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REBELIÃO ESCRAVA E A “HIDRA” REVOLUCIONÁRIA EM PÁGINAS DE JORNAIS: O REINO ENCANTADO, DE ARARIPE JÚNIOR (1878)

SLAVE REBELLION AND THE REVOLUTIONARY “HYDRA” IN NEWSPAPER PAGES: THE ENCHANTED KINGDOM, BY ARARIPE JÚNIOR (1878)

Resumo:

O presente artigo analisará o romance-folhetim O Reino encantado: crônica sebastianista, de Tristão de Alencar Araripe Júnior, publicado na Gazeta de Notícias em 1878. A obra narra a história de um movimento messiânico que se instalou no sertão de Pernambuco entre os anos de 1836 e 1838 e que reuniu centenas de pessoas, entre elas sertanejos livres, índios e escravos fugidos. Partindo do pressuposto de que a escolha da literatura que preenchia os rodapés do jornal não se restringia a critérios comerciais, mas se pautava também pelo potencial da seção para se discutir questões sociais candentes, a proposta é realizar o estudo do folhetim articulando-o ao conteúdo das outras colunas da Gazeta; ao contexto histórico imediato de sua publicação; aos debates sobre os caminhos da abolição no Brasil; e à questão do protagonismo dos escravos nas lutas pela liberdade.

Palavras-chave:
Imprensa; Literatura; Escravidão; Abolicionismo

Abstract

The present article will analyze the roman-feuilleton The Enchanted Kingdom: chronicle sebastianista, by Tristão de Alencar Araripe Júnior, published in Gazeta de Notícias in 1878. The work tells the story of a messianic movement that settled in the sertão of Pernambuco between the years of 1836 and 1838 and which brought together hundreds of people, among them free countrymen, Indians and runaway slaves. Assuming that the choice of literature that filled the footnotes of that newspaper was not restricted to commercial criteria, but was also guided by the potential of the section to discuss burning social issues, the proposal here is to carry out the study of the booklet articulating it: the content of the Gazeta’s other columns; the immediate historical context of the publication; to the debates on the paths of abolition in Brazil and, finally, to the question of the protagonism of slaves in the struggles for freedom.

Keywords:
Press; Literature; Slavery; Abolitionism

No dia 28 de abril de 1878, o jornal carioca Gazeta de Notícias anunciava a publicação de um novo romance-folhetim em suas páginas, O Reino Encantado: crônica sebastianista, de Tristão de Alencar Araripe Júnior3 3 Este artigo é um dos resultados da pesquisa desenvolvida durante meu estágio de pós-doutoramento (Visiting Scholar) no Department of Romance Languages and Literatures, Harvard University, em 2020, sob a supervisão do professor Bruno Carvalho, a quem eu agradeço. Gostaria também de agradecer as leituras e sugestões que o presente texto recebeu dos professores e alunos que compõem a área de História Social do Programa de Pós-Graduação em História da Unicamp. . Segundo o jornal, o romance não era um “trabalho só de imaginação”, mas baseava-se em “lendas” e “tradições” do norte do Império4 4 A Gazeta de Notícias foi fundada em 1875 no Rio de Janeiro e tornou-se um dos maiores jornais do império. Entre os seus fundadores estavam Elísio Mendes, Manoel Carneiro e o médico José Ferreira de Sousa Araújo, que também se tornou o redator-chefe do periódico. Tal folha se transformou num marco importante do jornalismo brasileiro por ser “barata, popular e liberal” (Sodré, 1999, p.224). Já em sua estreia, a nova folha dizia não ter compromisso com partidos políticos ou governos. Sobre a Gazeta de Notícias ver Barbosa, 2000; Pereira, 2004. . A folha alertava ainda que, pelo “combinado da ação”, a história certamente agradaria “grande massa de leitores”5 5 Gazeta de Notícias, 28 abr., 1878, p.1. Publicado quase diariamente, o romance ocupou o rodapé da Gazeta entre os dias 28 de abril e 16 de julho de 1878, somando 43 edições do jornal. . Contudo, para além das promessas de entretenimento, a obra de Araripe Júnior pautava temas caros (e explosivos) no final dos anos de 1870 no Brasil. Ao recontar a história de um movimento messiânico de cunho sebastianista, que ficou conhecido como “Pedra Bonita”, ocorrido em Pernambuco em 1838, o romance colocava em cena, no rodapé do então maior jornal do país, uma casa senhorial cercada e incendiada por uma grande rebelião escrava. Muito mais do que “lendas e tradições” do norte, o folhetim, escrito num contexto de claro acirramento das tensões entre senhores e escravos6 6 Ver Azevedo, 1987; Machado, 1987; Machado, 2009; Machado, 1994; Pirola, 2015. , colocava em cena centenas de quilombolas, que se juntavam a “caboclos” 7 7 O termo “caboclo” segue a terminologia das fontes de época manuseadas nesta pesquisa. Tais referências são analisadas ao longo deste artigo. Segundo o Diccionario da Lingua Portugueza, “caboclo”, no século XIX, guardava significava: “de cor avermelhada, tirante a cobre”, “nome que se dá no Brasil não só aos descendentes já civilizados dos aborígenes, com também aos mestiçados com a raça branca” (Silva, 1890, p.373). Ivana Stolze Lima, no livro Cores, marcas e falas, trata da polissemia de termos como “caboclo” no século XIX e das disputas raciais, sociais e políticas em torno deles. No Censo de 1872, “pardo” ou “caboclo” referiam-se à população mestiça. Segundo a autora, tais classificações produziam marcas, hierarquias e estereótipos raciais (Lima, 2003). e sertanejos livres para esperar pela ascensão de uma nova ordem social. A despeito da tendência da imprensa de “descaracterizar a periculosidade” das ocorrências de rebeldia escrava, na tentativa de manter a “segurança pública”8 8 Analisando em especial a década de 1880, Maria Helena Machado argumenta que foi colocada em prática uma “estratégia de desinformação e censura no tratamento público” desses eventos, cujo objetivo era evitar o “pânico das populações e a emergência de uma discussão generalizada sobre a deterioração dos mecanismos de controle social e a urgência da resolução da instituição servil”. Machado, 1994, p15. , o jornal estamparia, em uma das seções de maior apelo junto ao público leitor, um romance que trazia à tona alguns dos principais dilemas - e medos - que envolviam a escravidão9 9 O episódio da Pedra Bonita inspirou ainda obras como Pedra Bonita, de José Lins do Rego (1938), e A pedra do Reino, de Ariano Suassuna (1971). .

A decisão da Gazeta de publicar O Reino Encantado em abril de 1878 provavelmente não era fortuita. Desde os primeiros meses daquele ano, o debate sobre o futuro da escravidão no país voltara a se instalar na imprensa. Isso se deu porque, naquele momento, assistia-se a uma importante inversão na política, promovida pelo imperador. Depois de quase dez anos longe dos ministérios, o partido Liberal voltava ao poder10 10 Holanda, 2005, pp.217-218; Sobre o contexto político da ascensão do gabinete Sinimbu, ver também Carvalho, 1996; Youssef, 2019; Ribeiro, 2018. e, com ele, a esperança de que novas medidas emancipacionistas fossem criadas11 11 Alonso, 2015, p.120. . Com o retorno dos liberais, uma série de boatos sobre uma nova reforma do chamado “elemento servil” se espalhou pelas províncias, gerando polêmicas na imprensa. Chefiado por Cansanção de Sinimbu, o novo governo passou então a ser acusado por seus adversários de querer implementar reformas consideradas “radicais”, que os liberais tanto haviam pregado enquanto estavam na oposição12 12 “Os liberais!”, Jornal da Tarde, 3 jan. 1878, p.1. Ver também Jornal da Tarde dias 16, 17, 25, 28 e 31 jan. 1878; 5 fev. 1878. Jornal do Commercio, 19 e 21 jan. 1878; . Os ecos dessas insinuações soaram rapidamente nas províncias. A Gazeta de Campinas, por exemplo, perguntava se os boatos sobre a “melindrosa reforma” sugeriam que o imperador agitaria a nação com uma “face nova e quiçá mais decisiva da questão que mais [interessava] à lavoura”13 13 “Chronica Política”, Gazeta de Campinas, 4 jan. 1878, p.1. Ver também os dias 5, 9 e 11 jan. 1878. . O Correio Paulistano, por sua vez, questionava se o monarca, ao promover a inversão política, tinha a “esperança de poder realizar, de um jacto, reformas para as quais o país não se [tinha] preparado”14 14 Correio Paulistano, 16 jan. 1878, p.1. Ver Também Correio Paulistano, 9, 11, 15 e 16 jan. 1878. . Em resposta, A Reforma chamou os boatos de “perigosa calúnia”. Segundo este jornal, a “maliciosa notícia conservadora” iria “abalar sem razão a tranquilidade pública”. Contradizendo as especulações, a folha garantia que as “seguranças” estavam dadas, já que, entre os membros do ministério, havia “grandes proprietários agrícolas”15 15 A Reforma: órgão democrático, 15 jan. 1878, p.1. . Tamanha foi a repercussão da polêmica que a própria Gazeta de Notícias decidiu se manifestar. Argumentando que A Reforma escrevia como “folha política”, a Gazeta afirmava que não se envolveria em “questão dessa ordem”, desejando manter sua “neutralidade”. Porém, dizia que escrevia “tais linhas para responder a alguns assinantes” das “províncias” que pediam “informações sobre a veracidade” dos “dizeres” que circulavam pelos jornais da Corte e que “com razão [sobressaltavam], pois que um golpe dessa ordem seria a ruína da lavoura”16 16 Ao referir-se aos supostos questionamentos feitos por seus “assinantes”, a Gazeta, na verdade, dava uma desculpa para interferir no debate sem correr o risco de ser acusada de partidária de um dos lados da disputa. Importante ressaltar que este artigo está centrado no debate que a Gazeta de Notícias estabeleceu com outros jornais da Corte sobre a mudança política ocorrida no Brasil em 1878. Como o propósito desta pesquisa não é analisar a recepção pelos leitores de tais discussões, optou-se por priorizar os textos produzidos por jornalistas e literatos sobre a questão. Para os interessados em estudos sobre recepção, ver Chartier, 2017. . A Gazeta respondia que julgava “sem fundamento o boato”, uma vez que “não pequeno número de chefes liberais” possuíam “importantes estabelecimentos agrícolas, cuja vitalidade [repousava] sobre a existência da escravatura”. “Seria levar muito longe o amor à liberdade sacrificar a essa ideia não só a fortuna alheia, mas também a própria”, ironizava. “Tranquilizem-se, pois os lavradores; o artigo da Reforma revela bem as intenções do governo”, concluía o jornal17 17 “Assuntos do dia”, Gazeta de Notícias, 16 jan. 1878, p.1. Segundo Alonso, o imperador quebrara também as expectativas das alas reformistas liberais ao chamar Sinimbu. Ver Alonso, 2015, pp. 120-128. .

Passados quase sete anos da promulgação da Lei do Ventre Livre, cujos debates haviam explicitado a enorme tensão (e divisão) entre a elite política e econômica do Brasil acerca do tema da abolição da escravidão18 18 Ver Chalhoub, 2003; Carvalho, 1996. , tais especulações obviamente pretendiam gerar instabilidade sobre a nova situação liberal. No entanto, para além do ressentimento conservador, a inversão política de fato provocou uma série de expectativas reformistas em grupos de tendências abolicionistas, já que a agenda liberal, ainda que em último lugar, incluía a abolição19 19 Alonso, 2015, p.120. . Esperanças que foram rapidamente frustradas por Sinimbu. Fazendeiro de Alagoas, já nos meses seguintes, ele demonstrou sua intenção de se manter fiel aos interesses dos escravocratas. A própria convocação do Congresso Agrícola pelo ministério, em julho de 1878, era um claro sinal desse alinhamento20 20 Ver Eisenberg, 1989; Azevedo, 2012; Alonso, 2015. . Atenta a esse sinal, a Gazeta de Notícias, embora se dissesse neutra na polêmica e garantisse a “tranquilidade” dos lavradores, nos meses seguintes decide dar sinais de que desejava intervir no debate, pressionando o governo sobre a inevitabilidade de se discutir novas medidas para o fim da escravidão. Contudo, ela não faria isso em “artigos de fundo” ou editoriais. Insistindo em seu perfil de folha imparcial e noticiosa21 21 Araújo, 2015. , o jornal percorreu outros caminhos para essa batalha, entre eles a publicação de um romance que versava sobre a participação de escravos em movimentos sociais e ações de rebeldia22 22 Sobre rebeldia escrava, ver Reis e Gomes, 2021; Pirola, 2021; Reis, 1996. . Prevendo uma leitura da obra de Araripe Júnior minimamente articulada com o restante do jornal - em que circulavam notícias sobre o agravamento da seca no Ceará, a intensificação do tráfico interprovincial de cativos para o sudeste do país, os vários casos de assassinatos de senhores e feitores pelos escravos, ou mesmo as diversas correspondências internacionais que alertavam sobre o crescimento das lutas populares, como a dos operários, chamados então “socialistas”, na Europa e nos Estados Unidos -, a obra de Araripe Júnior deixava de ser um apenas romance histórico sobre um remoto episódio dos tempos da Regência e ganhava novos sentidos. Assim, o objetivo deste artigo é realizar uma análise d’O Reino Encantado, colocando-o em diálogo tanto com o contexto histórico imediato de sua publicação quanto com o conteúdo das outras seções da Gazeta de Notícias. Pretende-se, dessa forma, compreender não só o papel da literatura nessas lutas políticas, como também os sentidos sociais da intervenção que o jornal de Ferreira de Araújo decidira encampar no debate público sobre o fim da escravidão em finais da década de 187023 23 Os referenciais deste artigo para o entendimento da literatura como testemunho histórico são Chalhoub e Pereira (1998); Gay (2010); Ginzburg (2007); e Chalhoub (2003, 2019). .

As histórias da “Pedra Bonita” e os “socialistas” do sertão

Em 16 de junho de 1838, o Diario de Pernambuco publicou uma carta em que o então prefeito da Comarca de Flores24 24 Os eventos de “Pedra Bonita” ocorreram no sertão de “Pajeú das Flores”, nome dado às terras da margem pernambucana do Rio São Francisco (Soares, 2015, p.33; Clemente, 2012, p.151). , Francisco Barbosa Nogueira Paz, reportava ao presidente daquela província, Francisco do Rego Barros, aquilo que chamava de “o caso mais extraordinário, mais terrível e cruel” que se tinha notícia. Segundo a carta, em 1836, um homem chamado João Antonio, morador do sítio de Pedra Bonita, no sertão pernambucano, havia começado a pregar que, naquela região, especialmente onde se encontravam “dois grandes penedos”, havia um “reino encantado”. Munido de um livro e duas pedras brilhantes, ele dizia conversar em sonho com El Rei D. Sebastião e prometia o desencantamento do reino com a volta do monarca25 25 Para saber mais sobre os sentidos do caráter sebastianista dos movimentos sociais ocorridos nas primeiras décadas do século XIX em Pernambuco, ver Cabral, 2004 e Hermann, 2001; Apesar da importância desse assunto, o foco deste artigo está nas releituras que Araripe Júnior produziu sobre o tema, em 1878, à luz dos embates pela abolição. . Com tais ideias, ele passou a congregar muitas pessoas, incomodando os poderes locais. Segundo o relato, em 1837, João Antonio, por intermédio de um missionário religioso, decidiu abandonar a pregação e a província. Em seu lugar, contudo, surgiria outra figura, chamada João Ferreira, que “aclamou-se rei” da “seita”, trazendo “os povos rústicos” e “sujeitos à superstição” para junto de si. O novo líder, segundo o prefeito, pregava que, para desencantar o reino, era necessário que “fossem imoladas vítimas” para com seu sangue regar o campo e as pedras. A promessa era a de que, uma vez desencantado o reino, “ressuscitariam” todos, ficando então “imortais”. Além disso, esse novo mundo seria repleto das “maiores riquezas” e nele, por fim, “todos os pardos do lugar ficariam mais alvos do que a própria lua”. Segundo a notícia, entre os dias 14 e 16 de maio de 1838, foram sacrificados 21 adultos e 21 crianças. Sabendo da matança, o comissário local, Manoel Pereira da Silva, sem avisar o prefeito, reuniu uma tropa de 26 guardas nacionais e outros paisanos para pôr fim ao movimento. Ao final, as tropas deixaram um saldo de 29 mortos e fizeram prisioneiras 9 mulheres e 12 crianças. No confronto, cinco integrantes do grupo liderado pelo comissário foram mortos, entre eles dois de seus irmãos26 26 “Prefeituras”, Diario de Pernambuco, 16 jun., 1838, p.2. . A história acabou repercutindo nos jornais regenciais. O Bem Te vi, por exemplo, alertou em suas notícias que o “povo do sertão” estava pronto para “pegar em armas”, uma vez que o “fanatismo comandasse”27 27 “O D. Sebastião dos feiticeiros”, O Bem Te Vi, 22 ago. 1838, p. 1. . O Sete d’Abril, por exemplo, se perguntou se um país, “onde a bárbara estupidez” chegava àquele ponto, estava pronto para um governo democrático28 28 “Variedade”, O Sete d’Abril, 28 set. 1838, p.1. .

Em 1860, a “Pedra do Reino” voltou aos jornais. Em seu “Esboço histórico sobre a província do Ceará”, Pedro Theberge relembraria o episódio falando agora de conflitos entre “índios”, “caboclos” e fazendeiros da localidade. Diferentemente dos jornais regenciais, a versão de Theberge extrapolava as razões religiosas do movimento, inserindo então outras tensões existentes naquelas “regiões extremas”, que envolviam índios e furtos do “gado das fazendas circunvizinhas”, cujos donos, “sendo prejudicados”, “empregavam todos os meios de persegui-los e destruí-los”. Segundo Theberge, em 1838, tais perseguições tinham aumentado em consequência do “famigerado reino encantado”, quando um “caboclo civilizado”, João Antonio, se fingindo “fanatizado”, conseguiu persuadir homens e mulheres prometendo um reino de “bens e felicidades”. Falando em “cem sacrifícios”, o autor relembrava que o horror dos cadáveres insepultos, ao invés de assustar, acabou atraindo as “tribos indígenas” interessadas então no desencanto e nas “copiosas libações de aguardente” que se sucediam à “carnificina”. Theberge destacava ainda que, para sobreviver, os seguidores da “Pedra Bonita” também roubavam o gado local, especialmente aquele que pertencia a uma das famílias mais ricas da região, os Pereiras (família do comissário que liderou as forças contra o sítio), que, em desagravo, reuniram “gente armada” para “dispersar” o movimento29 29 “Interior”, Diario de Pernambuco, 19 out., 1860, p.2. .

Em 1875 surgiu, contudo, a versão que se tornou mais conhecida no século XIX das histórias dos sebastianistas do sertão de Pajeú30 30 Clementes, 2012. . Escrita para prestar “algum serviço” ao Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico de Pernambuco31 31 Leite, 1898, p. 15. , Memória sobre a Pedra Bonita ou Reino Encantado, de Antonio Attico de Souza Leite (1835-1877)32 32 O autor nasceu em Vila do Triunfo, comarca de Flores, era advogado e foi deputado provincial por Pernambuco entre 1874 e 1877 pelo partido Conservador (Blake, 1883, vol.1, p. 111) , foi escrita depois de uma viagem que o autor fizera ao local da tragédia, em julho de 1874, para poder “observar de perto a célebre Pedra-Bonita”. Nesse local, segundo ele, “cerca de trezentos indivíduos moral e fisicamente embriagados com embustes e beberagens [...] sacrificaram dentro de dois dias e meio cinquenta e três de seus companheiros” em prol da “restauração do Reino d’el-Rei Dom Sebastião”33 33 Leite, 1898, p. 15. . Tal descrição revelava uma das principais interpretações que Attico Leite faria do episódio: uma combinação considerada perigosa entre ignorância popular e “fanatismo” religioso. Seguindo uma tendência da elite política no século XIX de chamar de “fanáticos” os movimentos populares de insubmissão34 34 Rui Facó dirá que termos como “fanatismo” e “fanáticos” eram usados pelas classes dominantes para denominar “pobres insubmissos”, no sentido de justificar o “esmagamento pelas armas” dos integrantes de movimentos sociais, caracterizando-os como “insubmissos religiosos, extremados e agressivos”. Ver Facó, 1976, pp.1-4. , Attico Leite dirá que, numa cidade “retalhada por partidos” e com uma elite local que se enfrentava e se dividia pelo poder, falsos “profetas” perturbariam a “consciência de um povo”, embriagando os associados da “seita” com bebidas e “embustes”35 35 Idem, pp.25-33. . Além disso, em sua versão do episódio, em vez de falar em “caboclos”, como fizera Theberge, Attico Leite afirmava que os líderes do movimento eram “mamelucos” que prometiam, uma vez desencantado o reino, que as pessoas, “se eram pretas”, voltariam “alvas como a lua, imortais, ricas e poderosas”36 36 Ibidem, p.27 e p.46. Segundo Diccionario da Lingua Portuguesa, de Moraes Silva, “mameluco” guardava o seguinte significado: “No Brasil, chamam mameluco ao filho de europeu com negra”; segundo diz ainda o verbete, poderiam ser também os filhos de “índio com mulata” (Silva, p.48). . Vale notar a importância que tais narrativas do evento davam às caracterizações raciais dos envolvidos no episódio da “Pedra Bonita”. Profundamente marcados por uma lógica racializada e racista, os autores reproduziam nomenclaturas que reforçavam estereótipos e hierarquias, que serviam, entre outras coisas, para menosprezar a consciência política dos integrantes do movimento. Por outro lado, deixavam também nas entrelinhas de suas falas o registro da presença predominante de um grupo heterogêneo, formado por índios, brancos, negros e mestiços, entre os seguidores da “Pedra do Reino”37 37 Sobre raça e racismo no Brasil, ver: Maggie e Rezende, 2001; Kodama, 2009; Maio e Santos, 2010. .

Apesar da ênfase no “fanatismo” dos seguidores, um dado importante dessa narrativa de Attico Leite está na descrição das tensões sociais latentes em meio à pregação religiosa. Segundo o autor, no início, João Antonio convencera até mesmo os fazendeiros locais de suas ideias. Conforme suas “doutrinas” foram se espalhando para as “últimas camadas da sociedade”, as “pessoas honestas” tinham começado a “recear os maus efeitos da propaganda”, já que esta “desviava” o povo da “verdadeira religião” e do “honesto trabalho”, na “esperança de indenizar-se com tesouros prometidos”. Attico Leite argumentava que as ideias divulgadas pelos “mamelucos” eram perigosas, porque arrastavam seus seguidores para a prática de “furto, roubo e outros crimes”38 38 Ibidem, p.35. . Em sua obra, o autor sugere ainda que uma das motivações dos irmãos Cipriano e Alexandre Pereira (parentes do comissário que morreram nos confrontos) para avançar contra o sítio de “Pedra Bonita” teria sido o fato de saberem que os “sebastianistas” pretendiam um “ataque” às suas casas e fazendas”39 39 Ibidem, p. 54. . Abandono do trabalho, “pegas do gado” e ataques às propriedades são, então, algumas das questões centrais que permeavam o “fanatismo religioso” destacado pelo autor da Memória. Importante dizer que tal versão da história parecia traçar um diálogo interessante com os assuntos que então tomavam as páginas dos jornais entre os anos de 1874 e 1875, momento da publicação da obra. Assim, foi em meio às notícias da repressão à “Revolta dos Muckers”, no Sul do país, e aos ecos do “Quebra-quilos”, nas províncias do Norte, que o autor decidira retomar os eventos de 1838.

De um lado, ao produzir sua obra, Attico Leite assistia a um novo movimento messiânico, composto por colonos alemães empobrecidos, que decidira incendiar a cidade de São Leopoldo, atacando moradores e comerciantes, em reação às insistentes perseguições das autoridades locais40 40 Sobre a “Revolta dos Muckers” e messianismo, ver Queiroz, 1976; Hermann,1998; Amado, 1978; Dickie, 1996. Nos jornais de 1874, ver O Cearense, dias 16 e 30 jul. 1874; 6 ago. 1874; e Diário de Pernambuco, 30 jul. 1874. . Somado ao pânico gerado pelo ataque à cidade, temia-se ainda uma adesão dos escravos às ideias e ações dos chamados Muckers41 41 Janaína Amado destaca que as autoridades de municípios como Santo Antonio da Patrulha, onde foi descoberto no mesmo período um plano de sublevação de escravos, temiam que as ações destes estivessem sendo influenciadas pelos Muckers. A autora diz ainda que medo semelhante aparecerá em Pelotas, centro escravocrata gaúcho da época. Amado, 1978, p.238. . Por outro, o autor lia nos jornais a repercussão de uma grande revolta popular contra um novo sistema métrico no comércio, implementado por decreto em finais de 1874, que se alastrava pela Paraíba, por Pernambuco, pelo Rio Grande do Norte e por Alagoas. Envolvendo mais de 78 cidades, a revolta chegou a ser um dos temas da Fala do Trono no início de 1875, quando o imperador atribuiu à insurreição, entre outros, o “fanatismo religioso”42 42 Sobre o “Quebra-quilos”, ver Lima, 2011, p.452; Holanda, 2005, p.194. . Homens pobres, pequenos comerciantes, agricultores e até mesmo escravos e libertos se envolveram nas agitações, que também não deixavam de ser uma retaliação a novos impostos criados e à lei de recrutamento (1874), chamada pelos revoltosos de “lei do cativeiro”43 43 Lima, 2011, pp.456-457. . Passados 37 anos dos eventos em Pajeú das Flores, teriam tais revoltas populares dos anos de 1870 inspirado Attico Leite na sua retomada da história da “Pedra Bonita”?

Outras interlocuções da Memória de Attico com as agitações populares dos anos de 1870 no Brasil e no mundo podem ser encontradas no prefácio que o conselheiro Tristão de Alencar Araripe (pai de Araripe Júnior) fez para o livro em junho de 1875. Em carta, Alencar Araripe argumentava que o episódio merecia ser conhecido tanto por sua “estranheza” quanto pela “lição” que oferecia. Chamando os integrantes do movimento de “proletariado”, o conselheiro entendia que na “Pedra Bonita” não operara “somente o fanatismo religioso”, mas também o “pensamento socialista”, já que seus integrantes, “com ódio contra o poder”, almejavam que “cães sacrificados” se levantassem para “devorar os proprietários”. Segundo ele, a história revelava a “animadversão do proletariado contra as classes sociais abastadas em fortuna”. Traçando um retrospecto histórico, argumentava que sentimentos dessa espécie eram antigos, pois estavam presentes já nas “insurreições da classe subalterna” na Índia, nas “sedições” do Monte Aventino na Roma Antiga, ou ainda na “famosa Jacquerie”, quando o “ódio concentrado” se voltou contra os que tinham “fortuna”44 44 O uso da palavra “Jacquerie” pelo conselheiro certamente refere-se ao sentido encontrado em dicionários do século XIX, que atribuem a ela o sentido de revolta das classes populares contra os ricos (Larousse, 1873, p. 871). . Concluiu ainda que “essa mesma causa ergueu os socialistas contra a nobreza feudal e produziu os incêndios e devastações dos comunistas de Paris de 1870”45 45 Leite, 1898, pp.9-11. . “Ideias errôneas apoderam-se de classes a quem a indolência ou o vício dominam”, afirmou por fim46 46 Idem, pp.11-12. . Segundo o autor, no Brasil, a “ideia do gozo do alheio trabalho” transpirava no “meio de incultas selvas do ameno Pernambuco”, sendo afagada por “toscos e rudes campônios”, fruto da “ignorância agitada pela malevolência dos velhacos perversos”47 47 Ibidem, pp.12-13. . Assim, para o prefaciador, mais do que “fanatismo religioso”, o episódio devia ser lido nos anos de 1870 como um alerta sobre os perigos das insurreições populares. Tal sentido se revela na fala do conselheiro quando olhamos para a própria trajetória dos termos “socialismo” e “socialistas” no Brasil. Se, nas primeiras décadas do século XIX, eles eram usados para ser referir a projetos reformistas, inspirados em autores como Fourier e Saint-Simon, a partir dos anos de 1870, por conta da repercussão da Comuna de Paris e dos movimentos operários na Europa, tais palavras, somadas ao vocábulo “comunistas”, serão associadas ao sentido de convulsão social provocada pelas classes populares para atacar, entre outros, a propriedade privada48 48 Sobre a história das ideias socialistas no Brasil, ver Leonidio, 2004; Fridman, 2017; Moraes Filho, 2007; Chacon, 1981 e Lourenço, 2001. Sobre o uso desses termos na imprensa da década de 1870, ver nota 88. .

Em 1878 foi a vez de Araripe Junior retomar a história da “Pedra Bonita” no romance O Reino Encantado: crônica sebastianista. Tal como Attico Leite fizera em 1875, ele também destacaria no episódio não só as motivações religiosas, mas especialmente o caráter de insurreição popular, só que agora com novos protagonistas. Estudos já realizados sobre o romance identificaram não apenas as semelhanças da obra com a narrativa da Memória de Attico Leite, como também os novos elementos surgidos em 1878. Entre eles estavam a utilização de conceitos e vocabulário médico-científicos, a inspiração em autores como Hipollyte Taine e Henry Thomas Buckle e as tensões entre os referenciais literários românticos e realistas/naturalistas49 49 Ver Lima, 2004; Clemente, 2012; Castro, 2020. . Determinismo geográfico, raça, loucura, lutas políticas locais e misticismo são temas identificados por esses trabalhos sobre o romance O Reino Encantado. Contudo, nenhum desses estudos anteriores, a despeito do cuidadoso cotejamento que realizaram entre as obras de Araripe Júnior e Attico Leite, se atentou ou mesmo problematizou uma brutal diferença entre as duas narrativas: a escravidão. Se, nos jornais de 1838, no “Esboço” de Pedro Theberge ou na Memória de Attico Leite não havia sido mencionada qualquer participação de escravos e quilombolas no movimento da “Pedra Bonita”, em abril de 1878, Araripe Júnior decidiu dar centralidade a esses novos personagens50 50 Sobre quilombos e mocambos no século XIX, ver Reis e Gomes, 1996; Gomes, 2005; Gomes, 2006; Price, 2020; Funes, 2022. . Um dos objetivos deste artigo é entender as possíveis razões dessa mudança operada no romance. A especificidade de um novo contexto histórico e as demandas abolicionistas de Araripe Júnior estão entre os motivos dessa nova interpretação?

O Reino Encantado, de Araripe Júnior

As escolhas temáticas de Araripe Júnior no romance O Reino da Pedra ficam evidentes já nos primeiros capítulos da obra51 51 Tristão de Alencar Araripe Júnior (1848-1911) era cearense, de família com grande influência política. Primo do literato José de Alencar, era também sobrinho de Tristão Gonçalves de Alencar Araripe, figura importante da Revolução Pernambucana de 1817 e da Confederação do Equador, de 1824. Formado em Direito pela Faculdade do Recife (1869), atuou, entre outras, como juiz municipal em Maranguape entre 1872 e 1876. Integrante do Partido Conservador, foi deputado provincial no Ceará. Foi colaborador de jornais como Constituição, Libertador e Gazeta da Tarde, ao lado de José do Patrocínio, que conheceu no Ceará quando este esteve por lá fazendo a cobertura jornalística da seca de 1877. Ver Clementes, 2012, pp.90-120. . Deixando inicialmente o movimento sebastianista em segundo plano, o autor decide jogar luz sobre tensões que rondavam a fazenda “Porteiras”, onde viviam Bernardo Vasconcellos, senhor de escravos, dona Clemência, sua esposa, e a jovem Maria, sua filha. Na trama, isolada por estradas ruins, a fazenda se torna alvo de um plano orquestrado por três homens: Pedro Antonio, mameluco e irmão do primeiro líder espiritual que abandonara a região, João Antonio; Frei Simão (ou “pai Simão”, como os escravos o chamavam), um velho africano que realizava cerimônias religiosas na “seita”52 52 “Ele é letrado e foi acólito de padre”, foi assim que Bernardo Vasconcellos descreveu o africano Simão, apelidado de “Frei Simão” na narrativa, chamando-o também de feiticeiro e adivinho. Araripe Júnior, 1878, p.15. ; e, por fim, Tibúrcio, homem branco, sem instrução, órfão criado como agregado na fazenda de Vasconcellos e que guardava enormes rancores deste. Juntos, eles tramavam um ataque à fazenda com a “missão” de sequestrar Maria e levá-la ao sítio de “Pedra Bonita” para que ela se casasse com o então chefe do movimento, João Ferreira, e depois fosse sacrificada53 53 “O Reino Encantado”, Gazeta de Notícias, 28 e 29 abr., 1878, p. 3 e p.2. . Em capítulos cheios de tensão, a família de Vasconcellos se mostrava preocupada. Maria reclamava do sumiço, há dias, do noivo Jaime. Seu pai, por outro lado, se confessava “opresso” devido aos “rumores estranhos” e ao “desaparecimento por toda a parte de negros e escravos”. Desconfiando da presença de “quilombolas” nas redondezas, bem como da atuação de Frei Simão, o “feiticeiro”, junto aos cativos, ele acreditava que a família estava cercada de “certos perigos que não [eram] imaginários”54 54 “O Reino Encantado”, Gazeta de Notícias, 29 abr., 1878, p.2. . Chegando à sua “vivenda pastoril”, Vasconcellos foi avisado por seu “administrador”, Manuel Velho, sobre a fuga de alguns escravos. Enfurecido, ele ordena a aplicação de castigos que servissem de exemplo aos cativos mais insubmissos. A cena seguinte começa, então, com o toque “lúgubre” da sineta que chamava os escravos para serem enfileirados. O exame “inquisitorial” da escravaria, o clima de terror e, finalmente, o castigo, de tão bárbaros, não seriam descritos, segundo o narrador, para poupar o leitor. “Assombrados e com ar de criminosos”, os escravos, “humildes”, “pediram a benção do verdugo que ia castigá-los”. “Triste sorte da escravidão”, discursava o narrador já nas primeiras páginas do romance, “que [aviltava] o homem a tal ponto que nem os sentimentos da natural defesa [bruxuleavam] no firmamento de sua alma”. “E se não fosse assim”, “como repousaria aquele homem [o senhor] na sua força moral, e só, sem mais auxílio do que uma correia presa a um cabo de madeira, se arriscaria a investir contra tantas criaturas válidas, fortes e até ferozes, obrigando-as a ferirem-se mutuamente?” Embora o narrador falasse na total submissão dos cativos, a preocupação com o frágil controle dos senhores sobre seus escravos ficava evidente no enredo, e as cenas seguintes deixavam explícito que a paz na fazenda podia durar pouco55 55 “O Reino Encantado”, Gazeta de Notícias, 1 mai., 1878, p.1.

No mesmo dia do castigo, Jaime, o noivo de Maria, reaparece na fazenda todo sujo e em estado “próximo ao delírio”. Dizendo ter vindo do “meio de assassinos” e “antropófagos”, ele se mostrava temeroso de que todos na fazenda fossem mortos. Dormindo, murmurava que a pedra já estava “gotejando sangue”. Vasconcellos, que temia uma revolta, decide mandar o feitor verificar as provisões de armas e manter a senzala trancada durante a noite. Para o senhor da “Porteiras”, não havia dúvida que a culpa dos estranhos rumores era de Frei Simão56 56 O capítulo do retorno de Jaime se chama “Noite Aziaga” e provavelmente foi publicado na edição de 2 maio de 1878, que não consta na coleção da Hemeroteca digital da Biblioteca Nacional. Sua leitura foi feita na versão em livro do romance, ver Araripe Júnior, 1878, pp.13-16. . Dias depois, sendo avisado de um “levante de alguns negros” e da “mortandade” do gado em sua outra fazenda, a “Pau Ferro”, Vasconcellos deixa a família e segue em viagem57 57 “O Reino Encantado”, Gazeta de Notícias, 4 mai., 1878. . Enquanto isso, Frei Simão, articulado com a mucama Justina, ao saber da ausência do senhor, decide dar início ao plano de destruição da “Porteiras”. O feitor Manuel Velho, por sua vez, começa a desconfiar que um “ajuntamento de pessoas” rondava a fazenda: “temos um exército”, concluíra pálido, e ele é “quase todo de gente negra. Os quilombolas!”58 58 “O Reino Encantado”, Gazeta de Notícias, 6 mai., 1878. . Ao cair da noite, a fazenda acaba sendo invadida por Tibúrcio, Pedro Antonio e uma multidão de escravos fugidos. Durante o ataque, Maria, aterrorizada, foi convencida pela escrava Justina a ir voluntariamente para o sítio da “Pedra Bonita”, para poupar a vida da família. Cercada por todos os lados, “Porteiras” sucumbe, já que o feitor havia sido feito prisioneiro. Ainda, muitos dos escravos da fazenda não reagiram ao ataque, refugiando-se na senzala. Embora o narrador da história diga que isso ocorrera porque os escravos estavam assustados ou entorpecidos pelas bebidas de Frei Simão, nas entrelinhas do romance ficava a possibilidade de uma cumplicidade por parte deles com os quilombolas. Por outro lado, os cinco cativos castigados dias antes pelo senhor tomariam parte ativa na revolta. Entre eles estava Zigue-Zigue, que, com o corpo ainda todo machucado, tentava convencer a mucama Justina que Frei Simão os vingaria. Dizendo não querer mais servir ao senhor “malvado” e sim ao “senhor do céu”, ele partiria para se juntar aos quilombolas e “salvar a sua gente59 59 “O Reino Encantado”, Gazeta de Notícias, 9 mai., 1878. . A fazenda foi então destruída e Jaime, noivo de Maria, teve sua cabeça cortada por Tibúrcio (agregado branco que também amava a filha do senhor). Por sua vez, Clemência, a senhora da fazenda, acaba sendo sequestrada pelos quilombolas.

O senhor Vasconcellos, ao chegar em “Pau Ferro”, encontrou sua propriedade abandonada e com os currais vazios. Os escravos haviam fugido todos. Ainda impactado pelo cenário de desolação da “Pau Ferro”, Vasconcellos foi avisado por escravos vindos de “Porteiras” que sua casa estava cercada e que Maria corria perigo. Desesperado, ele decide voltar. No caminho, entretanto, encontra um cativo fugido da “Pau Ferro”, que tenta matá-lo. Frente a frente, ele encarava um escravo que “havia sido alvo constante das suas impertinências senhoris” para um acerto de contas. “O negro audaz e vingativo encarou o senhor com um ódio atroz”, mas foi derrotado pelo “ágil e vigoroso sertanejo”, conta o narrador. Interrogado, o escravo confessa que seus companheiros de senzala haviam seguido para o ataque a “Porteiras”. Estava, assim, caracterizada a insurreição dos escravos das duas fazendas de Vasconcellos. Ao chegar em “Porteiras”, o senhor depara-se com a fazenda em chamas e se desespera pela família, mas é informado que a mulher e a filha estavam vivas e sob o poder dos quilombolas60 60 “O Reino Encantado”, Gazeta de Notícias, 11 e 12 mai., 1878. . Encerrando essa primeira parte do romance, dedicada quase exclusivamente ao levante na fazenda, Vasconcellos então parte para a cidade de Flores para buscar ajuda. Chegando lá, ele reporta o caso ao comissário Manuel Pereira e ao padre Correia. Juntos, reunindo uma tropa, eles partiriam para o resgate das duas mulheres61 61 “O Reino Encantado”, Gazeta de Notícias, 14 mai., 1878. . Começava, então, no décimo primeiro capítulo da obra, a história dos sebastianistas do “reino da Pedra” 62 62 Ausente no folhetim, a divisão formal do romance em duas partes aparece apenas na publicação em livro. A parte I foi intitulada “A fazenda das porteiras” e parte II, “Os Sebastianistas” (Araripe Júnior, 1878). .

A despeito da ênfase que o romance dá ao caráter místico do movimento, “Pedra Bonita” é tratada na obra de Araripe Júnior como um quilombo e, com exceção de seus líderes, os integrantes da “seita” como quilombolas63 63 Ver “O Reino Encantado”, Gazeta de Notícias, dias 23, 25 maio e 17 jun. 1878. . Importante ressaltar que o narrador do romance, ao explicar para o leitor o que era o “sebastianismo”, também o associava a revoltas sociais. Citando vários exemplos na história, argumentava que o “sebastianismo” “impressionava as massas” e resultava sempre em perigosas convulsões sociais. Tal como fizera seu pai no prefácio da obra de Attico Leite, Araripe Júnior lia o episódio da “Pedra Bonita” - e o próprio sebastianismo - como agitações populares perigosas64 64 Ver “O Reino Encantado”, Gazeta de Notícias, 18 e 21 mai., 1878. Sobre Sebastianismo ver Hermann, 1998. . Na história contada por Araripe Júnior, o “arraial” era constituído por uma “turba” que realizava cerimônias e danças “macabras”, ao som de “longos tambores”, uma “usança importada” pelos “pretos de origem africana”65 65 “O Reino Encantado”, Gazeta de Notícias, 25 mai., 1878, p.2. . A comunidade era descrita como “gente seminua” que, pela maior parte, eram “escravos fugidos”, “entre os quais mostravam-se alguns mestiços arrancados à pequena lavoura e um ou outro indivíduo da raça branca cujo contato com os africanos tornara-os tão boçais como eles”. Reduzidos à “ignorância” e ao fanatismo, eles formavam uma “populaça incômoda”66 66 “O Reino Encantado”, Gazeta de Notícias, 4 jun., 1878, p.1 . A liderança, contudo, não estava nas mãos dos escravos, mas do mameluco João Ferreira, o “Bonzo”, e de Frei Simão, que ficava responsável em atrair os escravos. “Astuto”, este “arranjava as exterioridades do culto” para ir “acomodando as suas superstições africanas” - entre elas, o “culto prestado aos rochedos” -, para se fazer entender junto aos quilombolas. Retomando à origem da “seita”, o narrador lembraria ainda que os primeiros convertidos haviam sido “três negros boçais”, convencidos pela promessa de que, quando o reino fosse desencantado, com ele ressuscitariam “os animais irracionais transformados em dragões e serpentes monstruosas para devorarem os ricos”, todas as “riquezas seriam partilhadas pelos habitantes do reino” e “não haveria mais distinções”, “todos seriam brancos e formosos, ricos e bons”. Tais promessas de inversão social são entendidas pelo narrador do romance como muito eficientes, já que, na “classe de oprimidos, de miseráveis”, “como são os escravos”, essa “história calculada e maliciosamente engendrada” ecoaria em suas “almas obscurantizadas”67 67 “O Reino Encantado”, Gazeta de Notícias, 16 jun., 1878, p.3. . Araripe Júnior claramente referia-se a trechos retirados do prefácio do pai, evidenciando o tipo de leitura que fazia do episódio. É certo que seu romance estava permeado por explicações médicas e deterministas68 68 Os estudos apontam para a influência de autores como Hippolyte Taine na obra, especialmente sobre os temas raça, meio e tempo no romance. Há também na bibliografia um destaque para a influência de Cesare Lombroso na obra (Castro, 2020, p.119 e Clementes, 2012). . Contudo, em sua obra, mais do que o calor e a paisagem árida, ou a loucura coletiva causada por essas condições, o “meio” também estava sendo entendido como um conjunto de circunstâncias que incluíam as lutas políticas locais, a falta de instrução popular e, principalmente, a escravidão, que, na sua visão, barbarizava os indivíduos, castigava-os com crueldade, acirrando os ódios sociais, e empurrava os indivíduos para a revolta.

No romance, o sítio de “Pedra Bonita” foi derrotado. Divido entre grupos que aspiravam ao poder, o movimento travou uma grande batalha interna antes mesmo das tropas lideradas pelo comissário chegarem ao local. Em meio a essas disputas, os escravos foram descritos como sem vontade ou iniciativa, “espíritos moldáveis”, facilmente manipuláveis e, principalmente, ferozes69 69 Ver “O Reino Encantado”, Gazeta de Notícias, 25 jun., 1, 2 e 3 jul., 1878. . Por outro lado, a narrativa, contraditoriamente, era pontuada de falas que mostravam consciência e propósito por parte dos escravizados naquelas lutas. Exemplos disso seriam Zigue-Zigue, escravo brutalmente castigado que tomou parte ativa na insurreição que destruiu a fazenda “Porteiras”, ou ainda o cativo que tentara matar Vasconcellos numa cena de claro confronto aberto entre um senhor e seu escravizado. Quando se encerraram as batalhas internas entre os seguidores da “Pedra”, estando estes já muito abatidos, chegaram as forças chefiadas por Manuel Pereira. Na descrição do confronto, o narrador, mais uma vez, aproveitava a oportunidade para discursar sobre a escravidão e a motivação, consciente, daqueles homens e mulheres:

Eles, os escravos fugidos, rebeldes, assassinos, iam ser trucidados, garroteados, arrastados ao tronco. Era impossível iludirem-se sobre o futuro que os aguardava. [...] A luta de homens contra homens não os assombrava. Voltar ao cativeiro para sofrerem castigos indizíveis é que nunca suportariam. Perdidas, portanto, as últimas esperanças do desencantamento só o que lhes restava era derramarem a última gota de sangue por sua liberdade. Este movimento instintivo acendeu toda a ferocidade bravia que o peso da superstição lhes tirara. O ódio contra o que eles chamavam o verdugo reviveu de uma maneira terrível, e açulou o vigor, amortecido de suas almas selvagens para impeli-los sobre a turba que se lhes mostrava com todas as cores negras da vida das senzalas70 70 “O Reino Encantado”, Gazeta de Notícias, 14 jul., 1878, p.3. .

Nas últimas páginas do romance ficam explícitas algumas das principais características do enredo: por um lado, o destaque à fúria potencial que a escravidão poderia despertar nos que se viam oprimidos; por outro, a tentativa de legitimar a violência empregada pela tropa que, segundo o narrador, reagira a uma multidão ensandecida. A ênfase na superioridade das forças de repressão também não seria esquecida. Importante dizer, por fim, que Araripe Júnior, em 1878, não escrevia um romance cujo destaque estava na denúncia das violências e mazelas vividas pelos escravos, embora isso aparecesse na obra. O Reino encantado, na verdade, parecia se dirigir especialmente aos senhores de escravos - e, quiçá, aos políticos e governantes que naquele momento pensavam o futuro da escravidão -, tentando convencê-los da urgência de promover o fim dessa instituição. Seguindo uma lógica parecida com a de Joaquim Manuel de Macedo, em seu Vítimas algozes (1869), Araripe Júnior insinuava a presença de um “inimigo interno”, os escravos, nas fazendas e nas casas senhoriais71 71 Chalhoub, 2003, pp.155-164. . A descrição da fúria dos integrantes de “Pedra Bonita” não era fortuita, mas reiterava a iminência de possíveis desordens populares caso no país não se fizesse nada sobre o problema. Enfatizando a questão dos ódios concentrados no episódio da “Pedra Bonita”, Araripe Júnior, no maior jornal do país, parecia querer convencer os leitores da Gazeta sobre os perigos que rondavam a sociedade brasileira, tentando, dessa maneira, formar uma “opinião pública” a respeito da questão.

Insurreição popular e escravidão nas páginas da Gazeta de Notícias

O preenchimento da seção de romances-folhetins com questões sociais candentes não era uma novidade na Gazeta de Notícias72 72 Sobre a utilização dos folhetins como um espaço destinado à conscientização das classes populares, ver Meyer, 1996; Trizotti, 2016; Quefélec, 1989. . Desde seu surgimento, em agosto de 1875, o jornal já havia abrigado nessa seção textos ficcionais que incluíam temas amplamente debatidos na imprensa. Em 1875, por exemplo, em pleno debate sobre a “Questão Religiosa”, a folha alavancara suas vendas com a publicação da peça Os Lazaristas, do português Antonio Fontes, A peça era profundamente politizada e com temática anticlerical73 73 Poucos dias depois do lançamento do folhetim, a Gazeta anunciava ter atingido 12 mil exemplares diários. Cf. Gazeta de Notícias, 28 out., 1875, p.1. Sobre Os Lazaristas, ver Monteiro, 2006. . A repercussão mostrava que o público tinha interesse em acompanhar debates políticos e sociais mediante textos ficcionais. Em 1877 seria a vez de Mota Coqueiro ou a Pena de Morte, de José do Patrocínio, ocupar o rodapé do jornal. Ao publicar essa obra, a Gazeta justificava a encomenda de um “romance judiciário” ao jornalista para “tornar mais amena a leitura” do caso que condenou um homem branco, proprietário de terras, à pena capital74 74 Gazeta de Notícias, 22 dez., 1877, p.1. Sobre o romance ver Santos, 2011. . Em 1879, Patrocínio publicaria ainda no rodapé do jornal o romance Os retirantes, sobre a seca do Ceará. Em 1882, seria a vez de Raul Pompeia, no seu As Joias da Coroa, partir das notícias sobre um roubo no Paço imperial para publicar um romance com contundentes críticas à Monarquia75 75 Bento, 2023. .

A verdade, porém, era que o jornal, além de querer oferecer leitura “amena” ao seu público, parecia guardar também outras intenções nas escolhas de seus folhetins. Isso é percebido porque, desde sua criação, o periódico insistia em se caracterizar como um empreendimento jornalístico moderno, independente e desvinculado de partidos políticos. Uma das estratégias para evidenciar esse caráter mais “informativo” foi dar mais destaque para a publicação de notícias em detrimento dos tradicionais “artigos de fundo”, que até então ocupavam grande parte do conteúdo das folhas políticas do império76 76 Araújo, 2015, pp.55-88. . Com essa nova configuração, caberia às colunas assinadas e aos folhetins (entendidos aqui como espaço de “variedades”) fazer o debate sobre questões sociais do momento. Além desses espaços, a literatura, que vinha espalhada por toda a folha em forma de crônicas, contos e romances, também seria uma importante aliada nas lutas políticas que a Gazeta desejava empreender, sem, contudo, comprometer sua autoimagem de jornal independente. Isso não quer dizer que todo e qualquer texto literário publicado em suas páginas tivesse a função apenas de debater temas políticos da atualidade. É preciso lembrar que Gazeta se destacou por ser uma incentivadora da literatura nacional e internacional, em amplo sentido77 77 Ver Barbosa, 2000; Pereira, 2004. . Contudo, não parece plausível excluir a possibilidade de que algumas obras fossem cuidadosamente escolhidas também com essa intenção. Até mesmo porque a Gazeta, desde a publicação da peça Os Lazaristas, publicada em meio às disputas sobre a “Questão Religiosa”, havia aprendido que unir debates públicos com entretenimento em folhetins impulsionava as vendas do jornal. Sabendo do sucesso que a seção que vendia literatura em fascículos fazia junto ao público, o que a tornava interessante na formação de uma “opinião pública”, seria limitador interpretar as escolhas do periódico como resultado de critérios exclusivamente comerciais ou artísticos. Em 1878, com O Reino Encantado, de Araripe Júnior, não parecia ser diferente. Ausente do debate aberto sobre o retorno dos liberais ao poder e toda a polêmica sobre os boatos de uma possível nova reforma do “elemento servil”, temendo provavelmente ser associada a algum dos partidos envolvidos na disputa provocada pela inversão política no ministério, a Gazeta decidiu trilhar outros caminhos sobre a questão. O debate sobre a emancipação acabaria sendo feito em suas outras seções, disperso nas notícias e na literatura publicada pelo jornal.

Antes mesmo da chegada do folhetim de Araripe Júnior ao rodapé da Gazeta, histórias envolvendo o norte do império se espalhavam pelas páginas do jornal carioca. Isso pôde ser percebido pois, desde 1877, o Ceará passava por uma grave seca que desencadeou o deslocamento de milhares de pessoas fugindo da extrema miséria78 78 Ver Neves, 2000; Barboza, 2013. . A presença impactante de multidões de esfaimados em cidades como Fortaleza acabou provocando o pânico entre as elites locais, preocupadas tanto com o aumento da criminalidade quanto com o surgimento de insurreições populares. Instalados nos centros urbanos, os retirantes passaram a exigir uma solução para suas aflições, reivindicando comida, trabalho e esmolas79 79 Neves, 2000, pp.25-28. . Como resposta, a política assistencialista do Estado imperial foi rapidamente transformada em instrumento de coerção ao trabalho. A fome, a pobreza extrema, os maus-tratos e o excesso de trabalho não tardaram em se transformar em catalisadores de grande insatisfação popular, e sinais de uma reação coletiva começariam a aparecer nos abarracamentos, nas ruas, nos postos de distribuição de alimentos e até mesmo no palácio do governo, que foi cercado por mais de 500 pessoas que exigiam ajuda. Diante desse cenário, as elites locais passaram a acreditar que se formava ali um “ambiente social propício à propagação de revoltas”. Mais do que a miséria, temia-se a “revolução”80 80 Idem, pp.30-41. . Às notícias da crescente aglomeração de migrantes nas estradas e cidades somavam-se as reclamações dos atentados à propriedade privada, incluindo o roubo dos rebanhos de gado81 81 Barboza, 2013, pp.60-62. . Em meio a esses conflitos e tensões, havia também o medo de uma solidariedade entre as classes empobrecidas, uma “hidra” multiétnica insurgente82 82 Desde o começo da expansão colonial inglesa, políticos, capitalistas, filósofos, entre outros, recorreram ao mito da Hidra de Lerna para falar da ameaça de desordem constante promovida pelas classes trabalhadoras - multiétnicas e essenciais ao surgimento do capitalismo. A imagem da hidra de muitas cabeças se tornou símbolo de desordem, mas também de resistência. Ver Linebaugh & Rediker, 2008, pp.10-15. , já que o momento de grande circulação de pessoas foi visto como uma oportunidade para muitos escravos colocarem em prática projetos de mobilidade social e liberdade. Retirantes de ascendência africana, ou mesmo aqueles classificados como “brancos” ou “caboclos”, tiveram, no momento da seca, seus destinos cruzados com negros escravos e libertos, o que acabou construindo espaços de solidariedade e resistência83 83 Barboza, 2013, pp.12-14. . Com a formação desses grupos e o descontentamento generalizado, as elites letradas se apressariam em alertar sobre os perigos que envolviam as ações das classes populares, vistas como incapazes de agir por vontade própria, suscetíveis a seduções e manipulações de malfeitores84 84 Idem, p.49. .

Os ecos desses temores não tardariam a chegar nas páginas da Gazeta, que, cuidadosamente, selecionava as notícias vindas pelos jornais do norte para publicar em suas páginas. Já em 2 de janeiro, ao republicar artigo saído no Jornal do Recife, a Gazeta alertava os leitores de que se marchava para o “abismo”. Segundo o artigo, em todo aquele “cortejo de misérias”, o que mais espantava era a “falta de segurança individual e de propriedade”, já que os crimes aumentavam e o furto ia se tornando “aterrador”85 85 Gazeta de Notícias, 2 jan. 1878. . Em 7 de janeiro, sob o título “A secca do norte”, o jornal destaca que as ruas “regurgitam povo” e que a população faminta havia invadido mercados em busca de comida. “Quando terminará este terrível estado de coisas”, perguntava o jornal86 86 Gazeta de Notícias, 7 jan. 1878. Ver também edições dos dias 11 e 24 jan. 1878, que destacam os números da mortalidade no Ceará e os horrores da emigração. . Além dessas notícias, a Gazeta acompanhava de perto o número de “retirantes” vindos da seca que chegavam às ruas do Rio de Janeiro, em embarcações compartilhadas com escravos vindos do norte para o tráfico interno87 87 Gazeta de Notícias, dias 19 jan. 1878; 14 fev. 1878; 9 e 10 mai. 1878. Sobre o tema, ver ainda as edições de 1 e 3 mar., 17 e 21 abr., 1878. . Prevendo uma leitura minimante cruzada por parte do público, não é estranho imaginar que o leitor da Gazeta de Notícias pudesse e interligar as informações sobre o Ceará às notícias internacionais que preenchiam as colunas vizinhas e que tratavam desde a “Guerra do Oriente”, onde, em Constantinopla, se temiam as revoltas “provocadas pela miséria que [lavrava] as classes menos abastadas”88 88 Gazeta de Notícias, 18 jan. 1878. , até os ecos da situação política na Europa. “As ideias lavram, e são como os rastilhos, se lhes lançarem fogo irão provocar a explosão no mais recôndito do império”, dizia o jornal ao comentar os atentados sofridos pelo imperador alemão Frederico Guilherme IV89 89 Gazeta de Notícias, 30 jun. 178, p.1. . Com uma cuidadosa seleção de notícias vindas do exterior, que parecia dialogar com os eventos nacionais, o jornal de Ferreira de Araújo, de certa forma, alertava os leitores sobre os riscos das insurreições populares, fruto de situações de extrema miséria ou exploração90 90 No primeiro semestre de 1878, a Gazeta de Notícias destinou parte de suas páginas para publicação de notícias sobre movimentos políticos ligados às classes populares na Europa. Em 16 de janeiro, ela comentaria uma “conspiração” na fábrica de chapelaria na cidade do Porto, feita por “grevistas” que se supunha terem “ramificações com a Internacional”. Nos dias seguintes, falará da “grande multidão de operários em Nápoles reivindicando “pão e trabalho” (9 fev., 01 e 25 mar. 1878). Em 12 de abril, dirá que “Em França o governo [começava] a inquietar-se com as greves”. Em 4 mai.1878, comentará o crescimento da imprensa ligada ao “socialismo alemão”. Formando o quadro de agitações no exterior, o jornal destacará também notícias sobre emigrados franceses ligados à Comuna de Paris que foram para os Estados Unidos e os riscos disso. Ver as edições dos dias 4 e 6 jun. 1878. Ainda em junho de 1878 serão publicadas notícias que ligavam os socialistas aos atentados contra o imperador alemão Frederico Guilherme IV. Ver edições de 9, 16, 21, 24, 25 e 30 jun. 1878. .

É preciso ressaltar, contudo, que um dos principais receios da Gazeta estava numa outra questão relacionada à seca: o tráfico interno de escravos. Isso é percebido porque, com o declínio econômico da região, a venda de escravos do norte do país rumo às fazendas do sudeste foi fortemente intensificado91 91 Queiroz, 1995; Slenes, 2004; Graham, 2002. . Indícios dessa preocupação da Gazeta está na notícia sobre a prisão de um cativo do Barão de Itapetininga, acusado de ferir um parceiro e esfaquear o carcereiro da cadeia. Reportando o caso, o jornal lamentava que os “escravos que o Norte [enviava] à província de São Paulo” “continuamente [traziam] sobressalto a sua laboriosa população agrícola”92 92 Gazeta de Notícias, 10 jan., 1878, p.1. Robert Slenes destaca que a intensificação do tráfico interno a partir de 1850 impactou a estabilidade das famílias e comunidades escravas, separadas frequentemente por esse comércio. Na década de 1870, segundo ele, esse cenário vai se intensificar, lançando os escravizados em uma situação de grande incerteza, o que certamente está entre os elementos que contribuíram para o aumento da tensão nas senzalas do sudeste. Slenes, 2004, pp.352-356. . Tal associação não era, contudo, uma exclusividade da Gazeta. A relação entre o aumento dos crimes cometidos por escravos e a intensificação do tráfico interno será recorrente na década de 1870, levando a Assembleia Provincial de São Paulo, em fevereiro de 1878, a discutir um projeto de lei antitráfico93 93 Em meio aos debates sobre a emancipação, os escravos comercializados no tráfico interno passaram a reivindicar nas novas senzalas a reprodução de condições que usufruíam anteriormente e aquilo que consideravam um cativeiro justo. Tais embates acabaram aumentando das tensões no cotidiano da escravidão (Mattos, 1998). . Um dos argumentos usados na defesa do projeto era o de que o adensamento na província do “negro mau vindo do norte” representava uma “ameaça latente” à paz nas fazendas. Em meio ao grande clima de tensão, o projeto seria aprovado com ampla margem de votos em finais de março de 1878, pouco antes da publicação do folhetim de Araripe Júnior94 94 Azevedo, 1987, pp.113-118. . Contudo, devido à pressão exercida pelo “Club da Lavoura” de Campinas, a proposta foi vetada pelo presidente da província95 95 Azevedo, 1987; Queiroz, 1995, pp.45-46. . Um dos argumentos do Club era o de que “a atitude dos legisladores paulistas” poderia “dar expansão aos sentimentos abolicionistas do imperador”96 96 Queiroz, 1995, p.171. . A imprensa campineira, por sua vez, argumentava que “os simples boatos e as pequenas reformas pouco refletidas seriam suficientes para destruir a já tão abalada, mas imprescindível, autoridade moral dos senhores”97 97 “O imposto de 1:000$000 - Seção Particular”, Gazeta de Campinas, 15 mar., 1878, p.1. . A Gazeta, atenta ao debate, publicaria apenas o resumo da reunião dos mais de 300 lavradores em Campinas98 98 Gazeta de Notícias, 29 mar., 1878, p.2. Campinas era então a cidade com a maior concentração de população escrava na província de São Paulo (Queiroz, 1995, p.132). .

Embora não tenha emitido opiniões em editoriais ou artigos sobre o fracasso do projeto antitráfico, um mês depois a Gazeta de Notícias colocaria em seu rodapé um romance tematizando a ação de escravos e quilombolas que desafiavam a tranquilidade senhorial no sertão pernambucano. Na trama, o conflito, prudentemente, era deslocado para longínquas terras do norte, em remotos tempos da Regência e emoldurado por questões religiosas. Tais características, contudo, não disfarçavam o teor provocativo do folhetim, uma vez que a obra de Araripe Júnior surgia em um contexto de grande temor e incerteza sobre os rumos da escravidão. Confrontado com a ascensão de um novo ministério liberal e com as pressões exercidas pelas lutas dos próprios escravos ao longo de toda a década de 1870, soa improvável que o romance O Reino Encantado tenha sido lido de forma desconectada tanto das revoltas populares que se espalhavam pelo Ceará - e que articulavam diferentes grupos das classes empobrecidas - quanto da discussão sobre a criminalidade escrava no sudeste. Derrotado o projeto na Assembleia paulista, desenhava-se no rodapé da Gazeta a urgência de se pensar não só o fim do tráfico interprovincial, mas da própria escravidão no país.

O acirramento das tensões entre senhores e escravos nos anos de 187099 99 Sobre este acirramento, ver Azevedo, 1987; Pirola, 2015. claramente indicava a acelerada perda da legitimidade da escravidão, que ganhara fôlego especialmente depois da aprovação da Lei do Ventre Livre, medida que atribuía ao Estado importante papel de mediador das relações escravistas100 100 Ver Chalhoub, 2003. . Além disso, a intensificação das lutas protagonizadas pelos próprios escravos - em atos de rebeldia ou ações judiciais - fez parte do cenário no qual se movia a política imperial no período101 101 Sobre a utilização da Justiça como arena nas lutas pela liberdade, ver Chalhoub, 1990; Azevedo, 2010; Mendonça, 1999; Lara e Mendonça, 2006. . Esse entendimento da ação do Estado ficaria ainda mais evidente quando um número cada vez maior de escravos, que após matarem seus senhores, administradores e feitores, passou a fugir para polícia para confessar seu crime102 102 Azevedo, 1987, pp.190-192. . Ao mesmo tempo, desde o início da década de 1860, a pena de galés perpétuas se consolidava como penalidade máxima no império, em detrimento da aplicação da pena de morte103 103 Pirola, 2015, p.102. . Atribuição do imperador, a comutação dessas penas foi lida pelos senhores de escravos como sinônimo de impunidade e até mesmo incentivo aos crimes. Em resposta às comutações, começariam a ocorrer linchamentos dos cativos que haviam cometido crimes contra seus proprietários104 104 Pirola, 2018. . Desafiando autoridades e invadindo cadeias, a prática do linchamento colocou ainda mais em destaque a sensação de descontrole da ordem pública. A encomenda do romance Mota Coqueiro, de José do Patrocínio, publicado entre dezembro de 1877 e março de 1878 no folhetim do jornal, revelava o olhar atento da Gazeta de Notícias para esses debates. Assim, se, por um lado, o folhetim se juntava a uma campanha internacional contra a pena capital e apontava os perigos de uma punição irreversível105 105 Santos, 2011. , por outro, ele explicitava seu debate (e crítica) com um problema social local, ou seja, com a pressão exercida pelos senhores para que fossem executadas as penas de morte aos escravos no Brasil106 106 Sobre o engajamento de figuras como José do Patrocínio e Vicente de Souza na luta contra a pena capital, associando-a ao tema da escravidão no final do século XIX, ver Pirola, 2015, pp.229-235). .

Entretanto, é preciso ressaltar que, mesmo sendo contrária à pena capital, a Gazeta não se furtou em noticiar a tensão latente envolvendo as relações escravistas naquele momento. Somente no ano de 1877 ela noticiou 20 casos de assassinatos de senhores, administradores e feitores107 107 Os crimes contra senhores e feitores foram noticiados na Gazeta de Notícias nos dias 1, 12 e 30 jan.; 2 e 28 fev., 4 mar., 5, 20 e 30 abr., 4 mai., 11 jun., 27 e 31 jul., 3 e 19 set., 12 out., 9, 11 e 20 nov., e 14 dez., 1877. . Em janeiro daquele ano, reproduzindo uma notícia do Correio de Cantagallo, o jornal lamentou a “frequência dos assassinatos cometidos por escravos e a impossibilidade de os prevenir”108 108 Gazeta de Notícias, 30 jan., 1877, p.1. . Nas descrições e justificativas feitas desses crimes surgiam castigos físicos cruéis aos cativos, promessas de liberdade, ameaças de venda como punição, entre outras agruras do mundo escravista. Entretanto, a mensagem que parecia se repetir em muitas dessas notícias era uma só: era imprescindível resolver o problema da escravidão no Brasil. Tal urgência vinha se desenhado ao longo de toda a década e, certamente, em 1875, com o aparecimento do primeiro caso de linchamento de um escravo que atentara contra a vida de membros da família senhorial, as ameaças de descontrole social ficariam ainda mais evidentes para a elite letrada do império109 109 Sobre o caso de linchamento do escravo Sabino, ver O Globo, 2 jul., 1875, p.1. . Aos poucos, a temática dos linchamentos foi se impondo no debate sobre a urgência da abolição, e o próprio Araripe Júnior, nas últimas páginas de seu romance, amarrou os sentidos do folhetim a essa questão. Um sinal disso é que, ao final da trama, Manuel Pereira acaba salvando os prisioneiros do sítio de “Pedra Bonita” da fúria popular e de um linchamento. O episódio presente no romance está, contudo, completamente ausente na obra de Attico Leite. Segundo o narrador do romance, o povo, não se satisfazendo com a “interrupção da tragédia” na “Pedra Bonita”, arrojara-se “em massa sobre os desgraçados criminosos para despedaçá-los, exterminá-los”. E teriam feito, não fosse a ação do comissário110 110 “O Reino Encantado”, Gazeta de Notícias, 16 jul., 1878, p.1. .

Entre janeiro e março de 1878, a Gazeta levou ainda para suas páginas oito casos de crimes cometidos por escravos contra seus senhores e feitores. Ao todo, somente no primeiro semestre daquele ano (o que inclui o período da publicação do folhetim de Araripe Júnior), seriam 14 ocorrências noticiadas pelo jornal111 111 Ver Gazeta de Notícias dias 29 jan., 15 e 25 fev., 1 e 22 mar., 12, 20 e 26 abr., 1, 7 e 8 mai., 16, 18 e 30 jun., 1878. . A despeito das tensões nas relações escravistas vividas de forma intensa pelas províncias do sudeste, o jornal não se furtaria de divulgar os casos. Nessa cobertura, a Gazeta claramente mantinha um equilíbrio tênue no tratamento dos casos reportados, ora destacando o perigo que corriam os senhores frente aos assassinatos cometidos, por vezes criticando a ação da Justiça e dos proprietários na forma de conduzir a punição a esses crimes, ora destacando os sofrimentos impostos aos cativos que poderiam levar a ódios e ressentimentos. Interessante notar o cuidadoso trabalho da Gazeta em selecionar notícias dos jornais provincianos que pudessem reforçar seus argumentos sobre o problema da criminalidade escrava. Na ausência de artigos de fundo, abertamente escritos sobre o tema, a sinuosa escolha das notícias era fundamental para a tentativa de construir uma “opinião pública” sobre tais questões. Havia notícias, por exemplo, que desembocavam em críticas sobre a atuação dos juizados de primeira instância que, naquele momento, claramente evitavam a condenação dos escravos à pena capital, manipulando os resultados para devolver os cativos ao castigo senhorial nas fazendas112 112 Ver Gazeta de Notícias, dias 5 fev., 17 mar. e 24 abr., 1878. . Num desses casos, retirado do Correio de Cantagallo, um grupo de escravos que matara seu senhor é obrigado a retornar à fazenda para ser submetido “a um regime cruel” e servir de “exemplo aos parceiros”. Entre o grupo estava uma criança, “forçada pelos maiores a participar do assassinato”, que foi estrangulada pelos companheiros após o castigo. “Eis o resultado pavoroso que atingem sempre os que, rebeldes à ação benéfica da civilização dos nossos tempos, persistem em considerar o escravo hoje igual a uma besta feroz contra a qual toda crueza de outras eras é não só permitida como necessária”, concluía a reportagem113 113 Gazeta de Notícias, 05 fev., 1878, p.1. . Já em outras matérias, destacava-se o perigo iminente que corriam os senhores frente à impunidade e à dificuldade de manter a disciplina nas fazendas após 1871. Retirada do Actualidade, de Ouro Preto, uma das notícias publicadas pela Gazeta falava de escravos insurgentes que assassinaram o feitor de uma fazenda. Após a descrição do caso, a sentença: “Infelizmente, depois da reforma do elemento servil, reproduzem-se estes fatos com frequência”114 114 Gazeta de Notícias, 22 mar., 1878, p.1. . Destacavam-se também as inúmeras notícias que reportavam casos de ação coletiva dos escravizados contra senhores e feitores. Dos 14 casos noticiados pela Gazeta no primeiro semestre de 1878, 8 versavam sobre ações coletivas, em números que variavam de 3 a 20 escravos envolvidos115 115 Gazeta de Notícias, dias 29 jan., 5, 15 e 25 fev., 1 e 22 mar., 26 abr. e 16 jun., 1878. .

Ressaltando toda a tensão vivida o final da década de 1870, no dia 23 de março, a Gazeta decidiu publicar, por exemplo, a história Joaquiana Pavão de Oliveira, que, em dezembro de 1877, matara seu escravo Manoel na “ocasião em que este atentava contra a vida de seu senhor”, seu marido. Acusada de assassinato, o jornal dizia que o processo trazia a população da cidade em “suspense”. Em duas longas colunas de jornal, publicadas em primeira página, com uma descrição quase folhetinesca, a reportagem versava sobre a apresentação da defesa da senhora no tribunal, tratada como “heroína” pela reportagem. Elogiando o “belíssimo” discurso da defesa, a notícia se encerrava dizendo que, “ao retirar-se da sala do tribunal, jurados e espectadores, que eram em grande número, acompanharam-na até a casa de sua residência, seguidos de uma banda de música”116 116 Gazeta de Notícias, 23 mar., 1878, p.1. .

Sendo a imprensa um dos lócus privilegiados de divulgação da literatura no século XIX, é fundamental pensar sobre as interlocuções estabelecidas entre as obras ficcionais e seus suportes de reprodução, ou seja, com os jornais e revistas nos quais elas se inseriam. Tal articulação provavelmente era pensada tanto por aqueles que produziam esses periódicos quanto pelos leitores, que certamente também passeavam pelas outras seções do jornal enquanto liam seu folhetim. Partindo desse pressuposto, é interessante observar as notícias com as quais a Gazeta enquadrou o folhetim de Araripe Júnior. Poucos dias antes do surgimento do romance, o jornal publicaria, por exemplo, notícias sobre a formação de um quilombo de “desertores” na região das fazendas do vereador Paes Leme, que roubou o rebanho deste e deixou os “vizinhos [dele] assustados”, ou ainda sobre o assassinato de um feitor por três escravos em Sapucaia117 117 Gazeta de Notícias, 21 e 26 abr., 1878, p.1. . Um exemplo interessante está nos meses de maio e junho de 1878, momento em que foram publicados os capítulos referentes ao ataque à fazenda “Porteiras”. Enquanto Frei Simão, Tibúrcio e Pedro Antonio se juntavam aos quilombolas para atacar a propriedade de Vasconcellos, aterrorizando a família senhorial, nas outras seções do jornal circulavam matérias sobre uma escrava que tentara asfixiar sua senhora, um cativo que agredira o filho de seu senhor e a notícia do assassinato a facadas de Francisco de Paula após castigar uma de suas escravas118 118 Gazeta de Notícias, 08 mai., 1878, p.1. . Havia muitas histórias de assassinatos ocorridos após a aplicação de castigos aos escravos, como a do feitor “barbaramente assassinado” com enxadadas por sete escravos vítimas de “maus tratos e rigores recebidos do assassinado”119 119 Gazeta de Notícias, 1, 7 e 8 mai., 16, 18 e 30 jun., 1878. . Ainda em maio aparecerá uma carta na seção de “A Pedido” da Gazeta, explicitando a tensão que então pairava sobre o tema: “A pena de morte imposta a escravos que matam senhores, administradores e feitores continua a ser comutada. Os atentados repetem-se em todas as freguesias da província do Rio”. “Quer o imperador desgostar os fazendeiros a ponto de realizar-se a emancipação forçada?”, concluía o “A Pedido”, citando matéria do jornal Sapucaiense120 120 Gazeta de Notícias, 29 mai., 1878, p.2. .

Em contrapartida, a Gazeta também não deixava de publicar inúmeras histórias de violências impostas aos escravos cotidianamente. Espalham-se pelo jornal notícias sobre castigos excessivos e maus-tratos que levavam à morte, como o caso da matéria intitulada “Scenas da Escravidão”, retirada da Gazeta de Sorocaba, em que foi apresentada a figura de uma escrava, puxada “à corda”, de “mãos amarradas” e com as costas cobertas de “vergões e golpes”, “denunciando o bárbaro tratamento”. Essas cenas, segundo a notícia, deixariam uma “terra civilizada” “horrorizada”121 121 Gazeta de Notícias, 13 abr., 1878, p.1. Ver também 15 jan., 19 fev., 19 mar. e 30 mai., 1878. . Muitos são os casos ainda de suicídio de escravos122 122 Gazeta de Notícias, 9, 22 e 25 fev., 14 abr., 6 mai., 1878. , infanticídios e crianças mortas por abandono, cujas mães escravas desesperavam-se123 123 Gazeta de Notícias, 19 jan., 1 e 29 abr., 1878. . Em sua seleção de notícias, o jornal de Ferreira de Araújo também narrava histórias de escravos fugidos que, depois de longos períodos vivendo em liberdade, eram cruelmente reescravizados124 124 Gazeta de Notícias, 21 fev. e 20 mar., 1878. . Críticas foram feitas também ao não cumprimento da Lei do Ventre Livre, especialmente no que dizia respeito ao fundo de emancipação. Ainda, denúncias sobre o mau estado dos estabelecimentos de vendas de escravos do tráfico interno surgiram nas páginas do jornal125 125 Gazeta de Notícias, 6 mar. e 2 jun., 1878. . Como um equilibrista - que dialogava com diferentes públicos, ora escrevendo para senhores e políticos, enfatizando os perigos dos crimes e insurreições que rondavam as relações escravistas, ora construindo uma imagem de barbárie, intolerável, da escravidão para formação de uma “opinião pública” sobre o tema -, a Gazeta se inseria nos debates sobre a emancipação. E nessa confluência de notícias sobre a escravidão, a seca no Ceará e as revoltas populares vindas das províncias do Norte, surgiu a versão que Araripe Júnior decidiria contar do episódio de “Pedra Bonita”.

Considerações finais

O exercício proposto neste artigo buscou compreender a complexidade das relações estabelecidas entre a produção literária e a vida social que a circunda e inspira. Estiveram no centro desta abordagem dois movimentos fundamentais: em primeiro lugar, entender a maneira pela qual o então maior jornal do império, a Gazeta de Notícias, tratou do tema da escravidão e das rebeliões escravas em suas páginas, em especial no espaço dedicado à publicação de romances-folhetins. Em segundo lugar, analisar como o escritor Araripe Júnior recontou o evento de 1838 em seu romance O Reino Encantado, relacionando-o com as tensões sociais e política vividas pela instituição escravista no final dos anos de 1870. Ao ser articulado com o conteúdo que circulava por outras seções do jornal (que era cuidadosamente escolhido pelos redatores da Gazeta), o romance parecia propor, nas suas entrelinhas, um encaminhamento para o debate que havia se instaurado no início de 1878, quando do retorno dos liberais, sobre a escravidão: reformar para não revolucionar. Mostrando-se temerosos sobre quem seriam os protagonistas das lutas pela liberdade, tanto a Gazeta quanto Araripe Júnior pareciam alertar a elite política sobre a urgência de se retomar o debate sobre a abolição, antes que a “arraia miúda” o fizesse. Em momento de claro declínio da força moral dos senhores de escravos (e da legitimidade da própria escravidão), que se evidenciou quando da aprovação da Lei do Ventre Livre em 1871 e que ganhou novo fôlego em 1878, ao se aproximar o momento de decidir o futuro das crianças nascidas livres126 126 Aquele era o momento em que o cerne da Lei do Ventre Livre estava em suspenso porque os filhos de escravizadas nascidos desde 1871 teriam seus destinos decididos aos 8 anos. Chalhoub, 2003, p.274. , tais ameaças pareciam atormentar a elite brasileira.

A escolha por um evento do período regencial brasileiro também não parece fortuita, já que este foi marcado por grande agitação popular, com inúmeras revoltas que foram vistas como ameaças à unidade política do Brasil127 127 Sobre as agitações populares na regência, ver Gledhill e Schell, 2012; Motta e Zarth,2008; Dantas, 2011. . Diante das tensões vividas nos anos de 1870 acerca da escravidão e do acirramento das disputas entre os partidos políticos imperais sobre eventuais reformas com a ascensão liberal, o romance optava por revisitar uma antiga história, ocorrida no interior da província de Pernambuco, quando “intrigas e paixões clamorosíssimas” colocavam a população em sobressalto. Ao descrever o cenário em que se passava o episódio, o narrador lembrar-se-ia tanto das “lutas políticas desapiedadas” que tinham colocado em “alarma os espíritos calmos sensatos”, quanto da “superstição” que havia erguido o “colo como a hidra da fábula”, insinuando o ânimo dos “míseros campônios”128 128 “O Reino Encantado”, Gazeta de Notícias, 28 abr., 1878, p.3. A lembrança dessa fábula no primeiro capítulo da obra certamente também não aparecia por acaso. Flávio dos Santos Gomes, ao analisar os quilombos da província do Rio de Janeiro no século XIX, enfatizou como a metáfora da hidra de Lerna era recorrentemente usada por chefes de polícia da época para se referir às novas comunidades de escravizados fugidos que nasciam dos escombros daquelas que as autoridades destruíam. Ver Gomes, 2006. . Nessa dupla temporalidade do romance, que narrava em 1878 um episódio de 1838, no calor dos embates por mais um passo rumo à abolição, o rodapé do maior jornal do império (e o romance de Araripe Júnior) parecia dar o seu recado: assim como nos eventos de “Pedra Bonita”, perdidas as esperanças de desencantamento do reino, isto é, de liberdade, os escravos se entregariam a uma luta feroz contra seus senhores. Ou seja, ou a escravidão era reformada para manter viva a perspectiva de liberdade, ou a luta aberta seria o resultado inevitável.

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  • 3
    Este artigo é um dos resultados da pesquisa desenvolvida durante meu estágio de pós-doutoramento (Visiting Scholar) no Department of Romance Languages and Literatures, Harvard University, em 2020, sob a supervisão do professor Bruno Carvalho, a quem eu agradeço. Gostaria também de agradecer as leituras e sugestões que o presente texto recebeu dos professores e alunos que compõem a área de História Social do Programa de Pós-Graduação em História da Unicamp.
  • 4
    A Gazeta de Notícias foi fundada em 1875 no Rio de Janeiro e tornou-se um dos maiores jornais do império. Entre os seus fundadores estavam Elísio Mendes, Manoel Carneiro e o médico José Ferreira de Sousa Araújo, que também se tornou o redator-chefe do periódico. Tal folha se transformou num marco importante do jornalismo brasileiro por ser “barata, popular e liberal” (Sodré, 1999, p.224). Já em sua estreia, a nova folha dizia não ter compromisso com partidos políticos ou governos. Sobre a Gazeta de Notícias ver Barbosa, 2000; Pereira, 2004.
  • 5
    Gazeta de Notícias, 28 abr., 1878, p.1. Publicado quase diariamente, o romance ocupou o rodapé da Gazeta entre os dias 28 de abril e 16 de julho de 1878, somando 43 edições do jornal.
  • 6
    Ver Azevedo, 1987; Machado, 1987; Machado, 2009; Machado, 1994; Pirola, 2015.
  • 7
    O termo “caboclo” segue a terminologia das fontes de época manuseadas nesta pesquisa. Tais referências são analisadas ao longo deste artigo. Segundo o Diccionario da Lingua Portugueza, “caboclo”, no século XIX, guardava significava: “de cor avermelhada, tirante a cobre”, “nome que se dá no Brasil não só aos descendentes já civilizados dos aborígenes, com também aos mestiçados com a raça branca” (Silva, 1890, p.373). Ivana Stolze Lima, no livro Cores, marcas e falas, trata da polissemia de termos como “caboclo” no século XIX e das disputas raciais, sociais e políticas em torno deles. No Censo de 1872, “pardo” ou “caboclo” referiam-se à população mestiça. Segundo a autora, tais classificações produziam marcas, hierarquias e estereótipos raciais (Lima, 2003).
  • 8
    Analisando em especial a década de 1880, Maria Helena Machado argumenta que foi colocada em prática uma “estratégia de desinformação e censura no tratamento público” desses eventos, cujo objetivo era evitar o “pânico das populações e a emergência de uma discussão generalizada sobre a deterioração dos mecanismos de controle social e a urgência da resolução da instituição servil”. Machado, 1994, p15.
  • 9
    O episódio da Pedra Bonita inspirou ainda obras como Pedra Bonita, de José Lins do Rego (1938), e A pedra do Reino, de Ariano Suassuna (1971).
  • 10
    Holanda, 2005, pp.217-218; Sobre o contexto político da ascensão do gabinete Sinimbu, ver também Carvalho, 1996; Youssef, 2019; Ribeiro, 2018.
  • 11
    Alonso, 2015, p.120.
  • 12
    “Os liberais!”, Jornal da Tarde, 3 jan. 1878, p.1. Ver também Jornal da Tarde dias 16, 17, 25, 28 e 31 jan. 1878; 5 fev. 1878. Jornal do Commercio, 19 e 21 jan. 1878;
  • 13
    “Chronica Política”, Gazeta de Campinas, 4 jan. 1878, p.1. Ver também os dias 5, 9 e 11 jan. 1878.
  • 14
    Correio Paulistano, 16 jan. 1878, p.1. Ver Também Correio Paulistano, 9, 11, 15 e 16 jan. 1878.
  • 15
    A Reforma: órgão democrático, 15 jan. 1878, p.1.
  • 16
    Ao referir-se aos supostos questionamentos feitos por seus “assinantes”, a Gazeta, na verdade, dava uma desculpa para interferir no debate sem correr o risco de ser acusada de partidária de um dos lados da disputa. Importante ressaltar que este artigo está centrado no debate que a Gazeta de Notícias estabeleceu com outros jornais da Corte sobre a mudança política ocorrida no Brasil em 1878. Como o propósito desta pesquisa não é analisar a recepção pelos leitores de tais discussões, optou-se por priorizar os textos produzidos por jornalistas e literatos sobre a questão. Para os interessados em estudos sobre recepção, ver Chartier, 2017.
  • 17
    “Assuntos do dia”, Gazeta de Notícias, 16 jan. 1878, p.1. Segundo Alonso, o imperador quebrara também as expectativas das alas reformistas liberais ao chamar Sinimbu. Ver Alonso, 2015, pp. 120-128.
  • 18
    Ver Chalhoub, 2003; Carvalho, 1996.
  • 19
    Alonso, 2015, p.120.
  • 20
    Ver Eisenberg, 1989; Azevedo, 2012; AlonsoALONSO, Angela. Flores, votos e balas: o movimento abolicionista brasileiro (1868-88). São Paulo: Companhia das Letras, 2015. , 2015.
  • 21
    Araújo, 2015.
  • 22
    Sobre rebeldia escrava, ver Reis e Gomes, 2021; Pirola, 2021; Reis, 1996.
  • 23
    Os referenciais deste artigo para o entendimento da literatura como testemunho histórico são Chalhoub e Pereira (1998); Gay (2010); Ginzburg (2007); e Chalhoub (2003, 2019).
  • 24
    Os eventos de “Pedra Bonita” ocorreram no sertão de “Pajeú das Flores”, nome dado às terras da margem pernambucana do Rio São Francisco (Soares, 2015, p.33; Clemente, 2012, p.151).
  • 25
    Para saber mais sobre os sentidos do caráter sebastianista dos movimentos sociais ocorridos nas primeiras décadas do século XIX em Pernambuco, ver Cabral, 2004 e Hermann, 2001; Apesar da importância desse assunto, o foco deste artigo está nas releituras que Araripe Júnior produziu sobre o tema, em 1878, à luz dos embates pela abolição.
  • 26
    “Prefeituras”, Diario de Pernambuco, 16 jun., 1838, p.2.
  • 27
    “O D. Sebastião dos feiticeiros”, O Bem Te Vi, 22 ago. 1838, p. 1.
  • 28
    “Variedade”, O Sete d’Abril, 28 set. 1838, p.1.
  • 29
    “Interior”, Diario de Pernambuco, 19 out., 1860, p.2.
  • 30
    Clementes, 2012.
  • 31
    Leite, 1898, p. 15.
  • 32
    O autor nasceu em Vila do Triunfo, comarca de Flores, era advogado e foi deputado provincial por Pernambuco entre 1874 e 1877 pelo partido Conservador (Blake, 1883, vol.1, p. 111)
  • 33
    Leite, 1898, p. 15.
  • 34
    Rui Facó dirá que termos como “fanatismo” e “fanáticos” eram usados pelas classes dominantes para denominar “pobres insubmissos”, no sentido de justificar o “esmagamento pelas armas” dos integrantes de movimentos sociais, caracterizando-os como “insubmissos religiosos, extremados e agressivos”. Ver Facó, 1976, pp.1-4.
  • 35
    Idem, pp.25-33.
  • 36
    Ibidem, p.27 e p.46. Segundo Diccionario da Lingua Portuguesa, de Moraes Silva, “mameluco” guardava o seguinte significado: “No Brasil, chamam mameluco ao filho de europeu com negra”; segundo diz ainda o verbete, poderiam ser também os filhos de “índio com mulata” (Silva, p.48).
  • 37
    Sobre raça e racismo no Brasil, ver: Maggie e Rezende, 2001; Kodama, 2009; Maio e Santos, 2010.
  • 38
    Ibidem, p.35.
  • 39
    Ibidem, p. 54.
  • 40
    Sobre a “Revolta dos Muckers” e messianismo, ver Queiroz, 1976; Hermann,1998; Amado, 1978; Dickie, 1996. Nos jornais de 1874, ver O Cearense, dias 16 e 30 jul. 1874; 6 ago. 1874; e Diário de Pernambuco, 30 jul. 1874.
  • 41
    Janaína Amado destaca que as autoridades de municípios como Santo Antonio da Patrulha, onde foi descoberto no mesmo período um plano de sublevação de escravos, temiam que as ações destes estivessem sendo influenciadas pelos Muckers. A autora diz ainda que medo semelhante aparecerá em Pelotas, centro escravocrata gaúcho da época. Amado, 1978, p.238.
  • 42
    Sobre o “Quebra-quilos”, ver Lima, 2011, p.452; Holanda, 2005, p.194.
  • 43
    Lima, 2011, pp.456-457.
  • 44
    O uso da palavra “Jacquerie” pelo conselheiro certamente refere-se ao sentido encontrado em dicionários do século XIX, que atribuem a ela o sentido de revolta das classes populares contra os ricos (Larousse, 1873, p. 871).
  • 45
    Leite, 1898, pp.9-11.
  • 46
    Idem, pp.11-12.
  • 47
    Ibidem, pp.12-13.
  • 48
    Sobre a história das ideias socialistas no Brasil, ver Leonidio, 2004; Fridman, 2017; Moraes Filho, 2007; Chacon, 1981 e Lourenço, 2001. Sobre o uso desses termos na imprensa da década de 1870, ver nota 88.
  • 49
    Ver Lima, 2004; Clemente, 2012; Castro, 2020.
  • 50
    Sobre quilombos e mocambos no século XIX, ver Reis e Gomes, 1996; Gomes, 2005; Gomes, 2006; Price, 2020; Funes, 2022.
  • 51
    Tristão de Alencar Araripe Júnior (1848-1911) era cearense, de família com grande influência política. Primo do literato José de Alencar, era também sobrinho de Tristão Gonçalves de Alencar Araripe, figura importante da Revolução Pernambucana de 1817 e da Confederação do Equador, de 1824. Formado em Direito pela Faculdade do Recife (1869), atuou, entre outras, como juiz municipal em Maranguape entre 1872 e 1876. Integrante do Partido Conservador, foi deputado provincial no Ceará. Foi colaborador de jornais como Constituição, Libertador e Gazeta da Tarde, ao lado de José do Patrocínio, que conheceu no Ceará quando este esteve por lá fazendo a cobertura jornalística da seca de 1877. Ver Clementes, 2012, pp.90-120.
  • 52
    “Ele é letrado e foi acólito de padre”, foi assim que Bernardo Vasconcellos descreveu o africano Simão, apelidado de “Frei Simão” na narrativa, chamando-o também de feiticeiro e adivinho. Araripe Júnior, 1878, p.15.
  • 53
    “O Reino Encantado”, Gazeta de Notícias, 28 e 29 abr., 1878, p. 3 e p.2.
  • 54
    “O Reino Encantado”, Gazeta de Notícias, 29 abr., 1878, p.2.
  • 55
    “O Reino Encantado”, Gazeta de Notícias, 1 mai., 1878, p.1.
  • 56
    O capítulo do retorno de Jaime se chama “Noite Aziaga” e provavelmente foi publicado na edição de 2 maio de 1878, que não consta na coleção da Hemeroteca digital da Biblioteca Nacional. Sua leitura foi feita na versão em livro do romance, ver Araripe Júnior, 1878, pp.13-16.
  • 57
    “O Reino Encantado”, Gazeta de Notícias, 4 mai., 1878.
  • 58
    “O Reino Encantado”, Gazeta de Notícias, 6 mai., 1878.
  • 59
    “O Reino Encantado”, Gazeta de Notícias, 9 mai., 1878.
  • 60
    “O Reino Encantado”, Gazeta de Notícias, 11 e 12 mai., 1878.
  • 61
    “O Reino Encantado”, Gazeta de Notícias, 14 mai., 1878.
  • 62
    Ausente no folhetim, a divisão formal do romance em duas partes aparece apenas na publicação em livro. A parte I foi intitulada “A fazenda das porteiras” e parte II, “Os Sebastianistas” (Araripe Júnior, 1878).
  • 63
    Ver “O Reino Encantado”, Gazeta de Notícias, dias 23, 25 maio e 17 jun. 1878.
  • 64
    Ver “O Reino Encantado”, Gazeta de Notícias, 18 e 21 mai., 1878. Sobre Sebastianismo ver Hermann, 1998.
  • 65
    “O Reino Encantado”, Gazeta de Notícias, 25 mai., 1878, p.2.
  • 66
    “O Reino Encantado”, Gazeta de Notícias, 4 jun., 1878, p.1
  • 67
    “O Reino Encantado”, Gazeta de Notícias, 16 jun., 1878, p.3.
  • 68
    Os estudos apontam para a influência de autores como Hippolyte Taine na obra, especialmente sobre os temas raça, meio e tempo no romance. Há também na bibliografia um destaque para a influência de Cesare Lombroso na obra (Castro, 2020, p.119 e Clementes, 2012).
  • 69
    Ver “O Reino Encantado”, Gazeta de Notícias, 25 jun., 1, 2 e 3 jul., 1878.
  • 70
    “O Reino Encantado”, Gazeta de Notícias, 14 jul., 1878, p.3.
  • 71
    Chalhoub, 2003, pp.155-164.
  • 72
    Sobre a utilização dos folhetins como um espaço destinado à conscientização das classes populares, ver Meyer, 1996; Trizotti, 2016; Quefélec, 1989.
  • 73
    Poucos dias depois do lançamento do folhetim, a Gazeta anunciava ter atingido 12 mil exemplares diários. Cf. Gazeta de Notícias, 28 out., 1875, p.1. Sobre Os Lazaristas, ver Monteiro, 2006.
  • 74
    Gazeta de Notícias, 22 dez., 1877, p.1. Sobre o romance ver Santos, 2011.
  • 75
    Bento, 2023.
  • 76
    Araújo, 2015, pp.55-88.
  • 77
    Ver Barbosa, 2000; Pereira, 2004.
  • 78
    Ver Neves, 2000; Barboza, 2013.
  • 79
    Neves, 2000, pp.25-28.
  • 80
    Idem, pp.30-41.
  • 81
    Barboza, 2013, pp.60-62.
  • 82
    Desde o começo da expansão colonial inglesa, políticos, capitalistas, filósofos, entre outros, recorreram ao mito da Hidra de Lerna para falar da ameaça de desordem constante promovida pelas classes trabalhadoras - multiétnicas e essenciais ao surgimento do capitalismo. A imagem da hidra de muitas cabeças se tornou símbolo de desordem, mas também de resistência. Ver Linebaugh & Rediker, 2008, pp.10-15.
  • 83
    Barboza, 2013, pp.12-14.
  • 84
    Idem, p.49.
  • 85
    Gazeta de Notícias, 2 jan. 1878.
  • 86
    Gazeta de Notícias, 7 jan. 1878. Ver também edições dos dias 11 e 24 jan. 1878, que destacam os números da mortalidade no Ceará e os horrores da emigração.
  • 87
    Gazeta de Notícias, dias 19 jan. 1878; 14 fev. 1878; 9 e 10 mai. 1878. Sobre o tema, ver ainda as edições de 1 e 3 mar., 17 e 21 abr., 1878.
  • 88
    Gazeta de Notícias, 18 jan. 1878.
  • 89
    Gazeta de Notícias, 30 jun. 178, p.1.
  • 90
    No primeiro semestre de 1878, a Gazeta de Notícias destinou parte de suas páginas para publicação de notícias sobre movimentos políticos ligados às classes populares na Europa. Em 16 de janeiro, ela comentaria uma “conspiração” na fábrica de chapelaria na cidade do Porto, feita por “grevistas” que se supunha terem “ramificações com a Internacional”. Nos dias seguintes, falará da “grande multidão de operários em Nápoles reivindicando “pão e trabalho” (9 fev., 01 e 25 mar. 1878). Em 12 de abril, dirá que “Em França o governo [começava] a inquietar-se com as greves”. Em 4 mai.1878, comentará o crescimento da imprensa ligada ao “socialismo alemão”. Formando o quadro de agitações no exterior, o jornal destacará também notícias sobre emigrados franceses ligados à Comuna de Paris que foram para os Estados Unidos e os riscos disso. Ver as edições dos dias 4 e 6 jun. 1878. Ainda em junho de 1878 serão publicadas notícias que ligavam os socialistas aos atentados contra o imperador alemão Frederico Guilherme IV. Ver edições de 9, 16, 21, 24, 25 e 30 jun. 1878.
  • 91
    Queiroz, 1995; Slenes, 2004; Graham, 2002.
  • 92
    Gazeta de Notícias, 10 jan., 1878, p.1. Robert Slenes destaca que a intensificação do tráfico interno a partir de 1850 impactou a estabilidade das famílias e comunidades escravas, separadas frequentemente por esse comércio. Na década de 1870, segundo ele, esse cenário vai se intensificar, lançando os escravizados em uma situação de grande incerteza, o que certamente está entre os elementos que contribuíram para o aumento da tensão nas senzalas do sudeste. Slenes, 2004, pp.352-356.
  • 93
    Em meio aos debates sobre a emancipação, os escravos comercializados no tráfico interno passaram a reivindicar nas novas senzalas a reprodução de condições que usufruíam anteriormente e aquilo que consideravam um cativeiro justo. Tais embates acabaram aumentando das tensões no cotidiano da escravidão (Mattos, 1998).
  • 94
    Azevedo, 1987, pp.113-118.
  • 95
    Azevedo, 1987; Queiroz, 1995, pp.45-46.
  • 96
    Queiroz, 1995, p.171.
  • 97
    “O imposto de 1:000$000 - Seção Particular”, Gazeta de Campinas, 15 mar., 1878, p.1.
  • 98
    Gazeta de Notícias, 29 mar., 1878, p.2. Campinas era então a cidade com a maior concentração de população escrava na província de São Paulo (Queiroz, 1995, p.132).
  • 99
    Sobre este acirramento, ver Azevedo, 1987; Pirola, 2015.
  • 100
    Ver Chalhoub, 2003.
  • 101
    Sobre a utilização da Justiça como arena nas lutas pela liberdade, ver Chalhoub, 1990; Azevedo, 2010; Mendonça, 1999; Lara e Mendonça, 2006.
  • 102
    Azevedo, 1987, pp.190-192.
  • 103
    Pirola, 2015, p.102.
  • 104
    Pirola, 2018.
  • 105
    Santos, 2011.
  • 106
    Sobre o engajamento de figuras como José do Patrocínio e Vicente de Souza na luta contra a pena capital, associando-a ao tema da escravidão no final do século XIX, ver Pirola, 2015, pp.229-235).
  • 107
    Os crimes contra senhores e feitores foram noticiados na Gazeta de Notícias nos dias 1, 12 e 30 jan.; 2 e 28 fev., 4 mar., 5, 20 e 30 abr., 4 mai., 11 jun., 27 e 31 jul., 3 e 19 set., 12 out., 9, 11 e 20 nov., e 14 dez., 1877.
  • 108
    Gazeta de Notícias, 30 jan., 1877, p.1.
  • 109
    Sobre o caso de linchamento do escravo Sabino, ver O Globo, 2 jul., 1875, p.1.
  • 110
    “O Reino Encantado”, Gazeta de Notícias, 16 jul., 1878, p.1.
  • 111
    Ver Gazeta de Notícias dias 29 jan., 15 e 25 fev., 1 e 22 mar., 12, 20 e 26 abr., 1, 7 e 8 mai., 16, 18 e 30 jun., 1878.
  • 112
    Ver Gazeta de Notícias, dias 5 fev., 17 mar. e 24 abr., 1878.
  • 113
    Gazeta de Notícias, 05 fev., 1878, p.1.
  • 114
    Gazeta de Notícias, 22 mar., 1878, p.1.
  • 115
    Gazeta de Notícias, dias 29 jan., 5, 15 e 25 fev., 1 e 22 mar., 26 abr. e 16 jun., 1878.
  • 116
    Gazeta de Notícias, 23 mar., 1878, p.1.
  • 117
    Gazeta de Notícias, 21 e 26 abr., 1878, p.1.
  • 118
    Gazeta de Notícias, 08 mai., 1878, p.1.
  • 119
    Gazeta de Notícias, 1, 7 e 8 mai., 16, 18 e 30 jun., 1878.
  • 120
    Gazeta de Notícias, 29 mai., 1878, p.2.
  • 121
    Gazeta de Notícias, 13 abr., 1878, p.1. Ver também 15 jan., 19 fev., 19 mar. e 30 mai., 1878.
  • 122
    Gazeta de Notícias, 9, 22 e 25 fev., 14 abr., 6 mai., 1878.
  • 123
    Gazeta de Notícias, 19 jan., 1 e 29 abr., 1878.
  • 124
    Gazeta de Notícias, 21 fev. e 20 mar., 1878.
  • 125
    Gazeta de Notícias, 6 mar. e 2 jun., 1878.
  • 126
    Aquele era o momento em que o cerne da Lei do Ventre Livre estava em suspenso porque os filhos de escravizadas nascidos desde 1871 teriam seus destinos decididos aos 8 anos. Chalhoub, 2003, p.274.
  • 127
    Sobre as agitações populares na regência, ver Gledhill e Schell, 2012; Motta e Zarth,2008; Dantas, 2011.
  • 128
    “O Reino Encantado”, Gazeta de Notícias, 28 abr., 1878, p.3. A lembrança dessa fábula no primeiro capítulo da obra certamente também não aparecia por acaso. Flávio dos Santos Gomes, ao analisar os quilombos da província do Rio de Janeiro no século XIX, enfatizou como a metáfora da hidra de Lerna era recorrentemente usada por chefes de polícia da época para se referir às novas comunidades de escravizados fugidos que nasciam dos escombros daquelas que as autoridades destruíam. Ver Gomes, 2006.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Set 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    11 Out 2023
  • Aceito
    06 Fev 2024
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