema importância, não deve ser prejudicada pela introdução de agrotóxicos e pode ser usada como bioindicador de efeito de diferentes tratamentos.

A bioatividade do solo pode ser estimada por meio da atividade de enzimas (NIELSEN & WINDING, 2002NIELSEN, M.N. & WINDING, A. Microorganisms as indicators of soil health. Denmark, National Environmental Research Institutem, 2002. 84p. (Technical Report, n.388).). A desidrogenase, por exemplo, está envolvida nos processos oxidativos das células microbianas e reflete a bioatividade geral de uma grande parte da população microbiana (TREVORS, 1984TREVORS, J.T. Dehydrogenase activity in soil: a comparison between the INT and TTC assay. Soil Biol. Biochem., v.16, p.673-674, 1984.). A arilsulfatase é outra enzima de solo, que catalisa a hidrólise de ésteres sulfatos que compõem uma das formas orgânicas do enxofre. Acredita-se que esta enzima seja a responsável pela ciclagem do enxofre no solo por meio dos processos de mineralização (AL-KHAFAJI & TABATABAI, 1979AL-KHAFAJI, A.A. & TABATABAI, M.A. Effects of trace elements on arylsulfatase activity in soils. Soil Sci., v.127, p.129133, 1979.), liberando sulfato, que é a forma em que o enxofre é assimilado pelas plantas (KLOOSE et al., 1999KLOOSE, S.; MOORE, J.M.; TABATABAI, M.A. Arylsulfatase activity of microbial biomass in soil as affected by cropping systems. Biol. Fertil. Soils, v.29, p.46-54, 1999.).

Além da importância nos ciclos biogeoquímicos, a atividade da microbiota é importante também na degradação de agrotóxicos, conforme foi demonstrado em vários trabalhos (MICK & DAHM, 1970MICK, D.L. & DAHM , P.A. Metabolism of parathion by two species of Rhizobium. J. Econ. Entomol., v.63, p.11551159, 1970.; SIDARAMAPPA et al., 1973SIDARAMAPPA , R.; RAJARAM, K.P.; SETHUNATHAN, N. Degradation of parathion by bacteria isolated from flooded soil. Appl. Microbiol., v.26, p.846-849, 1973.; FLASHINSKI & LICHTENSTEIN, 1974FLASHINSKI, S.J. & LICHTENSTEIN, E.P. Metabolism of dyfonate by soil fungi. Can. J. Microbiol., v.20, p.399-411, 1974.; KATAN & LICHTENSTEIN, 1977KATAN, J. & L ICHTENSTEIN, E.P. Mechanisms of production of soil-bound residues of [14 C]-parathion by microorganisms. J. Agric. Food Chem., v.25, p.14041408, 1977.; PAGGA, 1997PAGGA, U. Testing biodegradability with satandardized methods. Chemosphere, v.35, p.2953-2972, 1997.; ANDRÉA et al., 2000ANDRÉA, M.M.; P ERES, T.B.; L UCHINI, L.C.; P ETTINELLI, A.J.R. Impact of long-term pesticide application on some soil biological parameters. J. Environ. Sci. Health B., v.35, p.297-307, 2000.). Portanto, alterações de atividades enzimáticas do solo podem refletir-se em alterações tanto no metabolismo de nutrientes para as plantas, quanto nos processos de degradação de agrotóxicos.

Este trabalho avaliou o efeito de repetidas aplicações de diferentes agrotóxicos usados na cultura do algodão, sobre a atividade das enzimas desidrogenase e arilsulfatase nos solos Gleissolo e Nitossolo Vermelho Distrófico.

MATERIAL E MÉTODOS

Uma das áreas de estudo, compreendendo 63 m2, está localizada no campo experimental do Instituto Biológico de São Paulo, não tendo recebido aplicações prévias de agrotóxicos. Esta área foi subdividida em duas subáreas, uma das quais recebeu todos os tratamentos com agrotóxicos recomendados para controle de pragas, doenças e plantas daninhas do algodão, e a outra foi utilizada como testemunha (sem aplicação de agrotóxicos). A outra área de estudo (400 m2) está localizada na Estação Experimental do Instituto Agronômico de Campinas, em Tatuí, SP, onde o algodão tem sido cultivado há, pelo menos, dez anos com a aplicação de agrotóxicos.

Conforme determinação do Departamento de Solos e Nutrição de Plantas da Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz”' (ESALQ), Universidade de São Paulo, as características físico-químicas dos solos estudados são: 280; 80 e 660 g kg-1 respectivamente de areia, limo e argila, e 36 g dm-3 de matéria orgânica no Gleissolo de São Paulo. As características do Nitossolo Vermelho Distrófico de Tatuí são: 410; 80 e 510 g kg-1 respectivamente de areia, limo e argila, e 20 g dm-3 de matéria orgânica.

Tratamentos

Os princípios ativos dos agrotóxicos foram aplicados em soluções aquosas das formulações comerciais, conforme a dose recomendada no controle de insetos e doenças no cultivo do algodão, e no momento em que foram necessários, conforme avaliação e recomendação do corpo técnico da Estação Experimental de Tatuí.

Ambos os solos sob estudo receberam os seguintes princípios ativos (g ha-1): monocrotofós (400); dimetoato (950); dimetoato (950); endosulfan (700); deltametrina (12,5); endosulfan (700); deltametrina (7,5); paration metílico (600); endosulfan (700) + carbaril (2500), na safra de 1995/96. O herbicida trifluralina (1900) foi aplicado entre os plantios. No plantio de 1996/97 foram feitas aplicações de: monocrotofós (400); novamente monocrotofós (520); endosulfan (437,5); paration metílico (720); endosulfan (420); endosulfan (350) + paration metílico (600); endosulfan (525) + paration metílico (900); endosulfan (700) + paration metílico (1200); deltametrina (6,25); deltametrina (6,25); endosulfan (420) e paration metílico (750) + deltametrina (6,25), conforme a Figura 1.

Fig. 1
Tratamentos dos solos com agrotóxicos ( ) durante dois períodos de plantio de algodão e épocas das coletas de amostras (C). C.0 = antes de qualquer aplicação de pesticida; C.1 = após aplicação de monocrotofós no 1o plantio; C.2 = após aplicação de dimetoato, endosulfan, deltametrina, endosulfan, deltametrina e paration metílico; C.3 = endosulfan e carbaril; C.4 = entre plantios; C.5 = trifluralina e monocrotofós no 2o plantio C.6 = endosulfan, paration metílico e endosulfan; C.7 = após três aplicações da mistura endosulfan + paration metílico e uma de deltametrina; C.8 = deltametrina, endosulfan e mistura de paration metílico + deltametrina.

No máximo dois dias após aplicação dos agrotóxicos, amostras de ambos os solos foram coletadas em, pelo menos, dez pontos ao acaso, na profundidade de 0-15 cm do perfil de cada área experimental. Antes das análises, as amostras compostas foram homogeneizadas, peneiradas em malha de 2 mm, colocadas em sacos plásticos fechados frouxamente para permitir a troca de gases, e armazenadas em geladeira a + 4o C, por não mais que um mês até as análises.

No momento das análises, triplicatas de amostras de aproximadamente 3,0 g de solo de cada área tiveram a umidade natural determinada em dessecador infravermelho (Mettler LJ 16), a 120o C por 20 min, para posterior correção de todos os cálculos e resultados em relação à massa seca do solo.

Atividade microbiana do solo

A atividade microbiana foi avaliada por meio da determinação da atividade das enzimas desidrogenase e arilsulfatase dos solos coletados até dois dias após o tratamento com alguns agrotóxicos (Fig. 1). Para o Gleissolo de São Paulo utilizou-se como controle amostras da subárea sem tratamentos com agrotóxicos. Para o Nitossolo Vermelho Distrófico de Tatuí, o controle foi representado por amostras coletadas nos períodos entre-plantios, já que não há segurança sobre área que não tenha sido contaminada com os agrotóxicos durante os anos de plantio de algodão.

A atividade da desidrogenase (DHA) foi avaliada em triplicatas de 3,0 g de solo imediatamente após a coleta no campo, conforme método de FRIEDEL et al. (1994FRIEDEL, J.K.; MOLTER, K.; FISCHER, W.R. Comparison and improvement of methods for determining soil dehydrogenase activity using triphenylterazolium chloride and iodonitrotetrazolium chloride. Biol.F ertil. Soils, v.18, p.291-296, 1994.). As amostras de solo receberam 1,0 mL de solução de glicose (30 mg mL-1), 0,5 mL de solução de cloreto de trifeniltetrazólio (TTC) a 3,0 % e 3,5 mL de solução "tris-buffer" 0,1 mol.L-1 com pH entre 7,6 e 7,8. Os frascos contendo solo e reagentes foram tampados e incubados a 37o C por 24h, visando proporcionar a reação de redução do TTC pela enzima, resultando em cloreto de trifenil tetrazólio formazan (TTF). Após o período de incubação, as amostras foram centrifugadas a 2.500 rpm por 15 min e o sobrenadante foi dispensado. O formazan presente no solo foi extraído duas vezes com 10 mL de acetona, por meio de agitação por 30 e 15 min, respectivamente. As amostras foram então centrifugadas, o sobrenadante foi coletado e elevado a 30 mL com acetona. A quantificação foi efetuada por comparação dos valores dos extratos de solo com curva de várias concentrações de padrão de formazan, por meio de leitura em espectrofotômetro (Hitachi - U 1100) no comprimento de onda de 485 nm e comparação com curva-padrão de diferentes concentrações de formazan.

A determinação da atividade da arilsulfatase foi realizada conforme TABATABAI & BREMNER (1970)TABATABAI, M.A. & B REMNER, J.M. Arylsulfatase activity of soil. Soil Sci. Soc. Am. Proc., v.34, p.225-229, 1970., em triplicatas de amostras de 2,0 g de solo que receberam 4,0 mL de solução tampão acetato recém preparada com pH 5,8 e 1,0 mL de solução de pnitrofenilsulfato de potássio (0,02 mol L-1). A reação foi verificada por meio da produção de p-nitrofenol após hidrólise do p-nitrofenilsulfato de potássio. Amostras controles foram similarmente preparadas, porém sem adição do substrato p-nitrofenilsulfato de potássio. Após uma hora de incubação a 37o C, adicionou-se 25 mL de água destilada em todas as amostras e 1,0 mL de solução de p-nitrofenilsulfato de potássio somente nos controles. As misturas foram agitadas por dois minutos e filtradas em papel de filtro Whatman no. 42. A quantificação do p-nitrofenol formado como produto da hidrólise do p-nitrofenilsulfato de potássio pela enzima foi realizada utilizando-se 6,0 mL dos filtrados, aos quais adicionou-se 4,0 mL de solução de NaOH (0,5 mol L-1). A adição da base desenvolve a cor amarela, característica da presença de pnitrofenol em meio alcalino. A quantificação do pnitrofenol presente foi verificada em espectrofotômetro (Hitachi - U 1100) na região de 420 nm, através de comparação das leituras obtidas nos extratos com curva-padrão de diferentes concentrações de p-nitrofenol.

O significado estatístico dos resultados foi calculado pelo teste de significância da diferença entre duas médias da distribuição t (p < 0,05) provenientes das amostras tratadas com os diferentes agrotóxicos e seus respectivos controles.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os coeficientes de determinação (r2) das curvas padrão de formazan e p-nitrofenol foram, respectivamente, 0,9949 e 0,9984 demonstrando bom ajuste das curvas, cujas equações foram utilizadas para os cálculos das concentrações de formazan (y = 104,638e0,1163x) e p-nitrofenol (y = 102,64e-0,2326x) produzidas pelas amostras de solo.

Os resultados da atividade da DHA das amostras de solo estão apresentados na Tabela 1. Esta enzima foi estatisticamente estimulada no Gleissolo tratado com os diferentes agrotóxicos em relação à subárea sem tratamentos, apenas por tratamento com paration metílico (C.2, p = 0,0020) e com endosulfan (C.6, p = 0,0016). Mas, foi inibida (p = 0,0275) pela mistura paration metílico + deltametrina (C.8). No Nitossolo Vermelho Distrófico a atividade da DHA foi menor do que no Gleissolo, pois as quantidades de formazan recuperado foram sempre muito menores no Nitossolo do que no Gleissolo. Entretanto, observou-se também estímulo estatisticamente significante na atividade da desidrogenase, mas após a aplicação de monocrotofós (C.1, p = 0,0077), paration metílico (C.2, p = 0,0180) e carbaril (C.3, p = 0,0421). Neste solo de Tatuí, mesmo os valores do período entre plantios do segundo plantio (C.4) foram estatisticamente maiores (p = 0,0126) do que no primeiro plantio (C.0), o que provavelmente indica influência sazonal da época da coleta. No segundo plantio a aplicação de monocrotós (C.5) provocou inibição da enzima (p = 0,0012). Finalmente, a aplicação da mistura paration metílico + deltametrina (C.8) voltou a provocar estímulo (p = 0,0011) e os valores finais foram bem maiores do que no início do estudo (C.0).

Tabela 1
Atividade da enzima desidrogenase em solos Gleissolo (IB, São Paulo) e Nitossolo Vermelho Distrófico (Tatuí) sob plantio de algodão (média* * Letras maiúsculas comparam os efeitos dos diferentes agrotóxicos (comparação nas linhas). Letras minúsculas comparam os efeitos dos tratamentos em relação ao controle na subárea IB (comparação nas colunas). Médias seguidas das mesmas letras não diferem entre si pelo teste t a 5% de probabilidade. ± desvio padrão).

A atividade da arilsulfatase (Tabela 2) também foi estatisticamente estimulada no Gleissolo de São Paulo (IB) em relação à subárea sem tratamento, após a aplicação de monocrotofós (C.1, p = 0,0037), carbaril (C.3, p = 0,0001), endosulfan (C.6, p = 0,0045) e pela mistura paration metílico + deltametrina (C.8, p = 0,0019). No Nitossolo Vermelho Distrófico de Tatuí detectou-se novamente menor atividade enzimática do que no Gleissolo e inibição estatisticamente significante pela aplicação de carbaril (C.3), de deltametrina (C.7) e da mistura paration metílico + deltametrina (C.8), cujos valores de p foram, respectivamente, de 0,0363; 0,0269 e 0,0257) em relação ao primeiro período entre plantios. Os valores obtidos ao final do estudo permaneceram menores do que os do primeiro período entre plantios e antes das aplicações (C.0).

Tabela 2
Atividade da enzima arilsulfatase em solos Gleissolo (IB, São Paulo) e Nitossolo Vermelho Distrófico (Tatuí) sob plantio de algodão (média* * Letras maiúsculas comparam os efeitos dos diferentes agrotóxicos (comparação nas linhas). Letras minúsculas comparam os efeitos dos tratamentos em relação ao controle na subárea IB (comparação nas colunas). Médias seguidas das mesmas letras não diferem entre si pelo teste t a 5% de probabilidade. ± desvio padrão).

A análise desses resultados mostra que as aplicações de diferentes agrotóxicos influenciaram as duas enzimas dos solos, ora estimulando, ora inibindo, e diferentemente, conforme a classe do solo, como também detectado por outros autores (TU, 1981TU, C.M. Effects of some pesticides on enzyme activities in an organic soil. Bull. Environ. Contamin. Toxicol., v.27, p.109-114, 1981.; IQBAL, 2002IQBAL, Z. Impact of long-term agrochemical usage on microbial and enzymatic activities in soil. Lahore, Pakistan: 2002. 160p. [Thesis (PhD) - Institute of Chemistry, University of Punjab].). SANNINO & GIANFREDA (2001)SANNINO, F. & GIANFREDA, L. Pesticide influence on soil enzymatic activities. Chemosphere, v.45, p.417-425, 2001. relataram inibição das enzimas fosfatase e urease em 22 tipos de solos tratados com o herbicida atrazina; mas, tratamento com glifosato produziu diferentes resultados enzimáticos, de acordo com o tipo de solo. Também IQBAL (2002)IQBAL, Z. Impact of long-term agrochemical usage on microbial and enzymatic activities in soil. Lahore, Pakistan: 2002. 160p. [Thesis (PhD) - Institute of Chemistry, University of Punjab]. atribuiu as diferenças no comportamento enzimático dos solos após tratamentos com agrotóxicos às diferenças de classe dos solos, que podem determinar diferenças na comunidade e bioatividade dos solos.

Entretanto, mesmo no Gleissolo sem tratamento, observou-se diferenças estatisticamente significantes no comportamento das enzimas (Tabelas 1 e 2). Conforme a Tabela 1, de C.0 a C.1 observou-se estímulo da atividade da DHA (p = 0,0172). Em relação à atividade da arilsulfatase (Tabela 2), em C.3, C.4, C.6, C.7 e C.8 detectou-se inibição significante (p, respectivamente, de 0; 0,0117; 0,0102; 0,00006 e 0,0007). Estas diferenças podem ter sido causadas por mudanças sazonais que, sabidamente influenciam naturalmente a atividade microbiana (SKUJINS, 1978SKUJINS, J. History of abiontic soil enzyme research. In: BURNS, R.G. (Ed.). Soil enzymes. London: Academic Press, 1978. p.1-49.; ALEF & NANNIPIERI, 1995ALEF, K. & N ANNIPIERI, P. Enzyme activities. In: ALEF, K. & NANNIPIERI, P. (Eds.). Methods in applied soil microbiology and biochemistry. London: Academic Press, 1995. p.311-312.).

Desta forma, pode-se considerar que os estímulos da atividade da DHA (Tabela 1) na área tratada de São Paulo (em C.2, após aplicação de paration metílico e em C.6, após aplicação de endossulfan) e sua inibição (em C.3, após aplicação de carbaril e em C.8, após aplicação da mistura paration metílico + deltametrina) são realmente efeitos imediatos das aplicações dos agrotóxicos, porque diferem dos resultados detectados na área sem tratamento, que acusaram respectivamente, nenhum efeito, inibição, nenhum efeito e nenhum efeito em relação à C.0. Da mesma forma, os estímulos na atividade da enzima arilsulfatase do solo de São Paulo após aplicação de monocrotofós, carbaril, endossulfan e da mistura paration metílico + deltametrina (respectivamente, C.1, C.3, C.6 e C.8) são realmente significantes, já que no mesmo solo sem tratamentos com agrotóxicos detectou-se inibição da atividade desta enzima nas mesmas épocas (Tabela 2). O estímulo em C.4 (entre o primeiro e segundo plantios do algodão) pode ter sido causado por efeito tardio da aplicação de trifluralina, pois conforme ANDRÉA et al. (2001)ANDRÉA, M.M.; P ERES, T.B.; LUCHINI, L.C.; M ARCONDES, M.A.; PETTINELLI, A.JR.; NAKAGAWA, L.E. Impact of long-term pesticide application on soil biological properties, dissipation of [14C]-methyl parathion and persistence of multi-pesticide residues. Vienna: International Atomic Energy Agency, 2001. p-1-36. (IAEA-TECDOC-1248)., resíduos de trifluralina foram detectados no solo até depois da aplicação de monocrofós C.5), e esses resultados também diferem da área sem aplicações, que sofreu inibição em relação à C.0 na mesma época (Tabela 2).

No solo de Tatuí, estímulos estatisticamente significantes sobre a atividade da DHA (Tabela 1) só puderam ser comparados com os períodos entre plantios e ocorreram também após aplicação de paration metílico, carbaril, endosulfan, deltametrina e da mistura paration metílico + deltametrina (em C.2, C.3, C.6, C.7 e C.8). Entretanto, comparando-se os dois períodos entre plantios (C.0 e C.4) verifica-se que, no segundo, a enzima foi significantemente estimulada em relação ao primeiro (p = 0,0126), o que também pode indicar estímulo tardio da aplicação de trifluralina, cujos resíduos foram detectados nesta época de coleta (ANDRÉA et al., 2001ANDRÉA, M.M.; P ERES, T.B.; LUCHINI, L.C.; M ARCONDES, M.A.; PETTINELLI, A.JR.; NAKAGAWA, L.E. Impact of long-term pesticide application on soil biological properties, dissipation of [14C]-methyl parathion and persistence of multi-pesticide residues. Vienna: International Atomic Energy Agency, 2001. p-1-36. (IAEA-TECDOC-1248).). Em relação à atividade da arilsulfatase verificou-se que, apenas após aplicação de carbaril, deltametrina e da mistura paration metílico + deltametrina alteraram a atividade desta enzima, e os outros tratamentos apresentaram valores estatisticamente iguais aos do primeiro período entre plantios (C.0), isto é, aproximadamente 2,6 µg de p-nitrofenol g-1 solo (Tabela 2).

As análises físicas e químicas dos solos mostraram que não houve alteração nem das características físico-químicas, nem do conteúdo de matéria orgânica do Gleissolo de São Paulo (IB), pois a variação foi de 24 a 36 g dm-3 na subárea tratada e de 26 a 36 g dm3 na subárea controle, durante todo o período dos estudos. A variação no pH também foi pequena e, por isso, provavelmente sem efeito químico, com valores muito próximos nas duas subáreas, isto é, entre 4,4 e 5,1 na subárea tratada e entre 4,4 e 5,3 na subárea controle. No Nitossolo Vermelho Distrófico de Tatuí a variação do pH foi de 4,9 a 5,7 e do conteúdo de matéria orgânica foi de 20 g dm-3 durante o período experimental. Como as variações ocorreram concomitantemente nas subáreas tratada e controle de São Paulo, e variaram pouco no intervalo de 3 anos de coleta experimental em Tatuí, os resultados enzimáticos detectados não puderam ser atribuídos a estes fatores edáficos.

Os resultados obtidos neste trabalho indicam que não é possível generalizar quanto ao efeito de um agrotóxico em diferentes tipos de solo e que a microbiota de cada um reage diferentemente em relação às mudanças sazonais e em relação à aplicação de agrotóxicos. Por isso, diferentes solos devem ser estudados e acompanhados em longo prazo em relação à bioatividade, para que se tenha um quadro real das possibilidades de impacto ambiental por agrotóxicos.

CONCLUSÕES

  1. A atividade microbiana do solo, estimada por meiode atividade das enzimas desidrogenase e arilsulfatase, variou naturalmente em diferentes épocas do ano, mas foi influenciada pela aplicação de agrotóxicos distintamente nos solos Gleissolo e Nitossolo Vermelho Distrófico.

  2. A atividade da enzima desidrogenase foi estimulada por paration metílico e endosulfan no Gleissolo, e por carbaril e mistura paration metílico + deltametrina no Nitossolo Vermelho Distrófico. A inibição da atuação desta enzima no Gleissolo ocorreu após tratamento com carbaril e mistura paration metílico + deltametrina, e no Nitossolo Vermelho Distrófico nenhum agrotóxico inibiu a atuação desta enzima.

  3. A atividade da enzima arilsulfatase foi estimuladano Gleissolo por monocrotofós, carbaril e endosulfan, e inibida apenas por duas aplicações seguidas de monocrotofós. Mas, no Nitossolo Vermelho Distrófico, ela foi não foi estimulada por nenhum dos agrotóxicos e foi inibida por carbaril, deltametrina e pela mistura paration metílico + deltametrina.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem à Agência Internacional de Energia Atômica pelo apoio financeiro através do projeto IAEA-BRA-8078 e à FAPESP pelo Auxílio à Pesquisa n° 96/03137-0. Também agradecemos ao Dr. Armando Pettinelli Jr., responsável pela Estação Experimental de Tatuí do Instituto Agronômico de Campinas - IAC, pelas informações sobre os tratamentos com os agrotóxicos, e ao Dr. Marcus B. Matallo (CEIB - Instituto Biológico) pela assistência nas análises estatísticas.

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    Auxílio FAPESP, projeto n° 96/03137-0 e IAEA, projeto BRA-8078.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Jun 2024
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2004

Histórico

  • Recebido
    14 Jul 2004
  • Aceito
    14 Dez 2004
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