Acessibilidade / Reportar erro

LEPTOSPIROSE EM CÃES: PREVALÊNCIA E FATORES DE RISCO NO MEIO RURAL DO MUNICÍPIO DE PELOTAS, RS

LEPTOSPIROSIS IN DOGS: PREVALENCE AND THE RISK FACTORS IN THE RURAL AREA OF PELOTAS, RS

RESUMO

Com a finalidade de se conhecer a prevalência e fatores de risco à Leptospirose em cães no meio rural do Município de Pelotas, foi realizado estudo através de uma amostragem aleatória simples por conglomerados. Foram examinadas 489 amostras sorológicas de cães provenientes de 213 propriedades. As amostras foram submetidas à técnica de Soroaglutinação Microscópica (SAM), sendo detectadas 13 (2,66%) positivas com títulos de anticorpos variando de 50 a 800, para os sorovares icterohaemorragiae, australis, copenhageni, pyrogenes, sentot e canicola. Houve maior ocorrência de infeção em cães pertencentes a propriedades situadas próximo à BR 116 e BR 392, onde as altitudes variam de 0 a 100 m, sendo as mais baixas do município. Os fatores de risco de maior magnitude à leptospirose encontrados foram o contato dos cães com banhados (O.R. = 7,43), açudes (O.R. = 5,27) e altitude (O.R. = 7,09).

PALAVRAS-CHAVE:
Leptospira; cães; zona rural; fatores de risco.

ABSTRACT

With the aim of surveying the prevalence and the risk factors for leptospirosis in dogs in the rural area of Pelotas, a study through sinple random sampling by conclomerates was performed. Four hundred and eighty nine serological samples from dogs from 213 properties were examined. Samples were submitted to the Microscopic Agglutination Test (MAT), where 13 (2.66%) of them presented a positive result with antibody titers varying from 50 to 800 for icterohaemorragiae, australis, copenhageni, pyrogenes, sentot and canicola serovars. There was a higher incidence of infection in dogs from properties situated near the BR 116 and BR 392 roads, where the altitude varies from 0 to 100 m, the lowest altitudes of the area. The main risk factors for leptospirosis were contact of the dogs with swamps (O.R. = 7.43), ponds (O.R. = 5.27) and altitude (O.R. = 7.09).

KEY WORDS:
Leptospira; dogs; rural area; risk factors.

INTRODUÇÃO

A leptospirose canina constitui um problema sanitário de grande importância, não somente pela gravidade de sua patogenia mas também como elemento potencial de contágio ao ser humano (ACHA & SZYFRES, 1986ACHA, P.N. & SZYFRES, B. Zoonosis y enfermedades transmisibles comunes al hombre y a los animales, 2.ed. Washington: Organizacion Panamericana de la Salud, 1986. p.112-120, 425-449.); sendo transmitida ao homem através da urina de animais infectados, principalmente roedores e cães, ocorrendo principalmente em agricultores, tratadores de animais, plantadores de arroz, cortadores de cana-de-açúcar, limpadores de esgotos, magarefes, mineiros, veterinários e laboratoristas (PEREIRA, 1996PEREIRA, H.C.P. Prevalência sorológica da leptospirose humana entre trabalhadores de frigoríficos e matadouros com inspeção estadual do Município de Pelotas,RS. Rio Grande: 1996. 75p. [Dissertação (Mestrado) - FURG].). Não só o homem urbano está exposto à leptospirose, mas também o homem do meio rural, pelo convívio com os animais e pela constante exposição ao meio ambiente contaminado (SILVA, 1998SILVA, J.F.P. DA. Leptospirose. Ver. Acad. Med., v.3, jan/set, 1998.).

A prevalência de leptospirose em cães varia consideravelmente entre áreas e entre países, sendo mais elevada em regiões tropicais (ACHA & SZYFRES, 1986ACHA, P.N. & SZYFRES, B. Zoonosis y enfermedades transmisibles comunes al hombre y a los animales, 2.ed. Washington: Organizacion Panamericana de la Salud, 1986. p.112-120, 425-449.). Os cães, como todas as outras espécies de animais domésticos e silvestres, são susceptíveis a todos os sorogrupos de leptospira conhecidos (TORTEN et al., 1979TORTEN, M.; STOENNER, H.; KAPLAN, W. Leptospirosis. In: Handbook Series in Zoonoses. Florida: CRC Press, 1979. p.363-421.), são também considerados a principal fonte de infecção da leptospirose humana, pois vivem em estreito contato com o homem e podem eliminar leptospiras vivas através da urina durante vários meses, mesmo sem apresentar nenhum sinal clínico característico (BABUDIERI, 1958BABUDIERI, B. Animal reservoirs of leptospires. Ann. N.Y. Acad. Sci., n.70, p.393-413, 1958.; EVERARD et al., 1987EVERARD, C.O.R.; JONES, C.J.; INNISS, V.A.; CARRINGTON, D.G.; VAUGHAN, A.W. Leptospirosis in dogs on Barbados. Isr. J. Vet. Med., v.43, p.288-295, 1987.).

Sabendo-se da importância dos cães na transmissão de leptospirose ao homem e da ausência de trabalhos realizados no meio rural deste município, determinou-se a prevalência da leptospirose nestes animais; os sorovares mais prevalentes e avaliaram-se alguns fatores de risco para a ocorrência da doença.

MATERIAL E MÉTODOS

A população-alvo foram cães da zona rural do município de Pelotas, RS, onde foi realizada amostragem por conglomerados, utilizando-se os setores censitários do IBGE. A zona rural do Município de Pelotas possui nove subdistritos divididos, cada um, pelo IBGE em seis setores censitários, totalizando 54.

O tamanho da amostra foi calculado através do programa EpiInfo, considerando-se um nível de confiança de 95% e um poder estatístico de 80%. Para o estudo da leptospirose canina, foi coletado sangue de 489 cães. Para que esse número de indivíduos fosse encontrado, foram visitadas 213 propriedades rurais localizadas em 24 setores censitários, ou seja, em quase metade dos setores da zona rural.

Dentro de cada setor, foram escolhidos, no mapa, de três a seis pontos que foram identificados com letras. Um ponto de início foi sorteado e foram visitadas as 12 famílias mais próximas deste ponto, mesmo que algumas pertencessem a outros setores, aplicando-se um questionário padronizado pré-codificado.

As amostras sangüíneas dos cães foram coletadas no período de janeiro a abril de 1998, e processadas através da prova soroaglutinação microscópica com antígenos vivos, utilizando-se os sorovares andamana, australis, autumnalis, bataviae, brasiliensis, bratislava, butembo, canicola, castellonis, celledoni, copenhageni, cynopteri, grippotyphosa, hardjo, hebdomadis, icterohaemorrhagiae, javanica, panama, pomona, pyrogenes, shermani, tarassovi, whitcombi e wolffi.

Os dados foram analisados através do programa EpiInfo, versão 1990, onde utilizando-se a análise quadrática avaliaram-se as medidas de efeito dos fatores que foram identificados como de risco à transmissão da leptospirose.

RESULTADOS

Das 489 amostras sangüíneas analisadas, procedentes de 213 propriedades, 13 foram positivas pelo teste de SAM, obtendo-se uma prevalência populacional de 2,66%, e 10 propriedades com cães positivos, o que resultou em uma prevalência por habitação de 4,69%.

Os sorovares encontrados foram icterohaemorragiae, australis, copenhageni, pyrogenes, sentot e canicola e os títulos de anticorpos variaram de 50 a 800, adotando-se, em casos de coaglutinações, o título mais alto (Tabela 1).

Tabela 1
Sorovares leptospirais e título de anticorpos encontrados por setor, na zona rural de Pelotas, RS, no período de janeiro a abril de 1998.

Dos fatores de risco avaliados, o contato com açude, com banhado, a altitude e a variação do pH, mostraramse significativos estatisticamente; outros fatores como faixa etária, sexo e confinamento não apresentaram significância estatística (Tabelas 2, 3, 4 e 5).

Tabela 2
Diagnóstico de leptospirose em 489 cães do meio rural do Município de Pelotas, RS, no período de janeiro a abril de 1998, levando-se em consideração o contato dos animais com açude.
Tabela 3
Diagnóstico de leptospirose em 489 cães do meio rural do Município de Pelotas, RS, no período de janeiro a abril de 1998, levando-se em consideração o contato dos animais com banhado.
Tabela 4
Diagnóstico de leptospirose em 489 cães do meio rural do Município de Pelotas, RS, no período de janeiro a abril de 1998, levando-se em consideração a altitude da propriedade.
Tabela 5
Diagnóstico de leptospirose em 489 cães do meio rural do Município de Pelotas, RS, no período de janeiro a abril de 1998, levando-se em consideração o pH do solo das propriedades.
Tabela 6
Diagnóstico de leptospirose de acordo com a constituição da população canina por faixa etária, no meio rural de Pelotas, RS, no período de janeiro a abril de 1998.
Tabela 7
Diagnóstico de leptospirose de acordo com o sexo da população canina, no meio rural de Pelotas, RS, no período de janeiro a abril de 1998.
Tabela 8
Diagnóstico de leptospirose de acordo com o confinamento da população canina, no meio rural de Pelotas, RS, no período de janeiro a abril de 1998.

DISCUSSÃO E CONCLUSÃO

A taxa de prevalência encontrada na zona rural do Município de Pelotas foi de 2,66%, não encontrandose correspondência em nenhuma outra bibliografia consultada no referente ao meio rural. No entanto, encontramos correspondência com FEHLBERG (1994)FEHLBERG, M.F.B. Estudo observacional transversal da leptospirose bovina na bacia leiteria do Município de Pelotas, RS. Pelotas: 1994. 64p. [Dissertação (Mestrado) Faculdade de Veterinária da UFPel]. que realizou o mesmo estudo com bovinos na zona rural deste município, mostrando uma prevalência de 3,77% em rebanhos e uma prevalência de 12% por propriedade. No mesmo município, FURTADO et al. (1997)FURTADO, L.R.I.; AVILA, M.O.; FEHLBERG, M.F.B.; TEIXEIRA, M.M.; ROSADO, R.L.I.; MARTINS, L.F.S., BROD, C.S. Prevalência e avaliação de fatores de risco à leptospirose canina, no Município de Pelotas, RS. Arq. Inst. Biol., São Paulo, v.64, n.1, p.57-61, 1997. analisaram 260 soros provenientes de cães urbanos domiciliados, encontrando uma taxa de prevalência de 28,85%. As diferenças nas prevalências do meio rural e urbano explicam-se em parte pelas condições diferenciadas do ecótopo e da biocenose, uma vez que no meio rural, o pH do solo oscilou entre 5,0 e 5,8 em contraste com os limites entre 6,3 e 9,3 encontrados na área urbana; do mesmo modo que as concentrações populacionais de reservatórios e/ou portadores de leptospiras (roedores e cães) muito maiores no meio urbano do que no rural.

Os sorovares predominantes encontrados são pertencentes ao sorogrupo icterohaemorrhagiae (icterohaemorrhagiae rga e copenhageni), com uma prevalência de 30,77%, seguidos do sorogrupo australis e sorogrupo canicola, ambos com 23,08%. Estes achados estão concordantes com FURTADO et al. (1997)FURTADO, L.R.I.; AVILA, M.O.; FEHLBERG, M.F.B.; TEIXEIRA, M.M.; ROSADO, R.L.I.; MARTINS, L.F.S., BROD, C.S. Prevalência e avaliação de fatores de risco à leptospirose canina, no Município de Pelotas, RS. Arq. Inst. Biol., São Paulo, v.64, n.1, p.57-61, 1997. que encontraram uma prevalência de 49% para o sorovar canicola e 32% para o sorovar icterohaemorrhagiae. Outros autores também afirmam que estes sorovares são os mais prevalentes em cães, como DICKSON & LOVE (1993)DICKESON, D. & LOVE, D.N. A serological survey of dogs, cats and horses in south-eastern Australia for leptospiral antibodies. Aust. Vet. J., v.70, n.10, p.389-390, 1993. que realizaram estudo com diversas espécies animais, encontrando em cães como sorovar mais prevalente, o copenhageni, com 32,65% de um total de 49 soros positivos e destes, 10 soros tiveram reação cruzada com o sorovar canicola. YASUDA et al. (1980)YASUDA, P. H.; SANTA ROSA, C. A.; YANAGUITA, R.M. Variação sazonal na prevalência de leptospirose em cães de rua da cidade de São Paulo, Brasil. Rev. Saúde Pública, v.14, n.4, p.589-596, 1980. examinaram 1.428 amostras de soro de cães de rua da cidade de São Paulo, SP, encontrando 308 (21,6%) amostras positivas, sendo os sorovares canicola e icterohaemorrhagiae os mais prevalentes.

BOLIN (1996)BOLIN, C.A. Diagnosis of Leptospirosis: a reemerging disease of companion animals. Semin. Vet. Med. Surg. (Small Anim.), v.11, n.3, p.166-171, 1996. cita que os sorovares canicola e icterohaemorrhagiae são os mais tradicionalmente associados à leptospirose canina, principalmente nos Estados Unidos; no entanto, outros sorovares, como grippotyphosa, pomona e bratislava têm emergido como significante causa de leptospirose em cães na América do Norte e em outros lugares. MACHADO et al. (1999)MACHADO, R. R.; BROD, C. S.; CHAFFE, A.B.P.; FEHLBERG, M. F. B.; MARTINS, L. F. S.; LUDTKE, C. B. Leptospirose canina na região sul do Rio Grande do Sul, no ano de 1998. In: CONGRESSO ESTADUAL DE MEDICINA VETERINÁRIA, 14. & CONGRESSO DE MEDICINA VETERINÁRIA DO CONE SUL, 3. 1999, Gramado. Anais. Gramado: 1999. p.103., analisando 587 amostras sorológicas de cães procedentes de seis municípios da região sul do Rio Grande do Sul, encontraram uma prevalência de 25,38% distribuída em 38,92% para canicola, 28,85 para grippotyphosa, 8,05% para pyrogenes, 7,38% para copenhageni, 4,02% para icterohaemorrhagiae e freqüências menores para os sorovares brasiliensis, andamana, butembo, castellonis, autumnalis, witcombi, panama e saxkoebing.

Os resultados desta pesquisa apresentaram uma freqüência de 46,15% de sorovares considerados acidentais para cães (australis, pyrogenes, sentot), o que, de certa forma, justificaria a baixa prevalência encontrada. Segundo BOLIN (1996)BOLIN, C.A. Diagnosis of Leptospirosis: a reemerging disease of companion animals. Semin. Vet. Med. Surg. (Small Anim.), v.11, n.3, p.166-171, 1996., em regiões particulares, diferentes sorovares leptospirais são prevalentes e são associados com um ou mais hospedeiros mantenedores que servem de reservatórios de infecção. Os hospedeiros mantenedores são freqüentemente espécies silvestres e, algumas vezes, animais domésticos e de produção. A transmissão entre hospedeiros mantenedores é eficiente e a incidência da infecção é relativamente alta. O contato com os hospedeiros mantenedores ou áreas contaminadas com urina destes pode causar infecção em outras espécies. Os hospedeiros acidentais não são importantes reservatórios da infecção e a incidência de transmissão é baixa. A transmissão da infecção de um hospedeiro acidental para outro da mesma espécie ou de outras espécies é relativamente rara. Outros autores, como PINEDA et al. (1996)PINEDA, M.M.V.; LOPEZ, J.M.V.; GARCIA, M.M.V. Frecuencia de leptospirosis en perros al test de aglutinación microscópica en Chillán, Chile. Arch. Med. Vet., v.38, n.1, p.59-66, 1996., em Chillán, Chile, analisando 60 amostras sorológicas de cães, encontraram, entre outras, 13,04% de freqüência para o sorovar pyrogenes, sendo este o segundo em importância no referido trabalho.

BROD (1999, comunicação pessoal) relata casos humanos de leptospirose no meio rural de Pelotas, onde os sorovares mais freqüentes e hospedeiros mantenedores são hardjo (bovino), copenhageni (?) icterohaemorrhagiae (ratos) e australis (?), o que motiva a procura do(s) hospedeiro(s) mantenedor(es) desses sorovares.

Por outro lado, BIRNBAUM et al. (1998)BIRNBAUM, N.; BARR, S.C.; CENTER, S.A.; SCHERMERHORN, T.; RANDOLPH, J.F.; SIMPSON, K.W. Naturally acquiredleptospirosis in 36 dogs: serological and clinicopathological features. J. Small Anim. Pract., v.39, p.231-236, 1998., ao estudarem 36 cães com leptospirose naturalmente adquirida, relatam que os sorovares encontrados foram pomona em 59% (20/34), e grippotyphosa em 26% (9/34), o que os levou a crer que esses cães teriam tido contato com outros animais silvestres e, desta forma, desenvolvido a doença.

A água contaminada é tida como principal responsável pela disseminação da leptospirose a todo e qualquer organismo susceptível que com ela entre em contato. No presente estudo, essa fonte de contaminação fica comprovada estatisticamente quando se analisam os diagnósticos positivos relacionados com a presença de banhados (O.R.= 7,43), açudes (O.R.= 5,27), pH (p=0,0005) e altitudes (O.R.=7,09) nas propriedades em questão.

MURHEKAR et al. (1998)MURHEKAR, M.V.; SUGUNAN, A. P.; VIJAYACHARI, P.; SHARMA, S.; SEHGAL, S. C. Risk factors in the transmission of leptospiral infection. Indian J. Med. Res., n.107, p.218223, 1998. conduziram um estudo humano de caso-controle na cidade de Diglipur Tehsil do Norte, nas ilhas Andamanas, para detectar vários fatores de risco, realizando uma amostragem aleatória de 1.014 pessoas. Para as famílias rurais, os fatores de risco foram: presença de bovinos na propriedade e o hábito de banharem-se em açudes.

Outros autores também citam a água contaminada em locais diversos como de real importância na transmissão da leptospirose. SILVA (1998)SILVA, J.F.P. DA. Leptospirose. Ver. Acad. Med., v.3, jan/set, 1998. citou a exposição à água e à lama contaminadas com a urina de ratos e de outros roedores, além de inundações, após chuvas, como fatores predisponentes à leptospirose. AMATO NETO et al. (1963)AMATO NETO, V.; MAGALDI, C.; CORREA, M.O.A.; GOMES, M.C.O.; GALIZA, I. Leptospira canicola: verificação em torno de um surto ocorrido em localidade próxima a São Paulo. Rev. Inst. Med. Trop., São Paulo, v.5, n.6, p. 265-270, 1963., avaliando um caso de leptospirose em uma criança, citaram a presença do cão como provável fonte de infecção, através do contato direto com a urina deste animal, ou da água contaminada das valetas, do córrego, do rio e do brejo. O cão poderia ter sido contaminado pela água, devido à grande quantidade de ratos encontrados no local; também devido ao fato de o sorovar detectado na SAM ter sido o canicola, tanto para a criança quanto para o cão.

Este estudo também vai ao encontro do citado por FONTAINE & GANIERE (1990)FONTAINE, G.A. & GANIERE, J.P. New topics on leptospirosis. Comp. Immunol. Microbiol. Infect. Dis., v.13, n.3, p.163-168, 1990. que afirmam ser o aspecto sazonal da leptospirose de suma importância, podendo ser explicado pela presença de vários animais de vida selvagem e as condições das águas. Segundo os autores, no verão, um cão e seu dono são extremamente expostos à infecção por banharem-se em águas mornas, onde a concentração microbiana é também favorecida pelo baixo nível das águas. No outono, cães de caça podem ser infectados em campos úmidos e banhados. De uma maneira geral, isto é o mesmo que ocorre em nossa região, principalmente porque há na colônia o hábito de usar cães para a caça a animais, como raposa, ratões de banhado, lebres e tatus, embora essa prática seja condenada pelo IBAMA. Do mesmo modo, SZYFRES (1976)SZYFRESS, B. Leptospirosis as an animal and public healt problem in Latin America and the Caribean area. Bull. Pan. Am. Health Org., v.10, n.2, p.110-125, 1976. já afirmava que as atividades recreativas e de lazer, como nadar em rios e lagos, e o maior contato com animais de companhia e/ou guarda, estariam tendendo a superar o risco ocupacional à leptospirose. Também no meio rural é comum, nos meses quentes, crianças e adultos banharem-se em arroios, açudes e marachas (canais de água para a irrigação do arroz), não sendo menos rara a presença de cães nos mesmos locais.

Quanto ao pH do solo, BABUDIERI (1958)BABUDIERI, B. Animal reservoirs of leptospires. Ann. N.Y. Acad. Sci., n.70, p.393-413, 1958. afirma que os limites deste para as leptospiras sobreviverem pelo menos seis dias, deve oscilar em torno de 6.24 a 8.23, limites mais reduzidos, como 6.35 a 7.96, permitem uma sobrevida maior da leptospira no meio por até um mês. Neste aspecto, nossos resultados, com uma baixa freqüência da doença, podem estar justificados pela reduzida sobrevida do agente no meio ambiente, uma vez que o pH é extremamente desfavorável, fazendo com que a chance de contaminação por contato indireto com o solo seja pequena. Isso ressalta ainda mais os fatores de risco encontrados, açudes e banhados, onde o pH poderia ter sido neutralizado, principalmente em baixas altitudes. Vale lembrar que, quanto mais baixas forem as altitudes, mais alagadiços tendem a ser os terrenos, ou predispostos a maior concentração de águas, a qual propicia conseqüentemente, um ecótopo adequado à manutenção da biocenose.

Vários autores têm citado a umidade e as águas como responsáveis pelos maiores surtos de leptospirose no Brasil e em vários lugares do mundo. BORATTO et al. (1985)BORATO, L.M.; OREFICE, F.; VILELA, F.B.; FABEL, J. Iridociclite não granulomatosa bilateral em um caso de leptospirose. Arq. Bras. Oftalmol., n.5, p.178-181, 1985. citam que as águas são um importante veículo de transmissão de doenças, principalmente águas contaminadas pela urina do rato e pelo contato de pessoa e/ou animais com estas águas. SILVA (1998)SILVA, J.F.P. DA. Leptospirose. Ver. Acad. Med., v.3, jan/set, 1998. cita o fato de populações que trabalham ou vivem em áreas sujeitas a enchentes, em precárias condições de moradia ou de saneamento, em contato com água, lama e/ou esgotos, contaminados pela urina de roedores, estarem diretamente expostas à leptospirose e a outras doenças.

Pelos resultados encontrados conclui-se que a área rural do Município de Pelotas apresenta uma baixa freqüência de leptospirose canina uma vez que o ecótopo e a biocenose não facilitam essa ocorrência; entretanto, quando as condições tornam-se favoráveis (diluição do pH, baixas altitudes) ela se faz presente.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • ACHA, P.N. & SZYFRES, B. Zoonosis y enfermedades transmisibles comunes al hombre y a los animales, 2.ed. Washington: Organizacion Panamericana de la Salud, 1986. p.112-120, 425-449.
  • AMATO NETO, V.; MAGALDI, C.; CORREA, M.O.A.; GOMES, M.C.O.; GALIZA, I. Leptospira canicola: verificação em torno de um surto ocorrido em localidade próxima a São Paulo. Rev. Inst. Med. Trop, São Paulo, v.5, n.6, p. 265-270, 1963.
  • BABUDIERI, B. Animal reservoirs of leptospires. Ann. N.Y. Acad. Sci., n.70, p.393-413, 1958.
  • BIRNBAUM, N.; BARR, S.C.; CENTER, S.A.; SCHERMERHORN, T.; RANDOLPH, J.F.; SIMPSON, K.W. Naturally acquiredleptospirosis in 36 dogs: serological and clinicopathological features. J. Small Anim. Pract., v.39, p.231-236, 1998.
  • BOLIN, C.A. Diagnosis of Leptospirosis: a reemerging disease of companion animals. Semin. Vet. Med. Surg. (Small Anim.), v.11, n.3, p.166-171, 1996.
  • BORATO, L.M.; OREFICE, F.; VILELA, F.B.; FABEL, J. Iridociclite não granulomatosa bilateral em um caso de leptospirose. Arq. Bras. Oftalmol, n.5, p.178-181, 1985.
  • DICKESON, D. & LOVE, D.N. A serological survey of dogs, cats and horses in south-eastern Australia for leptospiral antibodies. Aust. Vet. J., v.70, n.10, p.389-390, 1993.
  • EVERARD, C.O.R.; JONES, C.J.; INNISS, V.A.; CARRINGTON, D.G.; VAUGHAN, A.W. Leptospirosis in dogs on Barbados. Isr. J. Vet. Med., v.43, p.288-295, 1987.
  • FEHLBERG, M.F.B. Estudo observacional transversal da leptospirose bovina na bacia leiteria do Município de Pelotas, RS. Pelotas: 1994. 64p. [Dissertação (Mestrado) Faculdade de Veterinária da UFPel].
  • FONTAINE, G.A. & GANIERE, J.P. New topics on leptospirosis. Comp. Immunol. Microbiol. Infect. Dis., v.13, n.3, p.163-168, 1990.
  • FURTADO, L.R.I.; AVILA, M.O.; FEHLBERG, M.F.B.; TEIXEIRA, M.M.; ROSADO, R.L.I.; MARTINS, L.F.S., BROD, C.S. Prevalência e avaliação de fatores de risco à leptospirose canina, no Município de Pelotas, RS. Arq. Inst. Biol., São Paulo, v.64, n.1, p.57-61, 1997.
  • MACHADO, R. R.; BROD, C. S.; CHAFFE, A.B.P.; FEHLBERG, M. F. B.; MARTINS, L. F. S.; LUDTKE, C. B. Leptospirose canina na região sul do Rio Grande do Sul, no ano de 1998. In: CONGRESSO ESTADUAL DE MEDICINA VETERINÁRIA, 14. & CONGRESSO DE MEDICINA VETERINÁRIA DO CONE SUL, 3. 1999, Gramado. Anais Gramado: 1999. p.103.
  • MURHEKAR, M.V.; SUGUNAN, A. P.; VIJAYACHARI, P.; SHARMA, S.; SEHGAL, S. C. Risk factors in the transmission of leptospiral infection. Indian J. Med. Res., n.107, p.218223, 1998.
  • PEREIRA, H.C.P. Prevalência sorológica da leptospirose humana entre trabalhadores de frigoríficos e matadouros com inspeção estadual do Município de Pelotas,RS. Rio Grande: 1996. 75p. [Dissertação (Mestrado) - FURG].
  • PINEDA, M.M.V.; LOPEZ, J.M.V.; GARCIA, M.M.V. Frecuencia de leptospirosis en perros al test de aglutinación microscópica en Chillán, Chile. Arch. Med. Vet., v.38, n.1, p.59-66, 1996.
  • SCANZIANI, E.; CALCATERRAS, S.; TAGLIABUE, S. Serologic findings in cases of acute leptospirosis in the dog. J. Small Anim. Pract., n.35, p.257-260, 1994.
  • SILVA, J.F.P. DA. Leptospirose. Ver. Acad. Med., v.3, jan/set, 1998.
  • SZYFRESS, B. Leptospirosis as an animal and public healt problem in Latin America and the Caribean area. Bull. Pan. Am. Health Org., v.10, n.2, p.110-125, 1976.
  • TORTEN, M.; STOENNER, H.; KAPLAN, W. Leptospirosis. In: Handbook Series in Zoonoses Florida: CRC Press, 1979. p.363-421.
  • YASUDA, P. H.; SANTA ROSA, C. A.; YANAGUITA, R.M. Variação sazonal na prevalência de leptospirose em cães de rua da cidade de São Paulo, Brasil. Rev. Saúde Pública, v.14, n.4, p.589-596, 1980.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Set 2024
  • Data do Fascículo
    Jul-Dec 2000

Histórico

  • Recebido
    05 Maio 2000
Instituto Biológico Av. Conselheiro Rodrigues Alves, 1252 - Vila Mariana - São Paulo - SP, 04014-002 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: arquivos@biologico.sp.gov.br