Resumo
Objetivo Identificar a prevalência da síndrome metabólica e a concordância entre os critérios do National Cholesterol Education Program Adult Treatment Panel III (NCEP-ATPIII) e da International Diabetes Federation (IDF) em pessoas vivendo com HIV.
Métodos Estudo analítico transversal, realizado em cinco serviços especializados em município do interior paulista, de 2014 a 2016, com 340 pessoas vivendo com HIV. Variáveis sociodemográficas e clínicas necessárias para classificação da síndrome metabólica pelos critérios do NCEP-ATPIII e da IDF foram coletadas por meio de entrevistas. Para avaliar a concordância entre os critérios da SM, NCEP-ATPIII e IDF, foi utilizada a estatística first-order agreement coefficient. Para verificar a relação entre a síndrome metabólica e as variáveis do estudo, utilizou-se a regressão de Poisson com variância robusta.
Resultados A prevalência da síndrome metabólica foi de 28,5% pelo critério NCEP-ATPIII e 39,3% IDF. As maiores prevalências foram associadas ao sexo feminino e faixas etárias a partir dos 50 anos, enquanto que, no tempo de diagnóstico entre 2 a 10 anos, prevalências menores. A concordância entre os dois critérios foi considerada substancial.
Conclusão A concordância substancial entre os critérios IDF e NCEP-ATPIII sugere a possibilidade de intercambio entre eles. Ademais, os resultados sinalizam para a necessidade de atenção especial dos serviços para a avaliação do perfil metabólico e identificação das pessoas vivendo com HIV que possuem alto risco cardiovascular.
Síndrome metabólica; HIV; Síndrome de imunodeficiência adquirida; Prevalência
Resumen
Objetivo Identificar la prevalencia del síndrome metabólico y la concordancia entre los criterios del National Cholesterol Education Program Adult Treatment Panel III (NCEP-ATPIII) y de la International Diabetes Federation (IDF) en personas que viven con el VIH.
Métodos Estudio analítico transversal, realizado en cinco servicios especializados en un municipio del interior del estado de São Paulo, de 2014 a 2016, con 340 personas que viven con el VIH. Por medio de entrevistas se recopilaron las variables sociodemográficas y clínicas necesarias para la clasificación del síndrome metabólico mediante los criterios del NCEP-ATPIII y de la IDF. Para evaluar la concordancia entre los criterios del SM, NCEP-ATPIII e IDF, se utilizó la estadística first-order agreement coefficient. Para verificar la relación entre el síndrome metabólico y las variables del estudio, se utilizó la regresión de Poisson con varianza robusta.
Resultados La prevalencia del síndrome metabólico fue del 28,5 % mediante el criterio NCEP-ATPIII y 39,3 % por la IDF. Las mayores prevalencias se asociaron al sexo femenino y los grupos de edad a partir de los 50 años, mientras que hubo prevalencias menores en el tiempo de diagnóstico entre 2 y 10 años. La concordancia entre los dos criterios fue considerada sustancial.
Conclusión La concordancia sustancial entre los criterios IDF y NCEP-ATPIII sugiere la posibilidad de intercambio entre ellos. Además, los resultados señalan la necesidad de una atención especial de los servicios para evaluar el perfil metabólico e identificar a las personas que viven con el VIH con alto riesgo cardiovascular.
Síndrome metabólico; HIV; Síndrome de imunodeficiência adquirida; Prevalencia
Abstract
Objective To identify the prevalence of metabolic syndrome and the agreement between the criteria of the National Cholesterol Education Program Adult Treatment Panel III (NCEP-ATPIII) and the International Diabetes Federation (IDF) in people living with HIV.
Methods This is a cross-sectional analytical study, carried out in five specialized services in a city in the interior of São Paulo, from 2014 to 2016, with 340 people living with HIV. Sociodemographic and clinical variables necessary for classification of the metabolic syndrome by the NCEP-ATPIII and IDF criteria were collected through interviews. To assess the agreement between MS, NCEP-ATPIII and IDF criteria, the first-order agreement coefficient statistic was used. To verify the relationship between the metabolic syndrome and the study variables, Poisson regression with robust variance was used.
Results The prevalence of metabolic syndrome was 28.5% by the NCEP-ATPIII criterion and 39.3% IDF. The highest prevalence was associated with females and age groups from 50 years old, while, in the time of diagnosis between 2 and 10 years, lower prevalence. The agreement between the two criteria was considered substantial.
Conclusion The substantial agreement between the IDF and NCEP-ATPIII criteria suggests the possibility of interchange between them. Moreover, the results signal the need for special attention from services for the assessment of the metabolic profile and identification of people living with HIV who are at high cardiovascular risk.
Metabolic syndrome; HIV; Acquired Immunodeficiency Syndrome; Prevalence
Introdução
Os avanços na terapia antirretroviral combinada (TARV) e seu acesso universal proporcionou grande impacto para as pessoas vivendo com o HIV (PVHIV). Os pacientes que possuíam perspectivas limitadas passaram a viver uma nova fase do tratamento. A adesão a medicação tem sido o principal contribuinte para o declínio das mortes relacionadas à aids, aumento da sobrevida, melhora na qualidade de vida, diminuição da transmissão e supressão da atividade viral, possibilitando assim viver com o HIV numa perspectiva de condição crônica.(1,2)
No mundo, até 2018, foi estimado que cerca de 37,9 milhões PVHIV e, entre os diagnosticados, cerca de 62% estão em tratamento com antirretrovirais (ARV). Já no Brasil, há cerca de 900.000 PVHIV e de acordo com o Ministério da Saúde 66% destes tem acesso a medicação.(3-5)
A despeito das possibilidades alvissareiras proporcionadas pelo uso da TARV, os pacientes podem experimentar alterações metabólicas e toxicidades específicas atreladas ao uso dessa medicação. Essas alterações metabólicas, com frequência, se enquadram nos critérios para identificar a presença da síndrome metabólica (SM).(6) A SM apresenta-se mundialmente em ascensão e tem sido considerada uma entidade complexa pelo fato de agregar fatores de risco cardiovascular bem estabelecidos, aumentando a mortalidade geral.(5) Há evidências de que a SM é mais prevalente entre pessoas que vivem com o HIV do que na população geral, o que requer assistência adequada da equipe de saúde.(1,6,7)
Desde a década de 80, quando a SM foi reconhecida, incialmente denominada Síndrome X, diversos critérios foram utilizados para defini-la. Atualmente, os critérios mais utilizados nacional e internacionalmente entre PVHIV, são o do National Cholesterol Education Program Adult Treatment Panel III (NCEP-ATPIII) e da International Diabetes Federation (IDF). Essas organizações, apesar de aplicarem os critérios de maneira diferente, concordam que os componentes básicos da SM são obesidade, resistência à insulina, dislipidemia e hipertensão.(8,9) Em razão de haver diferentes critérios para o diagnóstico de SM, existem também estimativas variadas na sua prevalência. Em uma meta-análise que analisou estudos sobre a prevalência da SM em PVHIV, os resultados variaram entre 17 a 31%.(9)
Apesar do estabelecimento da melhora da imunidade, o uso prolongado dessa terapêutica medicamentosa pode elevar o risco de desenvolvimento da SM em PVHIV, identificar essa problemática proporciona subsídio para o gerenciamento do risco cardiovascular nessa população. Diante do exposto, o presente estudo tem como objetivo identificar a prevalência da SM e a concordância entre os critérios do NCEP-ATPIII e da IDF em PVHIV.
Métodos
Trata-se de um estudo analítico transversal, desenvolvido nos cinco ambulatórios de atendimento especializado às pessoas que vivem com HIV no município do interior paulista, no período de outubro de 2014 a outubro de 2016.
Participaram do estudo PVHIV usuárias dos serviços que atenderam aos critérios de inclusão: possuir idade igual ou superior a 18 anos; estar em uso da TARV há pelo menos seis meses; e estar em acompanhamento clínico-ambulatorial nos serviços escolhidos. Foram critérios de exclusão: indivíduos em situações de confinamento (institucionalizados e residentes em casas de apoio), gestantes e história prévia de doença cardiovascular.
Para obter o número de participantes, foi realizado cálculo amostral baseado no número de indivíduos em uso de TARV em cada serviço de referência do município estudado no ano de 2014, que somavam 1920 pacientes. Para o cálculo do tamanho amostral foi utilizado a seguinte fórmula:
onde n é o tamanho amostral, Z é a variável reduzida para um α = 5%, P = 50% e um nível de precisão d = 5%, foi feita correção para uma população finita, o que resultou em 43 no ambulatório do distrito Norte; 119 do Central; 50 do Leste; 78 do Oeste e 50 do distrito Sul, totalizando um tamanho amostral de 340. A amostragem foi não-probalística, por conveniência. Assim, os participantes foram convidados a participar à medida que apareciam no serviço para atendimento.
Os dados foram coletados por meio de entrevistas individuais, com duração média de 30 minutos, antes ou após as consultas médicas e/ou de enfermagem, em salas privativas do próprio ambulatório. A coleta de dados foi realizada por equipe treinada e certificada. Utilizou-se um questionário semiestruturado elaborado para estudo. O questionário foi submetido à validação de face e conteúdo, por quatro pesquisadores, os quais o avaliaram quanto à aceitação do questionamento, fácil compreensão, relevância dos itens, clareza da redação, presença de ambiguidades, além de sugestões de alterações. Houve apenas apreciação qualitativa em relação ao mérito das opiniões dos pesquisadores, sem publicação prévia a este estudo.
As variáveis sociodemográficas e antecedentes clínicos pessoais foram questionadas ao paciente. A circunferência abdominal (CA) e a pressão arterial (PA) foram mensuradas após a entrevista, e os dados referentes ao tempo de TARV, esquema terapêutico e exames laboratoriais, coletados no prontuário. Dos exames, foram registrados os que tinham a data mais próxima de ingresso do paciente no estudo e descartados exames realizados no prazo maior que um ano.
A pressão arterial sistólica (PAS) e diastólica (PAD) foram avaliadas com técnica auscultatória, registrada no braço, com esfigmomanômetro aneroide, manômetro calibrado e braçadeira de tamanho apropriado. A avaliação ocorreu após cinco minutos em repouso, na posição sentada, o tronco apoiado no encosto da cadeira, pernas descruzadas e apoiadas ao chão.(10)
A CA foi medida com fita métrica inextensível, em posição ortostática, com a planta do pé apoiada no solo, orientada para que ficasse com o abdome relaxado, afastando as roupas da região da aferição para melhor precisão da mensuração. A medida foi aferida no ponto médio entre a última costela e a crista ilíaca, no final do movimento respiratório da expiração.(11)
As medições bioquímicas realizadas nos SAE referente à glicose venosa em jejum (GVJ), High Density Lipoproteins Cholesterol (HDL-c) e triglicérides (TG), foram realizadas por método enzimático em equipamento automatizado (Rxl Max®), em laboratório central vinculado a secretaria municipal de saúde, com amostras de soro venoso, sob orientação de jejum durante por 12 horas, conforme rotina.
Para a classificação da SM utilizou-se o critério do NCEP-ATP III e da IDF. No NCEP-ATP III revisado os participantes precisam ter pelo menos três dos cinco componentes: PA (≥ 130/85 mm/Hg ou uso de anti-hipertensivo); CA (≥102cm para homens e ≥88 cm para mulheres); TG (≥ 150mg/dl ou uso de hipolipemiantes), GVJ (≥ 100mg/dl ou uso de hipoglicemiante) e/ou HDL-c (< 40 mg/dl para homens e < 50 mg/dl para mulheres ou uso de hipolipemiantes).(12)
O critério da IDF assume os mesmo valores para a PA, TG, GVJ e HDL-c, difere apenas na circunferência abdominal (CA) (mulheres ≥80 cm e homens ≥90 cm).(12) Pelo critério da IDF a presença de alteração na CA é obrigatória, somado a dois outros critérios, e deve-se respeitar parâmetros étnicos. Por não haver estudos importantes que estabeleçam parâmetros na América central e do Sul, recomenda-se a utilização da referência dos sul-asiáticos, já descrita.(13,14)
Assim, as variáveis estudadas foram as sociodemográficas: sexo (masculino, feminino), faixa etária em anos (20-29, 30-39, 40-49, 50-59, ≥60), escolaridade em anos (≤8, >8); e as variáveis clínicas: tempo de diagnóstico em anos (≤1, 2-4,5-10, >10), tempo de uso da TARV em anos (≤1, 2-4,5-10, >10), carga viral em cópias/ml (>40, ≤40), PAS e PAD (mmHg), CA (cm), TG (mg/dl), GVJ (mg/dl), HDL-c (mg/dl), Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS) (sim, não), Diabetes Melittus (DM) (sim, não), SM (sim, não), uso de anti-hipertensivo (sim, não), uso de hipolipemiante (sim, não), uso de hipoglicemiante (sim, não).
Para análise dos dados utilizou-se estatística descritiva (média e desvio padrão) para variáveis contínuas. O teste T de Student para amostras independentes foi utilizado para comparar componentes da SM (variáveis contínuas) entre homens e mulheres. Para estimar a Razão de Prevalência ajustada utilizou-se a regressão de Poisson com variância robusta. Na avaliação da medida de significância estatística, utilizou-se o teste de Wald. Nessas análises utilizou-se o software Statistical Package for Social Science (SPSS), versão 22.0. Para avaliar a concordância entre os critérios da SM, NCEP-ATPIII e IDF, foi utilizada a estatística AC1 (first-order agreement coefficient). A estatística AC1 tem como vantagens sobre o índice de concordância Kappa a resistência com relação à homogeneidade marginal e o traço de prevalência, além de possuir a mesma interpretação da estatística Kappa [Pobre/sem concordância (<0,0); leve (0,0-0,2); razoável (0,21-0,40); moderada (0,41-0,60); substancial (0,61-0,80); quase perfeita (0,81-1,00)].(15)Utilizou-se para as últimas análises citadas, o programa de software R versão 3.5.1. Em todas as análises realizadas no estudo, adotou-se um intervalo de confiança de 95% e nível de significância de 0,05. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa. As PVHIV que aceitaram participar do estudo assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Resultados
Participaram do estudo 340 PVHIV em uso de TARV acompanhadas ambulatoriamente. Em relação à caracterização dos entrevistados, verificou-se que 197 (57,9%) pertenciam ao sexo masculino, com média de idade de 44,35±11,7, variando de 20 a 75 anos. A maior concentração foi na faixa etária de 40-49 anos de idade, com 34,1% e tinham mais de oito anos de estudo (50,9%).
Quanto às variáveis clínicas, identificou-se que 53,8% foram diagnosticados com HIV a menos de dez anos. Esse mesmo período -menos de dez anos- foi predominante quando avaliado o tempo de tratamento antirretroviral, 65% dos entrevistados. A da carga viral era predominantemente indetectável (<40 cópias/ml), 80,9%. A partir dos critérios de SM utilizados obteve-se prevalência de 28,5% (NCEP-ATPIII) e de 39,3% (IDF).
As variáveis que mantiveram associação após a regressão de Poisson com maiores prevalências para a SM (Tabela 1) foram, pelo critério da IDF, a faixa etária de 50-59 (RP=2,46; IC:1,17-5,21) e 60 ou mais (RP=3,04; IC:1,43-6,47); e o tempo de diagnóstico entre 2-4 anos (RP=0,33; IC:0,12-0,88) e 5-10 anos (RP=0,40; IC:0,14-1,10) representaram menores prevalências para a síndrome. No critério do NCEP-ATPIII o mais prevalente foi o sexo feminino (RP=1,89; IC: 1,32-2,70) (Tabela 1).
Prevalência, razão de prevalência e intervalos de confiança entre a síndrome metabólica em e as variáveis do estudo, em pessoas vivendo com HIV (n=340)
Em relação à média dos componentes da SM avaliados por sexo (Tabela 2), nas mulheres os valores de glicemia venosa de jejum (p=0,02) e HDL-c (p=0,001) foram maiores, enquanto a PAS foi maior nos homens (p=0,01).
Componentes da síndrome metabólica em pessoas vivendo com HIV, de acordo com o sexo (n=340)
Conforme a distribuição da prevalência dos componentes da SM , segundo o critério do NCEP-ATPIII os componentes metabólicos alterados que atingiram maiores percentuais foram a HDL-c (56,1%) e o TG (45,5%), seguidos de PA (40,0%), CA (32,9%) e GVJ (15,5%). Já no critério da IDF, a CA alcançou 62,9% de alterações nas PVHIV avaliadas, seguindo os mesmo percentuais que o NCEP-ATPIII nos demais componentes. A GVJ representou a alteração metabólica menos prevalente em ambos os critérios.
No que se refere à distribuição dos pacientes de acordo com o número de componentes da SM, constatou-se que de acordo com o critério da IDF 86,7% dos participantes têm pelo menos um componente que caracteriza esse distúrbio metabólico [nenhum componente (13,3%), um (17,6%), dois (28,0%), três (22,6%), quatro (13,8%), cinco (4,7%)]. Já no critério do NCEP-ATPIII, 83,2% tem pelo menos critério para a SM [nenhum componente (16,8%), um (23,3%), dois (31,5%), três (17,6%), quatro (7,0%), cinco (3,8%)].
A análise da concordância entre os critérios para avaliação da SM, IDF e NCEP-ATIII, obteve um coeficiente AC= 0,7493 (p<0,0001), considerando a concordância como substancial (Tabela 3).
Concordância entre os critérios do National Cholesterol Education Program Adult Treatment Panel III (NCEP-ATPIII) e da International Diabetes Federation (IDF) para síndrome metabólica em pessoas vivendo com HIV (n=340)
Discussão
Os resultados deste estudo evidenciam uma elevada prevalência de SM em PVHIV e associação ao sexo feminino e faixas etárias a partir dos 50 anos. As menores prevalências se associaram ao tempo de diagnóstico entre 2 a 10 anos. Houve concordância substancial entre os critérios IDF e NCEP-ATPIII.
O estudo possibilitou a identificação da prevalência e a concordância de critérios para a SM, contribuindo para a reflexão sobre a necessidade de avaliação dos componentes da síndrome durante o tratamento das PVHIV. Além de considerar a SM como uma ferramenta clínica no reconhecimento de indivíduos com maior vulnerabilidade à ocorrência de doenças cardiovasculares. Ademais, o estudo contribui para o desenvolvimento do conhecimento científico e para o debate sobre as necessidades de cuidado multiprofissional a essa população, bem como o papel do enfermeiro na avaliação cardiometabólica, da atenção primária até a terciária.
A SM tem recebido uma atenção cada vez maior, tanto pelo impacto de cada um dos seus componentes diagnósticos, quanto por agregar fatores de risco cardiovascular.(16) Nesse contexto, diversos fatores de risco para o desenvolvimento da SM têm sido identificados, porém há grande heterogeneidade nos resultados dos estudos. Esse fato está associado à variedade de critérios utilizados para avaliação da SM e as condições sociodemográficas, comportamentais e clínicas das populações investigadas.
A elevada prevalência encontrada no presente estudo entre as PVHIV em uso de TARV, corrobora com os achados de uma meta-análise que investigou 65 publicações sobre SM em PVHIV nos continentes europeu, americano, asiático e africano.(9) O estudo revelou que um terço da população mundial que vive com o HIV tem SM.(9) Em pesquisas realizadas no continente africano houve prevalência entre 7,8-50,3%, pelo critério IDF, e 7,2-61,6% pelo critério NCEP-ATPIII.(17-19) A concordância substancial entre os critérios da IDF e do NCEP-ATPIII dos nossos achados apoia o que tem sido evidenciado na literatura em estudos com PVHIV e outros grupos.(9,19-21)O resultado dessa concordância implica que esses critérios podem classificar o mesmo indivíduo com SM, o que pode ser justificado pela utilização de quatro componentes metabólicos com o mesmo parâmetro de referência. A divergência dos critérios está na CA, que possui ponto de corte diferente, no critério da IDF é menor, comparado ao do NCEP-ATPIII. Outra diferença está na CA ser elemento obrigatório no critério da IDF para classificação da síndrome.
Os componentes da SM normalmente variam em suas taxas de ocorrência. Nesse estudo cerca de 80% das PVHIV apresentam pelo menos um componente alterado. As alterações lipídicas e da CA estão entre os componentes metabólicos que mais prevalecem alterados, considerando os diferentes critérios utilizados.(9,22) Em pesquisa internacional, esses componentes apresentam-se entre os primeiros fatores de risco para o desenvolvimento da SM.(17) O elevado número de componentes também é um fator preocupante por aumentar o risco de doenças cardiovasculares.(5)Interessante destacar em nosso estudo que, apesar das diferenças entre homens e mulheres encontradas em alguns componentes metabólicos, as médias estão dentro dos parâmetros de normalidade das sociedades brasileiras responsáveis.(23,24)
Ademais, houve associação entre a SM e as mulheres vivendo com o HIV, o que pode ser atribuído à diferença do papel social que a mesma assume, com a dupla jornada de trabalho, que influência negativamente na qualidade de vida e repercute nos hábitos alimentares e na prática de atividade física.(9,17,25,26) Além disso, fatores fisiológicos como a perda do efeito protetor dos hormônios femininos com o início da menopausa também são fatores importantes e que refletem a questão do gênero e a idade.(9,17,25,26) Nessa perspectiva, a prevalência da SM aumenta com a idade.(9,17)Outros estudos realizados na mesma região do Brasil apontam que as mulheres com HIV também possuem maior redistribuição anormal de gordura corporal (lipodistrofia) e maior frequência de casos de obesidade abdominal, quando comparados aos homens com HIV.(27,28) Os mesmos autores, apesar de considerarem incertas as razões da diferença sexual nas respostas metabólicas, reforçam a contribuição hormonal, seja pelo polimorfismo no gene do receptor de estrógeno ou pela resposta do corpo à liberação do hormônio do crescimento.(27,28)
Contudo, o resultado da prevalência da SM entre os que possuíam tempo de diagnóstico de 2 a 10 anos para o HIV pode ser justificada pelo fato dessa classificação estar entre a minoria dos entrevistados e, a maioria possuir mais de 10 anos de diagnóstico do HIV (45,5%).
Parte das associações observadas entre a carga viral e o tempo de diagnóstico, podem ser explicadas por mecanismos de disfunção imunológica e inflamação crônica causados pela infecção do HIV, idade mais avançada e toxicidade relacionada à droga secundária ao uso prolongado, principalmente dos inibidores de protease.(9,29,30) Vale ressaltar que a própria infecção pelo HIV atua como um catalisador das alterações lipídicas. O aumento da inflamação provocado pela presença do vírus, através da secreção de citocinas inflamatórias, danificam as células TCD4+.(31,32)
Diante do exposto, no contexto das PVHIV, as alterações metabólicas podem ser atribuídas não só a utilização de diferentes critérios diagnósticos, mas ao tempo de exposição à TARV, tempo de infecção pelo HIV, características étnicas, histórico familiar (contribuição genética), fatores ambientais, além dos hábitos alimentares e estilo de vida antes e após o tratamento.(9)
As informações geradas evidenciam os critérios mais utilizados para a classificação da SM, a concordância entre eles, os fatores sociodemográficos e clínicos que podem se associar a síndrome, além dos componentes metabólicos que estão frequentemente alterados nas PVHIV, consequentemente, os dados obtidos neste estudo poderão subsidiar o estabelecimento de protocolos assistenciais com medidas voltadas a identificação, prevenção, tratamento e controle da SM nessa população. Assim, faz-se necessário o desenvolvimento de estratégias e programas educativos e terapêuticos com foco na promoção de hábitos saudáveis. Além da realização de estudos longitudinais que investiguem o comportamento das alterações metabólicas nas PVHIV e estudos de intervenção que meçam o efeito das estratégias na melhoria dessas alterações.
Destaca-se como limitação, que o desenho do estudo não permitiu que se conhecesse há quanto tempo os indivíduos apresentavam os critérios para SM, se decorreu do tratamento medicamentoso ou foi anterior a este. Além disso, ressalta-se a escassez de informações sobre a exposição cumulativa dos pacientes a cada medicamento ARV e a diversidade da sua história clínica e terapêutica.
O reconhecimento dos fatores de risco associados e a avaliação do perfil metabólico tornam-se necessários, uma vez que possibilitam a identificação dos que possuem alto risco cardiovascular, desempenhando um papel importante como marcador de distúrbios metabólicos, a fim de tratá-los com maior brevidade; além de evidenciar a importância de intervenções na adoção de um estilo de vida saudável. Nesse contexto, o enfermeiro também tem papel fundamental junto à equipe de saúde para o desenvolvimento de estratégias educativas que favoreçam a promoção da saúde.
Conclusão
Assim, mediante os resultados apresentados verificou-se que a prevalência de SM em PVHIV foi elevada pelos dois critérios, mais especialmente pelo IDF. As maiores prevalências de SM foram associadas ao sexo feminino, e faixas etárias a partir dos 50 anos, enquanto que, no tempo de diagnóstico entre 2 a 10 anos, as prevalências foram menores. Houve concordância substancial entre os critérios IDF e NCEP-ATPIII, o implica que esses critérios podem classificar o mesmo indivíduo com SM e assim, há possibilidade de intercambio entre eles.
Agradecimentos
Agradecemos ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq (nº 455912/2014-9) – Chamada Universal – MCTI/CNPq nº 14/2014, pelo apoio na realização deste estudo.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
26 Nov 2021 -
Data do Fascículo
2021
Histórico
-
Recebido
27 Mar 2020 -
Aceito
2 Dez 2020