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Da moradia popular à casa burguesa: as maneiras de morar através dos registros oficiais de Ribeirão Preto da década de 19201 1 O presente trabalho considerou os 2.055 processos referentes ao uso residencial e misto das décadas de 1920 e 1930, atualmente disponíveis no acervo do Arquivo Público e Histórico de Ribeirão Preto (APHRP).

From popular housing to the bourgeois home: ways of living registered on the official records of Ribeirão Preto in the 1920s

RESUMO

Por meio do levantamento, sistematização e análise dos processos de aprovação da Diretoria de Obras disponíveis no acervo do Arquivo Público e Histórico de Ribeirão Preto (APHRP), o artigo estuda as características arquitetônicas da casa urbana ribeirão-pretana dos anos 1920, desde sua implantação, intenção plástica e tipologia programática. O texto contribui à historiografia da arquitetura, mostrando como as características arquitetônicas se vinculam aos contextos políticos, econômicos, sociais e culturais, coexistindo com o cenário arquitetônico das grandes capitais brasileiras, especialmente em São Paulo com o aparecimento de novos programas, alterações na implantação e inovações no repertório formal. Busca apoio teórico em pesquisas recentes, como a de Jorge Lody; em autores locais, como Adriana Capretz Silva; em autores consolidados, como Carlos Lemos e Nestor Goulart Reis Filho e, por fim, em autores que trazem uma visão do contexto internacional, como Monique Eleb e Anne Debarre.

PALAVRAS-CHAVE:
Características arquitetônicas; Casa urbana; Década de 1920; Arquivo Público e Histórico de Ribeirão Preto (APHRP)

ABSTRACT

By surveying, systematizing and analyzing the approval processes of the Works Board available in the collection of the Public and Historical Archives of Ribeirão Preto (APHRP), this paper studies the architectural characteristics of the urban house in 20th-century Ribeirão Preto, from its implementation, plastic intention and programmatic typology. The text contributes to the historiography of architecture, showing how such architectural characteristics were tied to political, economic, social and cultural contexts, coexisting with the architectural scenario of large Brazilian capitals, especially São Paulo, with the appearance of new programs, changes in implementation and innovations in the formal repertoire. Its theoretical background includes recent studies, such as that of Jorge Lody; local authors, such as Adriana Capretz Silva; well-established authors, such as Carlos Lemos and Nestor Goulart Reis Filho; and authors who investigate the international context, such as Monique Eleb and Anne Debarre.

KEYWORDS:
Architectural features; Urban house; 1920s; Public and Historical Archives of Ribeirão Preto (APHRP)

INTRODUÇÃO

Neste artigo, nos debruçamos sobre os projetos da década de 1920, arquivados no acervo da Diretoria de Obras, que se caracteriza como um agregado documental de processos de aprovação para construção, ampliação e reforma, hoje disponíveis no Arquivo Público e Histórico de Ribeirão Preto (APHRP). A instituição foi criada na década de 19903 3 O APHRP foi fundado em 2 de julho de 1992 na Casa da Cultura. Em 24 de agosto de 1995, mudou-se para sua primeira sede, a Casa da Memória, localizada na esquina entre a Rua José da Silva e a Rua Franca, endereço onde permaneceu até 2017, quando foi transferido para nova sede na Rua General de Osório. pela Secretaria Municipal de Cultura, tendo sob sua guarda materiais dos departamentos oficiais da cidade e diversos documentos históricos primários. Em seu acervo estão os projetos da cidade de Ribeirão Preto entre os anos de 1910 e 1979, arquivados por ano e por ordem cronológica de aprovação, parcialmente catalogados pela instituição até 1951. No total, são 10.169 processos4 4 O material foi catalogado pelo APHRP como “representação” por incluir a folha de rosto do processo, em que consta o nome do proprietário, a localização da edificação e as respectivas pranchas do projeto. Em alguns casos estão as pranchas com planta, corte e elevação, porém, em outros, a representação é parcial, constando apenas a planta da edificação, muitas vezes, sem a identificação dos cômodos ou assinatura do construtor. Os requerimentos foram encontrados posteriormente, incompletos e não catalogados, não entrando no estudo deste artigo. . Essa catalogação estava em lista manual impressa, mostrando ano, número do processo, interessado, local e assunto (preenchido genericamente em todos os casos como “planta”), ou seja, os processos não estavam digitalizados e não havia uma catalogação digital. Entre 1920 e 1930, o acervo apresenta 2.452 projetos. Entre eles, consideramos 2.055, todos referentes ao uso residencial e misto - habitação conjunto com outra atividade, ligadas frequentemente ao comércio e serviço -, que foram aprovados para construção, ampliação e reforma em todo perímetro urbano da cidade paulista.

O que um acervo documental pode nos revelar sobre a historiografia da arquitetura? Com este questionamento iniciamos a pesquisa de doutorado que alicerça a investigação aqui exposta5 5 Este artigo origina-se da tese de doutorado Casa e documentação: a história contada através de um acervo de projetos, defendida em dezembro de 2020 no Instituto de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (IAU-USP). A tese teve como objetivo geral contribuir ao debate da historiografia da arquitetura residencial urbana através da sistematização e análise dos projetos aprovados em Ribeirão Preto entre 1910 e 1933 pela diretoria de Obras Particulares. Essa documentação pertence ao acervo do Arquivo Público e Histórico de Ribeirão Preto (APHRP). A tese digitalizou e sistematizou 4.565 processos em imagens de alta resolução e tabelas da ferramenta Excel. Visando auxiliar outras sobre a cidade, essas imagens foram doadas à instituição. . Durante cinco anos, as respostas obtidas nos guiaram por caminhos teóricos e epistemológicos. Pinsky e Luca6 6 Pinsky e Luca (1999). , Karnal e Tatsch7 7 Karnal e Tatsch (1999). e Castro8 8 Castro (2008). nos conduziram pelos importantes caminhos do uso de documentos primários como fonte de pesquisa9 9 Ressalta-se que a opção metodológica do estudo se baseia na pesquisa documental, sendo um de seus objetivos o desdobramento de investigações futuras que poderão se apoiar nesse amplo referencial teórico para realizar o levantamento de campo das edificações remanescentes. .

Para Pinsky e Luca10 10 Pinsky e Luca, op. cit., p. 7. , “a história se utiliza de documentos, transformados em fonte pelo olhar do pesquisador”. Karnal e Tatsch11 11 Karnal e Tatsch, op. cit., p. 12-16. nos auxiliam ao ponderar que “o documento não é um documento em si, mas um diálogo claro entre o presente e o documento”. Eles explicam que, por meio da Escola dos Annales, a definição de documento histórico foi ampliada. A partir de então, “tudo que fosse humano” seria do interesse do historiador. No que se refere à pesquisa documental, com finalidade de contribuir para a historiografia da arquitetura, Castriota12 12 Castriota (2011, p. 15-16). aponta que o aparecimento de estudos nesse sentido se deve, “em grande parte, à descoberta e ao reexame das fontes documentais, caminho que por muito tempo não fora valorizado numa historiografia marcada por um forte viés ideológico”. Segundo ele essa “consciência acabada sobre o valor documental” aconteceu, em nosso continente, apenas nos últimos anos.

As pesquisas de Alambert13 13 Alambert (2004). , Lody14 14 Lody (2015). , e Pareto Junior15 15 Pareto Junior (2011, 2016). revelam a relevância da documentação primária para a escrita da historiografia da arquitetura. Ao pesquisar a cidade de São Paulo e sua arquitetura por meio do Arquivo Histórico Municipal Washington Luís, Lody16 16 Lody, op. cit., p. 39. afirma que a arquitetura implantada a partir do final do século XIX “buscava um ar de modernidade, e veio substituir e propor novos programas em resposta a necessidades geradas por novos modos de vida, por novos materiais, técnicas e sistemas construtivos que começavam a ser importados”.

No contexto do estado de São Paulo, Bacellar17 17 Bacellar (1999, p. 118). diz que as mudanças sociais e culturais de fins do século XIX foram decorrentes da larga produção cafeeira, que resultou no “crescimento demográfico acelerado, graças também à imigração em larga escala, juntamente com a expansão dos serviços e, enfim, ao início da industrialização”.

Reis Filho18 18 Reis Filho (2002, p. 54). aponta que a abolição da escravatura e a fundação da República foram insuficientes para a “valorização ou [a] melhoria dos padrões de mão de obra, ou para que se transformasse a estrutura econômica, iniciando-se a instalação industrial”. Segundo ele, as relações na arquitetura, e no lote urbano, seriam modificadas depois da Primeira Guerra Mundial.

Lemos19 19 Lemos (1999, p. 11, 14-17). , ao estudar as questões de salubridade das habitações da Primeira República, afirma que, durante aquele período, ocorreu a evolução das posturas municipais e estaduais, e que as casas abandonavam a “tradição colonial”, adotando o novo “morar à francesa”. Essa mudança, contudo, foi gradual, sem “saltos ou sobressaltos”. Para ele, até a República, “os governos não interferiam na organização interna das residências, cujas plantas, no entanto, eram exatamente semelhantes entre si”, pois, o que diferenciava a casa dos ‘pobres e ricos’ era a variação do número de cômodos. A lei só entrou dentro de casa depois desse período. Além das questões sanitárias e de higiene, Lemos aponta para as mudanças na habitação, dentre elas, as novidades trazidas pela Revolução Industrial, como o aprimoramento das técnicas construtivas - o uso de tijolo e do ferro nas construções -, o aumento populacional, dobrando a população da capital nacional na última década do século XIX, e o crescimento vertiginoso da cidade.

Correia20 20 Correia (2004, p. 1). afirma que, durante aquele período, a moradia urbana no Brasil “passou por ampla reforma, que envolveu mudanças de ordem espacial e alterações de uso e de significados”. Segundo ela, essas mudanças se baseavam nos fundamentos de conforto, higiene e economia, tornando “a casa um ambiente solidário com a saúde, a privacidade, o fortalecimento dos laços familiares, o aumento da produtividade no trabalho e com um reordenamento das atividades [...]”.

Em todo o mundo, as últimas décadas do século XIX passaram por muitas transformações sociais e culturais, advindas da Revolução Industrial iniciada em meados do século XVIII, quando a população migrou do campo para as cidades, fazendo delas o novo palco de suas vidas. O século XX transformou os modos de morar, as noções de privacidade, a importância atribuída à família, a diferenciação dos papéis do homem e da mulher, mudando o significado do próprio lar para a sociedade. Segundo Perrot21 21 Perrot (2012, p. 7, 79-80). , a separação entre a vida pública e privada, após a Revolução Francesa, levou com que a sociedade criasse “barreiras necessárias ao controle social”. A questão do privado passou a estar no “centro de toda a teoria política pós-revolucionária”, determinando a estruturação de novos preceitos, como a importância da família nuclear como base da sociedade civil. Dentro desta família moralizada, se determinaram os papéis dos indivíduos, onde a figura paterna, com o domínio e a superioridade garantida pela sociedade civil, se casava com uma mulher escolhida pelas estratégias do matrimônio, que por sua vez eram limitadas às atividades domésticas e aos filhos, que por sua vez, tinham o objetivo de dar continuidade à família, em especial os homens.

Por meio da separação de gênero, afirma Hall22 22 Hall (2012, p. 47-73). , a religião reforçou a distinção entre o papel social do homem e da mulher, trabalhou pela “moralização dos pobres através da família” e fortaleceu a importância atribuída ao lar como espaço disciplinador da sociedade. Rybcznski23 23 Rybcznski (2002, p. 33-45). afirmou que “algumas mudanças [nos ambientes domésticos] são óbvias, [como] os progressos do aquecimento e da luz, em decorrência das novidades tecnológicas (eletricidade, instalação sanitária, etc,)”. Outras são sutis, como a “noção objetiva e consciente do conforto”, bem como os “modos de usar os cômodos, ou de quanta privacidade eles conferem”. Em paralelo à importância atribuída à família e à privacidade, emergem novos conceitos de higiene e conforto. A complexa cidade industrial trouxe no mesmo ritmo de seu crescimento, problemas de salubridade, que causaram grandes epidemias e foram combatidas pelo Estado por uma nova ideologia higienista.

Assim como em todas as transformações sociais, surgiram novas maneiras de morar em consonância com os novos hábitos e cotidianos, desse modo, o objetivo deste artigo é conhecer as características arquitetônicas da casa urbana ribeirão-pretana, em sua implantação, intenção plástica e tipologia programática identificando estes preceitos que emergiram na sociedade do limiar do século XX, através da análise dos processos aprovados para novas habitações na cidade de Ribeirão Preto, localizados no acervo do APHRP.

METODOLOGIA: A SISTEMATIZAÇÃO DO ACERVO

Realizamos a sistematização dos dados extraídos dos processos através da organização de uma extensa base quantitativa, contendo: ano; número do processo; proprietário; endereço; uso (residencial, comercial, misto, serviço, indústria, institucional, religioso, depósito, barracão e garagem); assinatura; natureza da solicitação (construção, reforma, reconstrução ou ampliação); característica da implantação (na qual as mais frequentes foram: dois recuos laterais, um recuo lateral, geminada e solta no lote); tipologia programática (casas mínimas, casas populares, casas de padrão médio, casas de padrão alto e palacetes); volumetria (térrea, assobradada e mais de dois pavimentos); e intenção plástica. Para as análises deste artigo, consideramos o estudo dos projetos de uso residencial e misto entre 1920 e 1930, quando apresentaram oscilação construtiva considerável, acompanhando os acontecimentos dos contextos local, nacional e internacional (Gráfico 1).

Gráfico 1
Relação quantitativa de processos com uso residencial e misto entre 1920 e 1930.

O Gráfico 1 permite inferir que houve baixa atividade da construção civil de Ribeirão Preto nos dois primeiros anos da década de 1920, provavelmente consequência dos impactos da crise financeira do fim da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), agravados pelos efeitos da gripe espanhola (1918-1920), que dificultou a recuperação da economia brasileira. Essa oscilação nos números de construções também foi registrada em São Paulo, com decréscimo no número de projetos aprovados para construção entre 1914 e 1921. Além dos impactos da Guerra, outros motivos que explicam o baixo ritmo da construção civil do período são a crise financeira, o desemprego e a escassez de materiais importados24 24 Lemos (1989, p. 183-184). .

Bassanezi25 25 Bassanezi (2012, p. 3). , ao estudar a gripe espanhola, afirma que a epidemia chegou ao estado de São Paulo em outubro de 1918, “pouco tempo depois que a cafeicultura (ainda a principal atividade econômica do estado) fora atingida por uma forte geada à qual veio se somar uma grande praga de gafanhotos”. Para a autora, o período de guerra “causou o aumento de preços alimentícios” e tornou a “população mais vulnerável à proliferação de doenças”26 26 Ibid. . As principais cidades do estado analisadas pela autora foram São Paulo, Santos, Campinas e Ribeirão Preto. Entre estas, Ribeirão Preto apresentou o menor número de mortes pela doença: 211 pessoas. Em Campinas, foram registradas 220 mortes. Em São Paulo e em Santos, as cidades mais populosas e mais afetadas pela gripe, foram 5.372 e 853 mortes, respectivamente27 27 Ibid., p. 7. .

Em 1922, o número de processos arquivados no APHRP cresceu significativamente, chegando a 201. Média mantida até 1926. A principal explicação para esta ascensão é a recuperação do período de recessão estabelecido pelo final da Primeira Grande Guerra, marcada também por fatores locais, como a crescente industrialização, com destaque para a Companhia Eletro-Metalúrgica Brasileira Sociedade Anônima. João Rodrigues Guião28 28 Guião (1923). , então prefeito municipal, evidencia a importância desse fato ao afirmar que a solenidade de inauguração da Companhia Eletro-Metalúrgica, ocorrida em 27 de agosto de 1922, contou com a presença do presidente da República, Epitácio Pessoa, do ministro da Indústria e Comércio, José Pires do Rio, do presidente do estado de São Paulo, Washington Luiz, do ministro da Marinha e ex-prefeito de Ribeirão Preto, Veiga Miranda. Guião acrescenta ainda que a Cia. Eletro-Metalúrgica Brasileira S.A. tinha por finalidade a exploração da indústria de ferro em todas as suas modalidades, e, entre os noventa acionistas, estavam nomes da cafeicultura, como Flávio de Mendonça Uchoa, Osório da Cunha Junqueira, Sylvio Álvares Penteado, Caio da Silva Prado, Martinho da Silva Prado, Manuel Maximiano Junqueira, Joaquim da Cunha Diniz Junqueira, Theodomiro de Mendonça Uchoa, Francisca Silveira do Val, entre outros.

Por meio da análise das atividades construtivas do período, dos processos para construção, reforma e ampliação de edificações de uso residencial e misto em Ribeirão Preto, é possível afirmar que houve pico de crescimento nos anos de 1927 e 1928, com, respectivamente, 397 e 420 processos aprovados e arquivados, assinalando que a indústria, o comércio e os serviços se consolidavam em Ribeirão Preto. Silva29 29 Silva (2004, p. 265). afirma que, depois de 1929, a cidade passa por um momento de transição econômica durante a crise do café, uma vez que com “a quebra da Bolsa de Valores de Nova Iorque e [a] crise nas exportações, grande parte dos trabalhadores das lavouras de café migrou para Ribeirão Preto, atraídos pela possibilidade de emprego”. Entretanto, observa-se que o processo de prosperidade e expansão urbana aconteceu antes da crise de 1929, indicando que a migração do campo para a cidade ocorreu de maneira gradual. Logo, embora a crise tenha atraído trabalhadores das lavouras, a transição econômica da cultura cafeeira para a indústria já estava em curso em Ribeirão Preto.

Em 1929 e 1930, o número de processos de construções caiu de forma significativa, provavelmente em consequência da crise de 1929 e de outros conflitos nacionais, como a Revolução de 1930 e a Revolução Constitucionalista de 1932, que implicaram em forte crise financeira e na dificuldade de transporte dos materiais de construção civil. O Relatório de 1932 da Diretoria de Obras, assinado pelo engenheiro municipal Almiro de Lima Pedreira, revela a correlação desses fatos políticos e econômicos ao justificar o atraso na emissão do relatório devido à paralisia dos trabalhos da Prefeitura Municipal durante três meses consecutivos:

Não necessito, por certo, justificar-me de só agora, seis mezes depois de terminado o ano de 1932, desempenhar essa obrigação, tão notorias são as ocorrencias daquele ano, perturbado pelos graves acontecimentos politicos e sociais, entre os quais avulta a revolução de 9 de Julho, que paralisou completamente os trabalhos normais da Prefeitura, durante três mezes consecutivos30 30 Ribeirão Preto (1933). .

No mesmo relatório, tratando da oscilação no número de construções, o engenheiro municipal Almiro de Lima Pedreira afirma que 1926 e 1927 foram os de maior movimentação no mercado construtivo (Gráfico 1). O engenheiro justifica a diminuição no ritmo depois de 1929 com a queda do preço do café, que teria desacelerado a atividade construtiva na cidade.

As construções em Ribeirão Preto progrediram de uma maneira verdadeiramente surpreendente nos anos sucessivos de 1920 a 1927 a ponto de se chegar a construir quase uma casa por dia. Que afirmação mais positiva se poderá exigir daquele dinamismo admirável que tantas e tão grandes cousas fez nesta terra! Mas o preço do café caiu e com ele toda a atividade construtora31 31 Ibid. .

CONHECENDO OS PROJETOS: ANÁLISE DAS CARACTERÍSTICAS ARQUITETÔNICAS

O levantamento e a sistematização dos processos do acervo de Obras Particulares da década de 1920 onstataram a movimentação no mercado imobiliário de Ribeirão Preto, permitindo analisar as características arquitetônicas dos projetos aprovados naquele período, em especial sobre volumetria, uso, implantação, tipologia programática e intenção plástica32 32 Ressalta-se que, com a metodologia explicitada, foi possível analisar a maioria dos processos catalogados no acervo de Obras Particulares do APHRP nas características arquitetônicas citadas. No entanto, considerando a existência de projetos incompletos e/ou sem informação, os gráficos e tabelas não trazem em sua totalidade o montante dos 2.055 projetos de uso residencial e misto. Embora a década de 1920 contemple desenhos técnicos mais completos, foram levantados projetos sem a identificação dos ambientes - o que prejudica o estudo de seu programa -, plantas sem a demarcação do terreno - impossibilitando a análise da implantação -, e aqueles em que o conjunto de aprovação não apresentava fachada - inviabilizando o estudo de sua intenção plástica. .

A sistematização permitiu averiguar que o acervo levantado é composto majoritariamente por edificações de uso residencial (Gráfico 2). Na década de 1920, foram aprovados 1.891 projetos de residências e 164 de uso misto, o que reforça a importância do estudo de projetos das casas ribeirão-pretanas em detrimento de edificações institucionais, consideradas emblemáticas à cidade e frequentemente abordadas pela historiografia.

Gráfico 2
Uso dos processos entre 1920 e 1930.

Quanto à volumetria, a sistematização dos dados extraídos dos projetos do APHRP constatou que, no skyline da cidade de Ribeirão Preto da década de 1920, predominava a horizontalidade. Foram identificados 1.954 projetos de edifícios de uso residencial e misto com volumetria térrea e apenas 101 assobradados com dois pavimentos.

Na implantação, observamos a existência de dezessete tipos: solta no lote; geminada; 1 recuo lateral; 1 recuo lateral e frontal; 1 recuo lateral de esquina; 2 recuos laterais; 2 recuos laterais e frontal; 2 recuos laterais de esquina; sem recuos; sem recuos de esquina; fundo do lote; recuo frontal; recuo frontal e lateral; 2 lotes; 3 lotes; 4 lotes; 5 ou mais lotes; e, por fim, não identificado para aqueles processos que não incluíram o desenho do lote, apenas o da edificação. Depois da finalização da sistematização dos dados foi constatado que 70% dos processos aprovados estão nas classificações: solta no lote; geminada; 1 recuo lateral; e 2 recuos laterais. As demais categorias estão restritas a poucas exceções, o que proporcionou a sistematização dos dados do período (Gráfico 3).

Gráfico 3
Implantação dos processos com uso residencial e misto entre 1920 e 1930.

Essa constatação evidencia a predominância de edificações com implantação solta no lote a partir de 1921, crescendo rapidamente até 1930, com expressivos 47% dos projetos aprovados (Gráfico 4).

Gráfico 4
Implantação por ano dos processos com uso residencial e misto entre 1920 e 1930.

A sistematização33 33 Para a elaboração da metodologia de sistematização na referida tese, nos apoiamos em extensa bibliografia que tinham como semelhança o estudo da arquitetura e da cidade com base em documentação primária, como D’Alambert (2004), Lody, op. cit. e Pareto Júnior (2011, 2016). e o estudo do programa dessas edificações fez parte da metodologia do artigo, no qual foram definidas cinco tipologias programáticas, considerando o número e o uso dos cômodos (Quadro 1). A categorização dessas tipologias foi feita pela observação atenta das plantas, sem considerar apenas a quantidade dos cômodos, que só foi fator decisivo para a determinação das casas mínimas, definidas como as de até três cômodos. Assim, o número de dormitórios, por exemplo, apresenta uma grande variação entre casos da mesma categoria. Essa sistematização visou identificar as características programáticas dessas habitações e as classes sociais que estavam solicitando aprovação de processos naquele momento. É importante destacar que a identificação do programa de uma casa foi realizada com base nas informações textuais contidas nas pranchas. O critério de seguir a escrita encontrada nos desenhos também foi aplicado para ambientes de mesmo uso, porém com nomes diferentes, como os banheiros, por vezes denominados de “sanitário”, “W.C.”, etc34 34 Acrescentamos a estas denominações as seguintes categorias: casos considerados “não identificado”, para edificações residenciais que não tinham a denominação dos cômodos inserida nas plantas; ou ampliações, que não apresentam a planta na totalidade; ou ainda, reformas de fachada que dispensam o desenho de plantas; e, para as edificações de uso não residencial, a classificação adotada foi “não se aplica”. .

Quadro 1
Critérios para a análise de categorização das tipologias programáticas

Ao adotar esse critério para os processos da década de 1920, constata-se que o acervo é composto, em sua maioria, da tipologia programática da casa popular, seguido por aqueles de padrão médio, da casa mínima, da casa de padrão alto e dos palacetes (Gráfico 5).

Gráfico 5
Tipologia programática das edificações de uso residencial e misto entre 1920 e 1930.

Ao desenvolver a classificação da intenção plástica, a fundamentação teórica nos permitiu chegar aos critérios expostos no Quadro 2. Apesar da inviabilidade em categorizar todos os projetos dentro de definições estilísticas rígidas, o recurso de sistematização proposto foi essencial para estruturar e guiar as análises desenvolvidas pela pesquisa. Os resultados referentes à intenção plástica serão utilizados apenas nas investigações qualitativas, principalmente através da indicação de elementos estilísticos nas fachadas. Por fim, não serão usados dados numéricos em formato de tabelas e quadros, como foi feito nas demais características de projeto.

Quadro 2
Critérios para a análise de categorização da intenção plástica

Essa sistematização permitiu aprofundar o conhecimento das residências do acervo de Obras Particulares do APHRP, auxiliando como ferramenta para construir as análises qualitativas. Tendo em vista o objetivo de identificar as características arquitetônicas da casa urbana ribeirão-pretana por meio dos processos de aprovação, as análises foram estruturadas a partir das tipologias programáticas dos exemplares, conforme será visto a seguir.

A CASA POPULAR E A CASA MÍNIMA

A década de 1920 caracteriza-se pela predominância de casas populares, certamente por diversos motivos, dentre eles podemos destacar a crescente industrialização que atraía mão de obra da área rural para a cidade, principalmente a partir de 1924, quando passam a representar 42% das edificações aprovadas de uso residencial e misto, em comparação com apenas 26% do ano anterior35 35 É importante notar que, além do aumento no número de solicitações para aprovação de casas populares, houve um crescente e melhor detalhamento dos desenhos, em especial das plantas, sendo cada vez mais presente a indicação de uso dos cômodos, e permitindo uma análise mais completa das tipologias programáticas. .

A implantação das casas populares e mínimas em Ribeirão Preto, na década de 1910 era predominantemente recuada em apenas uma das laterais do lote, ou geminada36 36 Cf. Gleria Lima (2020). , no entanto na década de 1920, em especial após 1922, vai se soltando de ambos os lados e se distanciando do alinhamento da rua, até se tornar solta no lote - característica de implantação mais comum do início da década de 1930, representando quase 50% dos projetos levantados. Reis Filho37 37 Reis Filho (2002, p. 43-50). afirma que, desde meados do século XIX, surgiram, por todo o país, “as casas urbanas com novos esquemas de implantação, afastados dos vizinhos e com jardins laterais”, se diferenciando dos lotes coloniais - estreitos e profundos. Aponta também que o afastamento das divisas ocorreu primeiramente em uma das laterais. “Antes de 1914, podia-se considerar como completa a primeira etapa de liberação da arquitetura em relação ao limite dos lotes”. Porém, enfatizou que, com o passar do tempo, os jardins laterais valorizaram socialmente as elevações laterais, surgindo os jardins frontais com o afastamento em relação às vias públicas - ainda observável em Ribeirão Preto.

A residência de Batista Gratony, na Rua Coronel Luiz da Cunha, é um exemplar de casa popular solta no lote, aprovada em 1922 para ser construída no fundo de um quintal na Vila Tibério. Sua planta conta com sala de jantar, cozinha e três dormitórios, articulada sem a presença de corredores de circulação e sem sanitário no corpo da construção, ou a indicação de latrina no lote, organizando esses cômodos lado a lado em duas fileiras, formando um quadrado com a cozinha em anexo (Figura 1).

Figura 1
Planta e cortes do projeto da casa de Batista Gratony na Rua Coronel Luiz da Cunha.

Durante o levantamento, notou-se que, aos poucos, o dimensionamento dos lotes se altera, deixando de ser estreito e profundo, possibilitando outras disposições de planta além daquela de cômodos enfileirados, que deixaram de ser predominantes na década de 1920. A singeleza da edificação pode ser observada também na fachada, com as duas janelas de madeira de tábuas verticais emolduradas por uma estreita faixa de argamassa levemente arqueada nas vergas (Figura 2). Por fim, observa-se uma novidade para os projetos aprovados pela Diretoria de Obras a serem construídos em área urbana e que se tornará recorrente em meados da década de 1920: o telhado de águas aparente sem platibanda.

Figura 2
Fachada da casa de Batista Gratony na Rua Coronel Luiz da Cunha.

Ao longo da década de 1920, esse modelo de habitação de casa popular se soma àquele com o alpendre frontal, inserido no espaço do volume recortado das casas, uma vez que elas deixam de ser um bloco prismático e a fachada frontal é mais ornamentada, usando frequentemente tijolo aparente, floreiras e embasamento de pedra. Esse será o modelo mais usual de casa popular, assinalando tendência nas casas de padrão médio, como veremos a seguir.

A casa de Adolpho Crocetto na Rua Capitão Salomão, aprovada no ano de 1925, é um exemplo desse modelo de casa popular com alpendre frontal (Figura 3). Sua fachada conta com o uso das floreiras e do tijolo aparente na coluna lateral, que, além do alpendre, são elementos que remetem às características do bangalô38 38 Em pesquisa sobre habitações da década de 1920, Janjulio (2009, p. 123) afirma que o bangalô não é um estilo, mas uma maneira de morar que leva em consideração o conforto e a adequação do morador ao entorno. Segundo Lancaster (1985, p. 19), a origem da palavra bungalow remete à habitação colonial do Leste da Índia, que se caracterizava pelo hall central e varandas em todos os lados da edificação para arejar os cômodos internos. Ribeiro (2019, p. 85) corrobora com a origem da palavra “bangalô” e acrescenta que a denominação é atribuída a casas de “diferentes estilos, gerando uma enorme variedade de soluções para as fachadas”, mas prevalecendo o “caráter pitoresco”, “sobretudo pela recorrência do telhado aparente que é mantido, independentemente da ornamentação empregada”. .

Figura 3
Projeto da casa de Adolpho Crocetto na Rua Capitão Salomão.

Ressaltamos que, durante o início do século XX, o uso do alpendre frontal e de elementos como floreiras e tijolo aparente não são exclusividades do bangalô, também utilizadas pelo neocolonial39 39 Diferentemente da sutileza do bangalô, o neocolonial é reconhecido como um movimento que teve como marco a conferência “A arte tradicional no Brasil”, realizada em 1914. A historiografia da arquitetura considerou o neocolonial como a busca da identidade nacional na expressão arquitetônica em um cenário arquitetônico consolidado pela importação de diversos estilos revivals, principalmente europeus, como o neoclássico, o neorrenascentista e o ecletismo (ATIQUE, 2007, p. 274; KESSEL, 2008, p. 83; MASCARO, 2008, p. 2-3; PINHEIRO, 2011, p. 61-62). Embora a conferência tenha acontecido na década de 1910, o movimento tomou corpo no início da década de 1920, impulsionado pela Exposição Nacional de 1922 e de outros fatores, como o envio de arquitetos recém-formados, como Lúcio Costa (1902-1998), para a documentação de cidades do período colonial, pelo posicionamento de José Mariano Filho, somados aos textos como os da revista FonFon e do jornal O Estado de S. Paulo (ATIQUE, 2007, p. 275; KESSEL,op. cit., p. 115). . Lemos atribui a difusão do estilo neocolonial no Brasil à cidade de São Paulo durante Primeira Guerra Mundial, determinante para o estabelecimento de alguns dos graves problemas que afetaram o ritmo da construção no início do século XX, como a crise financeira, o desemprego e a escassez de materiais importados, criando condições favoráveis para que o “neocolonial simplificado” se difundisse entre as camadas mais populares. Lemos40 40 Lemos, op. cit., p. 183-184. define o “neocolonial simplificado” como “as primeiras adaptações populares” com profundos beirais, uso de tijolo aparente, presença de varandas, guarda corpos ornamentados com meia-lua, faixa contínua na altura das janelas com relevos decorativos, jardineiras em balanço na parte inferior das janelas e o uso de vitrais. Percebemos que, assim como na casa de Adolpho Crocetto, alguns dos elementos identificados por Lemos no “neocolonial simplificado” estão presentes nas fachadas das casas populares de diversos desenhos do acervo de projetos do APHRP até o início da década de 1930.

Dentre todas essas intenções plásticas, expressas em elementos compositivos das fachadas, constata-se ainda as permanências por meio de casas ecléticas e ornamentadas, mesmo que em menor requinte de acabamento. Ao estudar a arquitetura eclética de Pelotas, Schlee41 41 Schlee (1993, p. 110). aponta que, entre 1900 e 1930, dentre as várias características comuns nas soluções arquitetônicas adotadas, está a tendência à “redução e simplificação dos motivos decorativos, tanto por uma questão econômica como técnica”. Ele afirma também que a cidade abandonou os “elementos decorativos utilizados até então, como as platibandas vazadas, [...] etc.”, os substituindo “por outros, bastante simplificados, como as platibandas cegas (quando existiam) e os desenhos geométricos aplicados nas paredes” - características que também estão presentes nas casas de Ribeirão Preto (Figura 4). Segundo Gennari42 42 Gennari (2014, p. 8). , entre o último quartel do século XIX e o primeiro do XX, as fachadas das casas proletárias do Rio de Janeiro apresentam um ecletismo particular, distinto do observado na Europa do mesmo período. Contudo, completa ele, isso não deixa de fazer com que elas sejam uma vertente de “modernidade”.

Figura 4
Projeto da casa de Josepe Palocci na Rua São Paulo.

Outro tipo de casa mínima e popular são as implantadas nos fundos do lote de uma edificação principal. Na década de 1920, verificou-se a presença e a aprovação para construção destas edificações, bem como a ampliação e a reforma em 85 projetos. Em 1928, por exemplo, houve maior incidência, com 22 projetos aprovados. As edificações contabilizadas foram aquelas aprovadas em projetos posteriores ao da edificação principal, como o projeto da casa de Ercole Morra na Rua Padre Euclides, em que o desenho mostra e indica de maneira textual uma “casa existente” na parte frontal do mesmo lote (Figura 5).

Figura 5
Projeto da casa de Ercole Morra na Rua Padre Euclides.

Portanto, os projetos do acervo de Obras Particulares da década de 1920, referentes à tipologia programática das casas mínimas e populares são predominantemente de implantação solta no lote. Além disso, o uso de platibandas foi substituído por telhados aparentes e as fachadas, ainda que de forma singela, apresentam elementos vinculados a novas tendências estéticas, como o neocolonial - estilo predominante -, o bangalô, o arts and crafts e o art déco - de menor presença.

CASAS DE PADRÃO MÉDIO

A partir das fontes datadas da década de 1920, sistematizamos 491 projetos de casas de padrão médio que, conforme a definição de critérios adotada pela análise (Quadro 1), se diferenciam das casas de padrão alto por apresentarem duas salas - sala de visitas e sala de jantar -, escritório ou gabinete, copa, despensa, quarto de empregada e, em alguns casos, edículas nos fundos. Essas casas eram locadas em terrenos de pequenas dimensões, majoritariamente soltas no lote, mas com uma grande variedade de características arquitetônicas. Algumas casas de padrão médio se assemelham muito àquelas de tipologia popular, exceto por terem duas salas. Outras se aproximam daquelas de padrão alto e dos palacetes, embora não tivessem escritório, bibliotecas, sala de música, entre outros.

Nesse período, predominaram casas de padrão médio soltas no lote, com 45% dos processos aprovados (Figura 6)43 43 O desenvolvimento da pesquisa de doutorado permitiu descortinar personagens de grande importância Ribeirão Preto, porém até então pouco conhecidos - e reconhecidos - pela historiografia, entre eles, o imigrante espanhol Baudílio Domingues, que assinou a aprovação de mais de setecentos processos em um intervalo de vinte anos. Para consultar algumas trajetórias individuais que se entrecruzaram nesse caminho de construção da cidade, além de outras questões, como nacionalidade, titulação e formação profissional, ver o capítulo 2 de Gleria Lima (2020), no qual se deu visibilidade a engenheiros, arquitetos e construtores, transformando uma lista de assinaturas em atores responsáveis por grande parte da produção da paisagem urbana daquele período. . Também foi constatado que um número expressivo de casas com dois recuos laterais e de casas com um recuo lateral, como de casas geminadas, casas em lotes de esquina junto à divisa, bem com sobrados geminados, evidenciando a existência de uma enorme pluralidade e variação na implantação.

Figura 6
Planta da casa de Renato Barilari na Rua Duque de Caxias. Projeto assinado por Baudílio Domingues junto ao construtor Nicolau Terreri.

Sobre a intenção plástica, podemos destacar que, dentre as casas de padrão médio, há maior presença dos elementos associados ao arts and crafts, ao bangalô e ao neocolonial, como no projeto assinado pelos profissionais Baudílio Domingues e Nicolau Terreri (Figura 7). Embora considerado como estilo consolidado pelas elites e pelos profissionais titulados, o neocolonial erudito foi constatado em diversos projetos de casas de padrão médio, com elementos decorativos tão eruditos quanto os presentes nas casas apalacetadas e nos desenhos desenvolvidos por profissionais titulados e não titulados. Apesar da intenção plástica neocolonial luso-brasileira ser menos frequente, também foram identificados casos dignos de nota em projetos com plantas de classe média, ou com tipologia programática popular.

Figura 7
Fachada da casa de Renato Barilari na Rua Duque de Caxias. Projeto assinado por Baudílio Domingues junto ao construtor Nicolau Terreri.

Nas análises desses projetos da década de 1920, é evidente que a ornamentação eclética foi gradualmente abandonada em razão da tendência de limpeza e geometrização dos ornamentos, bem como pela crescente opção por outras vertentes estilísticas, como o art déco e o art nouveau. Essa modificação nas características de projeto aconteceu não só nos processos dos titulados, mas em todos os projetos dos profissionais atuantes. No entanto, até o início da década de 1930, ainda é possível encontrar projetos de fachadas ornamentadas com elementos clássicos - o uso de platibanda, do frontão, seguindo uma arquitetura e um ritmo de aberturas característicos do ecletismo (Figura 8) -, evidenciando a preferência pelo ecletismo e a incorporação de elementos de outras tendências estilísticas, como o art nouveau, alcançando uma aparência estética com unidade e harmonia.

Figura 8
Fachada da casa de Altino Campos Corrêa na Rua Américo Brasiliense.

Dessa maneira, compreende-se que as casas de padrão médio da década de 1920 têm características arquitetônicas semelhantes às casas mínimas e populares, com a predominância de projetos soltos no lote, presença de fachadas sem platibanda, disseminação dos telhados aparentes e elementos de bangalô, do arts and crafts e do neocolonial.

AS MORADIAS BURGUESAS: NOVAS MANEIRAS DE MORAR

Na década de 1920, o número de projetos aprovados para moradias burguesas foi significativo, com 53 casas de padrão alto e 27 palacetes. Os anos de 1921, 1922 e 1923 concentram a maior parte dos palacetes, com a aprovação de 20 projetos. Isso confirma uma relação estreita entre a crescente onda de projetos e a ascensão da burguesia local baseada na cultura cafeeira, na industrialização e nos setores de comércio e serviços, marcando também o momento de recuperação e do crescimento econômico do primeiro pós-guerra44 44 Sobre as casas de classe alta, ver Gleria e Bortolucci (2017). . Ribeiro, ao estudar a arquitetura residencial da década de 1920 através de periódicos, afirma que a maior parte dos exemplares de palacetes publicados na Architectura no Brasil e A Casa está entre 1923 e 1924, apontando como a cidade de Ribeirão Preto estava em consonância com as transformações que ocorriam nas grandes cidades do país45 45 Ribeiro, op. cit., p. 94. .

Nos projetos aprovados para a construção de casas de padrão alto e palacetes da década de 1920 em Ribeirão Preto, predominam a implantação solta no lote, em que, das 53 casas de padrão alto, 67% apresentam essa implantação. A análise destas tipologias permitiu constatar também o crescente número de casas assobradadas, sendo 26 de padrão alto e 24 palacetes. A distribuição do programa no sobrado tem por objetivo aumentar a área de construção. Essa volumetria pode ser relacionada às novas “maneiras de morar” e aos “modos de vida burguês”46 46 Perrot, op. cit., p. 289. . Homem47 47 Homem (1996, p. 25-27). afirma que as novas configurações sociais emergentes no século XIX “alteraram o espaço da habitação”, compartimentando as plantas e diminuindo os cômodos, onde cada aposento teria uma função de gênero específica, bem como diversos elementos usados como recursos para permitir a privacidade: corredores, vestíbulos, halls e escadas. As novas moradias burguesas expressavam essa nova ordem social, confirmando as particularidades de seus moradores. Para Benjamin48 48 Benjamin (1985, p. 38). “o interior não é apenas o universo do homem privado, mas também o seu estojo”.

No projeto de palacete para Lauro Ribeiro (Figuras 9, 10, 11 e 12), nota-se a existência de acessos distintos por meio de alpendres dispostos na planta do pavimento térreo, um deles denominado “varanda”, separando os cômodos da casa destinados à família e aos convidados do “escriptorio” - o que pressupõe a circulação de pessoas fora da intimidade da família. Constatamos que cada um dos alpendres tem entrada para halls distintos, um de acesso à “sala de jantar” e “de visitas” e outro ao “escriptorio”, que se unem internamente por meio de uma porta, abrigando a caixa de escada. Notamos também que existe uma porta entre a “sala de visitas” e o “escriptorio”, mostrando possibilidades de flexibilização na forma de uso e de acesso a esses espaços. O programa da casa contempla ainda outra varanda, copa, W.C., cozinha e quarto da criada, todos no pavimento térreo, enquanto no pavimento superior estão quatro quartos, banheiro e W.C., cômodo de costura, hall com a escada e uma ampla varanda.

Figura 9
Planta do pavimento térreo da casa de Lauro Ribeiro na Rua Prudente de Moraes.

Figura 10
Planta do pavimento superior da casa de Lauro Ribeiro na Rua Prudente de Moraes.

Figura 11
Fachada lateral da casa de Lauro Ribeiro na Rua Prudente de Moraes.

Figura 12
Fachada principal da casa de Lauro Ribeiro na Rua Prudente de Moraes.

Luciano Patetta afirma que a classe burguesa dava “primazia ao conforto, amava o progresso (especialmente quando melhorava suas condições de vida), amava as novidades”49 49 Patetta (1987, p. 13). , fazendo dela a clientela responsável pelo progresso nas instalações técnicas e nos serviços sanitários. Ao analisar a questão do conforto e do bem-estar na habitação francesa do século XX, Eleb50 50 Eleb (2017, p. 159). diz que “essa noção deixou de ser a expressão de um sentimento qualitativo ou subjetivo para tornar algo mensurável, objetivo, ligado às ideias de equipamento habitacional e progresso”. Os projetos analisados confirmam que, no começo do século XX, havia em Ribeirão Preto uma classe social consumidora do conforto associado às novidades tecnológicas, uma vez que, em todos os projetos analisados, foi aferida a existência de diversas comodidades, entre elas, os banheiros. Embora o artigo 102 do Código de Posturas de 1921 da Câmara Municipal de Ribeirão Preto determinasse como obrigatório a instalação de água canalizada e esgoto nos edifícios, localizou-se projetos de habitações populares sem previsão de instalação sanitária datados até 193351 51 Ao longo do estudo, investigou-se a legislação vigente no período, em especial os Códigos de Posturas Municipais de 1889, 1902 e 1921 de Ribeirão Preto, os quais permitem afirmar que, embora haja descumprimentos em alguns pontos da lei, os projetos da década de 1920 cumprem majoritariamente as exigências legais, em especial as questões sanitárias. Constata-se ainda a melhor adequação dos projetos e dos desenhos em relação àqueles da década de 1910, nos quais se observa a ausência de informações, como responsabilidade profissional, uso e dimensionamento dos ambientes e a falta de padronização dos desenhos. A situação melhorou após 1913, quando Antônio Soares Romeu assumiu o cargo de engenheiro municipal. Para aprofundar o tema, ver Faria (2003) e Sanches (2003). .

A normativa imposta pelos Códigos de Postura tinha como finalidade a exigência com a higiene, com a segurança das obras e com o embelezamento da cidade, como anuncia o artigo 30 do Código de Posturas de 1902 da Câmara Municipal de Ribeirão Preto. O Código previa áreas para iluminação e ventilação natural em todos os cômodos, revestimentos adequados para cozinhas e sanitários, além da manutenção adequada dos edifícios, como a caiação anual das pinturas externas. Percebe-se que essas medidas sanitaristas eram respeitadas pela classe alta. Para as classes baixas, o controle era feito pelo Estado. Isso também foi observado por Lemos52 52 Lemos, op. cit., p. 21. sobre o Código Municipal de São Paulo de 1886. Segundo ele, o Código da capital paulista “estabelece regras não extensíveis à classe média”, direcionando algumas partes da legislação para as classes operárias.

Sobre a intenção plástica das moradias burguesas, observa-se crescente diversidade estilística, incluindo a simplificação e a geometrização da ornamentação filiada ao art déco e ao art nouveau, principalmente aos novos elementos decorrentes dos movimentos vinculados ao arts and crafts. No bojo dessas manifestações, nota-se que também houve a predileção pelo bangalô, como no palacete de propriedade e autoria do engenheiro Antônio Soares Romeu (Figuras 13, 14 e 15)53 53 O engenheiro nasceu em Lorena, em 3 de março de 1886. Filho de José Francisco Soares Romêo. Formou-se engenheiro civil em 1912 na Escola Politécnica. Atuou como chefe da Diretoria de Obras em Ribeirão Preto por dez anos, entre 1913 e 1923, e, posteriormente, por alguns meses em 1929, evidenciando uma estreita proximidade com a política local. Desenvolveu extensa atividade como engenheiro civil em projetos de edifícios, quando também exerceu o cargo de chefe da Diretoria de Obras e assinou dezenas de projetos de obras particulares e diversas outras de uso institucional e comercial. Mudou-se para a capital do estado no início da década de 1930. Em 1934, tornou-se professor da Escola Politécnica, cargo que exerceu até janeiro de 1942 (GLERIA LIMA, op. cit., p. 96-97). , onde há o uso de soluções formais do bangalô, como o tijolo e a pedra aparentes, floreiras, vitrais, alpendre de acesso frontal, telhado aparente e a assimetria acentuada pelo volume vertical do corpo da escada. O projeto também é importante por ser de propriedade do engenheiro Soares Romeu, ou seja, a oportunidade do profissional de construir seu cartão de visitas.

Figura 13
Planta do pavimento térreo da casa de Antônio Soares Romeu na Rua Américo Brasiliense.

Figura 14
Planta do pavimento superior da casa de Antônio Soares Romeu na Rua Américo Brasiliense.

Figura 15
Fachadas da casa de Antônio Soares Romeu na Rua Américo Brasiliense.

A planta do pavimento térreo tem como programa: escritório - com acesso independente pelo alpendre frontal -, sala de jantar, cozinha, copa e W.C., distribuídos ao longo de um corredor formado pelo hall da escada - presente também no pavimento superior - que conta com os cômodos: dormitório, toilette, quarto e W.C. No W.C., há uma bay-window, que, segundo Wolff54 54 Wolff (2015, p. 202). , era frequente nas salas das residências burguesas europeias, valorizando os espaços. No projeto de Soares Romeu, ela foi utilizada no pavimento superior como elemento de composição da fachada, trazendo mais movimento à composição.

Wolff55 55 Wolff, op. cit. e Janjulio56 56 Janjulio, op. cit. indicam que essa tendência de diversidade formal, que se desvincula da ornamentação eclética do período, aconteceu também em São Paulo. Ao analisar a arquitetura do Bairro Jardim América entre 1916 e meados da década de 1940, Wolff57 57 Wolff, op. cit., p. 209-210. registra “diferentes tendências estéticas das construções”, que “manifestaram-se coexistindo no tempo e intercalando-se”. Afirma que, nessas casas, foi recorrente uma “variedade na aparência”, correspondente “ao emprego de elementos ornamentais nas fachadas”, embora internamente “os espaços reduziam-se a alguns poucos tipos de organização”.

Ao estudar a arquitetura residencial por meio dos periódicos da década de 1920 (A Casa e Architectura no Brasil), Ribeiro58 58 Ribeiro, op. cit. p. 94. adverte que, em âmbito nacional, foram incorporados “novos repertórios” aos palacetes. No entanto, para a autora, “através das publicações, percebe-se que as moradias de tal tipologia foram caracterizadas, na maioria dos casos, como ecléticas, visto que o repertório era variado e permitia tranquilamente a sobreposição de mais de uma linguagem”. Ribeiro diz também que, no acervo de Obras Particulares do APHRP, é possível encontrar a sistematização de casas com platibanda e ornamentação característica do ecletismo (Figura 16), evidenciando que, embora haja novas abordagens, também há permanências.

Figura 16
Fachada do Palacete Innecchi na Rua Duque de Caxias.

O projeto de propriedade de Pascoal Innecchi (Figuras 16, 17, 18 e 19), assinado pelo escritório técnico paulistano do engenheiro-arquiteto Pujol Junior, dividido em dois pavimentos e mais o porão, remete com clareza ao “estojo” de Walter Benjamin59 59 Benjamin, op. cit. . É um palacete com extensa compartimentação da planta, atendendo aos diversos usos e sem margem para a sobreposição de funções - visitas, jantar, sala de bilhar, jardim de inverno -, ou seja, cada ambiente tem uma função, uma figura e um papel dentro da habitação. Eleb e Debarre60 60 Eleb e Debarre (1995, p. 65, 76). , em estudo sobre a evolução da casa, da arquitetura acadêmica e da evolução social e mental da sociedade francesa urbana na virada do século XIX, afirmam que as aberturas e articulações dos espaços de receber surgem do gosto pela vida mundana por parte da burguesia. Sua valorização nasce do desejo de ostentação e de indicar a classe social de seus ocupantes. Isso também é dito sobre o hall, descrevendo-o como um novo espaço de recepção luxuosa, caracterizado pela grande escada de um hotel particulière. Por que a aparição do grande hall decorado é um fator de diferenciação social? Porque ele permite receber de maneira diferenciada seus convidados e restringiu o convite aos mais íntimos. Nas análises dos projetos das autoras, assim como nos palacetes levantados em nossa pesquisa, a configuração do hall nas plantas é sempre aquela que acontece junto às escadas, se diferenciando do que ocorre nos vestíbulos. Wolff61 61 Wolff, op. cit., p. 193. pontua que os halls e vestíbulos foram os articuladores dos setores para que fossem independentes e conduzissem as visitas para as áreas de recepção, ressaltando que “os vestíbulos, corredores e caixas de escada atuaram de forma a direcionar os fluxos entre as áreas da casa, com independência de cada setor”.

Figura 17
Planta do porão do Palacete Innecchi na Rua Duque de Caxias.

Figura 18
Planta do pavimento térreo do Palacete Innecchi na Rua Duque de Caxias.

Figura 19
Planta do pavimento superior do Palacete Innecchi na Rua Duque de Caxias.

Outro palacete do extenso programa é o de Manoel Junqueira (Figuras 20, 21, 22 e 23), que conta com uma excessiva compartimentação no pavimento térreo, além do terraço, vestíbulo e hall, ou seja, três espaços destinados a recepcionar os visitantes e, ao mesmo tempo, assegurar a privacidade dos moradores. Ainda no térreo, o programa é composto por sala de visitas, sala de música, escritório, sala de jantar, copa, sala de almoço, W.C., quarto, quarto da criada, cozinha, terraço, despensa e adega. O pavimento superior conta com cinco quartos, duas toilettes, uma rouparia e dois W.C., hall e corredor de circulação. Observamos que as duas toilettes se ligam com os quartos, como se fossem espaços contínuos - mais uma vez, local destinado à esfera dos cuidados femininos -, e que um dos W.C. tem a abertura da porta diretamente para dois quartos, formando suítes - uma singularidade da casa.

Figura 20
Plantas da casa de Manoel Junqueira na Rua Tibiriçá.

Figura 21
Fachada lateral da casa de Manoel Junqueira na Rua Tibiriçá.

Figura 22
Fachada principal da casa de Manoel Junqueira na Rua Tibiriçá.

Figura 23
Projeto estrutural casa de Manoel Junqueira na Rua Tibiriçá.

Sobre a intenção plástica, na casa de Manoel Junqueira, projetada pelo escritório paulistano Salles Oliveira e Valle Ltda. (Figuras 21 e 22), é possível observar a presença de tijolo aparente e base de pedra, elementos presentes no arts and crafts, junto ao uso da bay-window na sala de música, que compõe a volumetria externa.

Nesse projeto, também assinado pelo escritório Salles Oliveira e Valle Ltda., foi possível levantar - além das pranchas de plantas, cortes e fachadas - as pranchas com desenhos da fundação e detalhamento das vigas de concreto armado (Figura 10), bem como memoriais de cálculo estruturais e descritivos, com todos os materiais a serem usados na obra, desde a estrutura até os acabamentos de paredes e pisos - com extenso detalhamento de mais de trinta páginas, em comparação a outros palacetes aprovados somente a partir de três ou quatro pranchas de desenhos.

Destaca-se também a presença de desenhos com elementos do neocolonial62 62 Sobre o neocolonial em Ribeirão Preto, ver Gleria (2017). em vários processos no acervo de projetos do APHRP, como a planta de Emílio Moço, aprovada para ser construída na Avenida Independência, onde podemos observar elementos neocoloniais luso-brasileiros, como varanda inferior com o fechamento em colunas e arcos, a varanda superior com o guarda-corpo ornamentado com meias-luas, o grande frontão barroco da fachada lateral, possivelmente revestido com azulejos e os telhados aparentes, movimentados e com as extremidades levantadas “à moda chinesa” (Figuras 24 e 25).

Figura 24
Fachada principal da casa de Emílio Moço na Avenida Independência.

Figura 25
Fachada lateral da casa de Emílio Moço na Avenida Independência.

Ainda sobre as casas de padrão alto e palacetes de Ribeirão Preto da década de 1920, destacamos que a predominância desses projetos está na implantação solta no lote, nos sobrados e nas fachadas com elementos estéticos vinculados ao arts and crafts, ao bangalô e ao neocolonial - sem que haja o abandono total dos projetos de linguagem eclética que aparecem nas casas do período com a simplificação e geometrização proposta em decorrência de movimentos como o art déco. Todas essas características estão presentes nas casas de padrão alto, mas se tornam maioria expressiva quando se analisa os palacetes. Além disso, há a predominância de sobrados, com grande variedade compositiva, distribuição de extenso programa em planta e o uso pioneiro de novos materiais de construção nessas habitações unifamiliares, como o concreto armado. Essas casas também apresentam a compartimentação das plantas e as novas estratégias do privado - o uso de halls e corredores de circulação - como ferramentas da maneira burguesa de morar.

EIXOS DE CRESCIMENTO DA CIDADE

Conhecendo as questões arquitetônicas dos processos aprovados, perguntamos: Quais eram os eixos de crescimento de Ribeirão Preto no período? A cidade crescia e os processos eram aprovados para a construção de casas, mas onde elas foram construídas?

A localidade das edificações residenciais aprovadas para construção, reforma e ampliação foi inicialmente anotada na Tabela Base de Dados nos campos “endereço” e “número”, conforme informações extraídas dos desenhos. Esse endereço, fornecido nos processos na grande maioria dos casos, refere-se ao nome da rua, sendo frequente a presença do número - complemento, na década de 1920. Assim, acrescentamos a coluna “bairro” à tabela, cujo preenchimento foi possível a partir do mapeamento de aproximadamente trezentas ruas e seus devidos bairros. Tendo em vista que muitas ruas e localidades tiveram alterações em seus nomes, recorremos à cartografia e à bibliografia63 63 Cf. Santos (1942). como fontes primordiais de consulta, gerando uma extensa lista de ruas e bairros64 64 A listagem consta em Gleria Lima, op. cit., apêndice 2, p. 341. .

A metodologia definida para a espacialização desses processos foi pautada no material gráfico arquivado no APESP: Planta de Ribeirão Preto, s.d., Esc. 1:10.000 (Anexo 1); Planta de Ribeirão Preto, Empresa de Água e Esgotos, s.d., Esc. 1:10.000 (Anexo 2); e os mapas arquivados no APHRP: Planta da Cidade de Ribeirão Preto, 1925 (Anexo 3); e o Mapa Geral da Diretoria de Obras da Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto, 1949, Esc. 1:10.000 (Anexo 4). A vetorização do último mapa foi feita com o auxílio do software AutoCAD, que possibilitou gerar um mapa com boa leitura espacial da cidade.

O recorte temporal da tese que apoia este artigo se inicia no ano de 1910 - com a fundação do acervo - o que nos permitiu especializar os processos sistematizados por bairro e traçar os eixos de crescimento da cidade na década de 192065 65 Outras documentações localizadas na instituição e arquivadas no Inventário Geral foram Abertura e prolongamento de ruas, travessas, villa etc. de Ribeirão Preto (1924-1958) e as atas do acervo da Câmara Municipal de Ribeirão Preto (CMRP). Seu exame teve por objetivo averiguar qual era a espacialização dessa cidade em crescimento. Para acessar a listagem e compilação de dados dos requerimentos de aprovação de planta para a abertura de ruas, arruamentos e divisão em lotes, e outras informações, consultar o item “1.3.2.1 Eixos de crescimento urbano segundo a aprovação de processos residenciais” em Gleria Lima (2020). . As localidades assinaladas em vermelho - Centro66 66 O recorte da espacialidade foi realizado com o apoio da bibliografia e compreende os lotes dentro do quadrilátero central, formado pelas Avenidas Francisco Junqueira, Independência, Nove de Julho e Jerônimo Gonçalves. , Campos Elíseos, Vila Tibério, Barracão, República, Retiro, Vila Seixas e José Jaques - são aquelas presentes nos processos da década de 1910; e aquelas assinaladas em amarelo - Vila Elisa, Higienópolis, Jardim Sumaré, Alto da Boa Vista, Jardim Paulista, Vila D. Pedro II, Vila Lobato, Vila Independência, Vila da Lapa, Vila Europa, Vila Paulista e Vila Tamandaré, aparecem posteriormente no processo da década de 1920. Assim, através da espacialização, podemos notar quais foram os eixos de crescimento da cidade de Ribeirão Preto no que tange à aprovação de projetos residenciais (Tabela 1 e Figura 26)67 67 Ressaltamos que todos os processos analisados neste artigo estão localizados nos bairros demarcados na Figura 12. .

Figura 26
Identificação do crescimento urbano, em especial da construção de habitações, segundo os processos do APHRP.

Tabela 1
Número de processos categorizados por localidade entre 1922 e 1933

ESPACIALIZAÇÃO DAS TIPOLOGIAS PROGRAMÁTICAS

Além das características arquitetônicas da casa, pensando em compreender a lógica urbana no período, foi proposta uma última reflexão sobre a espacialização dos processos através da sistematização das localidades em relação às tipologias programáticas dos projetos aprovados (Tabela 2).

Tabela 2
Tipologia programática sistematizada por localidade entre 1920 e 1930

No período entre 1920 e 1930, praticamente todos os palacetes e casas de padrão alto foram construídos no Centro. No entanto, a sistematização proposta permitiu afirmar que também existiam casas populares e mínimas no Centro, evidenciando a necessidade de evitar leituras homogêneas da arquitetura projetada em cada região da cidade. Foi possível perceber ainda a possibilidade de existir uma diversidade construtiva com diversas facetas em uma mesma localidade.

Sobre os projetos de casas de padrão médio, pode-se afirmar uma predominância de construções aprovadas no Centro, além de analisar que aqueles aprovados para serem ali construídos são de grande semelhança com aqueles projetados para os bairros Campos Elíseos e Vila Tibério. Constatou-se que as fachadas das casas de padrão médio identificadas com as novas vertentes estilísticas ligadas ao neocolonial e ao arts and crafts se iniciam e se concentram nesses dois bairros, enquanto o Centro assegura a maior concentração de projetos com uso de platibanda.

Apontou-se o predomínio de casas mínimas no bairro Vila Tibério e de casas populares nos Campos Elíseos, indicando uma expansão e consolidação destes bairros operários desde a década de 1910 com o desenvolvimento do comércio e do serviço local, além da industrialização da cidade, com a instalação da Companhia Antártica Paulista e a Companhia Cervejaria Paulista nos anos de 1911 e 1913, respectivamente. Esses projetos assinalam semelhanças nas características arquitetônicas, apresentando apenas diferenças sutis, em especial naqueles processos aprovados para o Centro, sendo as primeiras casas mínimas e populares soltas no lote e, posteriormente, maior uso de platibandas com ornamentos simples e linhas geométricas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir do principal objetivo proposto, o artigo identificou, nos processos de aprovação da Diretoria de Obras, da série Obras Particulares da década de 1920, suas características arquitetônicas, principalmente sobre a implantação, intenção plástica e tipologia programática.

Em geral, os projetos com as tipologias da casa mínima, popular, de padrão médio, de padrão alto e palacetes dos anos 1920 têm como constante a predominância da implantação solta no lote, e, embora exista uma grande diversidade de fachadas - no dimensionamento e refinamento dos ornatos e em sua intenção plástica -, o uso de platibanda e das composições ecléticas deixaram de ser frequentes, passando a serem substituídos pelo telhado aparente, com elementos das novas tendências estéticas, principalmente elementos do neocolonial, do bangalô, do arts and crafts e, em menor presença, do art deco.

Nas casas populares e mínimas, evidenciou-se que terrenos deixam de ser estreitos e profundos, abandonando-se as plantas com cômodos enfileirados. Por sua vez, nas casas de alto padrão e nos palacetes, destacou-se o aparecimento de novos programas - decorrentes da estratégia do privado -, que gerou uma maior compartimentação das plantas.

Ao estudar a habitação de maneira ampla, por várias localidades de Ribeirão Preto, a cidade revela uma arquitetura que se estende além das conhecidas edificações institucionais, detentoras até hoje de uma exclusividade na representação simbólica da passagem da cidade pelo final do século XIX e início do século XX. Através das fontes documentais, evidencia-se que esse período superou as expressões cunhadas como “Pequena Paris”, “Belle Époque caipira” e “Época Áurea”, merecendo estudos e desdobramentos futuros com a finalidade de descortinar ainda mais peculiaridades atreladas à construção de Ribeirão Preto.

FONTES IMPRESSAS

  • RIBEIRÃO PRETO (Prefeitura). Relatório dos trabalhos da Diretoria de Obras Ribeirão Preto: Prefeitura Municipal, 1933.

FONTES MANUSCRITAS

  • ARQUIVO PÚBLICO E HISTÓRICO DE RIBEIRÃO PRETO (APHRP), Ribeirão Preto, Acervo de Obras Particulares, proc. 1/1922.
  • ARQUIVO PÚBLICO E HISTÓRICO DE RIBEIRÃO PRETO (APHRP), Ribeirão Preto, Acervo de Obras Particulares, proc. 114/1922.
  • ARQUIVO PÚBLICO E HISTÓRICO DE RIBEIRÃO PRETO (APHRP), Ribeirão Preto, Acervo de Obras Particulares, proc. 152/1922.
  • ARQUIVO PÚBLICO E HISTÓRICO DE RIBEIRÃO PRETO (APHRP), Ribeirão Preto, Acervo de Obras Particulares, proc. 127/1923.
  • ARQUIVO PÚBLICO E HISTÓRICO DE RIBEIRÃO PRETO (APHRP), Ribeirão Preto, Acervo de Obras Particulares, proc. 65/1924.
  • ARQUIVO PÚBLICO E HISTÓRICO DE RIBEIRÃO PRETO (APHRP), Ribeirão Preto, Acervo de Obras Particulares, proc. 106/1924.
  • ARQUIVO PÚBLICO E HISTÓRICO DE RIBEIRÃO PRETO (APHRP), Ribeirão Preto, Acervo de Obras Particulares, proc. 113/1925.
  • ARQUIVO PÚBLICO E HISTÓRICO DE RIBEIRÃO PRETO (APHRP), Ribeirão Preto, Acervo de Obras Particulares, proc. 234/1925.
  • ARQUIVO PÚBLICO E HISTÓRICO DE RIBEIRÃO PRETO (APHRP), Ribeirão Preto, Acervo de Obras Particulares, proc. 46/1928.
  • ARQUIVO PÚBLICO E HISTÓRICO DE RIBEIRÃO PRETO (APHRP), Ribeirão Preto, Acervo de Obras Particulares, proc. 398/1928.
  • ARQUIVO PÚBLICO E HISTÓRICO DE RIBEIRÃO PRETO (APHRP), Ribeirão Preto, Acervo de Obras Particulares, proc. 200/1929.

LIVROS, ARTIGOS E TESES

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  • WOLFF, Silvia Ferreira Santos. Jardim América: o primeiro bairro-jardim de São Paulo e sua arquitetura. São Paulo: Edusp, 2015.
  • 1
    O presente trabalho considerou os 2.055 processos referentes ao uso residencial e misto das décadas de 1920 e 1930, atualmente disponíveis no acervo do Arquivo Público e Histórico de Ribeirão Preto (APHRP).
  • 3
    O APHRP foi fundado em 2 de julho de 1992 na Casa da Cultura. Em 24 de agosto de 1995, mudou-se para sua primeira sede, a Casa da Memória, localizada na esquina entre a Rua José da Silva e a Rua Franca, endereço onde permaneceu até 2017, quando foi transferido para nova sede na Rua General de Osório.
  • 4
    O material foi catalogado pelo APHRP como “representação” por incluir a folha de rosto do processo, em que consta o nome do proprietário, a localização da edificação e as respectivas pranchas do projeto. Em alguns casos estão as pranchas com planta, corte e elevação, porém, em outros, a representação é parcial, constando apenas a planta da edificação, muitas vezes, sem a identificação dos cômodos ou assinatura do construtor. Os requerimentos foram encontrados posteriormente, incompletos e não catalogados, não entrando no estudo deste artigo.
  • 5
    Este artigo origina-se da tese de doutorado Casa e documentação: a história contada através de um acervo de projetos, defendida em dezembro de 2020 no Instituto de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (IAU-USP). A tese teve como objetivo geral contribuir ao debate da historiografia da arquitetura residencial urbana através da sistematização e análise dos projetos aprovados em Ribeirão Preto entre 1910 e 1933 pela diretoria de Obras Particulares. Essa documentação pertence ao acervo do Arquivo Público e Histórico de Ribeirão Preto (APHRP). A tese digitalizou e sistematizou 4.565 processos em imagens de alta resolução e tabelas da ferramenta Excel. Visando auxiliar outras sobre a cidade, essas imagens foram doadas à instituição.
  • 6
    Pinsky e Luca (1999PINSKY, Carla Bassanezi.; LUCA, Tânia Regina de. O historiador e suas fontes. São Paulo: Contexto, 1999.).
  • 7
    Karnal e Tatsch (1999KARNAL, Leandro; TATSCH, Flavia Galli. A memória evanescente. In: SILVA, Zélia Lopes. (coord.) Arquivos, patrimônio e memória: trajetórias e perspectivas. São Paulo: Editora Unesp, 1999.).
  • 8
    Castro (2008CASTRO, Celso. Pesquisando em arquivos. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.).
  • 9
    Ressalta-se que a opção metodológica do estudo se baseia na pesquisa documental, sendo um de seus objetivos o desdobramento de investigações futuras que poderão se apoiar nesse amplo referencial teórico para realizar o levantamento de campo das edificações remanescentes.
  • 10
    Pinsky e Luca, op. cit., p. 7.
  • 11
    Karnal e Tatsch, op. cit., p. 12-16.
  • 12
    Castriota (2011CASTRIOTA, Leonardo Barci. (org.). Arquitetura e Documentação. In: CASTRIOTA, Leonardo Barci. Arquitetura e documentação: novas perspectivas para a história da arquitetura. São Paulo: Annablume, 2011., p. 15-16).
  • 13
    Alambert (2004ALAMBERT, Clara Correia d’. Manifestações da arquitetura residencial paulistana entre as Grandes Guerras. 2004. Tese (Doutorado em Estruturas Ambientais Urbanas) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2004.).
  • 14
    Lody (2015LODY, Jorge. Arquitetura e cidade: obras particulares em São Paulo, 1906-1915. 2015. Tese (Doutorado em História e Fundamentos da Arquitetura e do Urbanismo) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2015.).
  • 15
    Pareto Junior (2011PARETO JUNIOR, Lindener. O cotidiano em construção: os “práticos licenciados” em São Paulo (1893-1933). 2011. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo), Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, 2011., 2016PARETO JUNIOR, Lindener. Pândegos, rábulas, gamelas: os construtores não diplomados entre a engenharia e a arquitetura (1890-1960). 2016. Tese (Doutorado em História e Fundamentos da Arquitetura e do Urbanismo) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2016.).
  • 16
    Lody, op. cit., p. 39.
  • 17
    Bacellar (1999BACELLAR, Carlos Almeida Prado. O apogeu do café na Alta Mogiana. In: BACELLAR, Carlos Almeida Prado.; BRIOSCHI, Lucilia Reis. (org.). Na estrada do Anhanguera: uma visão regional da história paulista. São Paulo: Humanitas, 1999., p. 118).
  • 18
    Reis Filho (2002REIS FILHO, Nestor Goulart. Quadro da arquitetura no Brasil. São Paulo: Perspectiva, 2002., p. 54).
  • 19
    Lemos (1999LEMOS, Carlos Alberto Cerqueira. A República ensina a morar (melhor). São Paulo: Hucitec, 1999., p. 11, 14-17).
  • 20
    Correia (2004CORREIA, Telma de Barros. A construção do habitat moderno no Brasil, 1870-1950. São Carlos: Rima, 2004., p. 1).
  • 21
    Perrot (2012PERROT, Michelle. Maneiras de morar. In: PERROT, Michelle. (org.). História da vida privada: da Revolução Francesa à Primeira Guerra. São Paulo: Companhia das Letras, 2012., p. 7, 79-80).
  • 22
    Hall (2012HALL, Catherine. Sweet Home. In: PERROT, Michelle (org.). História da vida privada: da Revolução Francesa à Primeira Guerra. São Paulo: Companhia das Letras, 2012. p. 47-73., p. 47-73).
  • 23
    Rybcznski (2002RYBCZNSKI, Witold. Casa: pequena história de uma ideia. Rio de Janeiro: Record, 2002., p. 33-45).
  • 24
    Lemos (1989LEMOS, Carlos Alberto Cerqueira. Alvenaria burguesa: breve história da arquitetura residencial de tijolos em São Paulo a partir do ciclo econômico liderado pelo café?. São Paulo: Nobel, 1989., p. 183-184).
  • 25
    Bassanezi (2012BASSANEZI, Maria Silvia Casagrande Beosso. Uma trágica primavera: a epidemia de gripe de 1918 no Estado de São Paulo, Brasil. In: CONGRESSO DA ASSOCIAÇÃO LATINO-AMERICANA DE POPULAÇÃO, 5., 2012, Montevideo. Anais [...]. Montevideo: ALAP, 2012., p. 3).
  • 26
    Ibid.
  • 27
    Ibid., p. 7.
  • 28
    Guião (1923GUIÃO, João Rodrigues. O município e a cidade de Ribeirão Preto na comemoração do 1º Centenário da Independência Nacional. Almanaque, Ribeirão Preto, 1923.).
  • 29
    Silva (2004SILVA, Adriana Capretz Borges. Cem anos do desenvolvimento urbano de Ribeirão Preto. In: Associação Comercial e Industrial de Ribeirão Preto: um espelho de 100 anos. Ribeirão Preto: Gráfica São Francisco, 2004., p. 265).
  • 30
    Ribeirão Preto (1933RIBEIRÃO PRETO (Prefeitura). Relatório dos trabalhos da Diretoria de Obras. Ribeirão Preto: Prefeitura Municipal, 1933.).
  • 31
    Ibid.
  • 32
    Ressalta-se que, com a metodologia explicitada, foi possível analisar a maioria dos processos catalogados no acervo de Obras Particulares do APHRP nas características arquitetônicas citadas. No entanto, considerando a existência de projetos incompletos e/ou sem informação, os gráficos e tabelas não trazem em sua totalidade o montante dos 2.055 projetos de uso residencial e misto. Embora a década de 1920 contemple desenhos técnicos mais completos, foram levantados projetos sem a identificação dos ambientes - o que prejudica o estudo de seu programa -, plantas sem a demarcação do terreno - impossibilitando a análise da implantação -, e aqueles em que o conjunto de aprovação não apresentava fachada - inviabilizando o estudo de sua intenção plástica.
  • 33
    Para a elaboração da metodologia de sistematização na referida tese, nos apoiamos em extensa bibliografia que tinham como semelhança o estudo da arquitetura e da cidade com base em documentação primária, como D’Alambert (2004ALAMBERT, Clara Correia d’. Manifestações da arquitetura residencial paulistana entre as Grandes Guerras. 2004. Tese (Doutorado em Estruturas Ambientais Urbanas) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2004.), Lody, op. cit. e Pareto Júnior (2011PARETO JUNIOR, Lindener. O cotidiano em construção: os “práticos licenciados” em São Paulo (1893-1933). 2011. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo), Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, 2011., 2016PARETO JUNIOR, Lindener. Pândegos, rábulas, gamelas: os construtores não diplomados entre a engenharia e a arquitetura (1890-1960). 2016. Tese (Doutorado em História e Fundamentos da Arquitetura e do Urbanismo) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2016.).
  • 34
    Acrescentamos a estas denominações as seguintes categorias: casos considerados “não identificado”, para edificações residenciais que não tinham a denominação dos cômodos inserida nas plantas; ou ampliações, que não apresentam a planta na totalidade; ou ainda, reformas de fachada que dispensam o desenho de plantas; e, para as edificações de uso não residencial, a classificação adotada foi “não se aplica”.
  • 35
    É importante notar que, além do aumento no número de solicitações para aprovação de casas populares, houve um crescente e melhor detalhamento dos desenhos, em especial das plantas, sendo cada vez mais presente a indicação de uso dos cômodos, e permitindo uma análise mais completa das tipologias programáticas.
  • 36
    Cf. Gleria Lima (2020GLERIA LIMA, Ana Carolina. Casa e documentação: a história contada através de um acervo de projetos. 2020. Tese (Doutorado em Teoria e História da Arquitetura e do Urbanismo) - Instituto de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Carlos, 2020.).
  • 37
    Reis Filho (2002REIS FILHO, Nestor Goulart. Quadro da arquitetura no Brasil. São Paulo: Perspectiva, 2002., p. 43-50).
  • 38
    Em pesquisa sobre habitações da década de 1920, Janjulio (2009JANJULIO, Maristela da Silva. Arquitetura residencial paulistana dos anos 1920: ressonâncias do arts and crafts?. 2009. Dissertação (Mestrado em Teoria e História da Arquitetura e do Urbanismo) - Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo, São Carlos, 2009., p. 123) afirma que o bangalô não é um estilo, mas uma maneira de morar que leva em consideração o conforto e a adequação do morador ao entorno. Segundo Lancaster (1985LANCASTER, Clay. The American Bungalow, 1880-1930. New York: Abbeville, 1985., p. 19), a origem da palavra bungalow remete à habitação colonial do Leste da Índia, que se caracterizava pelo hall central e varandas em todos os lados da edificação para arejar os cômodos internos. Ribeiro (2019RIBEIRO, Ana Amélia de Paula Moura. Linguagens da modernidade: arquitetura residencial na década de 1920. 2019. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de Brasília, Brasília, DF, 2019., p. 85) corrobora com a origem da palavra “bangalô” e acrescenta que a denominação é atribuída a casas de “diferentes estilos, gerando uma enorme variedade de soluções para as fachadas”, mas prevalecendo o “caráter pitoresco”, “sobretudo pela recorrência do telhado aparente que é mantido, independentemente da ornamentação empregada”.
  • 39
    Diferentemente da sutileza do bangalô, o neocolonial é reconhecido como um movimento que teve como marco a conferência “A arte tradicional no Brasil”, realizada em 1914. A historiografia da arquitetura considerou o neocolonial como a busca da identidade nacional na expressão arquitetônica em um cenário arquitetônico consolidado pela importação de diversos estilos revivals, principalmente europeus, como o neoclássico, o neorrenascentista e o ecletismo (ATIQUE, 2007ATIQUE, Fernando. Arquitetando a “boa vizinhança”: a sociedade urbana do Brasil e a recepção do mundo norte-americano, 1876-1945. 2007. Tese (Doutorado em História e Fundamentos da Arquitetura e do Urbanismo) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007., p. 274; KESSEL, 2008KESSEL, Carlos. Arquitetura neocolonial no Brasil: entre o pastiche e a modernidade. Rio de Janeiro: Jauá, 2008., p. 83; MASCARO, 2008MASCARO, Luciana Pelaes. Difusão da arquitetura neocolonial no interior paulista, 1920-1950. 2008. Tese (Doutorado em Teoria e História da Arquitetura e do Urbanismo) - Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo, São Carlos, 2008., p. 2-3; PINHEIRO, 2011PINHEIRO, Maria Lúcia Bressan. Neocolonial, modernismo e preservação do patrimônio no debate cultural dos anos 1920 no Brasil. São Paulo: [s. n.], 2011., p. 61-62). Embora a conferência tenha acontecido na década de 1910, o movimento tomou corpo no início da década de 1920, impulsionado pela Exposição Nacional de 1922 e de outros fatores, como o envio de arquitetos recém-formados, como Lúcio Costa (1902-1998), para a documentação de cidades do período colonial, pelo posicionamento de José Mariano Filho, somados aos textos como os da revista FonFon e do jornal O Estado de S. Paulo (ATIQUE, 2007ATIQUE, Fernando. Arquitetando a “boa vizinhança”: a sociedade urbana do Brasil e a recepção do mundo norte-americano, 1876-1945. 2007. Tese (Doutorado em História e Fundamentos da Arquitetura e do Urbanismo) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007., p. 275; KESSEL,op. cit., p. 115).
  • 40
    Lemos, op. cit., p. 183-184.
  • 41
    Schlee (1993SCHLEE, Andrey Rosenthal. O ecletismo na arquitetura pelotense até as décadas de 1930 e 1940. Dissertação (Mestrado em Arquitetura) - Departamento de Arquitetura, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 1993., p. 110).
  • 42
    Gennari (2014GENNARI, Luciana Alem. Algumas considerações sobre a ornamentação das fachadas de casas proletárias na Belle Époque carioca. In: ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA E URBANISMO, 3., 2014, São Paulo. Anais [...]. São Paulo: ANPARQ, 2014., p. 8).
  • 43
    O desenvolvimento da pesquisa de doutorado permitiu descortinar personagens de grande importância Ribeirão Preto, porém até então pouco conhecidos - e reconhecidos - pela historiografia, entre eles, o imigrante espanhol Baudílio Domingues, que assinou a aprovação de mais de setecentos processos em um intervalo de vinte anos. Para consultar algumas trajetórias individuais que se entrecruzaram nesse caminho de construção da cidade, além de outras questões, como nacionalidade, titulação e formação profissional, ver o capítulo 2 de Gleria Lima (2020GLERIA LIMA, Ana Carolina. Casa e documentação: a história contada através de um acervo de projetos. 2020. Tese (Doutorado em Teoria e História da Arquitetura e do Urbanismo) - Instituto de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Carlos, 2020.), no qual se deu visibilidade a engenheiros, arquitetos e construtores, transformando uma lista de assinaturas em atores responsáveis por grande parte da produção da paisagem urbana daquele período.
  • 44
    Sobre as casas de classe alta, ver Gleria e Bortolucci (2017GLERIA, Ana Carolina; BORTOLUCCI, Maria Ângela Pereira de Castro e Silva. Privacidade, higiene, conforto e sofisticação em casas urbanas de classe alta de Ribeirão Preto no início do século XX. In: COLÓQUIO INTERNACIONAL A CASA SENHORIAL: ANATOMIA DOS INTERIORES, 4., 2017, Pelotas. Anais [...]. Pelotas: CLAEC, 2017. v. 1. p. 195-210.).
  • 45
    Ribeiro, op. cit., p. 94.
  • 46
    Perrot, op. cit., p. 289.
  • 47
    Homem (1996HOMEM, Maria Cecília. Naclério. O palacete paulistano e outras formas de morar da elite cafeeira, 1867-1918. São Paulo, Martins Fontes, 1996., p. 25-27).
  • 48
    Benjamin (1985BENJAMIN, Walter. Paris, capital do século XIX. In: KOTHE, Flávio (org.). Walter Benjamin. São Paulo: Ática, 1985. p. 30-43., p. 38).
  • 49
    Patetta (1987PATETTA, Luciano. Considerações sobre o Ecletismo na Europa. In: FABRIS, A. Ecletismo na arquitetura brasileira. São Paulo: Nobel, 1987., p. 13).
  • 50
    Eleb (2017, p. 159).
  • 51
    Ao longo do estudo, investigou-se a legislação vigente no período, em especial os Códigos de Posturas Municipais de 1889, 1902 e 1921 de Ribeirão Preto, os quais permitem afirmar que, embora haja descumprimentos em alguns pontos da lei, os projetos da década de 1920 cumprem majoritariamente as exigências legais, em especial as questões sanitárias. Constata-se ainda a melhor adequação dos projetos e dos desenhos em relação àqueles da década de 1910, nos quais se observa a ausência de informações, como responsabilidade profissional, uso e dimensionamento dos ambientes e a falta de padronização dos desenhos. A situação melhorou após 1913, quando Antônio Soares Romeu assumiu o cargo de engenheiro municipal. Para aprofundar o tema, ver Faria (2003FARIA, Rodrigo de. Ribeirão Preto, uma cidade em construção (1895-1930): o moderno discurso da higiene, beleza e disciplina. 2003. Dissertação (Mestrado em História) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2003.) e Sanches (2003SANCHES, Karla. A construção da legislação urbanística de Ribeirão Preto: 1874-1935. Dissertação (Mestrado e Arquitetura e Urbanismo) - Escola de Engenharia de São Carlos, Departamento de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Carlos, 2003.).
  • 52
    Lemos, op. cit., p. 21.
  • 53
    O engenheiro nasceu em Lorena, em 3 de março de 1886. Filho de José Francisco Soares Romêo. Formou-se engenheiro civil em 1912 na Escola Politécnica. Atuou como chefe da Diretoria de Obras em Ribeirão Preto por dez anos, entre 1913 e 1923, e, posteriormente, por alguns meses em 1929, evidenciando uma estreita proximidade com a política local. Desenvolveu extensa atividade como engenheiro civil em projetos de edifícios, quando também exerceu o cargo de chefe da Diretoria de Obras e assinou dezenas de projetos de obras particulares e diversas outras de uso institucional e comercial. Mudou-se para a capital do estado no início da década de 1930. Em 1934, tornou-se professor da Escola Politécnica, cargo que exerceu até janeiro de 1942 (GLERIA LIMA, op. cit., p. 96-97).
  • 54
    Wolff (2015WOLFF, Silvia Ferreira Santos. Jardim América: o primeiro bairro-jardim de São Paulo e sua arquitetura. São Paulo: Edusp, 2015., p. 202).
  • 55
    Wolff, op. cit.
  • 56
    Janjulio, op. cit.
  • 57
    Wolff, op. cit., p. 209-210.
  • 58
    Ribeiro, op. cit. p. 94.
  • 59
    Benjamin, op. cit.
  • 60
    Eleb e Debarre (1995ELEB, Monique; DEBARRE, Anne. L’Invention de l’habitation Moderne: Paris, 1880-1914. Paris, Archives d’architecture moderne, 1995., p. 65, 76).
  • 61
    Wolff, op. cit., p. 193.
  • 62
    Sobre o neocolonial em Ribeirão Preto, ver Gleria (2017GLERIA, Ana Carolina. O Neocolonial como identidade na arquitetura residencial de Ribeirão Preto. In: A LÍNGUA QUE HABITAMOS: SEMINÁRIO INTERNACIONAL: ACADEMIA DE ESCOLAS DE ARQUITECTURA E URBANISMO DE LÍNGUA PORTUGUESA, 4., 2017. Anais [...]. Belo Horizonte: [s. n.], 2017.).
  • 63
    Cf. Santos (1942SANTOS, Plínio Travassos. Nomenclatura das ruas, praças e vilas de Ribeirão Preto. Revista do Arquivo, São Paulo, 1942.).
  • 64
    A listagem consta em Gleria Lima, op. cit., apêndice 2, p. 341.
  • 65
    Outras documentações localizadas na instituição e arquivadas no Inventário Geral foram Abertura e prolongamento de ruas, travessas, villa etc. de Ribeirão Preto (1924-1958) e as atas do acervo da Câmara Municipal de Ribeirão Preto (CMRP). Seu exame teve por objetivo averiguar qual era a espacialização dessa cidade em crescimento. Para acessar a listagem e compilação de dados dos requerimentos de aprovação de planta para a abertura de ruas, arruamentos e divisão em lotes, e outras informações, consultar o item “1.3.2.1 Eixos de crescimento urbano segundo a aprovação de processos residenciais” em Gleria Lima (2020GLERIA LIMA, Ana Carolina. Casa e documentação: a história contada através de um acervo de projetos. 2020. Tese (Doutorado em Teoria e História da Arquitetura e do Urbanismo) - Instituto de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Carlos, 2020.).
  • 66
    O recorte da espacialidade foi realizado com o apoio da bibliografia e compreende os lotes dentro do quadrilátero central, formado pelas Avenidas Francisco Junqueira, Independência, Nove de Julho e Jerônimo Gonçalves.
  • 67
    Ressaltamos que todos os processos analisados neste artigo estão localizados nos bairros demarcados na Figura 12.

ANEXOS

Anexo 1
Planta de Ribeirão Preto, s.d..

Anexo 2
Planta de Ribeirão Preto, s.d.

Anexo 3
Planta de Ribeirão Preto, 1925.

Anexo 4
Planta de Ribeirão Preto, 1949.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Jun 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    10 Jun 2021
  • Aceito
    04 Mar 2022
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