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Transcriações: teoria e práticas

Transcriações: teoria e práticas

Tania Franco Carvalhal; Lúcia Sá Rebello e Eliane Fernanda Cunha Ferreira

Porto Alegre: Editora Evangraf, 2004

Todos os estudos que compõem o livro são reflexões sobre o fazer tradutório. Procedem de seminários e intercâmbios realizados no âmbito do projeto 047/03, CAPES/MECD, mantido entre a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e a Universidade de Barcelona, em 2003 e 2004, sob a coordenação, respectivamente, de Tania Franco Carvalhal e Assumpta Campos, e de trabalhos apresentados no simpósio Embarcações tradutórias, sob a responsabilidade de Lúcia Sá Rebello, da UFRGS. e Eliane Fernanda Cunha Ferreira, do Centro Universitário da Grande Dourados (UNIGRAN-MS), que integrou as atividades do IX Congresso Internacional da Associação Brasileira de Literatura Comparada (ABRALIC), realizado na UFRGS de 18 a 21 de julho de 2004.

Na capa do livro, após o título, nomeia-se a quem ele é dedicado: "[a]o senhor [que] será sempre o-que-fica" (: 46), "ao almirante-mor" (: 53), isto é, Haroldo de Campos, "que mudou os paradigmas estanques da prática tradutória e nos ensinou a pensar a tradução vinculada ao contexto cultural", conforme se lê na apresentação. Antes que se inicie a leitura da primeira parte, "A partir de Haroldo de Campos" (: 15-106), apresenta-se a tradução de Ivan P. de Arruda Campos, filho do homenageado, de um poema escrito pelo imperador Adriano, projeto a que Haroldo de Campos pensava dedicar-se. Então, público presente ao evento e os leitores condividimos com Ivan o resultado de seus esforços (: 13).

Nessa primeira parte, pode-se elencar uma série fulgurante de temas, como o diálogo intertextual (Oliveira); a tradução como concretização possível de outros textos, de outras culturas, como fator dominante na configuração da própria língua para a qual se traduz (Carvalhal); a vinculação do movimento concretista brasileiro com a tradição oriental e a tradição do haikú, bem como sua vinculação à poesia hispano-americana e à brasileira (Carvalhal); o diálogo dos poetas concretistas do grupo Noigrandes com Ezra Pound e sua poesia (Quadros); o entrelaçamento entre o pensamento de Haroldo de Campos sobre a tradução de textos da Bíblia, exposto por ele em textos que acompanham as publicações do Eclesiastes, do Gênese e do Livro de Jó, e trechos de suas traduções desses textos e de poemas que publicou recentemente (Castellões de Oliveira); reflexos das características estilísticas da obra de James Joyce nas teorias da tradução literária de Augusto e Haroldo de Campos (Quirino); a possibilidade ou não da tradução à luz da discussão das teorias de Quine e de Haroldo de Campos (Cruz); a teoria romântica da reflexão e da Bildung em sua relação com a concepção de tradução (trans)formada (Seligmann-Silva); paralelos entre a poética barroca e a teoria e a prática da tradução (Nóbrega); e o limite da interpretabilidade e seu tratamento no campo da teoria da tradução (Rodrigues).

Essa lista de temas presentes nos textos ou nas propostas de trabalho, todavia, não dá conta da totalidade de significados contidos nessa primeira parte. Há ainda uma entrevista imaginada (Rebello), em que termos como "plano-piloto", "recriação de textos" e "transcriação" são comentados e explicados (: 41-6), e também o abrigo de perspectivas oferecidas ao leitor por essas análises acerca da incansável atividade teórica de Haroldo de Campos, consubstanciada em entrevistas, comentários, ensaios, artigos e propostas fílmicas citados e explicados pelos timoneiros das embarcações tradutórias.

A segunda parte, "Teoria e tradução", reúne trabalhos voltados para questões teóricas. Assumpta Campos defende que a "teoría (poli)sistemática nos oferece instrumentos metodológicos particularmente útiles, en sus principios como en sus derivaciones, para alcanzar unos mayores resultados científicos" (: 119); John Milton se ocupa da tradução de poesia inglesa no Brasil nos últimos quarenta anos, comparando-a com a poesia traduzida de outras línguas, por meio de tabelas com número de traduções em todas as línguas, número de traduções em inglês e outras línguas por editoras etc., para finalizar seu artigo com uma minuciosa bibliografia das obras traduzidas para o português (: 121-34); Marie-Anne H. J. Kremer estuda as relações entre metáfora, narrativa fantástica e cinema (: 135-41); Neusa da Silva Matte analisa as relações entre a confluência de conceitos e práticas teóricas de poetas-pintores e pintores-poetas (: 143-7); Patrícia Lessa Flores da Cunha enfoca a atividade do escritor-tradutor e analisa a operação tradutória de Machado de Assis, Érico Veríssimo e Jorge Luís Borges (: 149-56); e Anne Brisset examina a situação da tradução de obras literárias e teóricas no contexto da globalização (: 157-65).

A terceira parte, "Casuística da tradução", engloba 16 textos que abarcam o estudo da prática tradutória em autores como Jorge Luís Borges, Ricardo Güiraldes, Machado de Assis, Antonio Vieira, Rudyard Kipling e Edgar Allan Poe. Comparecem ainda nessa parte textos que não só abordam a filmagem do romance The hours, de Michael Cunninghan, como também estudam a falta de tradução do epitexto de Cidade de Deus, romance de Paulo Lins. Particularmente interessante, porque pouco freqüente, é a análise da tradução intersemiótica das ilustrações de romances, à luz de Viagens de Gulliver, de Jonathan Swift. Tais trabalhos apresentam conhecimento abalizado das técnicas de tradução e dialogam incessantemente com aqueles que compõem a primeira parte da obra.

A edição de Transcrições: teoria e práticas constitui, portanto, um marco importante nos estudos da tradução e do comparativismo no Brasil.

Julio Aldinger Dalloz

[UFRJ]

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Set 2006
  • Data do Fascículo
    Dez 2005
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