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AULA DE PORTUGUÊS COMO ENCONTRO ENTRE A OUTRA PALAVRA E A PALAVRA OUTRA: UM ESTUDO SOBRE RELAÇÕES ECOLÓGICAS

RESUMO

Este artigo tem como tema o acontecimento aula de Português tomada como encontro (Ponzio, 2010a), no que diz respeito à formação dos alunos como leitores e produtores de textos-enunciados. O objetivo foi depreender possíveis implicações no acontecimento aula de Português entre: a) configuração organizacional das ações administrativas no âmbito da instituição escolar; b) configuração dos eventos e das práticas de letramento no âmbito das turmas campo de estudo; e c) práticas de letramento dos alunos participantes. O aporte teórico inclui o ideário vigotskiano, o Círculo de Bakhtin e os estudos do Letramento. A partir dos dados gerados, infere-se haver duas culturas escolares no campo de estudo, em relações ecológicas, as quais são nomeadas como cultura da (in)quietude na Escola 1 e cultura da (re)afirmação na Escola 2. Com base nos resultados, defende-se a tese de que o acontecimento aula de Português como encontro implica relações ecológicas no âmbito das duas culturas escolares coexistentes nessas mesmas relações: a (in)quietude e a (re)afirmação, reiteradas/retroalimentadas, respectivamente, nas/pelas três dimensões da arquitetônica tripartite de cada cultura, referendadas ambas pelo outro nos encontros – ou na ausência de tais encontros – dos sujeitos imersos na ecologia maior em estudo.

PALAVRAS-CHAVE
aula de português; ecologia; encontro; leitura; produção textual escrita

ABSTRACT

This article has as its theme the event Portuguese class taken as an encounter (Ponzio, 2010a), as it pertains to the education of the students as readers and producers of text-utterances. The objective was to draw possible implications in the event Portuguese class from: a) the organizational setting of the administrative actions in the scope of the educational institution; b) the setting of the literacy events and practices in the scope of the study field groups; and c) literacy practices of the students that participated. The theoretical basis includes the Vigotskian ideology, the Bakhtin Circle and the studies in literacy. From the data gathered, I infer that there are two school cultures in the field of study, in ecological relations, which are, namely, culture of (un)ease in School 1 and culture of (re)affirmation in School 2. Thus, I support the thesis that the event Portuguese class as encounter implies ecological relations in the scope of the two school cultures coexistent in these same relationships: the (un)ease and the (re)affirmation, reiterated/feedbacked, respectively, in/by the three dimensions of the tripartite architectonics of each culture, both referenced by the other in the encounters — or lack of such encounters — of the subjects immersed in the larger ecology under study.

KEYWORDS
Portuguese class; ecology; encounter; reading; written text production

Introdução

Este artigo traz um recorte de uma pesquisa de tese de Doutorado (Irigoite, 2015IRIGOITE, J. C. da S. Aula de Português como encontro entre a outra palavra e a palavra outra: um estudo sobre a ecologia da apropriação da escrita na esfera escolar. Orientadora: Mary Elizabeth Cerutti-Rizzatti. 2015. 518 f. Tese (Doutorado em Linguística) - Centro de Comunicação e Expressão, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2015.) cujo tema é a aula de Português tomada como encontro entre a outra palavra e a palavra outra (Ponzio, 2010a), com enfoque na formação de alunos leitores e produtores de texto-enunciado. A motivação para tal estudo surgiu da experiência da minha dissertação de Mestrado (Irigoite, 2011IRIGOITE, J. C. da S. Vivências escolares em aulas de Português que não acontecem: a (não) formação do aluno leitor e produtor de texto. Orientadora: Mary Elizabeth Cerutti-Rizzatti. 2011. 332 f. Dissertação (Mestrado em Linguística) - Centro de Comunicação e Expressão, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2011.), na qual foram descritas aulas de Português que não acontecem como gênero do discurso — tomando-as como tal a partir da concepção de Matencio (2001)MATENCIO, M. de L. M. Estudo da língua falada e aula de língua materna: uma abordagem processual da interação professor/alunos. Campinas: Mercado das Letras, 2001. — por não haver engajamento de boa parte dos alunos nas interações propostas pelo professor. Os resultados sinalizam para uma provável não convergência entre as práticas de letramento (Street, 1988STREET, B. Practices and Literacy Myths. In: SALJO, R. (ed.). The written world: studies in literate thought and action. Springer-Verlag: Berlin/New York, 1988. p. 59-72.) dos alunos e as práticas de letramento da escola. Mais do que uma não convergência, concluí, naquela pesquisa, que muitos dos gêneros do discurso (Bakhtin, 2010b) que compõem a aula de Português correspondem a propostas de eventos de letramento (Heath, 2001HEATH, S. B. What no bedtime story means: narrative skills at home and school. In: DURANTI, A. (org.). Linguistic Anthropology: a reader. Oxford: Blackwel, 2001 [1982]. p. 318-342. [1982]) para os quais as práticas de letramento dos alunos não oferecem suporte. As atividades de leitura e escrita propostas pela escola, assim, parecem não fazer sentido para os alunos, que, por sua vez, não se engajam nas interações propostas; não havendo engajamento, não há interação entre os alunos e o professor; entendo, nesse contexto, que “a aula de Português não acontece”1 1 A expressão “a(s) aula(s) não acontece(m)/acontecia(m)” remete a Geraldi (2010a), que entende a aula como acontecimento, mas também remete a Matencio (2001), que concebe a aula como gênero do discurso. Em uma leitura particular desses dois autores, quando afirmo que a(s) aula(s) não acontece(m)/acontecia(m), quero referenciar a ausência de um processo interacional em que haja participantes engajados em torno de um mesmo eixo de discussão, em um dado espaço de tempo e em um lócus específico e com propósitos específicos. , o que me leva a inferir não ter havido, por implicação, aprendizagem em se tratando dos objetivos pelos quais uma aula é desenvolvida. Eis uma tentativa de recuperar brevemente a realidade vivenciada:

Dentre os inúmeros desafios que mapeamos durante nossa vivência na escola e que geraram mudanças no percurso da pesquisa, os principais foram: configuração [das práticas de letramento] não convergente nas interações em sala de aula, o que implica indisciplina; alheamento dos alunos em relação a nossas propostas de interação e um número exorbitante de faltas; comprometimento da funcionalidade institucional, em itens como logística da distribuição de material, operacionalidade da biblioteca e da sala de informática, sistematicidade nos horários de aulas e ausência de professores e funcionários em horários firmados; desafios para ressignificação das práticas de leitura e escrita a partir da apropriação de gêneros discursivos trabalhados em sala de aula, tanto em relação à mediação docente quanto ao engajamento dos alunos; desafios docentes para crer nas possibilidades de mudanças nesse quadro. (Irigoite, 2011IRIGOITE, J. C. da S. Vivências escolares em aulas de Português que não acontecem: a (não) formação do aluno leitor e produtor de texto. Orientadora: Mary Elizabeth Cerutti-Rizzatti. 2011. 332 f. Dissertação (Mestrado em Linguística) - Centro de Comunicação e Expressão, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2011., p. 27).

Não tive, porém, a pretensão de finalizar tal discussão com essas inferenciações, pois o aprendizado que derivou daquele estudo é que há muitas questões envolvidas em tal realidade complexa, de natureza distinta, que não foram abarcadas em Irigoite (2011)IRIGOITE, J. C. da S. Vivências escolares em aulas de Português que não acontecem: a (não) formação do aluno leitor e produtor de texto. Orientadora: Mary Elizabeth Cerutti-Rizzatti. 2011. 332 f. Dissertação (Mestrado em Linguística) - Centro de Comunicação e Expressão, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2011.. Assim, em meu entendimento, não há implicações isoladas para o “não acontecimento” das aulas (com base em Geraldi, 2010a). A discussão seguramente contempla, mas transcende: a) opções metodológicas — minha intervenção2 2 Houve minha incidência no campo participante, em aulas por mim ministradas, por se tratar de uma pesquisa-ação, com ancoragem etnográfica. , teoricamente planejada e epistemologicamente embasada, não gerou os resultados esperados —; b) comprometimento docente — havia disposição pessoal da professora participante daquele estudo para conhecer novas possibilidades de trabalho a despeito de enfrentar a cada dia, em anos de profissão, desafios de todo tipo —; c) encantamento dos alunos – em sua maioria eram advindos de entornos socioeconomicamente desprivilegiados, muitos dos quais frequentando a escola obrigados, fazendo as atividades em sala de aula visando à nota, e não compartilhando vivências com a modalidade escrita como parte de sua apropriação cultural —; d) organização escolar — a instituição campo daquela pesquisa, apesar de esforços de seus gestores, enfrenta desafios comuns em instituições públicas de nosso país, como dificuldades com gestão de material de ensino, de estrutura física e de profissionais qualificados, entre outras.

Após essa dolorosa vivência em aulas de Português que, em minha interpretação, não acontecem, experienciadas em Irigoite (2011)IRIGOITE, J. C. da S. Vivências escolares em aulas de Português que não acontecem: a (não) formação do aluno leitor e produtor de texto. Orientadora: Mary Elizabeth Cerutti-Rizzatti. 2011. 332 f. Dissertação (Mestrado em Linguística) - Centro de Comunicação e Expressão, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2011., o estudo aqui descrito nasceu da vontade de conhecer aulas em que pudesse encontrar esse acontecimento — agora, tomando a aula como “encontro” (Ponzio, 2010a) —, tentando novamente lidar com esse pool de implicações em uma nova e diferente realidade — busca por verticalizar o estudo do acontecimento aula de Português. Para tanto, retornei à escola campo da pesquisa de Dissertação — a qual irei denominar, aqui, de Escola 1 —, mas também empreendi uma imersão em uma nova escola pública — denominada Escola 2 —, localizada num bairro próximo e que minhas vivências indiciam como sendo legitimada pela comunidade como espaço de excelência. Propus-me, assim, a vivenciar o cotidiano dessas duas realidades, na busca por compreender, em ambas, o acontecimento aula de Português como encontro (Ponzio, 2010a).

Partindo das concepções de língua e de sujeito adotadas neste estudo, decidi ampliar meu olhar para além dos muros da escola, na busca por considerar, tanto quanto possível, outras relações intersubjetivas que os alunos estabelecem fora dessa esfera. E, no que se refere ao ensino de Língua Portuguesa, vale lembrar que a escola é apenas um lugar privilegiado para as práticas de leitura e escrita. Assim, em meu entendimento, ao menos duas instâncias também deveriam ser consideradas por incidirem, tanto ou talvez até mais significativamente, na formação do aluno como leitor e produtor de textos-enunciado — ou seja, no “acontecimento aula de Português” —, pois instituem outras relações intersubjetivas na vida dele: a família, que remete a implicações significativas em se tratando do conceito de práticas de letramento; e o que podemos considerar como entorno da escola, ou seja, a comunidade na qual a escola se insere e na qual tem lugar o cotidiano dos estudantes.

Buscando, assim, um espectro maior do universo em estudo, mantive o tema de pesquisa de Irigoite (2011)IRIGOITE, J. C. da S. Vivências escolares em aulas de Português que não acontecem: a (não) formação do aluno leitor e produtor de texto. Orientadora: Mary Elizabeth Cerutti-Rizzatti. 2011. 332 f. Dissertação (Mestrado em Linguística) - Centro de Comunicação e Expressão, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2011., ou seja, aulas de Português, porém, agora, com enfoque em três desdobramentos, no que diz respeito à formação dos alunos como leitores e produtores de textos-enunciado: a) configuração escolar relativa às ações administrativas; b) configuração escolar relativa às ações didático-pedagógicas —; e c) práticas de letramento familiares. As duas primeiras implicações, portanto, voltaram minhas atenções à esfera escolar; já o terceiro desdobramento me levou a olhar para a esfera familiar dos alunos participantes da pesquisa. Partindo desse objeto e dos três enfoques apontados, foi delineada a seguinte questão de pesquisa: Tendo como foco as formas de organizar o ensino e a aprendizagem da leitura e da produção textual escrita em gêneros do discurso diversos em aulas de Português socioeconômica e histórico-culturalmente situadas, que implicações é possível depreender entre a) configuração organizacional das ações administrativas no âmbito da instituição escolar; b) configuração dos eventos e das práticas de letramento no âmbito das turmas campo de estudo; e c) práticas de letramento dos alunos participantes dessas mesmas aulas de Português? A importância de tal estudo justifica-se pelo fato de vislumbrar a complexidade do acontecimento aula, que sofre implicações de diferentes dimensões, não havendo, assim, um único agente ou fator de culpabilização pelo seu não acontecimento.

Para responder a tal questão de pesquisa em cada um de seus desdobramentos, desenvolveu-se um estudo de caso de tipo etnográfico, com abordagem qualitativa. Foram aproximadamente 18 meses de imersão simultânea nas duas escolas campo da pesquisa, além de mais de seis meses de contato posterior com os alunos e as respectivas famílias. Em cada escola foi selecionada uma turma de 8ª série, nas quais assisti a um conjunto de aulas de Português durante um semestre letivo. Durante essa vivência, foram geradas notas de campo e realizadas entrevistas, rodas de conversa e visitação às famílias, além de pesquisa documental.

Como aporte teórico, embasei-me no simpósio conceitual proposto em Cerutti-Rizzatti, Mossmann e Irigoite (2013, 2016), que se delineia a partir do ideário vigotskiano — no campo da psicologia da linguagem —, do Círculo de Bakhtin — no campo da filosofia da linguagem — e dos estudos do Letramento — no campo da antropologia da linguagem. Admitindo tratar-se de construções teóricas distintas, pertencentes a campos distintos, arrisco-me a propor tal encontro por entender que os três construtos se assentam em bases epistemológicas de fundamentação histórico-cultural e, portanto, aproximam-se em boa medida no que se refere a concepções de língua e sujeito aqui adotadas. Busquei destacar convergências entre esses olhares sob o ponto de vista dessa mesma compreensão epistemológica e suas implicações nas discussões sobre pertencimento e identidade — aqui, no que tal pertencimento implica em se tratando de reverberações no acontecimento aula de Português.

O artigo segue a composição clássica do gênero: a primeira seção apresenta os eixos teóricos epistemologicamente convergentes que embasaram a pesquisa, trazendo, ainda, definições de conceitos basilares para a discussão empreendida, como a aula de Português como encontro; em seguida, descrevo brevemente o percurso da pesquisa, apresentando o campo e os participantes; e, por fim, na terceira e última seção, trago a análise dos dados gerados, buscando responder aos três desdobramentos da questão norteadora.

A aula de Português como encontro entre a outra palavra e a palavra outra: bases teórico-epistemológicas

Primeiramente é preciso conceituar o objeto de estudo deste artigo — a aula de Português, esclarecendo o que entendo como implicações do que seja a aula como acontecimento. Tal concepção, que se ancora no fundamental engajamento entre professor e alunos, e deles com o conhecimento, nas interações propostas — tal qual propõem Matencio (2001)MATENCIO, M. de L. M. Estudo da língua falada e aula de língua materna: uma abordagem processual da interação professor/alunos. Campinas: Mercado das Letras, 2001. e Geraldi (2010a) —, implica essas interações instituírem um processo de ensino e um processo de aprendizagem — nesse caso específico, sobre a língua portuguesa, com enfoque na leitura e na produção de textos-enunciado em gêneros do discurso diversos. O processo de ensino é empreendido pelo professor, entendido como interlocutor mais experiente à luz do ideário vigotskiano; já o processo de aprendizagem implica apropriação do conhecimento por parte de um sujeito singular, que se historiciza na relação com o outro e que, assim, passaria por modificações intrapsíquicas, no sentido de transcender da condição de não saber algo para a condição de o saber — a apropriação da cultura de que trata a abordagem histórico-cultural vigotskiana.

Dessa maneira, na interação proposta com as finalidades de ensino, estão implicadas especificidades de metodologia, tanto quanto questões atinentes à organização institucional para que tais estratégias metodológicas possam ser implementadas — aqui, implicações da organização escolar. Em se tratando da aprendizagem, são agenciadas vivências e historicidades a partir das quais os sentidos para as propostas interacionais são delineados — aqui, implicações das práticas de letramento (Street, 1988STREET, B. Practices and Literacy Myths. In: SALJO, R. (ed.). The written world: studies in literate thought and action. Springer-Verlag: Berlin/New York, 1988. p. 59-72.) familiares. Trata-se, portanto, de processos que acontecem ou não no gênero aula.

Partindo das concepções de língua e de sujeito que fundamentam este estudo, proponho conceber a aula de Português como encontro entre esses sujeitos historicizados que acontece na/por meio da linguagem, encontro com base na concepção de Ponzio (2010a, p. 31) em suas considerações sobre filosofia da linguagem:

O encontro, a reunião, não são todos juntos, juntos em um lugar, mas é cada um fora do lugar; o encontro é ali onde estamos, é a possibilidade na qual cada um encontra cada um na sua singularidade irrepetível, insubstituível, fora do papel e fora da identidade, e cada um diz algo no qual a palavra está fora do discurso dos seus lugares comuns.

Tomo esse conceito para definir a aula, entendendo-a como um encontro entre sujeitos (professor e alunos) que carregam consigo suas vivências, seus valores, sua constitutividade na alteridade; e, nesse encontro com o outro, agentivamente incidem sobre ele e se deixam incidir pela outridade, na historicidade que carrearam até ali, no evento único e irrepetível que é cada encontro em si mesmo. Ao fazê-lo, porém, arvoro-me em ressignificar aquele autor, que concebe o encontro como implicando relações infuncionais.

Sob essa perspectiva, o encontro incide sobre os sujeitos, pois se constituem na interação com o outro cuja diferença é relevante nesse/para esse processo de constituição. À luz do ideário bakhtiniano, nossas opiniões e visões de mundo constituem-se, alteram-se, elaboram-se nas relações sociais, quando contrapostas a visões de outros sujeitos e, com base no ideário vigotskiano, apropriamo-nos da cultura na relação com o outro: os processos interpsíquicos são reelaborados em processos intrapsíquicos (Vigotski3 3 A grafia do sobrenome deste autor varia no decorrer deste artigo de acordo com a tradução da obra citada — ora escrito com i, ora com y. , 2008 [1968]), o que se dá na intersubjetividade. Se não houver esse compartilhamento de vivências, valores, não houve o encontro que constitui uma aula, nessa concepção, mesmo os interactantes estando presentes fisicamente em um mesmo espaço e em um mesmo tempo. Esta foi a realidade vivenciada em Irigoite (2011)IRIGOITE, J. C. da S. Vivências escolares em aulas de Português que não acontecem: a (não) formação do aluno leitor e produtor de texto. Orientadora: Mary Elizabeth Cerutti-Rizzatti. 2011. 332 f. Dissertação (Mestrado em Linguística) - Centro de Comunicação e Expressão, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2011.: professora e alunos ocupando um mesmo espaço físico, por um tempo significativo ao longo do ano e com materiais pedagógicos em circulação nesse mesmo espaço, sem, porém, haver intersubjetividade constitutiva do encontro, de modo a se estabelecerem possibilidades mínimas de modificar/ampliar/ressignificar/enriquecer de fato as vivências dos envolvidos sobre os usos da escrita — e seguramente tantos outros enfoques que fugiram ao meu olhar.

Nesse sentido, aprender é se constituir constantemente como sujeito, ampliando as interpretações da realidade natural e social (Volochínov, 2013VOLOCHÍNOV, V. N. Que é linguagem? In: VOLOCHÍNOV, V. N. A construção da enunciação e outros ensaios. São Carlos: Pedro & João Editores, 2013 [1930]. p. 131-156. [1930]), o que só parece possível quando o encontro efetivamente se dá e, para tal, tem de haver aproximações nos modos como os interactantes operam com essa mesma realidade, assim como mútua constitutividade e sensibilidade à exotopia possível na outridade (Bakhtin, 2010b). Enfim, nessa concepção, o acontecimento aula de Português implica o encontro entre a outra palavra e a palavra outra (Ponzio, 2010a), um encontro situado em um tempo histórico, no espaço social e na cultura que caracteriza tanto a imersão no cotidiano quanto a imersão na história.

Para estudar e compreender esse acontecimento da aula de Português como encontro, este artigo propõe colocar em dialogia as já mencionadas três bases teóricas, cujos substratos epistemológicos, ainda que marcados por especificidades substantivas, entendo convergir, em alguma medida. Trata-se da proposta de simpósio conceitual fundado no que entendo ser uma base histórico-cultural na qual convergiriam concepções de língua como prática social e de sujeito como histórica e culturalmente situado (apresentado em Cerutti-Rizzatti; Mossmann; Irigoite, 2013, 2016)4 4 Entendendo que esses eixos teóricos não constituem construtos ocupados, na origem, com questões de ensino e de aprendizagem; considero-os, no entanto, fecundos para interpretar tais processos em sua conhecida complexidade, oferecendo, assim, aporte para atividades de pesquisas que tenham a escolarização como mote, especialmente no que respeita ao imbricamento entre cultura escrita e processos de escolarização. . Vejamos, então, concepções epistemológicas convergentes, no meu entendimento, entre tais teorias.

Resgatando Geraldi (2010a, 2010b), as concepções de língua e de sujeito implicam focalizar a interação verbal como o lugar da produção da linguagem e dos sujeitos que, nesse processo, constituem-se nas relações interpessoais mediadas por essa mesma linguagem, nos encontros tratados aqui. Para esse autor, os sujeitos se constituem como tais à medida que interagem com os outros, daí o sujeito ser social — constitutividade se dá pela e na interação (Faraco, 2001FARACO, C. A. Pesquisa aplicada em linguagem: alguns desafios para o novo milênio. DELTA, São Paulo, v. 17, n. esp., p. 1-9, 2001. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-44502001000300001&lng=pt&tlng=pt. Acesso em: 07 nov. 2019.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
) —, uma vez que as interações não se dão fora de um contexto social e histórico mais amplo, tornando-se possíveis como acontecimentos singulares, no interior e nos limites de uma determinada formação social (Geraldi, 2010a, 2010b).

Partindo, assim, de uma abordagem sócio-histórica, com leituras de Bakhtin (2010a [1920/24]), Geraldi (2010a, 2010b), Faraco (2001FARACO, C. A. Pesquisa aplicada em linguagem: alguns desafios para o novo milênio. DELTA, São Paulo, v. 17, n. esp., p. 1-9, 2001. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-44502001000300001&lng=pt&tlng=pt. Acesso em: 07 nov. 2019.
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, 2007FARACO, C. A. O estatuto da análise e interpretação dos textos do círculo de Bakhtin. In: GUIMARÃES, A. M. de M.; MACHADO, A. R.; COUTINHO, A. (org.). O interacionismo sociodiscursivo: questões epistemológicas e metodológicas. Campinas: Mercado de Letras, 2007. p. 43-50.), Ponzio (2010a, 2010b) e Heller (2014HELLER, A. O cotidiano e a história. Tradução de Carlos Nelson Coutinho e Leandro Konder. 10. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2014 [1970]. [1970]), defino a concepção de sujeito5 5 Tenho consciência das importantes contribuições da Análise do Discurso francesa, para a qual esse conceito (sujeito) lhe é caro. Não recorro a essa base teórica, porém, por ter outros objetivos e por me valer da definição aqui apresentada, que atende plenamente aos propósitos (teórico-metodológicos) da investigação desenvolvida. como constituído — e não instituído — na alteridade, no encontro entre o eu e o outro, entre a outra palavra e a palavra outra; trata-se de conceber o sujeito como premido pelas condições históricas, mas não por elas determinado. Interessa, aqui, olhar para o sujeito sempre na relação com o outro, não sob a ótica da individualidade, mas da singularidade que se delineia nas relações estabelecidas com seu grupo social no plano da história e da cultura. Interessa, ainda, ver o sujeito na tensão entre essa mesma singularidade e a condição de inserção social e cultural mais ampla dos sujeitos singulares, o que remete às discussões vigotskianas sobre microgênese e sociogênese, tanto quanto às considerações de Heller (2014HELLER, A. O cotidiano e a história. Tradução de Carlos Nelson Coutinho e Leandro Konder. 10. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2014 [1970]. [1970]) sobre o genérico humano nos imbricamentos entre o cotidiano e a história.

Acompanhando, ainda, a leitura de Geraldi (2010b), pode-se encontrar na arquitetônica bakhtiniana as seguintes caracterizações desse sujeito: social; corpóreo, sócio-historicamente situado; responsivo/respondente (enunciação no e para o simpósio universal, conforme Faraco, 2007FARACO, C. A. O estatuto da análise e interpretação dos textos do círculo de Bakhtin. In: GUIMARÃES, A. M. de M.; MACHADO, A. R.; COUTINHO, A. (org.). O interacionismo sociodiscursivo: questões epistemológicas e metodológicas. Campinas: Mercado de Letras, 2007. p. 43-50.); responsável/singular (“princípio do não-álibi no ser”, de Bakhtin, 2010a [1920/24]); consciente (com consciência social); incompleto (numa incompletude fundante); e protagonista (que refrata). Temos, assim, um sujeito singular, único, insubstituível, não intercambiável, que se constitui na relação da diferença não-indiferente, em uma alteridade absoluta — em oposição à alteridade relativa a (Ponzio, 2010a, 2010b, 2014) —, não tendo álibi para existir e que existe no plano da história e da cultura. Nessa relação, a diferença possibilita o compartilhamento — ao contrário da desigualdade que gera as diferenças sociais, por implicar a negação do outro, recusa da partilha —, pois é a partir da identificação em relação a essa diferença entre o eu e o outro que nos permitimos interagir no encontro, constituir nossa subjetividade a partir do outro (Geraldi, 2010b).

Tal constituição se dá sempre por intermédio da linguagem. Na perspectiva histórico-cultural, o todo dessa relação seria a mediação — o encontro implica/é mediação —, o que se dá na/pela linguagem. Como define Geraldi (2010b, p. 106):

[...] concepção de linguagem como atividade constitutiva tanto da consciência dos sujeitos, e portanto da formação da subjetividade pelos processos de internalização dos signos nas interações sociais, quanto da própria língua, entendida esta como uma sistematização em aberto de recursos expressivos [...].

Trata-se da linguagem como objeto social que, além de constituir o sujeito, faculta a instituição de relações interpessoais: “[...] uma atividade constitutiva, social e dialogicamente produzida.” (Geraldi, 2010a, p. 49).

Nessa perspectiva, temos a definição vigotskiana de linguagem como instrumento psicológico de mediação simbólica, constituída por signos (Vigotski, 2008 [1968]). O círculo de Bakhtin também traz essas reflexões ao conceber a linguagem como atividade social historicizada, a qual constitui a interação. Essa discussão leva ao conceito de dialogismo, central no pensamento bakhtiniano, que designa a grande metáfora conceitual que organiza sua filosofia, “[...] é o nome para o simpósio universal que define o existir humano.” (Faraco, 2007FARACO, C. A. O estatuto da análise e interpretação dos textos do círculo de Bakhtin. In: GUIMARÃES, A. M. de M.; MACHADO, A. R.; COUTINHO, A. (org.). O interacionismo sociodiscursivo: questões epistemológicas e metodológicas. Campinas: Mercado de Letras, 2007. p. 43-50., p. 44). E esse diálogo, ou melhor, a interação, constitui-se na/pela linguagem. Para Bakhtin (2010b), as palavras se dividem em palavras pessoais e palavras do outro — a outra palavra e a palavra outra, tal qual em Ponzio (2010a) —; e, nas fronteiras flutuantes entre essas categorias, trava-se o embate dialógico. Ambas são apreendidas na cadeia da comunicação verbal, mas com base em juízos de valor particulares, que refletem o modo de apreensão do mundo de cada sujeito. O que interessa nesses enunciados, para Bakhtin (2010b), é o caráter de responsividade, ou seja, o reflexo na estrutura do próprio enunciado, e não o aspecto psicológico da relação com o enunciado (e da sua compreensão).

Partindo de tais bases epistemológicas é que se adotou os construtos teóricos do simpósio referido aqui. Acreditando que o papel da escola seja facultar apropriações do que foi objetivado como cultura pelo humano genérico em tensão com o que é característico também das relações cotidianas (Heller, 2014HELLER, A. O cotidiano e a história. Tradução de Carlos Nelson Coutinho e Leandro Konder. 10. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2014 [1970]. [1970]), interessa, nas teorizações vigotskianas, discussões acerca das relações entre pensamento e linguagem e do processo de internalização da cultura — produzida pelo trabalho humano — a partir das relações intersubjetivas com um interlocutor mais experiente, com o qual o sujeito estabelece relações de “heteronomia” — a partir da Zona de Desenvolvimento Imediato (ZDI) — ou de “autonomia” — a partir da Zona de Desenvolvimento Real (ZDR) —; quando dessas relações derivam novos delineamentos na ZDI, temos aprendizagem gerando desenvolvimento, movimento em que está implicada a formação dos chamados conceitos científicos na tensão dialética com os conceitos cotidianos. Trata-se de olhares teóricos que se baseiam nas relações interpessoais, nos encontros empreendidos, que relacionam sociedade, história e cultura. O tempo é concebido, aqui, não em si mesmo — o presente, o passado e o futuro —, mas naquilo que se constrói entre o ontem e o hoje, entre o hoje e o amanhã; enfim, são historizações que se erigem a partir das relações intersubjetivas engendradas por meio da linguagem.

Tendo ainda como foco a aula como encontro, buscam-se, nas teorizações do Círculo de Bakhtin, elementos constitutivos desse acontecimento/ato, quais sejam: os conceitos de exotopia e excedente de visão — referentes ao outro em relação ao sujeito — implicados no conceito da alteridade na relação com a subjetividade; o dialogismo como simpósio universal do existir humano (Bakhtin, 2010b; Faraco, 2007FARACO, C. A. O estatuto da análise e interpretação dos textos do círculo de Bakhtin. In: GUIMARÃES, A. M. de M.; MACHADO, A. R.; COUTINHO, A. (org.). O interacionismo sociodiscursivo: questões epistemológicas e metodológicas. Campinas: Mercado de Letras, 2007. p. 43-50.); a palavra como signo ideológico; o caráter semiótico e ideológico da consciência; as ideologias agenciadas/apropriadas pelos sujeitos no encontro; e, sobretudo, os gêneros do discurso que envolvem cada encontro, pois não há interlocução/interação/encontro fora dos gêneros.

Por fim, o artigo se aporta teoricamente nos estudos do Letramento para discutir acerca da cultura escrita, uma vez que a concepção de sujeito aqui apresentada tem, ainda, imbricamentos com o conceito de cultura que emana dos fundamentos já registrados; assim, trabalhar com o conceito de sujeito com foco na relação com o outro — a partir dos encontros — implica desdobramentos histórico-sociais. Partindo de uma gama diversificada de estudos acerca do tema letramento — entendidos, sob certos aspectos, como dissonantes —, aproximo-me da vertente encabeçada, no Brasil, por Ângela Kleiman, a partir de uma perspectiva mais antropológica que remete a autores como Brian Street, David Barton e Shirley Brice Heath, e seus conceitos de interesse para este estudo: modelos de letramento (Street, 1984); práticas de letramento (Street, 1988STREET, B. Practices and Literacy Myths. In: SALJO, R. (ed.). The written world: studies in literate thought and action. Springer-Verlag: Berlin/New York, 1988. p. 59-72.) e eventos de letramento (Heath, 2001HEATH, S. B. What no bedtime story means: narrative skills at home and school. In: DURANTI, A. (org.). Linguistic Anthropology: a reader. Oxford: Blackwel, 2001 [1982]. p. 318-342. [1982] — tomados na relação ecológica proposta por Barton (2007BARTON, D. Literacy: an introduction to the ecology of written language. 2. ed. London: Blackwell Publishing, 2007 [1994]. [1994]) —; letramentos dominantes e vernaculares. Teorizações desses autores, fundadas em discussão seminal de Street (1984)STREET, B. Literacy in theory and practice. Cambridge: CUP, 1984., têm contribuído para transcender uma concepção de letramento como atributo individual, tomando-o como resultado de uma relação complexa – ecológica (Barton, 2007BARTON, D. Literacy: an introduction to the ecology of written language. 2. ed. London: Blackwell Publishing, 2007 [1994]. [1994]) — entre práticas e eventos, uma relação de imbricamento na qual as práticas servem de base para os eventos — metáfora do iceberg (Hamilton, 2000HAMILTON, M. Expanding the new literacy studies: using photographs to explore literacy as social practice. In: HAMILTON, M.; BARTON, D.; IVANIC, R. (org.). Situated literacies. London: Routledge, 2000. p. 16-34.). Assim como o ideário vigotskiano, a metáfora da ecologia também trata do movimento dialético entre o universo social e o plano psicológico, considerando, como ponto de partida, a interação entre indivíduos e seus ambientes, segundo Barton (2007)BARTON, D. Literacy: an introduction to the ecology of written language. 2. ed. London: Blackwell Publishing, 2007 [1994]..

Partindo de todas essas discussões teóricas, vale, pois, encerrar tal seção reiterando a concepção da aula de Português — como encontro entre sujeitos singulares e historicizados, mediado pela linguagem — e as condições para seu efetivo acontecimento: que haja ensino e aprendizagem nesse encontro, quando um interlocutor incide na ZDI do outro, gerando movências intrapsíquicas, em um processo de aprender o novo, ou, nas palavras de Ponzio (2010b), com base em Bakhtin (2010a [1920/24]), “dar um passo”. Assim, em se tratando dos processos de escolarização, nos quais a cultura escrita tem espaço especialmente importante, a constituição dos alunos como sujeitos históricos lhes confere especificidades em se tratando das representações de mundo acerca dos usos da modalidade escrita da língua. Desse modo, “A linguagem, enquanto processo de constituição da subjetividade, marca as trajetórias individuais de sujeitos que se fazem sociais também pela língua que compartilham.” (Geraldi, 2010b, p. 123).

Procedimentos metodológicos: em busca de imersão na complexidade em estudo

Conforme já mencionado, esta pesquisa configura-se como um estudo de caso de tipo etnográfico, com abordagem qualitativa interpretativista. O estudo de caso, como o próprio nome indica, implica o estudo exaustivo e descritivo de uma unidade, seja uma escola, um professor, um aluno ou uma sala de aula — no caso de pesquisas educacionais —, com ênfase no conhecimento do particular (André, 1995ANDRÉ, M. E. D. A. de. Etnografia da prática escolar. Campinas: Papirus, 1995.). O interesse do pesquisador é compreender tal unidade escolhida, mantendo-se “[...] atento ao seu contexto, e às suas inter-relações como um todo orgânico, e à sua dinâmica como um processo, uma unidade em ação.” (André, 1995ANDRÉ, M. E. D. A. de. Etnografia da prática escolar. Campinas: Papirus, 1995., p. 31). No enfoque desta pesquisa, de tipo etnográfico, “[...]consideramos a experiência no campo como um todo, para encontrar significados locais ou até mesmo para identificar processos de fundo.”6 6 Original: “[...] tomamos la experiencia en el campo como un todo, para encontrar significados locales o incluso identificar procesos de fondo.”. (Rockwell, 2011, p. 77). (Rockwell, 2011ROCKWELL, E. La experiencia etnográfica: historia y cultura en los procesos educativos. Buenos Aires: Paidós, 2011., p. 77, tradução nossa). Assim, mesmo se tratando de duas escolas, ainda representa um estudo de caso porque se constitui do estudo do acontecimento aula de Português em duas escolas públicas, dois núcleos em estreita relação. O intuito é compreender implicações que incidam sobre tal acontecimento em estudo.

A operacionalização da pesquisa, conforme mencionado na introdução, incluiu minha inserção, por cerca de dois anos, em duas escolas públicas de um município da região leste do estado de Santa Catarina (SC): o que denomino, aqui, de Escola 1 (estadual) e Escola 2 (municipal). Foram selecionados ainda 14 alunos (sete de cada turma) para serem entrevistados, e, desses, oito tiveram seus familiares entrevistados em casa. Atendendo a normativas de codificação dos participantes de pesquisa do Comitê de Ética em Pesquisas com Seres Humanos, mantive siglas iniciais dos nomes dos profissionais das escolas e criei nomes fictícios para os alunos, seguidos de numeração indicativa da escola em questão (número 1 para Escola 1; 2 para Escola 2). O quadro a seguir apresenta as nomenclaturas para todos os participantes da pesquisa, para que se entenda as referências nos excertos analisados em seção posterior:

Quadro 1
– Campo e participantes de pesquisa

De acordo com a tipificação de pesquisa, para conviver com os sujeitos participantes deste estudo e buscar interpretar essa realidade complexa, o processo de geração de dados incluiu a utilização dos seguintes instrumentos: entrevistas semipadronizadas, com base em Mason (1996)MASON, J. Qualitative researching. London: SAGE Publications, 1996., Flick (2004)FLICK, U. Uma introdução à pesquisa qualitativa. 2. ed. Porto Alegre: Bookman, 2004., Olabuenaga e Ispizúa (1989) — com 23 alunos da Escola 1 e 17 da Escola 2, além de diretores, coordenadoras pedagógicas, secretárias, professoras de Português e alguns familiares —; pesquisa documental (Yin, 2005YIN, R. K. Estudo de caso: planejamento e métodos. Tradução de Daniel Grassi. 3. ed. Porto Alegre: Bookman, 2005.) — documentos para matrícula na secretaria, diários e relatórios das professoras participantes, fotocópias e produções textuais das aulas observadas —; observações participantes das aulas de Português nas turmas envolvidas no estudo, com geração de notas de campo, com base em Mason (1996)MASON, J. Qualitative researching. London: SAGE Publications, 1996., Flick (2004)FLICK, U. Uma introdução à pesquisa qualitativa. 2. ed. Porto Alegre: Bookman, 2004., Olabuenaga e Ispizúa (1989) e Rockwell (2011)ROCKWELL, E. La experiencia etnográfica: historia y cultura en los procesos educativos. Buenos Aires: Paidós, 2011. — total de 48 aulas na Escola 1 e 104 na Escola 27 7 A significativa diferença na quantidade de aulas também foi objeto de análise, consequência, sobretudo, de questões administrativas de cada instituição. —; além de rodas de conversa com 12 alunos, com base nas estratégias de grupo focal (Gatti, 2005GATTI, B. A. Grupo focal na pesquisa em ciências sociais e humanas. Brasília: Líber Livro Editora, 2005.; De Antoni et al., 2001). Trata-se de dados gerados na convivência com os participantes do estudo, tal qual implica uma pesquisa com contornos etnográficos, cuja riqueza advém desses encontros, muitos dos quais ocorrem sem planejamento a priori (Rockwell, 2011ROCKWELL, E. La experiencia etnográfica: historia y cultura en los procesos educativos. Buenos Aires: Paidós, 2011.).

Adotou-se, assim, uma metodologia que acolhe uma gama diversificada de instrumentos de geração de dados, com o objetivo de abarcar determinada realidade complexa — o acontecimento aula de Português —, a fim de estudar, com a maior profundidade possível, relações intersubjetivas que têm lugar no campo de pesquisa. Foi minha intenção, por meio desses dados gerados, vivenciar apropriação de conhecimentos ali historicizada em relação à modalidade escrita por parte desses alunos — na aula de Português —, em contextos e situações específicas — no âmbito escolar —, bem como interpretar a reflexão por parte deles sobre tais vivências e aprendizagens — o que implicaria o (não) engajamento na aula.

Implicações no (não) acontecimento aula de Português: inferência de duas culturas escolares em relações ecológicas

Ao buscar as respostas para a questão que norteou este estudo, a partir de minhas vivências em cada escola campo de pesquisa, inferi haver ali duas culturas8 8 A cultura é entendida aqui como criação da atividade humana; em outras palavras, como patrimônio humano genérico, universo de objetivações disponibilizadas ao enriquecimento da atividade humana (com base em Gačev, 2011; Duarte; Martins, 2013). escolares, dois modos distintos no que respeita a como os sujeitos se colocam para os encontros que têm/espera-se que tenham lugar nessas esferas em particular — e se esses encontros acontecem ou não, na concepção de acontecimento aqui adotada.

Assim como em Irigoite (2011)IRIGOITE, J. C. da S. Vivências escolares em aulas de Português que não acontecem: a (não) formação do aluno leitor e produtor de texto. Orientadora: Mary Elizabeth Cerutti-Rizzatti. 2011. 332 f. Dissertação (Mestrado em Linguística) - Centro de Comunicação e Expressão, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2011. — e, também, em razão desse mesmo estudo —, reitero a compreensão de que a questão nodal não está em implicações diretas de cada enfoque estudado que pudessem ser tomadas como relações causais objetivas, mesmo porque a operacionalização de uma pesquisa de base interpretativista não me move para isso. Ao estender o olhar para além da sala de aula, entendo a possibilidade de depreender um conjunto ecológico de implicações (com base em Barton, 2007BARTON, D. Literacy: an introduction to the ecology of written language. 2. ed. London: Blackwell Publishing, 2007 [1994]. [1994]) que, em tese, contribuem para o delineamento e a manutenção dessas duas culturas inferidas em cada instituição estudada, em uma complexa rede de relações recíprocas. Dessa maneira, tomo essas duas culturas, interpretativamente, como um grande movimento ecológico, no âmbito do qual elas interagem entre si, na perspectiva bakhtiniana do dialogismo, segundo a qual não se buscam sínteses a partir de contradições, mas a integração dessas mesmas contradições (com base em Bakhtin, 2010b). Tais culturas dialogam, no sentido bakhtiniano do conceito, porque se integram, circulam, coexistem numa mesma ecologia maior que se desenha ali. Não se trata de uma coexistência justaposta, mas de uma coexistência ecológica, pois não as tomo como dicotômicas, como contradições que requereriam uma síntese dialética, mas dialogicamente, com os tensionamentos que as constituem. Entendo que essa ecologia se desenha ali não devido a especificidades da instituição escolar em si mesma, mas a um conjunto de elementos que se articulam de modo bastante complexo.

Meu olhar interpretativista inferiu, assim, na Escola 1 o que entendi ser passível de referenciar como cultura da (in)quietude, por entender que as aulas de Português que vivenciei ali não acontecem de fato, semelhantemente às aulas em que me envolvi em Irigoite (2011)IRIGOITE, J. C. da S. Vivências escolares em aulas de Português que não acontecem: a (não) formação do aluno leitor e produtor de texto. Orientadora: Mary Elizabeth Cerutti-Rizzatti. 2011. 332 f. Dissertação (Mestrado em Linguística) - Centro de Comunicação e Expressão, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2011., cuja pesquisa, reitero, deu-se na mesma escola, mas com interactantes distintos — turma e professora de Português participantes da pesquisa. Na concepção de aula aqui adotada, entendo não se instituírem encontros dos sujeitos envolvidos (Ponzio, 2010a; 2010b; 2014), tendo presente que as relações interpessoais que me foi dado vivenciar ali parecem não incidir efetivamente na zona de desenvolvimento imediato (ZDI) dos aprendizes (Vigotski, 2008VIGOTSKI, L. S. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. 7. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2008 [1968]. [1968]), a ponto de facultar mudanças significativas em seu psiquismo, resultando em apropriações de cultura/conhecimentos objetivados pela humanidade — no sentido vigotskiano dessas objetivação e apropriação (Vygotski, 2000VYGOTSKI, L. S. Obras escogidas III: problemas del desarrollo de la psique. Tradução de Lydia Kuper. Madrid: Visor, 2000 [1931]. [1931]) —, bem como na sua constituição subjetiva (Geraldi, 2010a).

Muitas relações interpessoais estabelecidas nesse espaço particular, em meu entendimento, não chegam a constituir relações intersubjetivas da perspectiva vigotskiana, colocando em xeque a concepção de encontro — nesse contexto, os sujeitos saem indiferentes dessas relações. Interpreto, ainda, uma postura que arrisco referenciar como desistência por parte dos sujeitos envolvidos — o que tributo como uma possível exacerbação dessa cultura da (in)quietude — perante as possibilidades que anteveem para modificar tal realidade na qual, em tese, as aulas não acontecem como encontro. Eis um exemplo, na minha interpretação, desse não acontecimento:

RNC.1 pede para os alunos abrirem o livro didático, no qual irão trabalhar com o gênero conto. /.../. (...). RNC.1 levanta a voz para pedir silêncio e inicia a leitura em voz alta sobre definição do gênero conto. No decorrer da leitura, às vezes levanta o tom de voz para esperar silêncio por parte dos alunos, que continuam conversando sobre assuntos dissociados da aula. (...). RNC.1 começa a ler o primeiro conto, parando, frequentemente, para ver quem está conversando. (...) desabafa estar cansada pela falta de atenção deles, RNC.1 reinicia a leitura do conto em voz alta. No decorrer da leitura, observo quatro alunos deitados sobre a carteira, um visivelmente dormindo; alunos do fundo conversam sobre assuntos variados; Letícia.1 escuta música com fones no ouvido. Ao finalizar a leitura, RNC.1 começa a fazer perguntas de recuperação explícita de informação, ao que ninguém responde. Apenas Diogo.1 comenta que não entendeu nada do texto. Ao questionar à turma, ninguém confirma ter entendido. A docente, então, empreende uma discussão acerca do tema tratado no texto lido, mas apenas com os alunos sentados à frente da sala — os alunos do fundo continuam com conversas paralelas, aparentemente alheios às discussões de RNC.1. Vejo uns cinco alunos dormindo sobre a carteira. (...) Novamente a docente vai levantando o tom de voz e interrompe a leitura frequentemente para esperar silêncio. Até que desiste da leitura e começa a copiar todo o conto no quadro, (...). RNC.1 nem olha mais para a turma e segue na escrita no quadro. (...). Ao final da aula, a professora escreve no quadro uma solicitação de produção textual: “escrever um miniconto com o assunto que preferir”. (Notas n. 235–245, Diário de Campo, ALP22, Escola 1, 2014).

Esse longo excerto caracteriza, em grande medida, a ecologia desse espaço no qual imergi. Temos, na aula apresentada, a professora RNC.1 como uma das interactantes, e o ato de dizer, no modo como está sendo dito — leitura de contos no livro didático —, nesta esfera e neste cronotopo em particular; o ato tem como questão a apropriação do conteúdo que está sendo tematizado — o gênero conto. Com isso, depreendo, primeiramente, a reiteração de algumas caracterizações no trabalho empreendido por RNC.1 com os gêneros do discurso tomados como objetos de ensino, a exemplo de leitura e produção textual de gêneros dissociados do suporte e da esfera de atividade humana — remissão ao que Halté (2008HALTÉ, J. O espaço didático e a transposição. Fórum Lingüístico, Florianópolis, v. 5, n.2, p. 117-139, jul./dez. 2008 [1998]. Disponível em: https://pt.scribd.com/document/399936204/O-Espaco-Didatico-e-a-Transposicao-HALTE. Acesso em: 07 nov. 2019.
https://pt.scribd.com/document/399936204...
[1998]) denomina de artificialismo constitutivo, inerente à esfera escolar —; e uso de sequência didática (com base em Schneuwly; Dolz, 2004SCHNEUWLY, B.; DOLZ, J. Gêneros orais e escritos na escola. Tradução e organização de Roxane Rojo e Glaís Sales Cordeiro. Campinas: Mercado de Letras, 2004.) que incluía, respectivamente, definição do gênero a ser trabalhado, leitura de textos nesse gênero e produção textual nesse gênero. Vemos, aqui, o gênero sendo trabalhado na esfera escolar sob uma dimensão ontológica (Geraldi, 2010a) que não mantém os propósitos interacionais e demais questões que o caracterizam, denegando, sobretudo, a dimensão social.

Para que seja um evento de letramento, porém, é condição sine qua non que os sujeitos assumam a condição de interactantes. O que temos nesse excerto é uma pequena parcela da turma assumindo-se como interactante do evento em questão, enquanto a grande maioria não o faz. Ambos os grupos respondem, no sentido bakhtiniano do termo, à professora, mas a configuração dessa resposta coloca a minoria como interactante do evento. Em se tratando de especificidades mais pontuais do cronotopo, instaurava-se uma divisão espacial visível entre os alunos da frente na sala, interactantes do evento — ainda que em uma flagrante variabilidade no âmbito do engajamento em torno do ato de dizer no gênero —, e esses alunos do fundo, não interactantes, em posição de diferença indiferente, tomados sob o conhecido “escafandro” categorial (Ponzio, 2014PONZIO, A. Identidade e mercado de trabalho: dois dispositivos de uma mesma armadilha mortal. In: MIOTELLO, V.; MOURA, M. I. A alteridade como lugar da incompletude. São Carlos: Pedro e João Editores, 2014. p. 49-95.) da turma do fundão. Nesse caso, parece que os assumir no âmbito dessa diferença indiferente — diferem, sim, dos alunos da frente, e essa diferença é tangenciada — é esperado em se tratando da exacerbação da cultura da (in)quietude, a desistência mencionada anteriormente. Nessa perspectiva, trata-se de evento somente para os poucos alunos que assumem a posição de interactantes; o restante da turma não participa desse evento — e o termo interactante é colocado em xeque aqui —; não parece, pois, haver encontro constituindo a aula de Português, tão pouco ensino e aprendizagem dos objetos culturais tematizados no ato de dizer.

Ainda em tal excerto, encontramos diversas formas de resposta desses alunos, por meio de comportamentos e posturas avaliados como pouco convergentes com a ambientação de sala de aula, tais como: conversar sobre assuntos dissociados do tema focalizado, escutar música no celular, fazer outras atividades não referentes à disciplina em questão e até mesmo dormir na carteira. Questão relevante, aqui, é a interpretação de que a maioria dos não interactantes do evento de letramento em curso também não se fazem interactantes de outros eventos paralelos, a exemplo daqueles que se deixam arrebatar pelo sono; ou se fazem interactantes em eventos do âmbito dos letramentos vernaculares, aqueles em que a escrita não ganha o grande tempo (Bakhtin, 2010b), a exemplo dos alunos que operam seus celulares para jogos eletrônicos ou músicas. Desse modo, parece bastante claro que as aulas com essa configuração não constituirão espaços interacionais para que os sujeitos transcendam o cotidiano imediato em diálogo com o que é do plano da história, do genérico humano (Heller, 2014HELLER, A. O cotidiano e a história. Tradução de Carlos Nelson Coutinho e Leandro Konder. 10. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2014 [1970]. [1970]), colocando-se, pois, em xeque o papel da escola ali.

Já na Escola 2, depreendi uma outra cultura referenciada, a partir de meu olhar interpretativista, como cultura da (re)afirmação, uma vez que considero que as aulas de Português as quais vivenciei acontecem como encontro, dada a compreensão de se instituir ali a mencionada intersubjetividade. Trata-se de mais um universo complexo, no qual diversos sujeitos agem nos encontros empreendidos, depreendendo-se, ainda, haver um sentimento de crença nas possibilidades de o estudo modificar realidades adversas, bem como em uma postura discente que converge para essa aprendizagem. Inferi tal movimento em alguns dos participantes da pesquisa, tais como alunos, professores e outros profissionais da instituição escolar em questão. Por entender que essas ações se dão com vistas à adaptação social — respostas a demandas externas à esfera escolar —, não as tomo como um protagonismo de fato, mas como (re)afirmação dessas demandas advindas de outras instâncias. Segue excerto de uma aula que exemplifica a cultura inferida na Escola 2, uma aula que acontece como encontro entre os interactantes envolvidos:

A professora MPB.2 chega na sala de aula e é bem recebida pela turma. (...). MPB.2 começa uma discussão, relembrando assunto do semestre anterior: diferenças entre os gêneros conto e crônica. Os alunos participam, tentando responder aos questionamentos da docente. Percebo uns dois ou três alunos alheios ao tema focalizado na aula, com conversas paralelas. O restante da turma parece prestar atenção às falas da docente. Após a discussão, MPB.2 entrega fotocópias de uma atividade de interpretação de texto, cuja fonte não é identificada. Pede para sentarem em duplas para responderem às questões, para o que os alunos demoram, fazendo bastante barulho para se ajeitarem. (...). No decorrer da atividade, uns três grupos conversam muito alto, mas discutem sobre a atividade. (...). Percebo o quanto os alunos conseguem responder aos questionamentos gramaticais feitos pela docente. Ao bater o sinal, MPB.2 faz a chamada de maneira silenciosa, sem enunciar os nomes em voz alta. Depois questiona alguns alunos que faltaram às últimas aulas e pergunta sobre quem faltou nesta aula. Para iniciar a correção, a professora pede cinco voluntários para ler o texto em voz alta, referentemente a cada personagem do texto, ao que muitos alunos se oferecem prontamente. Faz-se um silêncio em sala durante a leitura em voz alta, com apenas um grupo conversando entre si, em voz baixa. A docente, então, faz diversas perguntas sobre o texto, ao que muitos estudantes respondem com suas próprias palavras, incluindo os que estavam conversando entre si. Depois, começa a correção, solicitando-se a um aluno por vez ler em voz alta cada uma das respostas, em que toda a turma participa ativamente, ora respondendo, ora questionando a docente sobre suas dúvidas. (...). Após o sinal, alguns alunos se dirigem à docente para tirar dúvidas acerca da tarefa solicitada. (Notas n. 1-36, Diário de Campo, ALP1 e 2, Escola 2, 2014).

Esse excerto descreve uma ecologia visivelmente distinta da que vivenciei na Escola 1. Aqui, temos um evento de letramento que conta com a maioria dos sujeitos assumindo sua posição de interactantes — praticamente grande parte da turma atende às expectativas da docente, participando ativamente da interação. Dessa maneira, o encontro acontece porque tal evento, embora seja delineado para finalidades de acomodação social em atender a demandas externas — foco em tópicos gramaticais, com vistas a concursos e exames de natureza diversa —, conta com todos seus constituintes, havendo interação, com visível engajamento dos interactantes. Com a interação acontecendo, o evento se presta à finalidade para a qual existe nessa esfera, que é haver ensino e aprendizagem daquilo que está sendo objeto cultural do ato de dizer.

Em se tratando do ato de dizer, no que respeita às professoras, ainda que esse ato se materialize sob estratégias bastante semelhantes — ambas primam por reportar a palavra na leitura em voz alta e/ou na transcrição no quadro —, implica configurações substancialmente distintas. Na Escola 1, institui-se no âmbito do escafandro que mantém os álibis docentes e reitera a diferença indiferente em se tratando dos alunos; na Escola 2, por sua vez, inferi um entrelugar, uma busca de fuga no escafandro, um olhar que ensaia o não álibi e foca na diferença não indiferente: quem são esses alunos, como eles aprendem, quando vêm ou não à escola e especificidades afins. No excerto em questão, MPB.2 questiona o absenteísmo dos alunos, conversando com quem vêm apresentando faltas frequentes, num movimento que suscita ir além do seu escafandro de docente. Na ecologia da Escola 2, compartilha-se o enunciar-se entre professora e alunos; a leitura em voz alta é também feita pelos alunos, acompanhada de leitura silenciosa, em que o protagonismo é necessariamente discente, o que tende a favorecer a compreensão dos textos antes de serem lidos em voz alta perante a turma.

De todo modo, mesmo com os objetos culturais foco do ato de dizer e as estratégias de dizer convergindo com a chamada educação tradicional (com base em Duarte, 2011DUARTE, N. Vigotski e o "aprender a aprender": crítica às apropriações neoliberais e pós-modernas da teoria vigotskiana. 5. ed. Campinas: Autores Associados, 2011 [2000]. [2000]), há engajamento por parte dos estudantes, há uma resposta favorável aos convites de interação feitos pela docente — os estudantes realizam a atividade com empenho a ponto de discutirem sobre, respondem aos questionamos feitos durante a aula e levantam diferentes dúvidas sobre os temas abordados, demonstrando um exercício de reflexão sobre, além de uma possível posição de ausculta nos momentos em que, mais do que silenciam, parecem calar (Ponzio; Calefato; Petrilli, 2007). Assim, a aula-encontro acontece, há ensino e aprendizagem dos objetos culturais por meio dos atos de dizer.

Buscando interpretar essas duas realidades, nas quais entendo haver aulas de Português que não acontecem — Escola 1 — e aulas de Português que acontecem — Escola 2 —, a análise veicula meu olhar acerca dessa complexidade — imergir no campo foi o desafio deste estudo. Em minhas vivências ali, encontrei implicações/desdobramentos/aspectos enovelados nas relações interpessoais e/ou intersubjetivas dos interactantes participantes de pesquisa, os quais contribuem para o delineamento e a manutenção de cada uma dessas culturas escolares, referentemente à instituição escolar — incluindo gestores, equipe pedagógica, bem como a instituição mantenedora —, ao aluno e à família desse aluno.

Se me interessa, pois, olhar o sujeito sempre na relação com a outridade, considero diversas relações no âmbito de cada uma das duas culturas escolares depreendidas aqui, como, por exemplo: entre a instituição escolar e a respectiva instituição mantenedora — pertencimento da Escola 1 à rede estadual, e o da Escola 2, à rede municipal —; entre a instituição escolar e seus docentes; entre os docentes e seus alunos — com possíveis reverberações nas famílias desses alunos; entre a instituição escolar e os familiares dos alunos. Enfim, eis a complexidade de relações na qual busquei imergir. Dessa complexidade, destaco três grandes movimentos para análise, no âmbito dessas duas esferas, duas instituições distintas — escolar e familiar —, em uma estrutura que tomo como tripartite: a) a configuração organizacional das ações administrativas no âmbito da instituição escolar — ações de gestão —; b) as ações dos interactantes diretos da aula de Português, nesse caso, professora e alunos participantes de pesquisa — eventos e práticas de letramento —; e c) as práticas de letramento desses alunos e de seus familiares. As duas primeiras instâncias constituem um desdobramento do primeiro enfoque da questão de pesquisa, referenciado como ação organizacional da escola. Trata-se de três focos reconhecidamente amplos, cujo escopo foi delimitado no processo analítico tendo o objeto de estudo, a aula de Português, como critério de controle dessa amplitude. Tentei delinear essa complexa rede de relações no diagrama a seguir, o qual materializa minha interpretação acerca das duas culturas depreendidas e como elas se colocam na ecologia desenhada ali:

Figura 1
– Diagrama das culturas escolares em relações dialógicas

Nesse Diagrama, o conjunto maior, marcado com a sigla E0, nomeia a ecologia que engloba as duas escolas, referentemente aos aspectos que considero do escopo amplo; dentro dessa ecologia, colocam-se as duas culturas escolares objeto de análise, referenciadas como E1 — cultura da (in)quietude na Escola 1 — e E2 — cultura da (re)afirmação na Escola 2; e, finalmente, dentro de cada ecologia menor, teria a estrutura tripartite que mencionei, formada pelos três grandes movimentos focos de análise: a instituição escolar, no que se refere às ações de gestão — referenciada pela letra G —; a instituição escolar, no que se refere aos eventos e práticas de letramento no âmbito da aula Português — letra EP —; e os familiares dos alunos — letra F —; cada qual seguida da numeração referente à cultura respectiva — algarismo 1, para os aspectos da E1; algarismo 2, para os aspectos da E2. As intersecções em destaque desses três conjuntos menores em cada cultura seriam o objeto de estudo, a aula de Português. E na intersecção entre as duas culturas E1 e E2, estaria a diferença entre a aula que acontece como encontro e a que não acontece.

Retornando à questão-suporte referente às implicações das ações escolares no acontecimento da aula-encontro — Que implicações é possível depreender entre a configuração organizacional das ações administrativas no âmbito da instituição escolar e o acontecimento aula de Português como encontro? —, representada pelas dimensões G1 e G2, foram levantadas caracterizações socioeconômica e geográfica de cada escola campo de estudo — no âmbito do escopo estrito —; caracterizações da esfera escolar — no âmbito do escopo amplo, referente a constrições advindas da realidade das escolas públicas no Brasil —; resposta dos interactantes frente a essas constrições do escopo amplo; e valorações de cada escola em tela, por parte das comunidades do entorno.

Sintetizando os dados, no que diz respeito às caracterizações socioeconômica e geográfica, não depreendi diferenças significativas entre as duas escolas, pois ambas atendem a um público bastante heterogêneo, com predomínio de inserção em contextos de fragilidade econômica e baixa escolaridade, e se localizam em bairros vizinhos, cercados por regiões de alta vulnerabilidade social. A diferença estaria nas valorações atribuídas a cada instituição, que atraem um conjunto de famílias para uma determinada escola, e outro conjunto para outra escola. Nesse sentido, os apontamentos feitos por profissionais de cada escola, nas entrevistas, indicaram que à Escola 1 afluem famílias advindas de regiões mais próximas do bairro sede, com predomínio desses bairros de alta vulnerabilidade social; enquanto à Escola 2 afluem famílias de bairros distantes, que investem no transporte escolar para matricular os filhos em uma instituição valorada favoravelmente.

Já em relação às contingências da realidade das escolas públicas brasileiras — questões historicamente prementes, visibilizadas nas duas ecologias —, também não inferi diferenças significativas na oferta de recursos infraestruturais básicos, uma vez que, em ambas as escolas, depreendi a alta incidência do não, denotativo da ausência de, na fala dos profissionais entrevistados. Dentre essas questões prototípicas, convergentes no campo em estudo, destaco questões referentes à infraestrutura e aos recursos disponíveis — caracterizados pela escassez/precariedade —; ao papel do Projeto Político Pedagógico (PPP) — tomado como letra morta, sem assinatura do ato, istina sem pravda (Bakhtin, 2010a [1920/24]) —; e às condições de vínculo dos docentes — com prevalência de professores Admitidos em Caráter Temporário (ACT) e a consequente rotatividade no quadro docente. Essas limitações tendem a prejudicar possibilidades de se estabelecer encontros dos sujeitos imersos nessas culturas, o que exige tempo significativo e engajamento dos interlocutores.

Diante das similitudes inferidas em relação a essas questões prototípicas da historização da esfera escolar, o que parece ser divergente é o modo como os interactantes respondem a elas, em seu ato responsável (Bakhtin, 2010a [1920/24]). Assim, interpretei uma postura de aquietamento por parte dos interactantes da Escola 1, frente aos elementos do escopo amplo, constitutiva dessa cultura da (in)quietude — a expectativa por condições objetivas que não se materializam acaba por limitar o trabalho de grande parte da equipe pedagógica, bem como a condição mais para outsiders (Kramsch, 2008KRAMSCH, C. Language and culture. New York: Oxford University Press, 2008 [1998]. [1998]) dos professores substitutos ali presentes. São aspectos das ações escolares, sobretudo de gestão, que contribuem, em meu entendimento, para a projeção da memória de futuro (Bakhtin, 2010b) que depreendi nesta cultura escolar específica, com implicações, pois, no acontecimento da aula-encontro. A exacerbação da cultura da (in)quietude dar-se-ia na desistência perante esses desafios levantados. E os alunos, por sua vez, parecem perceber essa desistência e respondem a ela, por meio da resistência, ao não se engajarem nos eventos de letramento propostos em sala de aula.

Já na Escola 2, interpretei uma postura de enfrentamento a essas limitações impostas pelas situações contingenciais do escopo amplo. Aqui observei ações escolares mencionadas com aparente orgulho pelos profissionais entrevistados, a exemplo de: projeto troca-troca literário, aulas semanais de leitura na disciplina de Língua Portuguesa e participações dos alunos nas Olimpíadas de Português e na mostra cultural da escola. Salvaguardadas as problematizações acerca da natureza das motivações subjacentes a essas ações — se são fruto de um protagonismo de fato ou de mera adaptação a demandas externas —, entendo que a cultura da (re)afirmação, aqui, implica memória de futuro (Bakhtin, 2010b), uma prospecção docente favorável em relação ao futuro dos alunos, a confiança em suas possibilidades para horizontalização das próprias práticas de letramento — assim, interpreto tais ações da Escola 2 como incentivos aos alunos para prosseguirem nos estudos, com chance de se destacarem em provas alimentadoras de indicadores oficiais — a exemplo da Prova Brasil —, como também seletivas para escolas cujas vagas são objeto de acirrada concorrência e, posteriormente, em universidades, na continuação dos estudos, tendo êxito na vida. Os alunos, por sua vez, respondem a esses incentivos com aparente aprovação em relação a essas ações escolares, implicando uma postura engajada nas aulas de Português.

Entendo, assim, que a resposta não está nas ações em si, pois nenhuma implicação é unidirecional na ecologia em estudo — é preciso, reitero, considerar a estrutura tripartite delineada no Diagrama. É a relação dessa dimensão em questão — G1 e G2 — com as outras dimensões que faculta ou não tal acontecimento. Sintetizando os dados levantados nesse primeiro movimento analítico, concluo que, na Escola 1, contingências advindas do escopo amplo — E0 — acabam por limitar as ações da G1, as quais, por sua vez, não recebem reverberações da F1 — imagem negativa construída na historicidade dessa instituição — e da EP1 — os professores desistem perante tais constrições, e os alunos respondem resistindo aos eventos propostos nas aulas —; havendo, assim, uma desistência e um silenciamento de ambas as partes. Dessa maneira, a aula de Português não acontece como encontro entre a outra palavra e a palavra outra — trata-se de um ciclo que se retroalimenta. Já a dimensão G2 da Escola 2 — imersa na mesma ecologia maior E0 e, portanto, à mercê das mesmas constrições — é caracterizada por ações de incentivo aos alunos e que são levadas a termo como enfrentamento dessas contingências — mesmo que não escapem da prototipia da esfera, podendo ser concebidas meramente como respostas às demandas da instituição mantenedora. De todo modo, aqui a aula acontece porque há uma resposta favorável por parte de F2 — as famílias se empenham para manterem os filhos estudando numa escola com valoração elogiosa no entorno — e de EP2 — professores e alunos engajados nas aulas, em tese satisfeitos pelo trabalho ali empreendido.

Em relação à segunda questão-suporte, com enfoque também na instituição escolar, porém, no âmbito das turmas campo de estudo — Que implicações é possível depreender entre a configuração dos eventos e das práticas de letramento no âmbito das turmas campo de estudo e o acontecimento da aula como encontro? —, meu olhar se voltou para as dimensões EP1 e EP2 no Diagrama, sempre tomadas em relações ecológicas com as outras dimensões. Novamente inferi semelhanças nos eventos de letramento que vivenciei em cada turma campo de estudo: eventos pertencentes à esfera escolar; com cronotopos — referentemente às turmas 82 (Escola 1) e 801 (Escola 2) — marcados por uma alta tecnoburocracia que atende a indicadores e instrumentos de avaliação externos —; e atos de dizer que acontecem com vistas às finalidades da esfera, que é empreender processos de ensino de modo a facultar aos estudantes a aprendizagem dos objetos culturais tal qual se desenham nesses espaços. Dessa maneira, em relação aos objetos culturais delineados em cada turma, interpretei uma organização programática muito semelhante, em convergência com o que se entende prototípico da chamada escola tradicional tal como a concebe Saviani (2012SAVIANI, D. Escola e democracia. 42. ed. Campinas: Autores Associados, 2012 [1983]. [1983]): em grande parte dessas aulas, encontrei tanto tópicos prescritivos da chamada gramática normativa, quanto gêneros do discurso trabalhados na dimensão ontológica (Geraldi, 2010a) a partir de um tratamento objetificado. Entendo que tais objetos integram a ecologia maior (E0), pois tendem a compor provas e exames que alimentam indicadores oficiais e processos seletivos em nível nacional – demandas de esferas externas à escola.

A distinção entre as duas culturas escolares estaria, mais uma vez, nas reverberações por parte das outras dimensões e, por implicação, nos processos de ensino e aprendizagem desses objetos, tal como isso se dá em cada espaço escolar. Assim, na Escola 2, entendo que se visibilizam assumidamente as razões das escolhas de tais objetos culturais, que seriam atender a essas demandas externas. Essa justificativa é verbalizada por profissionais da escola para os alunos; os quais, por sua vez, revozeiam tais compreensões, apropriando-se de representações/valorações em relação a esses objetos e à própria disciplina de Língua Portuguesa. Nessa ecologia, depreendi como eixo sustentador do programa das aulas de Português a adaptação social, a qual me parece, ainda, ser referendada pelos interactantes dos outros desdobramentos com os quais mantêm as relações ecológicas delineadas: gestão escolar (G2) — seja nas falas de incentivo que presenciei em sala de aula, bem como nas condições materiais e imateriais disponibilizadas aos docentes — e familiares dos alunos (F2) — cujos objetivos com a escolarização dos filhos tendem a convergir com os da instituição, com vistas à adaptação social.

As implicações dessas reverberações nas outras dimensões, em meu entendimento, seriam favoráveis ao acontecimento da aula-encontro: professora e alunos minimamente satisfeitos e, assim, engajados, assumindo a posição de interactantes dos eventos de letramento levados a termo em sala de aula. Nessas condições — EP2 lança propostas de encontro com respostas referendadas por parte de G2 e F2 —, seria possível prescindir de estratégias coercitivas como norte de ação pedagógica; assim, MPB.2 consegue escapar em parte das limitações do escafandro (Ponzio, 2014PONZIO, A. Identidade e mercado de trabalho: dois dispositivos de uma mesma armadilha mortal. In: MIOTELLO, V.; MOURA, M. I. A alteridade como lugar da incompletude. São Carlos: Pedro e João Editores, 2014. p. 49-95.) nas relações estabelecidas com seus alunos, abrir mão do livro didático como artefato (Hamilton, 2000HAMILTON, M. Expanding the new literacy studies: using photographs to explore literacy as social practice. In: HAMILTON, M.; BARTON, D.; IVANIC, R. (org.). Situated literacies. London: Routledge, 2000. p. 16-34.) prevalecente, utilizar dispositivos eletrônicos como instrumentos mediatizadores e atividades lúdicas no processo de ensino e aprendizagem desses objetos culturais. Entendo que, aqui, o encontro acontece no sentido de que as relações interpessoais desses sujeitos parecem incidir efetivamente na ZDI dos aprendizes (Vigotski, 2008VIGOTSKI, L. S. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. 7. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2008 [1968]. [1968]), a ponto de facultar mudanças significativas em seu psiquismo, resultando em apropriações de cultura/conhecimentos objetivados pela humanidade, bem como na sua constituição subjetiva (Geraldi, 2010a). O resultado dessas inter-relações seria, portanto, o aprendizado de tais objetos culturais por parte dos alunos, mas com o fito de atender a demandas externas, oriundas de outras esferas, agora o desenho funcionalista da sociedade tecnoburocrática.

Já na Escola 1, não se visibilizam as razões de escolha dos objetos culturais tematizados nas aulas de Português que vivenciei, o que implicaria ações pedagógicas limitadas à reiteração de fazeres prototípicos (Halté, 2008HALTÉ, J. O espaço didático e a transposição. Fórum Lingüístico, Florianópolis, v. 5, n.2, p. 117-139, jul./dez. 2008 [1998]. Disponível em: https://pt.scribd.com/document/399936204/O-Espaco-Didatico-e-a-Transposicao-HALTE. Acesso em: 07 nov. 2019.
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[1998]) dados na tradição escolar, no âmbito da imitação — do que se fez sempre —, sem apropriação; como mera ação, e não ato (com base em Bakhtin, 2010a [1920/24]); não constituindo, portanto, sentido, tanto para a professora quanto para os alunos. Aqui entendo não haver reverberação do trabalho pedagógico empreendido por parte das outras dimensões do Diagrama, o que inferi a partir do que presenciei e ouvi nas entrevistas em relação a: condições materiais e imateriais disponibilizadas aos professores, bem como alta incidência de interrupções externas observadas nas aulas em questão — implicações de G1 —; laços frágeis estabelecidos com as famílias dos alunos — implicações de F1. Com essa ecologia ali posta, em relação aos interactantes de EP1, entendo haver uma desistência dos participantes, materializada em ações docentes como copiar matéria no quadro e ler em voz alta — por parte RNC.1 —, e nas diversas formas de resistência discente em grande parte da turma em estudo — a exemplo de conversar sobre assuntos divergentes do tema focalizado na aula, escutar música no celular, fazer outras atividades não referentes à disciplina em questão —, as quais os impedem de se assumirem como interactantes dos eventos empreendidos em aula. Não havendo interactantes, não há evento de fato, tampouco encontro desses sujeitos; logo, problematizo dar-se aprendizado, aqui, dos objetos culturais tematizados nessas aulas. Dessa maneira, inferi haver ressignificação apenas das práticas daquele pequeno grupo que participa como interactante dos eventos que acontecem ali, mas ressignificação sob uma perspectiva insularizada na escola, já que inexistem relações entre os objetos culturais que ocupam os eventos de letramento na esfera escolar e o modo como tais objetos se colocam fora da escola, em outras esferas da atividade humana.

A resposta a essa segunda questão-suporte, portanto, implica mais uma vez nessas inter-relações nas ecologias do Diagrama — não se trata de uma relação unidirecional, porque é encontro. Para que tais eventos e práticas resultem no ensino e na aprendizagem — no sentido vigotskiano dos termos —, seja dos objetos culturais ali selecionados ou de outros enfoques mais convergentes com a literatura atual na área, é preciso que eles sejam endossados/reverberados/retroalimentados pelos outros desdobramentos da ecologia, nos encontros que deveriam constituir uma aula.

Por fim, a terceira questão-suporte — Que implicações é possível depreender entre as práticas de letramento dos alunos participantes desta pesquisa e o acontecimento da aula como encontro? — foi buscar subsídios nas famílias dos alunos participantes da pesquisa. Para compreender essas possíveis implicações da terceira dimensão — F1 e F2 do Diagrama —, levantei caracterizações dos familiares entrevistados, referentemente às respectivas experiências com a escolarização e as práticas de letramento depreensíveis pelas menções aos eventos de letramento que me foram informados como prevalecentes no cotidiano desses sujeitos; também depreendi possíveis inter-relações dessas caracterizações com as escolas campo de estudo, nas possibilidades de projeções — ou não — de memória de futuro e de horizontes de possibilidades (Bakhtin, 2010b), bem como possíveis retroalimentações entre as ecologias em estudo, a partir de uma perspectiva dialógica entre as duas esferas em questão — família e escola.

Em relação ao conjunto de famílias respectivo à Escola 1, foram levantadas as seguintes caracterizações: inserção em contextos de fragilidade econômica; predomínio de estrutura matriarcal; baixa escolaridade dos pais; práticas de letramento de prevalência dos letramentos vernaculares (Barton; Hamilton, 1998BARTON, D.; HAMILTON, M. Local literacies: reading and writing in one community. Londres: Routledge, 1998.); e rarefação de artefatos (Hamilton, 2000HAMILTON, M. Expanding the new literacy studies: using photographs to explore literacy as social practice. In: HAMILTON, M.; BARTON, D.; IVANIC, R. (org.). Situated literacies. London: Routledge, 2000. p. 16-34.) em casa. Com essas caraterísticas, entendo que esses familiares não parecem dispor efetivamente de capital axiológico em relação à escolaridade (Lahire, 2008LAHIRE, B. Sucesso escolar nos meios populares: as razões do improvável. Tradução de Ramon Américo Vasques e Sonia Goldfeder. São Paulo: Ática, 2008 [1995]. [1995]) para compartilhar com seus filhos, tampouco projeção de uma memória de futuro (Bakhtin, 2010b) para esses sujeitos distinta daquela que alimentam e que alimentaram em relação a si próprios. Semelhantemente aos resultados de Irigoite (2011)IRIGOITE, J. C. da S. Vivências escolares em aulas de Português que não acontecem: a (não) formação do aluno leitor e produtor de texto. Orientadora: Mary Elizabeth Cerutti-Rizzatti. 2011. 332 f. Dissertação (Mestrado em Linguística) - Centro de Comunicação e Expressão, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2011., entendo que, neste cronotopo, as práticas de letramento depreendidas nessas famílias provavelmente não oferecem suporte às propostas de eventos de letramento na esfera escolar. Entendo haver aqui um silenciamento tanto em relação a si próprios e suas vidas, nas condições atuais em que se encontram, quanto no que diz respeito à escolaridade dos filhos —, reverberando/retroalimentando, assim, a cultura da (in)quietude instalada na Escola 1.

Esse comportamento de (in)quietude presente nesses familiares, bem como as experienciações e valorações em relação aos estudos escolares — objetos de apropriação na historicidade de cada sujeito –, incide nas inter-relações estabelecidas com a Escola 1, das quais inferi haver algumas regularidades, a exemplo de: foco na ambientação e nos recursos materiais; satisfação com a instituição escolar baseada, sobretudo, em resultados dados pela própria escola — como notas e índices de aprovação —; silenciamento frente à instituição — deixam-se interpelar por, não assumem a interpelação; poucos investimentos em relação aos estudos do filho. Estas seriam, pois, as possíveis implicações das práticas de letramento dos alunos e de seus familiares no acontecimento da aula-encontro: os pais compartilhariam com os filhos tais representações/valorações/expectativas em relação à esfera escolar; os filhos, por sua vez, apropriar-se-iam de tal capital axiológico (Lahire, 2008LAHIRE, B. Sucesso escolar nos meios populares: as razões do improvável. Tradução de Ramon Américo Vasques e Sonia Goldfeder. São Paulo: Ática, 2008 [1995]. [1995]) e responderiam mediante a postura de não interactantes nos eventos empreendidos na esfera escolar. Haveria, assim, insularização tanto da esfera escolar nela mesma, quanto da esfera familiar nela mesma.

Já em relação às caracterizações dos familiares respectivos à Escola 2, depreendi: famílias em condições de menor vulnerabilidade social socioeconômica, com diferentes níveis de escolaridade e valorações distintas acerca da educação escolar; maior participação dos padrastos por ocasião das entrevistas; eventos de letramento mais diversificados em relação às atividades corriqueiras, suscitando práticas de letramento mais amplas; concepção acerca das implicações dos estudos para além do pragmatismo estreito; predomínio de artefatos diversos em casa. Com essas características, inferi uma inserção social mais horizontalizada no que respeita às vivências com a cultura escrita por parte desses sujeitos, os quais se inserem, também, em um continuum, agora entre menor e maior (re)afirmação.

Essas valorações e vivências com a escolaridade, bem como as práticas de letramento dos familiares, implicam, ainda, uma projeção de memória de futuro (Bakhtin, 2010b) em relação à escolarização dos filhos, incidindo nas inter-relações estabelecidas com a Escola 2. Com isso, também inferi algumas regularidades em se tratando desses pais em relação à instituição em tela, a exemplo de: empenho na escolha da escola para o filho e na obtenção de uma vaga na Escola 2; atenção ao que é imaterial, com foco no ensino que tem lugar ali; satisfação com a instituição. Mais uma vez entendo que tais representações e expectativas em relação à Escola 2 por parte desses familiares seriam compartilhadas com os filhos, referendando essas projeções de modo que os alunos investem/engajam-se como interactantes dos eventos que se dão na esfera escolar – eis as possíveis implicações da esfera familiar no acontecimento da aula-encontro: alunos apropriando-se dos objetos culturais foco dos atos de dizer ali, tendo acesso às variáveis dominantes prevalecentes nesse contexto, pela/na interação entre os sujeitos.

Conclusão

Para encerrar, reitero a tese apresentada logo no início da análise: o acontecimento aula de Português deriva de um conjunto de elementos, ecologicamente colocados, interpretado sob um ponto de vista tripartite, tal qual delineado no Diagrama: a instituição escolar, na sua gestão interna, nas relações com a gestão mantenedora; a instituição escolar, na sua gestão interna, nas relações com os professores; esses professores no encontro com os alunos, lócus que reverbera tal ecologia em uma segunda esfera, a familiar. Dessa maneira, entendo que as duas culturas escolares que inferi haver no campo de pesquisa coexistem por/nessas inter-relações ecológicas que busquei delinear aqui: a (in)quietude e a (re)afirmação são reiteradas/retroalimentadas, respectivamente, nas/pelas três dimensões da arquitetônica tripartite de cada cultura; em outras palavras, são referendadas pelo outro nos encontros — ou na ausência de encontros — dos sujeitos imersos na grande ecologia em estudo. Inferi, ainda, que a desistência move a cultura da (in)quietude, enquanto a adaptação social move a cultura da (re)afirmação.

Dessa maneira, não seriam suficientes esforços advindos de apenas uma dessas três dimensões para que a aula-encontro aconteça. Em outras palavras, tal acontecimento não depende apenas/exclusivamente da instituição escolar — não bastam investimentos significativos por parte das instâncias mantenedoras, nem qualidade nos recursos disponíveis nas instituições escolares e nas formações dos profissionais —; nem dos professores em sala de aula — não basta estarem satisfeitos e engajados com as condições materiais e imateriais de trabalho que lhe são acessíveis, e com excelência em uma base teórica e epistemológica sólida que lhe embase as ações pedagógicas —; tampouco dos familiares dos alunos — não basta envidarem esforços para escolherem uma boa escola para os filhos e acompanharem o processo de escolarização desses jovens. Obviamente não denego a importância dessas condições tão necessárias à realidade em que se encontram as escolas brasileiras, sobretudo nas redes públicas; mas insisto na tese de que tais ações precisam de respostas reiterativas por parte das outras instâncias em relações ecologicamente recíprocas, com reverberações mútuas — e, provavelmente, haveria ainda outras dimensões não consideradas aqui, a exemplo de uma futura e necessária atenção mais efetiva à natureza distinta das mantenedoras: a rede estadual e as redes municipais nas especificidades que incidem sobre os resultados deste estudo.

Em última instância, aponto para a necessidade, ainda, de se realizarem pesquisas com/na esfera escolar, pois nenhuma das culturas escolares aqui depreendidas converge minimamente com os propósitos emancipatórios endereçados à esfera escolar por parte do ideário histórico-cultural: nenhuma ecologia parece contribuir para a proposta pedagógica implicada na concepção de aula como encontro, voltada à formação omnilateral do sujeito, no sentido de cidadania, de criticidade em relação ao mundo e o processo de humanização (Vygotski, 2000VYGOTSKI, L. S. Obras escogidas III: problemas del desarrollo de la psique. Tradução de Lydia Kuper. Madrid: Visor, 2000 [1931]. [1931]) — desenvolvimento de um psiquismo altamente complexo pela apropriação cultural (Duarte; Martins, 2013DUARTE, N.; MARTINS, L. M. As contribuições de Aleksei Nikolaevich para o entendimento da relação entre educação e cultura em tempos de relativismo pós-moderno. In: FERRO, O. M. dos R.; LOPES, Z. de A. L. (org.). Educação e cultura: lições históricas do universo pantaneiro. Campo Grande: Ed. da UFMS, 2013. p. 49-74.).

Agradecimentos

A todos participantes envolvidos, sem os quais esta pesquisa não se realizaria — as duas professoras de Português, os profissionais de cada escola, os alunos e alunas, e seus respectivos familiares —; e à grande responsável por este estudo, a principal interlocutora em minha formação e eterna orientadora, a quem devo tudo o que aprendi, professora Mary Elizabeth Cerutti-Rizzatti.

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  • 1
    A expressão “a(s) aula(s) não acontece(m)/acontecia(m)” remete a Geraldi (2010a), que entende a aula como acontecimento, mas também remete a Matencio (2001)MATENCIO, M. de L. M. Estudo da língua falada e aula de língua materna: uma abordagem processual da interação professor/alunos. Campinas: Mercado das Letras, 2001., que concebe a aula como gênero do discurso. Em uma leitura particular desses dois autores, quando afirmo que a(s) aula(s) não acontece(m)/acontecia(m), quero referenciar a ausência de um processo interacional em que haja participantes engajados em torno de um mesmo eixo de discussão, em um dado espaço de tempo e em um lócus específico e com propósitos específicos.
  • 2
    Houve minha incidência no campo participante, em aulas por mim ministradas, por se tratar de uma pesquisa-ação, com ancoragem etnográfica.
  • 3
    A grafia do sobrenome deste autor varia no decorrer deste artigo de acordo com a tradução da obra citada — ora escrito com i, ora com y.
  • 4
    Entendendo que esses eixos teóricos não constituem construtos ocupados, na origem, com questões de ensino e de aprendizagem; considero-os, no entanto, fecundos para interpretar tais processos em sua conhecida complexidade, oferecendo, assim, aporte para atividades de pesquisas que tenham a escolarização como mote, especialmente no que respeita ao imbricamento entre cultura escrita e processos de escolarização.
  • 5
    Tenho consciência das importantes contribuições da Análise do Discurso francesa, para a qual esse conceito (sujeito) lhe é caro. Não recorro a essa base teórica, porém, por ter outros objetivos e por me valer da definição aqui apresentada, que atende plenamente aos propósitos (teórico-metodológicos) da investigação desenvolvida.
  • 6
    Original: “[...] tomamos la experiencia en el campo como un todo, para encontrar significados locales o incluso identificar procesos de fondo.”. (Rockwell, 2011ROCKWELL, E. La experiencia etnográfica: historia y cultura en los procesos educativos. Buenos Aires: Paidós, 2011., p. 77).
  • 7
    A significativa diferença na quantidade de aulas também foi objeto de análise, consequência, sobretudo, de questões administrativas de cada instituição.
  • 8
    A cultura é entendida aqui como criação da atividade humana; em outras palavras, como patrimônio humano genérico, universo de objetivações disponibilizadas ao enriquecimento da atividade humana (com base em Gačev, 2011; Duarte; Martins, 2013DUARTE, N.; MARTINS, L. M. As contribuições de Aleksei Nikolaevich para o entendimento da relação entre educação e cultura em tempos de relativismo pós-moderno. In: FERRO, O. M. dos R.; LOPES, Z. de A. L. (org.). Educação e cultura: lições históricas do universo pantaneiro. Campo Grande: Ed. da UFMS, 2013. p. 49-74.).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Maio 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    10 Out 2022
  • Aceito
    24 Abr 2023
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