RESUMO
O artigo elege a “juste image” de Godard para uma revisita crítica à tese da irrepresentabilidade da Shoah. Nesse caminho, faz o reconhecimento de uma arte da dor godardiana e da montagem em catástrofe aí envolvida para suspeitar dos argumentos, principalmente cinematográficos, que amparam a referida tese. Quer-se mostrar sua transigência em relação à palavra, donde a importância que dá às literaturas ditas do Testemunho, e sua redução a uma iconoclastia supersticiosa, a ser considerada datada. Juntamente com a referência elegante da obra crítica de Godard e dos trabalhos de Georges Didi-Huberman sobre o cineasta, a arguição tem por horizonte teórico os clássicos apontamentos do impasse de linguagem das artes tardias.
PALAVRAS-CHAVE:
Irrepresentável; Shoah; Lanzmann; Imagem; Montagem
ABSTRACT
The present article chooses Godard's “juste image” for a critical revisit to the thesis of Shoah's irrepresentability. In this way, the article recognizes a Godardian art of pain and the montage en catastrophe there involved to cast doubt on the mainly cinematographic arguments, which support the above-mentioned thesis. The objective is to underline this thesis’s yielding to the word, hence its focus on the so-called Testimonial literature, and its reduction to a superstitious iconoclasm, which is to be considered dated. Together with the elegant reference of Godard's critical work and Georges Didi-Huberman's work about the filmmaker, the argument has, as its theoretical background, the classic notes of the language impasse of the late arts.
KEYWORDS:
Irrepresentable; Shoah; Lanzmann; Image; Montage
RÉSUMÉ
L'article élit la « juste image » de Godard pour une nouvelle critique de la thèse de l'irreprésentabilité de la Shoah. De cette façon, il reconnaît un art de la douleur godardienne et le montage en catastrophe y impliqué pour soupçonner les arguments, principalement cinématographiques, qui soutiennent cette thèse. Nous voulons montrer son compromis par rapport au mot, d'où l'accent mis sur la littérature dite du Témoin, et sa réduction à un iconoclasme superstitieux, qui semble pouvoir être considéré comme daté. Associé à l'élégante référence de l'œuvre critique de Godard et de l'œuvre de Georges Didi-Huberman sur le cinéaste, l'argument a pour horizon théorique les notes classiques de l'impasse linguistique des arts tardifs.
MOTS-CLÉS :
Irreprésentable; Shoah; Lanzmann; Image; Montage
Repetitivos e assertivos, os argumentos manejados pelos teóricos da Shoah parecem hoje soar datados e perder o brio. Trata-se aqui de alinhá-los à conjetura do mundo doente de imagens, dito da perda da experiência, que prospera em redutos dominantes da universidade e das artes, nos últimos decênios do século passado, assinalando-se não apenas seu pertencimento à mesma doxa, mas sua particular maneira de atalhar a questão da representação do trauma, no avançado da hora, sem referência à problemática da linguagem, tal como a concebem as poéticas modernas. Para tanto, reabre-se aqui, pontualmente, o caso Claude Lanzmann & Jean-Luc Godard, que Georges Didi-Huberman não hesita em chamar de “polêmica espetacular” (DIDI-HUBERMAN, 2015DIDI-HUBERMAN, Georges. Passés cites de JLG. Paris: Les Éditions de Minuit, 2015., p. 93), e se estuda Godard do prisma da tematização da dor e dos processos de montagem aí envolvidos.
Neste apontamento da hipótese da obsolescência de uma linha prestigiosa de pensamento, o lapso de tempo a ser considerado é mais ou menos aquele que se estende de 1967, data da publicação do livro A sociedade do espetáculo, de Guy Debord, até 2015, data da publicação do livro Passés cités par JLGDIDI-HUBERMAN, Georges. Passés cites de JLG. Paris: Les Éditions de Minuit, 2015., de Georges Didi-Huberman. Debord é chefe de fila de um grupo de poetas ativistas erguidos contra o capitalismo e a arte institucional, a Internationale Situationniste, que tem Godard, com sua montagem “recicladora”, por con, ou literalmente, “babaca” (BAECQUE, p. 377). Didi-Hubermann é o novo iconologista que leva a peito demorar-se na solução que o cinema godardiano oferece à administração da experiência traumática por uma arte da montagem que lhe parece ser uma linguagem tão “obsessiva” e “inquieta”, se não “quase maníaca”, quanto “imensa” (DIDI-HUBERMAN, 2015DIDI-HUBERMAN, Georges. Passés cites de JLG. Paris: Les Éditions de Minuit, 2015., p. 198). É o que ele começa a pensar em 2004, de que data seu Imagens apesar de tudoDIDI-HUBERMAN, Georges. Imagens apesar de tudo. Tradução de Vanessa Brito e João Pedro Caxopo. Lisboa: Imago, 2012., quando se debruça sobre a opacidade de um cinema que dificulta seus efeitos de sentido, permitindo-se uma pura poesia visual, conforme avança para o final do século do desprestígio filosófico das imagens.
A acepção de “catástrofe” a ser enfatizada é aquela etimológica de “desabamento”, “desmoronamento”, ou ainda, como bem lembram os autores do volume brasileiro Catástrofe e representaçãoNESTROVSKI, Arthur; SELIGMANN-SILVA, Márcio. Apresentação. In: Catástrofe e representação. São Paulo: Escuta, 2000., que faz o estado da arte da disciplina implícita no enunciado do título, “virada para baixo” (NESTROVSKI; SELIGMANN, 2000NESTROVSKI, Arthur; SELIGMANN-SILVA, Márcio. Apresentação. In: Catástrofe e representação. São Paulo: Escuta, 2000., p. 8). São noções que podem ser depreendidas imediatamente do grego kata, para baixo, mais strophē, ação de virar. Mediatamente, poder-se-ia enfatizar ainda “quebra”, “ruptura”, “inversão”. Interessa aqui demonstrar a pertinência da montagem godardiana à violência de todos esses movimentos.
Arte e dor em Godard
Numa das páginas dos diários de Susan Sontag, perdida entre as filigranas críticas ali encontráveis, uma nota breve sobre Samuel Beckett parece ter o dom de vir ressignificar, de súbito, para nós, os conhecidos discursos sobre a grande crise das artes modernas chegadas à consciência do esgotamento de suas linguagens e, assim também, à paradoxal situação de terem que continuar sem poder continuar. Sem se dar conta, aparentemente, da enormidade de seu comentário, que é assim lançado, como distraidamente, entre muitos outros, ao correr da pena, ela registra, em algum dia do mês de outubro de 1976: “Beckett descobriu um novo assunto para o drama: o que vou fazer no próximo segundo?” (SONTAG, 2016SONTAG, Susan. Diários II. Organização de David Rieff. Tradução de Rubens Figueiredo. São Paulo: Companhia das Letras, 2016. , p. 454).
A pensata aproveitará a quem quer que se interesse pelos embaraços mais que modernos da arte de Jean-Luc Godard, não obstante, como modalidade cênica, ela pareça encaminhar, e de algum modo encaminhe, o contrário da desolação beckettiana. De fato, vendo as coisas pelo lado da leveza da representação simples e sincera da vida cotidiana no pós-guerra francês, característica da Nouvelle Vague, de que Godard é o expoente, estaríamos apenas diante das ironias de um antiacademismo salutar. Em outras palavras, de uma daquelas raras artes felizes, como a de um Henri Matisse, um moderno de que este outro representante da Nouvelle Vague que é François Truffaut costumava dizer que passou por todas as guerras pintando peixes, mulheres e flores nas janelas, talvez alheio à catástrofe circundante, porém não à gravidade da missão de repensar os limites de seu ofício, a ponto de refundá-lo (BAECQUE; TOUBIANA, 1998BAECQUE, Antoine de, TOUBIANA, Serge. François Truffaut: Uma biografia. Tradução de Clovis Marques. Rio de Janeiro: Record, 1998. , p. 360). Mas observando-se melhor, pode-se ver que a atmosfera godardiana mais plausível é a sombria, não lhe faltando os mesmos toques da angústia paralisante que caracteriza o autor de um drama pós beckettiano significativamente chamado Endgame (Fim de partida, 1948).
Tome-se aquela sequência de Deux ou trois choses que je sais d’elle, em que o curso do mais trivial dos diálogos, que aí está sendo travado entre marido e mulher, na cozinha de um apartamento, na volta do supermercado, encaminha-se para um desfecho cruel. Nesse ponto do filme, o casal está entrando em casa. O marido desaparece do quadro, enquanto a mulher se dirige à cozinha, para tirar as compras da sacola e arrumá-las no armário. De longe, eles conversam. O diálogo é o seguinte:
Robert: Até que enfim, chegamos.
Juliette: Chegamos onde?
Robert: Em casa.
Juliette: E agora, o que é que nós vamos fazer?
Robert: Dormir, o que deu em você?
Juliette: E depois?
Robert: Acordar.
Juliette: E depois?
Robert: Não sei! Nada! Começar tudo de novo, comer, trabalhar.
Juliette: E depois?
Robert (entrando no quadro e tirando os óculos escuros): Nada! Começar tudo de novo.
Juliette: E depois?
Robert (recolocando os óculos escuros, a voz mais baixa): Não sei! Morrer...
Juliette: E depois?
Sontag talvez se lembre, sem saber, desse Godard em apuros beckettianos, já que é Godard que lhe vem ao espírito, logo na abertura de Sobre Fotografia, quando, para ilustrar o mistério das imagens fotográficas, que lhe parecem ao mesmo tempo mágicas e equívocas, ela cita o chiste dos soldados de Les carabiniers que foram fazer a guerra para ganhar o mundo e voltaram para casa com as malas cheias de cartões postais (SONTAG, 2004SONTAG, Susan. Sobre fotografia. Tradução de Rubens Figueiredo. São Paulo: Companhia das Letras , 2004., p. 14). De resto, o mencionado trecho de seu diário continua com esta sugestão de resposta a Beckett, que quase retoma o diálogo de Deux ou trois choses que je sais d’elle: “o que vou fazer no próximo segundo? Chorar, retirar meu prendedor de cabelo, suspirar, ficar calada, contar uma piada, morrer...” (Ibid.). Não se trata só de angústia. Por sob a capa da afirmação de uma revolução estética jovem e insolente, não apenas sintonizada com a marcha adiante da juventude, mas movida a homenagens paródicas ao cinema - que aliás são feitas para lhe arruinar toda a inocência narrativa -, a linha Godard articula um claro nexo entre arte e dor. Não por acaso, os remakes de sua primeira fase são retomadas dos filmes noir, com sua poesia do crime, que ensejaram a André Bazin esta outra nota crítica notável, no caso, sobre a figura de Humphrey Bogart: “A crispação do maxilar lembra irresistivelmente o ricto de um cadáver alegre, a expressão final de um homem prestes a morrer sorrindo” (BAZIN, 2014BAZIN, André. O que é o cinema? Tradução de Heloisa Araujo Ribeiro. São Paulo: Cosac Naify, 2014. , p. 275). Nos primeiros grandes filmes de Godard, o plano fechado do rosto encerra sempre esse mesmo sorriso. Aliás, as personagens morrem sempre no fim. Mas nem por serem sorridentes - micagens do herói de À bout de souffle agonizando sobre o asfalto de uma rua, em Paris; cara de palhaço toda pintada de azul do herói de Pierrot le fou, na hora de seu suicídio, em algum ponto da Riviera Francesa; execução a tiros da heroína de filme policial de Vivre sa vie bem em frente a um restaurante de periferia chamado Restaurant des Studios - os desenlaces finais deixam de ser calamitosos.
“Pierrot le fou nada mais é que um imenso soluço”, escreveu Louis Aragon, num ensaio da primeira hora sobre esta obra-prima do cinema autoral, que, por sinal, inverte e confirma o fecho catastrófico de À bout de souffle, terminando na Côte d’Azur, por onde começa a trajetória de Michel Poiccard, o primeiro outsider melancólico godardiano. Ao poeta não escapou o senso do desastre que preside à fuga para a frente dos dois amantes protagonistas aí em desabalada carreira, nem tampouco a evocação da perspectiva do massacre, à maneira de Delacroix, que é cravada pelo tumulto cromático, principalmente pelo vermelho-sangue, que tinge a película, em cinemascope (ARAGON, 1965ARAGON, Louis. « Qu’est-ce que l’art, Jean-Luc Godard ? », Les Lettres françaises, n° 1096, 9-15, septembre 1965.). Outros identificariam marcas de Nicholas de Staël, o pintor suicida, no vermelho-e-azul contra o fundo do qual se rebate o salto final no vazio de Pierrot, que vem aí sublinhado pela inscrição autógrafa godardiana “l’art la mort” (SHAFTO, 1999SHAFTO, Sally. Saut dans le vide : Godard et la peinture. Cinemathèque, n. 16, automne 1999.).
Tal elogio da parte de um dos mais prestigiosos representantes do movimento surrealista intitula-se, justamente, “Qu’est-ce que l’art, Jean-Luc Godard ?ARAGON, Louis. « Qu’est-ce que l’art, Jean-Luc Godard ? », Les Lettres françaises, n° 1096, 9-15, septembre 1965.”. Afirmam-se interessantes relações entre criação e desassossego nessa interrogação que se compraz em submeter a definição da arte ao crivo de um recém-chegado. Ao dirigi-la ao cineasta Godard, o poeta Aragon não está apenas reconhecendo que o cinema pode, sim, ser pura arte, no contexto das demolições vanguardistas. Nem está unicamente concedendo que o cinema alcança, com Godard, o mesmo estado de revolta lógica em que o surrealismo pôs a arte da palavra. Mas até porque o surrealismo se associa à psicanálise, ao pôr em relação o desejo e a morte, está verificado sua pegada mortal, mesmo quando a saudar as vagas renovadoras da História, nos meados de um século em que ela, a História, se defronta, ao mesmo tempo, com o legado moral da barbárie nazista e com os cinquenta anos do Cinema. O que é para Godard, como se verá, uma chance geracional e uma chamada à responsabilidade.
Por ora, ressalte-se que tudo isso não deixa de nos remeter à ideia não menos sombria que se faz o próprio Bazin das imagens cinematográficas, ao destacar, como mentor da corrente godardiana que é, que a fotografia chama a si o que antes incumbia às artes visuais, isto é, a função de ser cifra da morte. Efetivamente, como se sabe, na “Ontologia da imagem fotográfica”, um dos mais antigos textos do conjunto que forma a acima mencionada suma baziniana, produzida entre o fim da Segunda Guerra e o desaparecimento do autor, em 1958, quando Beckett já está às voltas com a morte do teatro, ele tomou a providência de conferir às imagens técnicas a propriedade de retomar o desejo inconsciente dos pintores e escultores de salvar a vida da ação do tempo. Vendo nas representações mecânicas do corpo humano o estigma dos ritos mortuários antigos e, nomeadamente, um “complexo de múmia”, Bazin salientou a oportunidade moderna e inédita que tem a fotografia, e logo o cinema, munidos de sua objetividade fotoquímica, de transferirem, de certo modo, as próprias coisas para a superfície sensível dos filmes. Destemidamente, comensurou as imagens técnicas aos objetos em si, localizando nelas uma afecção, e salvando-as assim do desprezo geral da cultura elevada pelas artes forenses menores. Foi o que lhe permitiu enobrecer o cinema com o anelo do embalsamamento da vida (BAZIN, 2014BAZIN, André. O que é o cinema? Tradução de Heloisa Araujo Ribeiro. São Paulo: Cosac Naify, 2014. , p. 27).
Hoje em dia, com o recuo do desmerecimento filosófico da fotografia, graças ao impacto de novas iconologias já não tão prevenidas contra os duplos mecânicos do real, nem tão dispostas a alinhar imediatamente a imagem à mercadoria, a exemplo das intervenções de um Jacques Rancière ou um Georges Didi-Huberman, dois pensadores atuais das artes não por acaso extremamente atentos à trajetória de Godard, o realismo traumático de Bazin revela-se surpreendentemente fecundo. Mesmo porque antecipa o punctum de Roland Barthes, com seu apontamento da fisgada mortal da fotografia, em A câmara clara. Porém, melhor que sublinhar a atualidade do mestre, cabe aqui pontuar que é graças aos contornos fúnebres de sua visada que o discípulo Godard vai poder declarar, como consigna Alain Bergala, em sua antologia canônica de artigos e falas do cineasta, que, ao capturar a vida, o cinema filma a morte. “O cinema é a única arte que, de acordo com Cocteau (em Orfeu, acho), filma a morte em trabalho. A pessoa que filmamos está envelhecendo e vai morrer. Filmamos, portanto, um momento do trabalho da morte. A pintura é imóvel, o cinema é interessante porque capta a vida e o lado mortal da vida.” (BERGALA, 1985BERGALA, Alain (org.). Jean-Luc Godard par Jean-Luc Godard. Paris: Cahiers du Cinéma, I, 1985. , p. 222).
Neste regime patético, o nexo arte-dor alcança o amor. Assim, tampouco é por acaso que, em À bout de souffle, o marginal Michel Poiccard morre pelas mãos da garota americana por quem está apaixonado. Era preciso que fosse ela a entregá-lo à polícia para que se confirmasse uma impressão godardiana insistente, de diferentes maneiras declinada, segundo a qual amar é estar em risco de morte. Esta é, de resto, a hipótese de todo noir. Assim, na abertura de Le mépris, um outro diálogo perturbador acontece em volta do nu tão mais despojado e desafiador da erotomania cinematográfica clássica quanto escultórico de Brigitte Bardot, que contemplamos ouvindo os toques lúgubres da música de Jean Delerue. Nesta outra sequência, ela também, inicialmente, não mais que uma cena doméstica, um outro casal conversa em casa, agora na cama. Deitada de bruços, a marca da parte inferior do bikini marcada na pele, demonstração da sinceridade do metteur en scène, a mulher pergunta ao marido quais são as partes de seu corpo que ele prefere, enumerando-as, uma por uma, com sua voz enjoada e sua atitude sem rodeios. Já nesse caso, estamos diante de um erotismo perverso, que esquadrinha e decepa o outro em partes, típico da Nouvelle Vague. Mas tudo se torna ainda mais aflitivo quando ouvimos esta frase premonitória sobre a mulher que, mais adiante, vai ter bons motivos para suspeitar que o marido a está jogando, como recompensa, nos braços do produtor de cinema americano para o qual ele quer empurrar um roteiro: “Eu te amo totalmente, ternamente, tragicamente”. Vaticínios como esse são recorrentes em Godard. Coisa semelhante encontramos, por ilustração, em Alphaville, via este verso de Paul Éluard grafado sobre a tela: “Se você sorri, é para melhor me invadir”.1 1 Paul Éluard, Le Phénix. Paris: Guy Lévis Mano, 1951. Ou em Prénom Carmen, via as seguintes palavras de Rilke, que se projetam sobre o ecrã, exibindo a psicologia do amor godardiana: “A beleza é o começo do terror que podemos suportar”.2 2 Rainer Maria Rilke. Elegias de Duíno. Edição Bilíngue. Tradução e comentários de Dora Ferreira da Silva. Prefácio de Sergio Augusto de Andrade. São Paulo: Editora Globo, 2001, p.17.
François Truffaut percebeu bem, e veio a campo dizê-lo, que Godard trazia em si um sujeito machucado. O fez justamente a propósito de Deux ou trois choses que je sais d’elle, em resenha do filme para uma outra importante revista de combate da época áurea dos Cahiers du cinéma, a Les lettres modernes. Enfileirando em seu comentário meia dúzia de nomes de diretores da era de ouro do cinema hollywoodiano, considerados magistrais em sua documentação fotográfica do humano, ele escreve: “Jean-Luc Godard [...] é rápido como Rossellini, malicioso como Sacha Guitry, musical como Orson Welles, simples como Pagnol, ferido como Nicholas Ray, eficaz como Hitchcock, profundo, profundo, profundo como Ingmar Bergman e insolente como ninguém” (BAECQUE, 2010BAECQUE, Antoine de. Godard : Biographie. Paris: Éditions Grasset & Fasquelle, 2010. , p. 343). Através de Nicholas Ray, o que está sendo reconhecido aí é que os heróis godardianos estão perdidos num mundo que os ultrapassa, a exemplo dos tipos a que James Dean empresta sua fragilidade. “Je ne sais pas quoi faire”, proclama a personagem de Anna Karina, em Pierrot le fou, no auge de seu romance com Ferdinand. É dessa desventura que também se trata.
Se em pleno vigor libertário da Nouvelle Vague Pierrot le fou já tem, para Aragon - como ele acrescentará, no mencionado texto -, o mesmo fundo sinistro de A morte de Sardanápalo, o quadro de Delacroix que pinta o suicídio espetacular do último rei da Assíria, seja pela escala técnica grandiosa do painel, seja pela destrutividade da aventura encenada (ARAGON, 1965ARAGON, Louis. « Qu’est-ce que l’art, Jean-Luc Godard ? », Les Lettres françaises, n° 1096, 9-15, septembre 1965.), a gravidade de Godard só faria se agravar subsequentemente à fase Nouvelle Vague. De fato, vindo na esteira do levante soixante-huitard, um Godard intermediário entre o período heroico e o tardio vai trocar os sentimentos delicados, medidos pela régua da cinefilia, pelas convulsões da História Social, medidas pela régua marxista, como quem troca de perspectiva desastrosa. A violência de um mundo em guerra, inclusive no Oriente Médio, onde se desenrola o que é, para ele, uma ressurgência paradoxal do nazismo na forma de um sacrifício árabe, o arrebata tanto quanto antes, a contestação do cinema francês acadêmico. Surge neste ponto um projeto particularmente atormentado de engajamento do cineasta que, em filmes como Le petit soldat e La chinoise, e malgrado a censura que se abate sobre o primeiro, por esbarrar na crise argelina, se saía com desenvoltura, por assim dizer matisseana, das guerras coloniais e fermentações gauchistas, sempre fixado nas trajetórias pessoais e sempre contrabalançando posições à direita e à esquerda, quando não descrevendo o balé das gesticulações envolvidas. Agora, tudo aquilo que era a Nouvelle Vague se revela, para o artista que não sabe como continuar, mas deve continuar, uma prisão intelectual.
Com efeito, desde as jornadas de Maio de 1968, que o conduzem à assim chamada fase Dziga Vertov, um Godard prestes a deixar Paris e a tomar o caminho do autoexílio suíço, que já vai mergulhando no silêncio e no quase anonimato em que terminaria por se fechar - como se precisasse da clandestinidade para entrar na resistência, vai sublinhar de Baecque (2010BAECQUE, Antoine de. Godard : Biographie. Paris: Éditions Grasset & Fasquelle, 2010. , p. 444) -, passa a pensar que fazer cinema só é possível se isso significar mudar o mundo. A luta do velho contra o novo toma o aspecto da luta de classes. É nesse passo que ele se põe a renegar a solidão do diretor, trocando a prerrogativa da política dos autores, tão cara à plataforma dos Cahiers, pela corrente de força participativa de um coletivo de criadores de esquerda. A exploração do homem pelo homem, a situação nas fábricas, o Vietnã, o Oriente Médio, tomam de assalto a cena godardiana, doravante voltada às dores planetárias, agravadas que são pelo fato de só chegarem às consciências anestesiadas através das mídias burguesas, o cinema aí incluído. “O cinema é um dos redutos em que o imperialismo é mais poderoso”, diz ele aos jornalistas, nesse momento, sem poupar seu próprio trabalho: “Produzir um filme hoje nos países capitalistas é uma contradição da qual não escapamos.” (BERGALA, 1985BERGALA, Alain (org.). Jean-Luc Godard par Jean-Luc Godard. Paris: Cahiers du Cinéma, I, 1985. , p. 343). Ponto alto dessa desautorização do autor, que antes declarava que travellings são questão de moral, fundando ética e estética no mesmo plano (BAECQUE, p. 197), é seu speech acerca do ridículo de se continuar a falar em travellings em situação de guerra, no conhecido episódio de adesão da Nouvelle Vague aos ativistas de Maio, que provocaria o cancelamento do Festival de Cannes. “Não há um único filme hoje que fale do problema operário”, sustenta (LAURENT, 2009LAURENT, Emmanuel. Deux de la vague, Paris: Imovison, 2009.). Tais disposições seriam referendadas, dois anos depois, em 1970, por um manifesto “Que faire ?”, em que se destaca este mandamento, só aparentemente redundante, na verdade hiperbólico: “É preciso fazer politicamente filmes políticos.” (BRENEZ et al., 2006BRENEZ, Nicole et al. Jean-Luc Godard : Documents. Paris: Éditions du Centre Pompidou, 2006., p. 145)
Não se trata de nenhuma rendição sua ao filme militante, com temas socialistas e histórias do proletariado. Aplica-se perfeitamente a este Godard intermediário o que Philippe Sollers diria do Godard anos 1980, já então envolvido com o nevrálgico problema da representação da Shoah: “O que ele faz não são panfletos. Ou melhor, são panfletos, mas também preces, requisitórios, oratórios.” (SOLLERS, 1997SOLLERS, Philippe. Histoire(s)du cinéma : il y a de fantômes plein l’écran. Cahiers du cinéma, n. 513, mai 1997.) Com efeito, o que o mencionado manifesto propõe é que se queime todo o cinema para que o cinema possa renascer da incandescência própria de toda arte. Este é um Godard às voltas com mais uma refundação radical de si mesmo. Formalmente, esta produção pós-68 compreende pequenos libelos fílmicos, em bitolas de 35 ou 16 milímetros, elaboradas a muitas mãos. Este curto período de experimentações perdura, segundo Antoine de Baecque, até 1974, e pode ser visto rendendo sete títulos, até hoje pouco conhecidos (2010BAECQUE, Antoine de. Godard : Biographie. Paris: Éditions Grasset & Fasquelle, 2010. , p. 443). Um resumo dos lances principais pede que se diga que o movimento é deflagrado por Le Vent d’est, espécie de western de esquerda, que ostenta um correalizador maoista, Jean-Pierre Gorin, um co-roteirista vermelho, Daniel Cohn-Bendit, um ator-emblema do cinema comprometido, Gian Maria Volonté, e uma participação brasileira provocante, a de Glauber Rocha, em sequência em que é interpelado por uma mulher que lhe pergunta qual o caminho do cinema revolucionário. Cronologicamente, isso antecede Tout va bien, ciné-tract em torno da ocupação de uma fábrica por seus operários, que é outra parceria de Godard com Gorin, tendo no elenco estes outros atores-ativistas que são Jane Fonda e Yves Montand. O entreato vertoviano terminaria com Ici et Ailleurs, trabalho em colaboração com Anne-Marie Miéville, que atende a uma encomenda da Organização da Libertação da Palestina e se destina originalmente a ser um documentário sobre os campos de refugiados árabes estabelecidos na Jordânia, depois da fundação do estado de Israel. Previsto para se chamar Jusqu’à la victoire, o projeto é abortado quando da expulsão de Omã da OLP. O material produzido seria retomado posteriormente, mas, então, em vista de uma outra montagem. A edição dos registros feitos na Jordânia levaria às últimas consequências a liberdade do falso raccord, com sua decomposição do movimento, seu desarme da montagem em continuidade, e redefiniria o cinema segundo Godard. O título seria mudado para Ici et Ailleurs. Na passagem, o que era para ser uma operação de reconhecimento dos acampamentos dos fedayin torna-se uma investigação sobre como filmar acampamentos fedayin, dentro do melhor estilo godardiano torturante tardio.
É em Le Vent d’est que aparece o famoso slogan que exprime a tensão dialética entre o ver e o ser, a completude e a falta, a que Godard, de algum modo, nunca deixou de se remeter, mas a que se remete cada vez mais insistentemente, com o passar do tempo, não apenas para continuar a acusar o arbitrário das imagens, mas para reivindicar uma montagem capaz de removê-lo poeticamente: “ce n’est pas une image juste, c’est juste une image”. Porém, é em Ici et Ailleurs que ele é levado às últimas consequências. De fato, diante da evolução dos acontecimentos, pode-se dizer que é sob essa divisa que se dá a recuperação do material gravado no alhures médio-oriental, em condições de visibilidade próprias do aqui agora do cineasta, que entram na interpelação que ele dirige a si mesmo, enquanto documentador. O filme abre, parabolicamente, com um desfile de figurantes que vão mostrando fotos para uma câmera armada sobre um tripé, ao passo que a voz de Godard, falando do extracampo, vai ponderando que o tempo e o espaço não são os mesmos nos fotogramas que estamos vendo e na vida real lá fora. É assim munido de pinças metacríticas que Ici et Ailleurs retorna aos guerrilheiros para enfrentar semioticamente a questão da resistência política. Nesta outra encenação, vemos, a horas tantas, uma garotinha recitar um poema, aos altos brados, em meio às ruinas, numa língua que não compreendemos.
Até pela estranheza do idioma, é impossível não ver Godard defendendo aí o direito de cidade de uma poesia pós-Auschwitz. Da mesma incompreensão poética se recobre a própria fala dos guerrilheiros. Tudo isso é feito para nos alertar sobre a distância que se interpõe entre o que se pode ver, ouvir e saber. Seria sempre assim, daí por diante, num cinema godardiano feito de grandes gestos significantes. E até pelo caráter épico dos cenários envolvidos, começa a ser preparada nessas alturas a linha de ataque de Godard a Shoah de Claude Lanzmann.
Correspondências
É no contexto das experiências-limite de montagem introduzidas no processo de Ici et Ailleurs que desponta a obra godardiana tardia que se considera ser a sua obra mais importante, as Histoire(s) du cinéma (1980-1998). O projeto resulta dos mesmos dez anos de pesquisa solicitados pelo documentário Shoah, de Claude LanzmannMARTY, Éric. Shoah de Claude Lanzmann. Paris: Éditions Manitius, 2016. (1985), reage a ele e tem por frente a mesma inquirição sobre como o cinema poderia dar conta de apresentar o real, em seu excesso intratável, acrescida do fato de Godard, sempre metacrítico, pôr-se agora a acusar o cinema de ter-se eximido de sua responsabilidade, deixando o Holocausto nas mãos dos Spielberg (BAECQUE, 2010BAECQUE, Antoine de. Godard : Biographie. Paris: Éditions Grasset & Fasquelle, 2010. , ibid.). Trata-se de uma imensa colagem de fragmentos multimidiáticos - filmes, fotografias, pinturas, textos escritos, textos falados -, votada a uma ambiciosa reconstituição da paisagem sensível do século XX, de que o extermínio nazista não só não se separa, mas é disparador inicial. Proteiforme, a narrativa-fleuve dá-se em vídeo, perfazendo uma série de oito seções ou episódios, com cerca de cinco horas de duração, contra as dez horas de entrevistas de Lanzmann. Têm primazia aí os videogramas fixos, visivelmente questionadores da ilusão do movimento, que é efeito de montagem, e insinuadores da força impressiva da fotografia, pretensamente inócua no caso das talking heads de Lanzamnn. A coleção iconográfica não passou despercebida dos novos filósofos, historiadores da arte e críticos que entraram em ação nos últimos decênios do século passado. Assim, um sobrevoo da fortuna crítica da obra de Godard sexagenário mostra, por exemplo, que Jacques Rancière, que revolve as Histoires(s) em volumes como O espectador emancipado e O destino das imagens, vai apontar a “colagem dos heterogêneos”, nunca abandonada, na montagem das diferentes seções, e vai vê-las construindo um “museu imaginário” (RANCIÈRE, 2012RANCIÈRE, Jacques. O destino das imagens. Tradução de Mônica Costa Netto. Rio de Janeiro: Contraponto, 2012. , pp. 70; 40), enquanto Didi-Huberman, que consagra a Godard, parcial ou inteiramente, dois tratados, Images malgré tout e Passés cités de JLG, vai falar numa “constelação de passados” que são remontados e “intimados a comparecer” (DIDI-HUBERMAN, 2015DIDI-HUBERMAN, Georges. Passés cites de JLG. Paris: Les Éditions de Minuit, 2015., p. 12). E Jacques Aumont, que também tem o seu Godard, todo ele dedicado às Histoire(s), vai chamar a montagem godardiana de “apoteótica” (AUMONT, 1999AUMONT, Jacques. Amnésies : Fictions du cinéma d’après Jean-Luc Godard. Paris: P.O.L, 1999. , p. 15).
Nos anos 1980 franceses, esse entrelaçamento sui generis de arte e memória entra em confronto com certas ideias feitas no seio da cultura acadêmica acerca de um mundo contemporâneo tornado sede do espetáculo e do simulacro, em que tudo é mostrado e não há nada a ver. Dentro desse entendimento, são as imagens, e não as palavras, que são as comissárias do engano e do gozo perverso. É contra a tela de bastidor dessas verdades recebidas que se rebate o cinema sem cinema de Lanzmann, outro imenso dossiê, reivindicado apenas sonoro, a firmar, na contramão do imagético, e por procuração do logos, um domínio da voz - ou da Voz -, graças ao qual nem se precisa ver o que está sendo dito nem importam, diante do que se ouve, a cara e corpo de quem diz. Ora, perfila-se aí um iconoclasmo que o designer obsessivo de imagens, notadamente da imagem do rosto, que é Godard, não poderia não interpelar. De sorte que concernem também à Shoah os primeiros capítulos das Histoire(s) centrados na acusação da demissão geral do cinema diante da progressão dos totalitarismos, como se pode depreender da insistência com que ele denuncia o apoio trazido pelos inimigos dos arquivos de imagens ao negacionismo e, com o correr do tempo, e conforme o próprio Lanzmann adere ao debate, de suas declarações pontuais sobre o prejuízo que as interdições de Adorno e Lanzmann trazem ao desvendamento do funcionamento da máquina nazista, deslocando o problema para uma discussão preciosista em torno do infigurável (BAECQUE, 2010BAECQUE, Antoine de. Godard : Biographie. Paris: Éditions Grasset & Fasquelle, 2010. , p. 763). Didi-Huberman saberá aproveitar esse parti pris de Godard contra o grande interdito adorniano para, em nome da montagem godardiana, acusar a corrente lanzmanniana de flertar com o absoluto e de adorar secretamente a imagem, ao recusá-la peremptoriamente. “Dizer que a imagem é nula é pretendê-la una”, escreve ele (DIDI-HUBERMAN, 2012DIDI-HUBERMAN, Georges. Imagens apesar de tudo. Tradução de Vanessa Brito e João Pedro Caxopo. Lisboa: Imago, 2012., p. 158). Por sua vez, acusando o uso inflacionista da noção de irrepresentável, Rancière a verá cair sob “uma aura de terror sagrado” (RANCIÈRE, 2012RANCIÈRE, Jacques. O destino das imagens. Tradução de Mônica Costa Netto. Rio de Janeiro: Contraponto, 2012. , p. 45).
A essa imagem toda insuficiente, a recomposição godardiana da realidade através de uma memória fílmica descontínua e partida tem a virtude de contrapor tão somente uma suscitação de visibilidade, um convite a imaginar - o “convite silencioso a filosofar” de que já falava Barthes, tratando da desordem dos objetos que apenas se perfilam, sem almejar “nenhuma cena, nenhuma vista”, na paisagem do fotógrafo Daniel Boudinet (BARTHES, 2002BARTHES, Roland. Œuvres Complètes. Livres, Textes, Entretiens. Nouvelle édition revue, corrigée et presentée par Éric Marty. Paris: Seuil, 2002., V, p. 328). É preciso imaginar para conhecer, repete Huberman, citando A imaginação de Sartre, a que A câmara clara de Barthes também é dedicada (DIDI-HUBERMAN, 2012DIDI-HUBERMAN, Georges. Imagens apesar de tudo. Tradução de Vanessa Brito e João Pedro Caxopo. Lisboa: Imago, 2012., p. 71). Trata-se de um conhecimento que, justamente por apelar para imagens não mais que singulares, pode prescindir da veleidade da inteireza - de toda a verdade ou da verdade toda -, diferentemente da demanda feita pelos Holocaust Studies aos arquivos fotográficos. Daí o verbo não precisar ser projetado numa transcendência negativa, o que explica as famosas citações poéticas de Godard, também na linha de mira de Didi-Huberman. Em Passés cités de JLG, ele as reconhecerá como parte ativa da montagem godardiana, que não se impede de ser ao mesmo tempo gráfica e ótica. “Não é verdade que uma citação posiciona a coisa citada em posição de antecedência, logo de coisa passada?”, pergunta ele (DIDI-HUBERMAN, 2015DIDI-HUBERMAN, Georges. Passés cites de JLG. Paris: Les Éditions de Minuit, 2015., p. 15).
Se à imagem terrífica paralisante o cinema de Godard impõe a resistência de seus objetos parciais, no reduto Shoah, o ponto de ausência simbólica será preenchido por uma fragmentação poética que se ignora. É o que se pode depreender das escrituras memorialísticas, no modelo daquelas de um Primo Levi, que, sob a denominação “literatura de testemunho”, vão se tornando o grande objeto de atenção da área. De fato, nesse âmbito, o depoimento da experiência dos campos é entendido como dever absoluto. Primo Levi fala num “dever de memória” (LEVI, 1995LEVI, Primo. Le devoir de mémoire. Paris: Éditions Mille et une nuits, 1995., p. 46). E se é verdade que, por tudo que envolve, o cumprimento desse dever esbarra no impedimento, na impotência, na quase afasia do depoente, é igualmente verdade que algo de palpável termina por resultar disso, como operação de significação. Veja-se a descrição de um exemplar dessas memórias - Fragmentos: memórias de uma infânciaWILKOMIRSKI, Binjamin. Fragmentos: memórias de infância 1939-1948. Tradução de Sérgio Tellaroli. São Paulo: Companhia das Letras , 1998., datado de 1995, da autoria de um certo Binjamin Wilkomirski -, por Arthur Nestrovski, um dos organizadores de uma prestativa recensão brasileira de textos em torno da Shoah, de 2000, intitulada Catástrofe e representação: “O equilíbrio entre reticência e realismo é a marca de estilo desse autor tão decidido a não se entregar, apesar de tudo, à infelicidade do conhecimento e ao trauma da fala” (NESTROVSKI; SELIGMANN-SILVA, 2000NESTROVSKI, Arthur; SELIGMANN-SILVA, Márcio. Apresentação. In: Catástrofe e representação. São Paulo: Escuta, 2000., p. 200). Se entendemos bem, a observação é sobre a paradoxal vitória da expressão contra a experiência que não se pode integrar.
Nestrovski continuaria disposto a conceder a Fragmentos esse sucesso no fracasso, mesmo quando, graças à curiosidade de um jornalista intrigado, as circunspectas fileiras testemunhais descobrissem que Wilkomirski era só o nom de plume de um músico suíço que, fora das lidas da literatura, se apresentava à cultura helvética como Bruno Dösseker. Seu verdadeiro nome era Jean Grosjean. Em francês, gros Jean é “João Ninguém”. Até por isso, interessa à compreensão deste caso, envolvendo nada menos que três onomásticos, acrescentar que o que também se descobre, na sequência dos fatos, é que o homem assim chamado era o filho ilegítimo de uma camponesa das proximidades de Berna, que terminou adotado por uma rica família de Zurique, com a qual nunca se entendeu. Nas horas vagas, era um pesquisador voraz dos eventos da Segunda Guerra Mundial, achando-se, em vista disso, preparado para a sua perpetração escritural. “Wilkomirski parece ter assumido ou construído o judaísmo como um estilo pessoal de solidão”, admitiria, après coup, o também músico Nestrovski, dando valor à força da letra, ou dignidade de biografia afetiva, ao falso testemunho do fingidor, e fundando, ele também, ética e estética no mesmo plano. Seria porque o músico, como criador intérprete de outro criador, estaria mais apto a reconhecer a autoridade por afinidade?
Saliente-se que não foi essa a recepção geral prodigada a este rebento de um ventre não judeu, que chora dores pessoais. Estamos diante de uma administração peculiar do caso, se comparada à acusação geral de fraude vinda daqueles mesmos leitores do texto que, antes, se submetiam aos efeitos de verdade de seus procedimentos, mas agora lhe embargam a ficção, e com ele já não negociam mais (NESTROVSKI; SELIGMANN-SILVA, 2000NESTROVSKI, Arthur; SELIGMANN-SILVA, Márcio. Apresentação. In: Catástrofe e representação. São Paulo: Escuta, 2000., p. 201). O quid pro quo atesta que as literaturas “de testemunho” ou “do Testemunho”, não por acaso assinaladas por um “de” restritivo, a separar a literatura da literatura, querem ser línguas privativas. Mas da mesma feita autoriza perguntar: que mais seria a poesia, nas condições modernas de sua impossibilidade, se não essa mesma língua? Em seu belo ensaio recolhido em Catástrofe e representação, intitulado “Holocausto, testemunho, arte e trauma”, originalmente datado de 1994, Geoffrey Hartman responde de modo corajoso a essa pergunta, apelando à crise de Mallarmé para tomar o laconismo de Paul Celan como uma “linguagem mallarmaica do testemunho” (NESTROVSKI, SELIGMANN-SILVA; 2000NESTROVSKI, Arthur; SELIGMANN-SILVA, Márcio. Apresentação. In: Catástrofe e representação. São Paulo: Escuta, 2000., p. 235).
Leitor de End of game, Adorno entendeu Beckett à luz de uma perda da experiência por ele relacionada à vida danificada pela superfluidade burguesa, engendradora das usinas da morte como das fábricas da indústria cultural. Assim fazendo, vinculou toda a inação beckettiana ao acontecimento externo, dando-a por uma desolação pós-Auschwitz (ADORNO, 1982, p. 126-127). Aqui, nos valeremos das sugestões da trapaça Wilkomirski para afastar esse atrelamento da poesia ao desenlace negativo da História, que, aliás, a paralisa em seu ápice desastroso, e para supor que a “consciência infeliz” do escritor, como a chama o Barthes de O grau zero da escritura, arrasta uma crise interior, que é de linguagem (2002BARTHES, Roland. Œuvres Complètes. Livres, Textes, Entretiens. Nouvelle édition revue, corrigée et presentée par Éric Marty. Paris: Seuil, 2002., I, p. 172). Mesmo porque o “grau zero” barthesiano, lugar de incidência de um estremecimento do sentido, não é coisa diferente dessa expressão testemunhal que emperra.
Nesta controvérsia, as Histoire(s) du cinéma, de Godard, com sua montagem intelectual partida, parecem poder entrar tão mais utilmente quanto a doxa da irrepresentabilidade - no fundo, da não-apresentabilidade -, subentende um tempo imóvel e, assim também, uma impossibilidade do esquecimento e do trabalho do luto. Ao passo que, de seu lado, a fluidez godardiana é pura mobilidade e, assim também, afirmação de uma “Ressurreição” pela arte, caminho manifesto gráfica e oralmente já na abertura do primeiro episódio da série, intitulado “Toutes les Histoires”. De fato, dar um evento por indomável ao ponto de escapar ao escrutínio de qualquer conceito é entender a História como apoteótica e paradoxalmente conclusa, em sua interminável incompreensão. Já na suma de Godard, a História é cíclica, ritmada, sucessiva. Daí, nesse mesmo incipit, a voz off de Godard vir encadear o preto e branco da primeira fotografia com o luto do primeiro cinema. “O primeiro buquê de flores de Nadar não copia uma litografia de [Gustave] Doré, ele a aniquila”, sussurra ele, por trás das imagens, salientando que, nos alvores do século XIX, nada impedia a fotografia de nascer em cores, aproveitando todo o cabedal dos pintores. Mas acontece - acrescenta - que ela nasce “removendo o natural da pintura”. Segue-se outro encadeamento entre o pulsar do colorismo dos primeiros filmes, que, segundo ele, veio para “disfarçar” toda essa melancolia, e o do Technicolor, cujo papel foi “assumir a dominante das coroas de flores mortuárias”. Tons pastel de Griffith ganham, nesse ponto, os frames das Histoire(s). Explicitamente, para esse Godard, tal “disfarce” põe os primeiros toques de cor do cinema nesse tempo da reparação simbólica que é o tempo do luto. Se a impressão parecer forçada, que se lembre o motivo pelo qual Barthes prefere a fotografia em preto e branco: “A cor é para mim um postiço, uma maquiagem, parecida com aquela que fazem nos mortos.” (BARTHES, 2002BARTHES, Roland. Œuvres Complètes. Livres, Textes, Entretiens. Nouvelle édition revue, corrigée et presentée par Éric Marty. Paris: Seuil, 2002., V, p. 855). Ora, diversamente, a Shoah de Lanzmann empreeende movimentar-se fora do tempo. Confira-se o moto perpétuo imposto ao filme por aquele trem da deportação que vai e vem, daqui para ali, de terminal fantasma em terminal fantasma, reiterando o caráter não-prescritivo do acontecimento que o documentário julga inexprimir - melhor com palavras que com imagens, sublinhe-se. Comensurado que esse movimento circular está a uma História que já não poderia continuar depois da barbárie.
Pensador do círculo barthesiano, Éric Marty interceptou recentemente os debates para, numa incursão inesperada, bater nessa mesma tecla do irremissível. “A mensagem essencial, obstinada, permanente da Shoah, que com sua intensidade impregna cada imagem do filme de Lanzmann, é a seguinte: o acontecimento não está fechado, ele dura ainda e sempre, aqui e agora, ele nos é sempre e ainda contemporâneo”, escreve ele. O “mito” de Barthes, definido como ultrassignificação ruidosa, enseja-lhe ainda comemorar a obscuridade do nome hebraico pelo qual Lanzmann trocou o substantivo “Holocausto”, observando que aplicar ao extermínio uma palavra obscura como “Shoah” é seguir na justa direção de não nomear a coisa (Marty, 2016MARTY, Éric. Shoah de Claude Lanzmann. Paris: Éditions Manitius, 2016., p. 46). Neste e em outros comentários do tipo, o evento subscrito por “Shoah” permanece intocado e fadado a continuar em curso. Tudo se passando como se, ao contrário do que vislumbrou Siegfried Kracauer, oportunamente citado por Didi-Huberman, a respeito da moviola de Godard, não houvesse algum dispositivo parecido com o escudo refletor de Perseu, que permitisse fitar a Medusa, de viés, e golpeá-la (Huberman, 2012DIDI-HUBERMAN, Georges. Imagens apesar de tudo. Tradução de Vanessa Brito e João Pedro Caxopo. Lisboa: Imago, 2012., p. 222).
O ponto aqui é: de seu lado, as Histoire(s) o fazem, desarquivando o passado e movendo-se melancolicamente no tempo. De fato, nesse arquivo elegíaco, infinito e inquieto, um jogo de correspondências, na parte 1A, chama-nos particularmente a atenção. Trata-se de uma associação de planos, até prova em contrário impensável, que vai pôr em relação nada menos que Auschwitz e um filme de Elisabeth Taylor. Tudo isso numa encampação do cinema americano que também vai reconfirmar a velha briga dos Cahiers du cinéma com o cinema francês de qualidade, no caso, o de Lanzmann. De fato, nesta altura das Histoire(s), vemos a montagem de Godard chegar a um agenciamento insólito entre uma história de amor infeliz, daquelas que sempre o atraíram, e um excerto das filmagens que os americanos fizeram da queda dos campos, nas diligências finais da Segunda Guerra. Está-se falando daquelas mesmas gravações a que seriam confrontados os carrascos nazistas, e o mundo, nos julgamentos de Nuremberg. É o que explica o “s” entre parênteses do título. Tipicamente godardiano, o plural maneirista está aí encarregado de abarcar, dialeticamente, a fantasia criativa e o dado objetivo, o pensamento e o gesto.
Entram aí excertos de um sucesso de Hollywood e dois fotogramas daquelas pilhas de corpos prontas para a incineração cuja visualização o arquivo Lanzmann repele. Ambos os materiais têm a assinatura do mesmo profissional hollywoodiano, George Stevens, diretor que sequer figura entre os prediletos de Godard. Ocorre que, a exemplo de Samuel Fuller, Stevens integrava a equipe de cinegrafistas que acompanhava as armadas aliadas que aportaram nas praias da Normandia, em 1945. O futuro realizador de Shane (Os brutos também amam, 1953), então em começo de carreira, era o operador de câmera do exército americano. Suas filmagens em 16 milímetros de Buchewald-Dachau, aliás as únicas coloridas do acervo sinistro do Holocausto, que remonta a um tempo em que o cinemascope estava começando a ser implantado, pela Kodak, acham-se hoje disponíveis na internet. Ocorre também que, seis anos depois dessa incursão histórica, este herói do Desembarque propulsionaria os então também principiantes Elisabeth Taylor e Montgomery Clift ao estrelato, dando-lhes os papeis principais em A place in the Sun (Um lugar ao sol, 1953), ficção soturna que sugerirá ao Godard do retiro suíço, assim que descobre que o autor de umas e outras imagens é o mesmo, imaginar um atravessamento dos campos de visão do cineasta e do documentador - já que é preciso imaginar para conhecer.
Tudo é funesto em Um lugar ao sol. Na Los Angeles dos anos 1950, que está vivendo uma forte expansão industrial, George, um rapaz pobre, vindo de Chicago, de ar desamparado, à la James Dean, ganha a vida trabalhando na fábrica de um tio bem-sucedido. Ele namora uma colega, o que vai contra as regras da empresa. Encontra-se com a moça, às escondidas, no quarto alugado que ela ocupa numa casa de família, outro erro de sua parte. Nesse ínterim, termina conhecendo uma garota bela e rica, Angela, por quem se apaixona, sendo correspondido. As coisas caminham bem, ele muda de lado, na sociedade americana de consumo, nenhum preconceito parece pôr em risco esse sucesso e esse amor sincero. Mas, sim, a antiga namorada, que vem lhe anunciar que está grávida e, desde então, não cessa mais de procurá-lo para resolver a situação. Para livrar-se desse transtorno, George se sente disposto a tudo, fazê-la abortar, o que é crime, ou matá-la, o que a lei materna que traz introjetada nunca lhe permitiria. Diante do cerco cada vez mais cerrado que a antiga namorada faz, ele trama coisas em sua cabeça. Termina levando a moça para um passeio de barco. Os dois discutem, o barco revira, eles se desequilibram, ela cai na água, ele pula atrás. Sem que possamos saber o que aconteceu, exatamente, a próxima sequência será a da volta dele, sozinho, até a margem. A moça morreu. Ele retorna a seu amor sincero e, se isto for verdade, o que tampouco jamais saberemos, a seus planos de ascensão social. Mas alguém que assistiu à movimentação nas imediações do rio em que aconteceu o acidente o denuncia. A reviravolta nos leva a um desfecho implacável. Ele é ouvido, preso, julgado e condenado à morte. No epílogo, Elisabeth Taylor vem à prisão se despedir. Não sabemos ao certo o que significa o seu último olhar, ao deixar a cela.
Na montagem godardiana catastrófica, no sentido estrito da palavra, quebram-se os paradigmas e os dois tempos e lugares fatídicos são pareados. Os fundos de horror se associam, respondem mutuamente um ao outro, como escreve Didi-Huberman (2012DIDI-HUBERMAN, Georges. Imagens apesar de tudo. Tradução de Vanessa Brito e João Pedro Caxopo. Lisboa: Imago, 2012., p. 186). Enquanto, fora do quadro, a voz de Godard conjectura que, se os aliados não tivessem ganho a guerra real, Stevens não teria voltado tranquilamente para casa para tratar de sua historieta. Nada é inteiro ou assertivo nesse agenciamento entre a desdita pessoal e o inferno concentracionário. Tudo é sensação luminosa. Estamos diante do relance de um semblante - uma felicidade sombria, uma certa mistura de sorriso e fracasso - no rosto de Angela, de maiô, olhando a paisagem, a cabeça de George deitada em seu colo, e do aceno do fantasma de um lugar do passado. Nesta poética da representação, que é uma história das ressurgências, característica dos pensadores do tempo cíclico, como Walter Benjamin, referência para Didi-Huberman, as partes disjuntas se rememoram mutuamente. Se lembrarmos o que é o cinema profundamente para Godard - “Filmamos, portanto, um momento do trabalho da morte” -, podemos dizer que tudo o que aí se move, por isso mesmo, está morrendo.
À guisa de conclusão
Ponderou-se aqui, diante da “juste image” de Godard, que toda arte “pós” se acompanha forçosamente do sentimento da falta ou da falha do instrumento que lhe compete. É porque a realidade resiste e não se pode cingir a coisa que há atos de palavra e imagem vindos da arte. Não são os eventos terríveis, são os gênios da arte, a influência das obras sobre as obras, que tornam impossível o que se segue. Imagens da arte podem, sim, ser barreira para a barbárie, como mostra esta poesia elegíaca, para sempre indecisa entre a palavra e a imagem, evocadora do sofrimento amoroso e da morte.
Referências
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
14 Dez 2020 -
Data do Fascículo
Sep-Dec 2020
Histórico
-
Recebido
14 Abr 2020 -
Aceito
31 Jul 2020