Acessibilidade / Reportar erro

Diva e a histeria: o narrador médico e o controle da voz no romance de José de Alencar

Diva and hysteria: the medical narrator and the control of the voice in José de Alencar´s novel

Resumo

Diva (1864) talvez seja um dos romances mais mal-afamados de José de Alencar, tratado desde cedo como coisa menor: de “uma pieguice condenável” (Machado de Assis), marcado por “elefâncias do estilo” (Franklin Távora) ou, ainda, “obra que pouco ou nada vale” (Antonio Candido). No entanto, apresenta importante inovação para a literatura brasileira da época, que é a figura discursiva do narrador médico em primeira pessoa - o qual é sistematicamente rejeitado pela heroína em atitudes tidas como extremadas. Uma releitura feita à luz dos estudos pioneiros sobre a histeria, desenvolvidos por Charcot, Breuer e Freud e, posteriormente, por teóricas do feminismo (Elaine Showalter, Sandra Gilbert e Susan Gubar), pode ajudar a compreender tal recusa. A somatização de sintomas de ordem psíquica no corpo da mulher, que caracterizaria a primeira abordagem sobre a histeria, representa uma recusa sistemática da parte da heroína em aceitar o poder inédito de que foi investido a figura do médico ao longo do século 19, numa tentativa de preservar sua voz particular em meio a uma sociedade para a qual a mulher deve abdicar de sua autonomia e identidade. Junte a isso o plano narrativo, visto que o narrador médico em Diva detém não apenas o direito de invadir e clinicalizar o corpo de sua “paciente” como também de expô-la ao leitor sob seu exclusivo ponto de vista. Antecipando-se aos estudos sobre a histeria, o romance de folhetim de fato já representava a heroína, em Alexandre Dumas e Eugène Sue, como ameaça ao poder masculino enquanto personagem e narrador (Queffelec). Vinculando-se a essa singular tradição literária, Alencar faz de Diva um dos livros mais contundentes já escritos sobre a situação da mulher na sociedade brasileira da segunda metade do século XIX, culminando em um nível de tensão poucas vezes visto até então.

Palavras-chave:
José de Alencar; Diva ; romance de folhetim; narrador médico; histeria

Abstract

Diva (1864) is perhaps one of José de Alencar´s most disliked novels, treated early on as a minor thing: of “a condemnable sentimentality” (Machado de Assis), marked by “elephances of style” (Franklin Távora) or, still, “work that is worth little or nothing” (Antonio Candido). However, it introduced an important innovation for the Brazilian literature at the time, which is the discursive figure of the medical narrator in the first person, who is systematically rejected by the heroine in attitudes considered as extreme. A rereading made in the light of the pioneering studies on hysteria, developed by Charcot, Breuer and Freud, and later by feminist theorists (Elaine Showalter, Sandra Gilbert and Susan Gubar) may help to understand this rejection. The somatization of psychic symptoms in the woman´s body, which would characterize the first approach to hysteria in the 19th century, represents a systematic refusal on the part of the heroine to accept the unprecedent power that the figure of the doctor was invested with throughout that time, in an attempt to preserve her private voice in the midst of a society for which women must give up their autonomy and identity. One should add to this the narrative level, since the medical narrator in Diva not only has the right to invade and clinicalize the body of his “patient” but also to expose her to the reader from his exclusive point of view. Anticipating the studies on hysteria, the serial novel in fact already represented the heroine, in Alexandre Dumas and Eugène Sue, as a threat to male power as a character and narrator (Queffelec). Binding himself to this singular literary tradition, Alencar makes Diva one of the most striking books ever written about the situation of women in the Brazilian society of the second half of the 19th century, culminating in a level of tension rarely seen until then.

Keywords:
José de Alencar; Diva ; serial novel; medical narrator; hysteria

Résumé

Diva (1864) est peut-être l´un des romans les plus mal aimés de José de Alencar, traité très tôt comme quelque chose de mineur: d’une “sentimentalité condamnable” (Machado de Assis), marqué par des “éléphances de style” (Franklin Távora) ou, encore, “une œuvre de peu ou pas de valeur” (Antonio Candido). Il introduit cependant une innovation importante pour la littérature brésilienne de l´époque, à savoir la figure discursive du narrateur médecin à la première personne, systématiquement rejetée par l´héroïne dans une atitude considérée comme extrême. Une relecture à la lumière des études pionnières sur l´hystérie, développées par Charcot, Breuer et Freud et plus tard par les théoriciennes féministes (Elaine Showalter, Sandra Gilbert et Susan Gubar), peut aider à comprendre ce refus. La somatisation des symptômes d´ordre psychique dans le corps de la femme, qui caractérisera la première approche de l´hystérie, represente un refus systématique de la part de l´héroïne d´accepter le pouvoir sans précédent dont la figure du médecin a été investie tout au long du XIXe siècle, dans une tentative de préserver sa voix particulière au sein d´une société pour laquelle la femme doit renoncer à son autonomie et à son identité. À cela s´ajoute le plan narratif, puisque le narrateur médecin de Diva détient non seulement le droit d´envahir et de clinicaliser le corps de sa “patiente”, mais aussi de l´exposer au lecteur de son point de vue exclusif. Anticipant les études sur l´hystérie, le roman-feuilleton représentait en effet déjà l´héroïne, chez Alexandre Dumas et Eugène Sue, comme une menace au pouvoir masculin en tant que personnage et narrateur (Queffelec). Se rattachant à cette tradition littéraire singulière, Alencar fait de Diva l´un des livres les plus convaincants jamais écrits sur la situation des femmes dans la société brésilienne de la seconde moitié du XIXe siècle, culminant à un niveau de tension rarement atteint jusqu´alors.

Mots clés:
José de Alencar; Diva ; roman-feuilleton; narrateur médecin; hystérie

Diva talvez seja um dos romances mais subestimados de José de Alencar, tratado em geral como parte de uma cadeia de transmissão de que fazem parte, antes, Lucíola (1862) e, depois, Senhora (1875), amplamente considerados como obras mais robustas e ambiciosas. Publicado em 1864, parece ter como principal mérito as menções explícitas de que é objeto neste último.

A má fama teve início com Machado de Assis, que se mostra impiedoso em um texto assinado como Sileno e publicado a quente na Imprensa Acadêmica: “Diva é a exaltação do pudor. [...] Creio poder dizer de passagem que se Emília [a heroína] não descendo do pedestal de castidade em que o autor a coloca, todavia leva os seus sentimentos de pudor a um requinte pueril, a uma pieguice condenável” (Azevedo; Dusilek; Callipo, 2013AZEVEDO, Sílvia Maria; DUSILEK, Adriana; CALLIPO, Daniela Mantarro (org.). Machado de Assis: crítica literária e textos diversos. São Paulo: Editora da Unesp, 2013., p. 157). Seguir-se-iam as famosas Cartas a Cincinato, onde Franklin Távora a desqualifica seguidas vezes, chamando-a de “obra que assinala o principal período de decadência de Sênio” (Távora, 2011TÁVORA, Franklin. Cartas a Cincinato. Organização de Eduardo Vieira Martins. Campinas: Editora da Unicamp, 2011., p. 112), marcada por “quimeras” (Távora, 2011, p. 53) e “neologismomania” (Távora, 2011TÁVORA, Franklin. Cartas a Cincinato. Organização de Eduardo Vieira Martins. Campinas: Editora da Unicamp, 2011., p. 112) e que, assim como Iracema, apresenta “moléstias na pele (elefâncias de estilo)” (Távora, 2011TÁVORA, Franklin. Cartas a Cincinato. Organização de Eduardo Vieira Martins. Campinas: Editora da Unicamp, 2011., p. 124). Mesmo no séculoXX, Antonio Candido irá caracterizar Diva como um livro “que pouco ou nada vale” (Candido, 2000CANDIDO, Antonio. Formação da literatura brasileira (1836-1860). Belo Horizonte: Itatiaia, 2000. v. 2., p. 200).

De modo geral, tais avaliações desfavoráveis podem ser explicadas em razão de características estruturais: trata-se de obra mais curta que Lucíola e Senhora, de enredo menos complexo e mais afinado com o tableau do que os demais “perfis de mulher”. Além disso, não apresenta um pano de fundo social e econômico tão explícito - que são a prostituição, em um caso, e o casamento por dinheiro, em outro.

É igualmente justo ponderar que talvez o próprio enredo de Diva tenha fornecido elementos que estimulassem avaliações dessa natureza, ao induzir comparações com Lucíola. Em Diva, na missiva de abertura endereçada “A G.M.”, encontraremos Paulo, o mesmo personagem que fora o amante atormentado da heroína do romance de 1862, dirigindo-se também a G.M., a mesma respeitável senhora que, igualmente, fora objeto da carta que abre o romance anterior. Com uma diferença significativa, contudo: em vez de encaminhar-lhe o manuscrito de própria lavra que contará a sua relação com a cortesã mais famosa do Rio de então, Paulo agora confidenciará a G.M. a estória de um terceiro, de quem se tornara amigo íntimo durante uma viagem de barco a Pernambuco pouco tempo antes, após a morte da heroína de Lucíola. Assim, os dispositivos discursivos entrelaçam deliberadamente os dois romances desde seus pontos de partida e acabam por induzir a leitura comparada, a qual, como veremos, de fato faz sentido, embora por razões menos evidentes.

De um ponto de vista normativo, a insistência não é gratuita, pois Diva coloca-se desde o início como uma leitura a contrapelo daquele romance: a rigor, Lucíola parece assombrar toda a construção da heroína de Diva como uma espécie de paradigma negativo do que não deve ser a mulher no contexto da sociedade brasileira do Segundo Reinado. Se na dedicatória a G.M. no romance de 1862, Paulo refere-se a Lucíola como uma história que não poderia ser revelada na presença de sua neta, aqui, bem ao contrário, trata-se de uma história inteiramente franqueada à jovem: “- Deste, a senhora pode sem escrúpulo permitir a leitura à sua neta” (Alencar, 1998ALENCAR, José de. Diva. São Paulo: Ática, 1998., p. 9).

Evidentemente, a história da vida de uma cortesã não seria aceitável no seio de uma família do século XIX; basta evocar-se o escândalo que a A dama das camélias, escrita por Alexandre Dumas Filho e referência explícita de Lucíola, provocou. Mas, se neste último caso a razão da restrição à leitura é facilmente identificável - a prostituição -, por que a história da formação de uma jovem tímida e rica, que é Diva, pode ser recomendada sem restrições, no mesmo contexto de recepção? Este artigo arrisca a hipótese de que, se num primeiro momento Diva parece aspirar apenas a pintar o “retrato ao natural” (Alencar, 1998ALENCAR, José de. Diva. São Paulo: Ática, 1998., p. 10) de um “colibri implume” (Alencar, 1998ALENCAR, José de. Diva. São Paulo: Ática, 1998., p. 11), o modo de construção da heroína apoia-se sobre dispositivos discursivos que enfatizam formas de representação de constrangimento e de violência a que a heroína é ostensivamente submetida.

Diva, como se procurará mostrar, é um dos livros mais contundentes já escritos sobre a situação da mulher na sociedade brasileira da segunda metade do século XIX, culminando em um nível de tensão raramente visto mesmo na ampla produção de Alencar.

A heroína enclausurada

A primeira caracterização da heroína não tenta poupá-la, ainda que se mostre bem-humorada: “feia”, “monstrinho”, com “defeito”, “esguicho de gente”, de uma “aspereza hirta”, “boneca desconjuntada”, de “sobrolho sempre carregado, como buraco, pelas órbitas” (Alencar, 1998ALENCAR, José de. Diva. São Paulo: Ática, 1998., p. 11). O “retrato ao natural” prossegue, como ocorre comumente em Alencar, incidindo sobre o vestuário: “Compunha-se ele de um vestido liso e escorrido, que fechava o corpo como uma bainha desde a garganta até os punhos e tornozelos; de um lenço enrolado no pescoço; e de umas calças largas, que arrastavam, escondendo quase toda a botina” (Alencar, 1998ALENCAR, José de. Diva. São Paulo: Ática, 1998., p. 11).

Nota-se aí um movimento de encapsulamento da heroína, que se furta ao contato visual e corporal do outro. “Vestido”, “lenço”, “calças” e “botina” bloqueiam de alto a baixo a possibilidade de o olhar alheio vasculhar o corpo, de que a comparação com “bainha” é eloquente. Mesmo em se tratando de uma sociedade para a qual o decoro exercia papel fundamental, a timidez extrema da personagem é motivo de chacota até do pai: “- Deixa estar, Mila!... dizia ele, abraçando-a. Vou mandar fazer para ti um saco de lã com dois buracos no lugar dos olhos” (Alencar, 1998ALENCAR, José de. Diva. São Paulo: Ática, 1998., p. 12).

De que Emília se esconde? De que tem medo? Paulo, o amigo do narrador, talvez nos forneça uma hipótese em sua dedicatória a G.M. A heroína de Diva teme aquilo que levou à ruína a vida de Maria da Glória em Lucíola: o desejo masculino, encarnado lá na personagem de Couto, que se aproveitara da terrível situação familiar que a jovem vivia para, então, levá-la à prostituição.

Em Diva, de fato, o enclausuramento do corpo, que se furta ao olhar, exercerá um papel central na construção do enredo, como se viu nos parágrafos iniciais e que irá se acentuar no Capítulo 2. Neste, Emília encontra-se seriamente doente, mas ainda assim recusando-se a ser cuidada pelo médico - que, sabemos, trata-se da figura discursiva do narrador médico, decisiva para a linha de argumentação deste artigo:

- Minha senhora, disse eu, é necessário auscultar-lhe o peito.

- Então, Sr. doutor, aproveite enquanto ela dorme. Se acordar, nada a fará consentir.

A senhora afastou a ponta da cobertura, deixando o seio da menina envolto com as roupagens de linho.

Mal encostei o ouvido ao seu corpo, teve ela um forte sobressalto, e eu não pude erguer a cabeça tão depressa, que não sentisse no meu rosto a doce pressão de seu colo ofegante.

O que passou depois foi rápido como o pensamento.

Ouvi um grito. Senti nos ombros choque tão brusco e violento, que me repeliu da borda do leito. Sobre este, sentada, de busto erguido, hirta e horrivelmente pálida, surgia Emília. Os olhos esbraseados cintilavam na sombra: conchegando ao seio com uma das mãos crispadas as longas coberturas, com a outra estendida sob as amplas dobras dessa espécie de túnica, ela apontava para a porta.

Atrevido!... clamou o lábio eriçado de cólera e indignação. Fiquei atônito. D. Leocádia pediu-me que saísse um momento. Ao retirar-me, o olhar da menina, repassado de um ódio profundo, acompanhou-me até que desapareci na porta. (Alencar, 1998ALENCAR, José de. Diva. São Paulo: Ática, 1998., p. 13-14).

O excesso de recato da jovem provoca uma situação extrema:

- Condenado a ver morrer minha filha, sem poder salvá-la.

- Bem, Sr. Duarte. Eu tratarei de sua filha.

A moléstia era realmente grave; nada menos do que uma pneumonia dupla. Tive de lutar contra a enfermidade rebelde e a tenacidade inflexível de um caráter singular de menina, habituada a ver satisfeitas todas as suas vontades, como ordens imperiosas. Emília tomara-me tal rancor, que não me deixou mais penetrar em seu aposento. Se adormecia, e eu advertido por Julinha ou por D. Leocádia me chegava ao leito, mal lhe tocava o pulso, ela acordava com sobressaltos, volvendo os olhos inquietos pelo aposento.

Ocultava-me então do lado da cabeceira, entre a parede e o cortinado, e daí esgueirava-me pela porta. Uma ocasião um olhar de Julinha traiu-nos; ela surpreendeu-me e gritou cobrindo o rosto:

- Deitem fora este homem! (Alencar, 1998ALENCAR, José de. Diva. São Paulo: Ática, 1998., p. 15).

“Este homem”, requisitado pela família da doente à revela de si própria, dispõe, contudo, de um estatuto de ordem científica, legal e afetiva inédito até o advento do século XIX, o que lhe permite, por assim dizer, invadir o corpo de outrem. A Augusto são franqueados, na qualidade de médico, privilégios vedados a todos os demais homens, exceto a pais e maridos.

Medicina e vida privada

Ao longo do século XIX, na Europa, a figura do médico passou a gozar de uma importância jamais vista até então no seio das famílias aristocráticas e burguesas, graças ao aspecto higienista que os avanços da ciência puseram na ordem do dia. Torna-se um personagem íntimo dos lares, adquirindo uma função reguladora das relações internas das famílias e destas com a sociedade: “o médico da família é um semelhante, quase um íntimo” (Perrot, 2009PERROT, Michelle (ed.). História da vida privada: da Revolução Francesa à Primeira Guerra. Tradução de Denise Bottmann e Bernardo Joffily. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. Tomo IV., p. 553), que “conhece a família e seu segredos” (Perrot, 2009PERROT, Michelle (ed.). História da vida privada: da Revolução Francesa à Primeira Guerra. Tradução de Denise Bottmann e Bernardo Joffily. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. Tomo IV., p. 555), angariando uma ascendência simbolicamente equivalente ao do pai e do marido.1 1 “Ao longo de décadas, aquele cuja imagem se molda conforme a do pai e do esposo [que é a do médico] consegue incrementar sua autoridade” (Perrot, 2009, p. 555).

No Brasil, ainda que o ensino de medicina ao longo do século XIX tenha se mantido restrito às faculdades de Salvador e Rio de Janeiro, caracterizando-se por ser “casuística, livresca, teórica” (Santos Filho, 2004SANTOS FILHO, Lycurgo. Medicina no período imperial. In: HOLANDA, Sérgio Buarque de (org.). História geral da civilização brasileira. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004. Tomo II, v. 5, p. 541-566., p. 541), a figura do médico de família também ganhou relevo.2 2 “Os médicos-de-família” [...] do século 19 contribuíram sobremaneira para o prestígio alcançado pela medicina, nesse tempo” (Santos Filho, 2004, p. 553).

Os avanços das ciências médicas ao longo da segunda metade do século XIX produziram uma radical mudança de paradigma epistemológico na medida em que deixaram de lado “uma abordagem largamente especulativa em prol de uma disciplina governada por princípios científicos”,3 3 “[...] the second half of the nineteenth century [...] is the time of the most fundamental changes through the transformation of medicine from a largely speculative endeavor into a discipline governed by scientific principles” (Furst, 2000, p. XII). resultando nos primeiros estudos clínicos e sistemáticos sobre as chamadas “doenças femininas”.4 4 Como lembra Michelle Perrot, “o crescente espaço das ‘doenças femininas’ na patologia justifica essa atenção privilegiada” (Perrot, 2009, p. 554-555).

A mais frequente delas foi a histeria, cujos sintomas são descritos no estudo pioneiro de Jean-Marie Charcot, reunidos sob o rótulo que representaria a “doença feminina” por excelência do século XIX. Em suas pesquisas, que se iniciaram em 1870 através da aplicação da hipnose, ele demonstrou que os sintomas da histeria tinham causas psicológicas, e não hereditárias, como se acreditava. Charcot realizava sessões públicas em que se servia de várias técnicas de registro dos sintomas das pacientes, como desenhos, gráficos, estátuas, ilustrações e, sobretudo, a fotografia, pela primeira vez utilizada de maneira sistemática em estudos clínicos. A representação pictórica seria diretamente responsável por construir e disseminar um imaginário em torno dos sintomas da mulher histérica5 5 “The camera was as crucial to the study of hysteria as the microscope was to histology” (Showalter, 1985, p. 149). Embora Charcot tenha identificado os mesmos sintomas também em pacientes masculinos, a histeria permaneceu “simbolicamente, se não também do ponto de vista médico, uma doença de mulher” (“hysteria remained symbolically, if not medically, a female malady” (Showalter, 1985, p. 148). também na teoria freudiana, tendo como efeito reverso, porém, a supervalorização da imagem em detrimento da voz da paciente. Como lembra Elaine Showalter, “enquanto olhava cuidadosamente para as mulheres histéricas, Charcot dava muito pouca atenção ao que elas estavam dizendo”.6 6 “But while Charcot looked carefully at hysterical women, he paid very little attention to what they were saying” (Showalter, 1985, p. 154).

Freud, que presenciou as sessões públicas de Charcot, endossaria sua hipótese em um conjunto de textos escritos em parceria com Joseph Breuer e amplamente considerados o marco zero da psicanálise. Os Estudos sobre a histeria propõem um corpus variadíssimo de sintomas manifestados no corpo dessas pacientes: “[...] contraturas e paralisias, ataques histéricos e convulsões epileptoides [...], petit mal e afecções da natureza de tiques, vômito contínuo e anorexia [...], os mais variados distúrbios da visão, alucinações visuais [...]” (Freud; Breuer, 2016FREUD, Sigmund; BREUER, Joseph. Estudos sobre a histeria (1893-1895). Tradução de Laura Barreto. São Paulo: Companhia das Letras, 2016., p. 16).

A hipótese que formulou, destinada a se tornar clássica, tem a ver com a “lembrança” de acontecimentos traumáticos vividos pela paciente, mantidos em estado de recalque7 7 “Pois vimos, para nossa grande surpresa inicial, que cada sintoma histérico desaparecia de imediato e sem retorno, quando conseguíamos despertar com toda clareza a lembrança do acontecimento motivador, assim avivando igualmente o afeto que o acompanha, e quando, em seguida, o doente descrevia o episódio da maneira mais detalhada possível, pondo o afeto em palavras” (Freud; Breuer, 2016, p. 18). . Embora tais conclusões acabassem por se mostrar equivocadas, Freud avançaria sobre um aspecto negligenciado por Charcot: a palavra. Através do trabalho da escuta, pela primeira vez “vozes, estórias, memórias, sonhos e fantasias das mulheres entraram nos registros médicos”.8 8 “women's voices, stories, memories, dreams, and fantasies enter the medical record” (Showalter, 1985, p. 155).

A histeria e a crítica feminista

Um caso emblemático é o da paciente conhecida como Dora, que apresentava como sintoma “uma perda completa da voz” decorrente de “fantasias masturbatórias, desejos incestuosos pelo pai e possíveis desejos homossexuais ou bissexuais”.9 9 “a complete loss of voice”; [...] “her hysteria came from masturbatory fantasies, incestuous desires for her father, and possible homossexual or bissexual wishes” (Showalter, 1985, p. 159-160). O fracasso da abordagem - Dora romperia o tratamento e acabaria por fazer um casamento infeliz- levou a teórica do feminismo Elaine Showalter a afirmar que Freud falhou em seu processo de cura porque tentou impor seu próprio discurso e sua própria interpretação de fundo sexual, ignorando fatores de ordem social. Ela credita a Freud a incapacidade de simplesmente “ouvir” a paciente, pois estava determinado “a ter a última palavra”, buscando assegurar “sua superioridade intelectual sobre a brilhante, mas jovem mulher”.10 10 “Freud is determined to have the last word” (Showalter, 1985, p. 160). Seu “texto” - sua análise escrita sobre o caso Dora, que constitui uma das partes dos Estudos sobre a histeria - lhe serve para demonstrar “seu poder em trazer uma mulher à razão, e levar a razão aos mistérios da mulher”.11 11 “He uses his text to demonstrate his power to bring a woman to reason, and to bring reason to the mysteries of woman” (Showalter, 1985, p. 160).

Susan Suleiman amplia a questão ao apontar como a mulher se encontra desprovida da fala não somente no discurso da psicanálise, mas na criação dos mundos ficcionais - no romance, em particular12 12 “Women, who for centuries had been the objects of male theorizing, male desires, male fears, and male representations, had to discover and reappropriate themselves as subjects [...], to invente both a new poetics and a new invention [...]: control over theirs bodies and a voice with which to speak about it” (Suleiman, 1986, p. 7); “the inventing of new structures, new words, a new syntax that will shake up and transform old habits of thought and old ways of seeing” (Suleiman, 1986, p. 12). -, enquanto Luce Irigaray critica em Freud o “discurso fálico”: “bilinearidade, auto-possessão, afirmação do controle, autoridade e, acima de tudo, unidade”.

A voz da mulher na ficção - ou, antes, sua ausência - estará de fato no centro da teoria literária feminista, cujo exemplo mais fulgurante é o estudo de Sandra Gilbert e Susan Gubar, que aponta o predomínio do “poder literário” masculino na criação ficcional: o escritor “apadrinha seu texto assim como Deus apadrinha o mundo”.13 13 “[...] the patriarcal notion that the writer ‘fathers’ his text just as God fatheredt he world” (Gilbert; Gubar, 2000, p. 3-4).

Hélène Cixous formula de maneira notável o silenciamento da voz da mulher, que passa a falar através do corpo: “Silêncio: silêncio é a marca da histeria. As grandes histéricas perderam sua voz... suas línguas foram cortadas e o que falam não é ouvido porque é o corpo que fala, e o homem não ouve o corpo”.14 14 “Silence: silence is the mark of hysteria. The great hysterics have lost speech, their tongues are cut off and what talks isn’t heard because it’s the body that talks and man doesn’t hear the body” (Showalter, 1985, p. 161).

À luz dessa discussão, é preciso nos indagarmos sobre as reações da heroína no romance de Alencar. Em sua recusa aparentemente intempestiva às tentativas de ser tratada, Emília parece reagir à crescente ingerência da figura do médico no cotidiano das famílias, enquanto figura de poder. Se soa absurdo seu comportamento dado o risco de vida que implica, talvez seja o caso de nos distanciarmos do ponto de vista do narrador médico para nos colocarmos sob a ótica da paciente, que parece dizer, através dos sintomas somatizados em seu corpo, muito mais do que seu intérprete - que, afinal, é quem conta a história - está disposto a compreender.

Libertação em meio à natureza

Um forte indício da ausência de voz da paciente, que, no entanto, busca externalizá-la através do corpo, encontra-se no Capítulo 7. Amanhece e todos dormem quando Emília deixa o espaço fechado da casa em direção ao “estreito jardim” e, mais além, rumo ao espaço aberto da natureza para além da cerca que o limita - à “chácara inculta e abandonada”. Lá dá-se sua integração com as forças telúricas, cujos efeitos ou sintomas manifestam-se em seu corpo. A cena ocorre antes da “transformação completa” por que a habitação passaria, em sintonia com a rica condição financeira de que a família desfrutava, mas também, provavelmente, atendendo às novas medidas higiênicas, que se encontravam em processo de generalização, conforme vimos. Era uma época em que ainda “a fouce exterminadora da civilização não esmourara os bosques que revestiam os flancos da montanha” (Alencar, 1998ALENCAR, José de. Diva. São Paulo: Ática, 1998., p. 35).

Trata-se de um mundo vasto, vicejante e rico em potencialidades; em uma palavra, pré-racional, onde “foice” e “garras” da urbe e da civilização não penetraram, como as metáforas inequívocas fazem perceber. O cenário desdobra-se para preparar a entrada da heroína, lançada em um mundo em que a natureza indomada poreja, exuberante, por todos os cantos:

Caminhos íngremes e sinuosas veredas serpejavam então pelas faldas sombrias da montanha, e prendiam como num abraço as raras habitações que alvejavam de longe em longe entre o arvoredo. Límpidas correntes, que a sede febril do gigante urbano ainda não estancara, rolavam trépidas pela escarpa, saltavam de cascata em cascata, e iam fugindo e garrulando conchegar-se nas alvas bacias debruadas de relva.

As paineiras em flor meneavam à doce brisa da tarde os brilhantes penachos, como numa festa da roça as mais belas raparigas, soberbas de seus enfeites, balançam airosas ao som da música as frontes toucadas de nastros de fitas.

Cresciam ali bosques espessos de bambus que ciciavam brandamente, enquanto os leques das palmeiras vibrados pelo vento arpejavam como frauta rústica (Alencar, 1998ALENCAR, José de. Diva. São Paulo: Ática, 1998., p. 35).

Assim como a matéria basta e impenetrável de que se constituíra, Emília mostra-se um ser vivo e proteiforme, avesso a deixar-se decifrar e interpretar em meio a suas “fragosidades” e “umbrosas espessuras” - um enigma para o narrador médico, portanto, que deliberadamente a faz emergir em um mundo pré-racional, em um “mato esquecido” da civilização:

A primeira vez que a tímida menina ousou penetrar esse mato esquecido às abas da cidade, tinha ela onze anos. Até então vivera à sombra materna, como flor que se planta em vaso de porcelana e vegeta nos terraços. Do colo passara ao regaço; quando principiou a andar, coseu-se à falda do vestido de sua mãe” (Alencar, 1998ALENCAR, José de. Diva. São Paulo: Ática, 1998., p. 35).

Protegida no regaço materno, inserida plenamente nos elementos da cultura e da civilização - “como em vaso de porcelana” -, Emília lança-se ao desconhecido da natureza bruta que tem diante de si - “ousou penetrar esse mato esquecido”: “[...] a órbita do seu giro não se estendia além da beira da casa e do estreito jardim, que uma cerca de tábuas separava da chácara inculta e abandonada; porém mesmo de longe, Emília enfiava os olhos por entre os grupos de árvores” (Alencar, 1998ALENCAR, José de. Diva. São Paulo: Ática, 1998., p. 35).

Restrita ao espaço construído - a “casa” -, onde a natureza se deixa vislumbrar parcamente e de maneira inteiramente arranjada - “estreito jardim” -, a menina se deixa seduzir pela visão da natureza “inculta e abandonada” que desperta seus sentidos - ela a espia, “mesmo [que] de longe” - e também pela escuta - “vinham dali rumores vagos e estranhos mistérios que a estremeciam” (Alencar, 1998ALENCAR, José de. Diva. São Paulo: Ática, 1998., p. 35). Dominada por um sentimento dúbio de fascínio e medo - “logo presa de grande pavor, fugia a abrigar-se no colo materno” (Alencar, 1998ALENCAR, José de. Diva. São Paulo: Ática, 1998., p. 35), mas ao mesmo tempo de desejo:

Um dia venceu a tentação. A menina avançou afoita, cuidando encontrar perto a professora. Não a viu; quis retroceder e não teve ânimo; tornou a avançar; o menor ruído a assustava, a mais leve sombra lhe incutia terrores e vertigens. Até que sucumbiu num ataque de nervos (Alencar, 1998ALENCAR, José de. Diva. São Paulo: Ática, 1998., p. 36).

Trata-se de um doloroso rito de passagem, do conhecido ao desconhecido, a que a heroína se deixa submeter. A prostração daí resultante - “Emília esteve dois dias de cama. A mãe declarou-a doente por uma semana” (p. 36) - não encobriu os efeitos desse “gérmen funesto” (Alencar, 1998ALENCAR, José de. Diva. São Paulo: Ática, 1998., p. 36):

Foi a semente da primeira rebelião” [...], de “um sentir novo e estranho, que não era desejo, nem raiva, pesar ou contentamento, porém um misto de tudo isso, a intumescer-lhe a alma; um sentir nunca sentido turbou a inocência da menina.

Muita vez a sós as faces lhe ardiam, o sangue fervia dentro, as lágrimas saltavam dos olhos; súbito erguia-se, com o talhe ereto, a cabeça desafrontada, o olhar aceso, e um sorriso - que sorriso! - mordido no lábio túrgido. [...] A teima infantil, que devia ser orgulho na mulher, estava-se gerando naquele coração de menina (Alencar, 1998ALENCAR, José de. Diva. São Paulo: Ática, 1998., p. 36).

Durante um amanhecer, ela uma vez mais arrisca-se sozinha em direção à “chácara inculta e abandonada”:

Esgueirou-se furtivamente pelas escadas e ganhou a cerca. Da cancela até o fim da alameda foi uma corrida só e de olhos fechados. Lá parou, tomou fôlego e correu a vista espavorida pelas densas e escuras ramadas. Disparou nova corrida, mas já senhora de si. Assim percorreu duas ou três vezes a alameda. [...] Nesse dia Emília esteve de uma alegria que não mostrara recebendo a mais enfeitada de suas bonecas. Saltava de contente; a ponta de seu pé calcava mais firme o chão como se o quisera repelir, tanto o passo era firme e altivo. A luz filtrava mais viva na pupila negra; a mão tinha tais ímpetos nervosos que partia as penas escrevendo, e amarrotava a costura (Alencar, 1998ALENCAR, José de. Diva. São Paulo: Ática, 1998., p. 36).

A mudança acentuada que se dá nela nos é apresentada através das manifestações em seu corpo, tais como sintomas observados por um narrador que, sabemos, é médico: “a ponta de seu pé” andando em passo “firme e altivo”, a “pupila negra [...] mais viva”, as mãos contraídas por “ímpetos nervosos”. Desde então, “o mato já não tinha segredos para mim” (p. 36) e ela escapava e escondida da mãe para embrenhar-se no mundo recém-descoberto da “chácara inculta”.

Apenas a personagem da professora parece entender a dimensão ritualística que tal descoberta implicou para a jovem, definindo-a como uma “ferocidade caseira” (p. 37, em itálico no original). Compare-se, em contraste, o modo infantilizador e depreciativo através do qual o narrador médico define o mesmo acontecimento: “ataque de nervos”, “gérmen funesto”, “[que] turbou a inocência da menina”, “teima infantil”.

Pois, para o Dr. Augusto, os “sintomas” de Emília, umbilicalmente ligados à natureza selvagem e vicejante na qual sua “paciente” imergiu, “só em face da natureza, a agreste poesia daqueles ermos comunicava com seu espírito e o enchia de arrojos admiráveis” (Alencar, 1998ALENCAR, José de. Diva. São Paulo: Ática, 1998., p. 37), não diz respeito nem a uma descoberta, nem a uma revelação, nem a um salto epistemológico através do qual o ignoto transforma-se no conhecido. Ao contrário, o olhar clínico do médico se esforça por reduzir o complexo a uma sucessão de travessuras infantis e temerárias - “ataque de nervos”, em particular, remonta a uma das descrições clássicas usadas por Charcot e Freud para descrever a histeria. Sua “paciente”, porém, permanece avessa a compreensão, ao menos para ele, permanecendo inacessível em um “invólucro impenetrável” (Alencar, 1998ALENCAR, José de. Diva. São Paulo: Ática, 1998., p. 37).

Tal incompreensão por parte do narrador irá somente se acentuar.

Corpo, narração e sentido

Tanto nos estudos de Charcot quanto nos de Freud o corpo é compreendido enquanto sintomatização de problemas de ordem psicossexual. Objetificado através do conjunto de sintomas ao qual se convencionou chamar histeria, o corpo precisa ser narrado para que se tente compreendê-lo. A produção de sentido no mythos se produz, portanto, no corpo da heroína enquanto “agente primário para construção do enredo e do sentido”, como observou Peter Brooks. Emília é, assim, um “corpo narrativo”, um “corpo que entra na escrita”15 15 “a prime agent in narrative plot and meaning”; “a narrative body, in that the inscription of the sign depends on and produces a story; a body entered into writing” (Brooks, 1993, p. 6 e 3, respectivamente). .

Sob esse ponto de vista, o corpo da mulher apresenta dois vetores essenciais: em primeiro lugar, a conversão de fatores de ordem psicológica e sexual em sintomas clínicos, enquanto lugar de inscrição do que é invisível naquilo que é visível. Para retomar a formulação precisa de Mary Ann Doane, “o corpo fala”, já que a mulher não tem acesso ao discurso. E, em segundo lugar, o corpo torna-se o veículo para contar sua história - ou o próprio mythos.16 16 “ultimately the symptoms of the female body which ‘speak’ while the woman as subject of discourse is absent”; “[...] hysteria is characterized by the mechanism of conversion and uses the body as the space for the inscription of its signs; and secondly, it is strongly linked to narrativity” (Doane, 1986, p. 172).

Assim, não é de modo algum casual que o romance que estamos lendo - cujo título é Diva - seja oriundo de um manuscrito escrito por um médico com a finalidade de compreender um objeto clínico cujo sentido, porém, escapa por inteiro ao instrumental interpretativo de que dispõe. Isso é dito inúmeras vezes no texto:

Eu ia de mistério em mistério (p. 43); Emília continuou a ser para mim uma esfinge (p. 47); Se o mundo soubesse um dia a história que eu te conto, Paulo, ele exclamaria sem dúvida: “É impossível! Essa mulher não existiu”. E o mundo teria razão (p. 57); [...] mas tudo quanto ela fazia era tão desusado, que me levava de surpresa em surpresa (p. 58); [...] porém esta moça era cada vez mais incompreensível (p. 61); [...] incompreensível criatura (p. 68 e 78). (Alencar, 1998ALENCAR, José de. Diva. São Paulo: Ática, 1998.).

Ao narrar a história passada, quando já se casara com sua paciente, Augusto ainda permanece incapaz de atribuir sentido, através da escrita, àquilo que vivenciou e contou: “Ainda hoje, depois de tudo quando sofri, sei eu compreender semelhante mulher?” (Alencar, 1998ALENCAR, José de. Diva. São Paulo: Ática, 1998., p. 28).

Incongruente a seus olhos, marcado por aquilo que a medicina chamava então de “ataque de nervos”, “nervosismo ou histeria” e “crise de nervos” (Costa, 1979COSTA, Jurandir Freire. Ordem médica e norma familiar. Rio de Janeiro: Graal, 1979. , p. 272-273), o comportamento de Emília bem poderia ser compreendido como “ataque ao poder do homem” (p. 272), na definição de Jurandir Freire Costa sobre o tratamento concedido às mulheres no interior das famílias ao longo do século XIX. De fato, o narrador médico de Diva recua atemorizado ao notar em sua paciente sintomas que define como “nervoso organismo”, “ataque de nervos”, “ímpetos nervosos”: “Eu começava a sentir uma espécie de pavor dessa menina”, dona de um “olhar maléfico”; [...] “retraí-me contra a árvore para não tocá-la” (Alencar, 1998ALENCAR, José de. Diva. São Paulo: Ática, 1998., p. 78-79).

A literatura, porém, antecipou-se ao diagnóstico desse nascente status quo. Emília, de fato, parece ajustar-se ao figurino da femme fatale do romance de folhetim, na medida em que sua presença é sentida como um “perigo, pois remete [o personagem masculino] à impotência e à solidão”.17 17 “Elle est ressentie comme danger, car ele renvoie l’homme à l’impuissance et à la solitude” (Queffelec, 1986, p. 193). Não por acaso, a femme fatale é constantemente referida através de metáforas animais18 18 “Est-elle souvent évoquée par des métaphores animales: lion, tigre, vautour, serpent, oiseau de proie” (Queffelec, 1986, p. 19). ou, então, assimilada ao campo do grotesco: “o aleijão repulsivo do coração daquela moça” (Alencar, 1998ALENCAR, José de. Diva. São Paulo: Ática, 1998., p. 76). Trata-se de uma lógica reversa: se traços como independência e iniciativa devem caracterizar positivamente o personagem masculino, adquirem acepção inteiramente negativa quando aplicados à mulher, justamente por representarem uma possibilidade de usurpação de seu poder.19 19 “Le mal réside tout simplement dans le fait que la femme prenne le pouvoir” (Queffelec, 1986, p. 205).

Para conter tal ameaça, Emília torna-se objeto de sanção e violência, invertendo-se a metáfora da animalidade: em uma notável passagem, é Augusto que passa a agir como fera acuada, atemorizado por aquilo que não consegue compreender e suportar. A explícita escalada de violência física e psicológica não encontra paralelo em nenhuma outra obra de Alencar, nem mesmo em Lucíola, e, mesmo, no conjunto da produção romanesca brasileira do séculoXIX:

Travei-lhe do braço e apertei-o com ímpeto brutal. [...] No jantar, incomodava-me muito aquela nódoa roxa (p. 77-78); Tive necessidade de insultar essa moça. [...] Que noite de ira foi esta para mim! (p. 79); [Precipitei-me] como uma fera sedenta para essa mulher [...] Eu avancei para Emília; e meu passo hirto, e meu olhar abrasado, deviam incutir-lhe terror [...]; a raiva de querê-la e obrigá-la a pertencer-me para sempre e contra sua própria vontade! [...] Sem sentir eu lhe travara dos pulsos e a prostrara de joelhos diante de mim, como se a quisera esmagar (p. 82). (ALENCAR, 1998ALENCAR, José de. Diva. São Paulo: Ática, 1998.).

Ao fim e ao cabo, o estatuto de dominação será reposto através da união de amor e poder, por meio da submissão da parte mais frágil, em termos físicos e sociais. Em nova e também notável inversão, o corpo da heroína diz não o desejo reprimido, mas o seu contrário, que é a sujeição completa e irrestrita: “E ela ali estava diante de mim, e sorria submissa e amante” (Alencar, 1998ALENCAR, José de. Diva. São Paulo: Ática, 1998., p. 83). A outra opção ao destino da heroína na narrativa seria sua morte, forma extrema de controlar o desejo de autonomia e identidade - é o que ocorre, de resto, em Lucíola.

Augusto acabará por assimilar um quarto papel de dominação, para além daqueles de homem, médico e amante: a função paternal, em substituição ao pai leniente que permitiu os arroubos da menina, já então órfã de mãe e “habituada a ver satisfeitas todas as suas vontades, como ordens imperiosas” (Alencar, 1998ALENCAR, José de. Diva. São Paulo: Ática, 1998., p. 15). Trata-se do típico destino da heroína na intriga dos grandes romances folhetinescos de Dumas e Sue, “que não deve desejar nada mais do que a proteção paternal”. Essa sobreposição dos papeis de autoridade ao mesmo tempo reais e simbólicos, como se viu acima, jaz também na origem dos tratamentos da histeria protagonizados pelas pacientes de Freud e Charcot.20 20 “La fille ne doit désirer que la protection paternelle [...]; la fille, devenue femme, retrouve devant ele l´amant devenu père (il en reprend les attributs et les pouvoirs)” (Queffelec, 1986, p. 201). A esse respeito, é sintomático que Emília trate Augusto de “médico de minha alma”: “O senhor é tão bom médico de minha alma que bastou sua lembrança para curar-me” (Alencar, 1998ALENCAR, José de. Diva. São Paulo: Ática, 1998., p. 66).

Cabe aqui nos perguntarmos por que o romance, afinal, recebeu o título que tem.

O fracasso epistemológico do narrador

Diva, assim como Lucíola, são epítetos atribuídos às heroínas dos respectivos romances em substituição a seus verdadeiros nomes. Deste último, sabe-se sua origem e quem o escolheu; do primeiro, ao contrário, ignora-se tudo. Teria sido o próprio Augusto, autor do manuscrito entregue a Paulo? Ou teria sido o próprio Paulo quem o intitulou, deixando a cargo da mesma G.M. do romance anterior a tarefa de publicá-lo? Ou talvez tenha sido obra de G.M. (a qual, no entanto, sequer tem voz em Diva, ao contrário do que ocorre em Lucíola)? Ou pode ser que o autor, destruindo a coerência das instâncias narrativas, tenha resolvido imiscuir-se sub-repticiamente, sendo ele mesmo o responsável pelo epíteto? E, em sendo razoável esta última hipótese, tratar-se-ia de uma resposta, irônica talvez, aos contundentes ataques que sofreu pelo uso da linguagem erótica em Lucíola? De fato, o “Pós-escrito” de Diva irá tocar diretamente nesse ponto, o que explicaria o título excelso que o distancia de temas sensíveis, como a prostituição.

Pode-se inferir, assim, que a recomendação de Paulo a G.M. no início de Diva reveste-se de um duplo sentido: uma acepção cruel, pois sob a idealização do nome da heroína esconde-se a repressão extremada do desejo, algo de resto recomendável a uma jovem educada na corte, como é provavelmente o caso da “neta” de G.M.; ou, então, uma acepção irônica, pela mesma razão: essa é, infelizmente, a maneira recomendada de se criar uma jovem naquela sociedade.

Resta, porém, outra pergunta a ser respondida, intimamente ligada à nomeação da heroína: por que Augusto decidiu expor publicamente a amada, optando por entregar o manuscrito de sua história a Paulo e este, por sua vez, a G.M.? Arriscamos a hipótese de que, ao exibir Emília ao olhar indiscreto do público a pretexto de “análise” e “cura”, ele enxergou em tal atitude uma medida profilática e pedagógica quanto à conduta das mulheres em sociedade. Mais ainda: Augusto está preocupado com a passagem crucial da puberdade à maturidade, quando a jovem tornada adulta irá assumir os papeis que lhe são reservados (e aguardados): a de esposa e, eventualmente, mãe. Ao preencher adequadamente esse figurino social, a mulher adulta servirá de exemplo, por sua vez, às eventuais filhas e outras moças, numa dinâmica que se reproduzirá, idealmente, ad aeternum.

Tal passagem-chave, que implica tanto um tempo biológico quanto cultural e social, necessita ser monitorada pelas instituições e seus atores. Como vimos, o médico, enquanto instrumento de controle das instituições, passa a exercer esse papel junto às elites progressivamente urbanizadas e europeizadas, tornando-se metaforicamente, em termos clínicos e sociais, uma espécie de novo pai.21 21 “C’est pourquoi ce passage, dangereux, de la fille à la femme doit être entouré de tous les contrôles de l’institution et de toutes les barrières de l´idéologie. Ce n´est pas un hasard si les médecins multiplient, entre 1799 et 1845, thèses et traités sur l’éducation des jeunes filles pendant cette période difficile de la puberté, prolongée, dans la société bourgeoise du XIXe siècle, par un délai agrandi entre puberté et âge moyen au mariage” (Queffelec, 1986, p. 202).

Se a conclusão da intriga se dá em quatro níveis de dominação do objeto por parte de Augusto - Emília enquanto mulher; Emília enquanto paciente submetida a um tratamento clínico; Emília enquanto amada cujos impulsos foram finalmente domados; e Emília enquanto filha -, resta uma quinta e última forma de controle que rege todas as anteriores: Emília enquanto matéria a ser narrada e interpretada através do mythos, que é o romance que nós, efetivamente, estamos lendo. Se Augusto vem a ser bem-sucedido nos quatro primeiros casos, fracassa fragorosamente no último, em sua condição exclusiva de narrador. Pois mesmo a mínima voz que concede à heroína evidencia sua absoluta incapacidade em compreendê-la, ainda que venha a subjugá-la. Ele permanece prostrado diante do objeto epistemologicamente insondável que tem diante de si, incapaz de decifrar “sua história intima, o romance de sua alma” (Alencar, 1998ALENCAR, José de. Diva. São Paulo: Ática, 1998., p. 75).

Concluindo, pode-se argumentar que, de um ponto de vista histórico-literário, a clinicalização do corpo da mulher como paciente a ser dissecada em laboratório, assim como fez Charcot, se tornará programática somente com o advento do Naturalismo. Contudo, mesmo que a histeria ainda não houvesse sido formulada nem por Charcot nem por Freud no momento em que Diva é publicada, seus sintomas - a superposição das figuras de autoridade, a sublimação do desejo, a clinicalização do corpo da mulher e a sintomatização dos males da alma - já grassavam despudoramente na ficção produzida muito antes, de Balzac a Dumas e Sue. O melodrama, em particular, já se carregava dessas tintas, explicitamente associado a uma transposição avant la lettre da teoria freudiana sobre a histeria, como mostra Peter Brooks no incontornável The melodramatic imagination.22 22 “The genre which is most frequently described as the site of this ‘return of the repressed’ is the melodrama. Geoffrey Nowell-Smith, for instance, explicitly compares certain strategies of the melodrama with the mechanism of what Freud designated as conversion hysteria” (Doane, 1986, p. 159). Se Diva, produzida cronologicamente antes do advento dos estudos de Charcot e Freud, não se aproxima dos detalhes quase anatômicos do corpo feminino tal como os naturalistas o fariam, o alinhamento de olhar clínico, de erotização do corpo e das atitudes da mulher, contudo, já está lá.

Diva reúne todos esses elementos em uma escala pouco visto na literatura brasileira de até então e, a rigor, até o final do século XIX. Poderia afinal tratar-se de mais um romance de uma “pieguice condenável”, de uma “pálida imitação” que “pouco, ou nada vale”, não fosse a representação inédita e em múltiplos níveis que faz da violência contra a mulher, objeto de sujeição não somente física, mas também psicológica e narrativa.

Referências

  • ALENCAR, José de. Diva São Paulo: Ática, 1998.
  • AZEVEDO, Sílvia Maria; DUSILEK, Adriana; CALLIPO, Daniela Mantarro (org.). Machado de Assis: crítica literária e textos diversos. São Paulo: Editora da Unesp, 2013.
  • BROOKS, Peter. Body work: objects of desire in modern narrative. Cambridge; London: Harvard University Press, 1993.
  • CANDIDO, Antonio. Formação da literatura brasileira (1836-1860) Belo Horizonte: Itatiaia, 2000. v. 2.
  • COSTA, Jurandir Freire. Ordem médica e norma familiar Rio de Janeiro: Graal, 1979.
  • COUTINHO, Afrânio (org.). A polêmica Alencar/Nabuco Brasília: Editora da UnB, 1978.
  • DOANE, Mary Ann. The clinical eye: medical discourses in the “Woman´s films” of the 1940s. In: SULEIMAN, Susan Rubin (org.). The female body in Western culture: contemporary perspectives Cambridge; London: Harvard University Press, 1986. p. 162-174.
  • FREUD, Sigmund; BREUER, Joseph. Estudos sobre a histeria (1893-1895) Tradução de Laura Barreto. São Paulo: Companhia das Letras, 2016.
  • FURST, Lilian R. (org.) Medical progress and social reality Albany: State University of New York Press, 2000.
  • GILBERT, Sandra M.; GUBAR, Susan. The madwoman in the attic: the woman writer and the nineteenth-century literary imagination. New Haven; London: Yale University Press, 2000.
  • PERROT, Michelle (ed.). História da vida privada: da Revolução Francesa à Primeira Guerra. Tradução de Denise Bottmann e Bernardo Joffily. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. Tomo IV.
  • QUEFFELEC, Lisa. Inscription romanesque de la femme au XIX siècle: le cas du roman-feuilleton sous la Monarchie de Juillet. Revue d´histoire littéraire de la France, 86e. année, n. 2, p. 189-206, mars/avril 1986.
  • SANTOS FILHO, Lycurgo. Medicina no período imperial. In: HOLANDA, Sérgio Buarque de (org.). História geral da civilização brasileira Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004. Tomo II, v. 5, p. 541-566.
  • SHOWALTER, Elaine. The female malady: women, madness, and English culture, 1830-1980. New York: Penguin, 1985.
  • SULEIMAN, Susan Rubin. Rewriting the body: the politics and poetics of female eroticism. In: SULEIMAN, Susan Rubin (org.). The female body in Western culture: contemporary perspectives Cambridge; London: Harvard University Press, 1986. p. 7-29.
  • TÁVORA, Franklin. Cartas a Cincinato Organização de Eduardo Vieira Martins. Campinas: Editora da Unicamp, 2011.
  • 1
    “Ao longo de décadas, aquele cuja imagem se molda conforme a do pai e do esposo [que é a do médico] consegue incrementar sua autoridade” (Perrot, 2009PERROT, Michelle (ed.). História da vida privada: da Revolução Francesa à Primeira Guerra. Tradução de Denise Bottmann e Bernardo Joffily. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. Tomo IV., p. 555).
  • 2
    “Os médicos-de-família” [...] do século 19 contribuíram sobremaneira para o prestígio alcançado pela medicina, nesse tempo” (Santos Filho, 2004SANTOS FILHO, Lycurgo. Medicina no período imperial. In: HOLANDA, Sérgio Buarque de (org.). História geral da civilização brasileira. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004. Tomo II, v. 5, p. 541-566., p. 553).
  • 3
    “[...] the second half of the nineteenth century [...] is the time of the most fundamental changes through the transformation of medicine from a largely speculative endeavor into a discipline governed by scientific principles” (Furst, 2000FURST, Lilian R. (org.) Medical progress and social reality. Albany: State University of New York Press, 2000., p. XII).
  • 4
    Como lembra Michelle Perrot, “o crescente espaço das ‘doenças femininas’ na patologia justifica essa atenção privilegiada” (Perrot, 2009PERROT, Michelle (ed.). História da vida privada: da Revolução Francesa à Primeira Guerra. Tradução de Denise Bottmann e Bernardo Joffily. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. Tomo IV., p. 554-555).
  • 5
    “The camera was as crucial to the study of hysteria as the microscope was to histology” (Showalter, 1985SHOWALTER, Elaine. The female malady: women, madness, and English culture, 1830-1980. New York: Penguin, 1985. , p. 149). Embora Charcot tenha identificado os mesmos sintomas também em pacientes masculinos, a histeria permaneceu “simbolicamente, se não também do ponto de vista médico, uma doença de mulher” (“hysteria remained symbolically, if not medically, a female malady” (Showalter, 1985SHOWALTER, Elaine. The female malady: women, madness, and English culture, 1830-1980. New York: Penguin, 1985. , p. 148).
  • 6
    “But while Charcot looked carefully at hysterical women, he paid very little attention to what they were saying” (Showalter, 1985SHOWALTER, Elaine. The female malady: women, madness, and English culture, 1830-1980. New York: Penguin, 1985. , p. 154).
  • 7
    “Pois vimos, para nossa grande surpresa inicial, que cada sintoma histérico desaparecia de imediato e sem retorno, quando conseguíamos despertar com toda clareza a lembrança do acontecimento motivador, assim avivando igualmente o afeto que o acompanha, e quando, em seguida, o doente descrevia o episódio da maneira mais detalhada possível, pondo o afeto em palavras” (Freud; Breuer, 2016FREUD, Sigmund; BREUER, Joseph. Estudos sobre a histeria (1893-1895). Tradução de Laura Barreto. São Paulo: Companhia das Letras, 2016., p. 18).
  • 8
    “women's voices, stories, memories, dreams, and fantasies enter the medical record” (Showalter, 1985SHOWALTER, Elaine. The female malady: women, madness, and English culture, 1830-1980. New York: Penguin, 1985. , p. 155).
  • 9
    “a complete loss of voice”; [...] “her hysteria came from masturbatory fantasies, incestuous desires for her father, and possible homossexual or bissexual wishes” (Showalter, 1985SHOWALTER, Elaine. The female malady: women, madness, and English culture, 1830-1980. New York: Penguin, 1985. , p. 159-160).
  • 10
    “Freud is determined to have the last word” (Showalter, 1985SHOWALTER, Elaine. The female malady: women, madness, and English culture, 1830-1980. New York: Penguin, 1985. , p. 160).
  • 11
    “He uses his text to demonstrate his power to bring a woman to reason, and to bring reason to the mysteries of woman” (Showalter, 1985SHOWALTER, Elaine. The female malady: women, madness, and English culture, 1830-1980. New York: Penguin, 1985. , p. 160).
  • 12
    “Women, who for centuries had been the objects of male theorizing, male desires, male fears, and male representations, had to discover and reappropriate themselves as subjects [...], to invente both a new poetics and a new invention [...]: control over theirs bodies and a voice with which to speak about it” (Suleiman, 1986SULEIMAN, Susan Rubin. Rewriting the body: the politics and poetics of female eroticism. In: SULEIMAN, Susan Rubin (org.). The female body in Western culture: contemporary perspectives. Cambridge; London: Harvard University Press, 1986. p. 7-29., p. 7); “the inventing of new structures, new words, a new syntax that will shake up and transform old habits of thought and old ways of seeing” (Suleiman, 1986SULEIMAN, Susan Rubin. Rewriting the body: the politics and poetics of female eroticism. In: SULEIMAN, Susan Rubin (org.). The female body in Western culture: contemporary perspectives. Cambridge; London: Harvard University Press, 1986. p. 7-29., p. 12).
  • 13
    “[...] the patriarcal notion that the writer ‘fathers’ his text just as God fatheredt he world” (Gilbert; Gubar, 2000GILBERT, Sandra M.; GUBAR, Susan. The madwoman in the attic: the woman writer and the nineteenth-century literary imagination. New Haven; London: Yale University Press, 2000., p. 3-4).
  • 14
    “Silence: silence is the mark of hysteria. The great hysterics have lost speech, their tongues are cut off and what talks isn’t heard because it’s the body that talks and man doesn’t hear the body” (Showalter, 1985SHOWALTER, Elaine. The female malady: women, madness, and English culture, 1830-1980. New York: Penguin, 1985. , p. 161).
  • 15
    “a prime agent in narrative plot and meaning”; “a narrative body, in that the inscription of the sign depends on and produces a story; a body entered into writing” (Brooks, 1993BROOKS, Peter. Body work: objects of desire in modern narrative. Cambridge; London: Harvard University Press, 1993. , p. 6 e 3, respectivamente).
  • 16
    “ultimately the symptoms of the female body which ‘speak’ while the woman as subject of discourse is absent”; “[...] hysteria is characterized by the mechanism of conversion and uses the body as the space for the inscription of its signs; and secondly, it is strongly linked to narrativity” (Doane, 1986DOANE, Mary Ann. The clinical eye: medical discourses in the “Woman´s films” of the 1940s. In: SULEIMAN, Susan Rubin (org.). The female body in Western culture: contemporary perspectives. Cambridge; London: Harvard University Press, 1986. p. 162-174., p. 172).
  • 17
    “Elle est ressentie comme danger, car ele renvoie l’homme à l’impuissance et à la solitude” (Queffelec, 1986QUEFFELEC, Lisa. Inscription romanesque de la femme au XIX siècle: le cas du roman-feuilleton sous la Monarchie de Juillet. Revue d´histoire littéraire de la France, 86e. année, n. 2, p. 189-206, mars/avril 1986. , p. 193).
  • 18
    “Est-elle souvent évoquée par des métaphores animales: lion, tigre, vautour, serpent, oiseau de proie” (Queffelec, 1986QUEFFELEC, Lisa. Inscription romanesque de la femme au XIX siècle: le cas du roman-feuilleton sous la Monarchie de Juillet. Revue d´histoire littéraire de la France, 86e. année, n. 2, p. 189-206, mars/avril 1986. , p. 19).
  • 19
    “Le mal réside tout simplement dans le fait que la femme prenne le pouvoir” (Queffelec, 1986QUEFFELEC, Lisa. Inscription romanesque de la femme au XIX siècle: le cas du roman-feuilleton sous la Monarchie de Juillet. Revue d´histoire littéraire de la France, 86e. année, n. 2, p. 189-206, mars/avril 1986. , p. 205).
  • 20
    “La fille ne doit désirer que la protection paternelle [...]; la fille, devenue femme, retrouve devant ele l´amant devenu père (il en reprend les attributs et les pouvoirs)” (Queffelec, 1986QUEFFELEC, Lisa. Inscription romanesque de la femme au XIX siècle: le cas du roman-feuilleton sous la Monarchie de Juillet. Revue d´histoire littéraire de la France, 86e. année, n. 2, p. 189-206, mars/avril 1986. , p. 201).
  • 21
    “C’est pourquoi ce passage, dangereux, de la fille à la femme doit être entouré de tous les contrôles de l’institution et de toutes les barrières de l´idéologie. Ce n´est pas un hasard si les médecins multiplient, entre 1799 et 1845, thèses et traités sur l’éducation des jeunes filles pendant cette période difficile de la puberté, prolongée, dans la société bourgeoise du XIXe siècle, par un délai agrandi entre puberté et âge moyen au mariage” (Queffelec, 1986QUEFFELEC, Lisa. Inscription romanesque de la femme au XIX siècle: le cas du roman-feuilleton sous la Monarchie de Juillet. Revue d´histoire littéraire de la France, 86e. année, n. 2, p. 189-206, mars/avril 1986. , p. 202).
  • 22
    “The genre which is most frequently described as the site of this ‘return of the repressed’ is the melodrama. Geoffrey Nowell-Smith, for instance, explicitly compares certain strategies of the melodrama with the mechanism of what Freud designated as conversion hysteria” (Doane, 1986DOANE, Mary Ann. The clinical eye: medical discourses in the “Woman´s films” of the 1940s. In: SULEIMAN, Susan Rubin (org.). The female body in Western culture: contemporary perspectives. Cambridge; London: Harvard University Press, 1986. p. 162-174., p. 159).
  • Parecer Final dos Editores

    Ana Maria Lisboa de Mello, Elena Cristina Palmero González, Rafael Gutierrez Giraldo e Rodrigo Labriola, aprovamos a versão final deste texto para sua publicação.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Maio 2024
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2024

Histórico

  • Recebido
    13 Jun 2023
  • Aceito
    14 Nov 2023
Programa de Pos-Graduação em Letras Neolatinas, Faculdade de Letras -UFRJ Av. Horácio Macedo, 2151, Cidade Universitária, CEP 21941-97 - Rio de Janeiro RJ Brasil , - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: alea.ufrj@gmail.com