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A primeira filósofa: o amor à sabedoria da Lira

The first woman philosopher: love to the lyric wisdom

Resumo:

É possível considerar o poema Títônio de Safo como um texto filosófico pré-socrático? Certas características nos fazem considerar estes versos em sua filosofia: 1) Retrata uma situação de aprendizagem amorosa, amor (philía) ao saber; 2) A presença de uma sentença de caráter universal sobre a humanidade: “Não envelhecer, para o homem, é um caso impossível.”; 3) Uma crítica ao senso comum e um aprofundamento de sabedoria; em particular a consideração da humanidade pela corrupção do devir mais do que pela mortalidade; 4) A repercussão do saber teórico em uma atitude e em um modo de vida prático: “O que posso eu fazer?” e a respectiva resposta proposta; 5) Um termo base (um conceito?) a conduzir e dar unidade de estilo filosófico e de modo de pensar à autora.

Palavras-chave:
Safo; Pré-Socráticos; Origens da Filosofia; Orfismo

Abstract:

Sappho’s Tithonius poem can be considered a presocratic philosophical text? Some characteristics make us see those verses in its philosophical mood: 1) It portrays a situation of loving learning, love (philía) to knowledge; 2) It provides a general and essential statement on humanity: “No being that is human can escape old age.” 3) It makes a critique of the common sense’s idea of humanity, and explains why corruption of becoming is more decisive than mortality; 4) It provides an attitude and a practical wisdom disrupted by a fundamental question, as “What can I do?”, 5) There is a particular term (maybe a concept?) to lead and give unity of his philosophical school or system of thought.

Keywords:
Sappho; Presocratics; Origins of Philosophy; Orphism

Desde os tempos modernos marcados pela descoberta da Pedra de Roseta que a Europa busca apoderar-se, em suas escavações arqueofilológicas, menos de relíquias do cristianismo originário na Palestina do que, nestas mesmas costeiras mediterrâneas, de vestígios para decifrar as origens da razão política e filosófica que lhe outorgariam os pilares da civilização ocidental. Pilares com os quais erigiu os argumentos universalistas para, com fiel ajuda da pólvora, estender seus valores a todo o globo terrestre. O cristianismo, os direitos humanos, assim como a filosofia são bandeiras dos valores espirituais europeus, supostamente universais, que a Europa tentará impor ao planeta em sucessivas ondas de colonização. Evangelização católica e protestante; direitos universais do homem; conceptualização universal da natureza; religião, política e ciência europeias que se proclamaram universais (kath’holon), e se arrogaram o direito de civilizar e subjugar outros povos e culturas. Mesmo se esta mesma Europa nem sempre foi fiel seguidora dos seus próprios princípios universais.

Assim, a ciência filológica (particularmente a filologia1 1 Desde as teorias da tradução de W. Humboldt (1767-1835 - fundador da Universidade de Berlim, em 1809); passando pelo projeto de teologia hermenêutica de F. Schleiermacher (1768-1834) (cf. Schleiermacher, 1838); pela crítica da filologia asséptica por F. W. Nietzsche (1876); e alcançando finalmente as obras de H. Diels sobre a doxografia grega (Diels, 1879) e os filósofos pré-socráticos (Diels, 1903). associada à filosofia do idealismo alemão)2 2 Todo o idealismo alemão desde J. G. Fichte (fundador da Universidade de Berlim), passando por F. W. J. Schelling até G. W. F. Hegel (cf. Hegel, 1979); e mesmo a crítica do idealismo em F. W. Nietzsche de 1873 (cf. Nietzsche, 1988). buscará estabelecer, ao longo do séc. XIX e inícios do séc. XX, as origens da filosofia. Isto se faz para júbilo e com fomento da monarquia esclarecida prussiana, no refluxo da cavalaria bonapartista. O projeto de publicação e organização dos corpora de autores gregos em grandes edições críticas integra o monumental projeto humboldtiano3 3 “Der wahre Zweck des Menschen - nicht der, welchen die wechselnde Neigung, sondern welche die ewig unveränderliche Vernunft ihm vorschreibt - ist die höchste und proportionirlichste Bildung seiner Kräfte zu einem Ganzen. [O verdadeiro propósito do homem - não aquele que a inclinação variável, mas que a razão eternamente imutável prescreve para ele - é a mais alta e mais proporcional formação de seus poderes em um todo.]” (Humboldt, 1980, p. 64 e 71 ss.); “Zu dieser Absicht aber muss er die Masse der Gegenstände sich selbst näher bringen, diesem Stoff die Gestalt seines Geistes aufdrücken und beide einander ähnlicher machen. [Para este propósito, no entanto, ele deve trazer a massa de objetos para mais perto de si, imprimir no material a forma de seu espírito e torná-los mais semelhantes um ao outro.]” (Humboldt, 1980, p. 236 ss.); cf. também Humboldt, 1936. que criou a Universidade de Berlim (1809) e estabeleceu como meta a objetivação científica do legado clássico. Este projeto será adotado pelas demais culturas europeias e estará na origem das grandes coleções de edições críticas: Bibliotheca Teubneriana, Oxford Classical Texts, Collection Budé.

A filologia moderna, em sua pretensão crítica e científica, revisa as fontes manuscritas antigas e sua recepção; as coleciona, estabelece e ordena.4 4 “La philologie constitue aussi une des supériorités que les modernes peuvent à bon droit revendiquer sur les anciens. L’antiquité n’offre aucun beau type de philologue philosophe, dans le genre de Humboldt, Lessing, Fauriel. […] Le rôle de la philologie est d’achever cette œuvre, de concert avec les sciences physiques. Dissiper le brouillard qui aux yeux de l’ignorant enveloppe le monde de la pensée comme celui de la nature, substituer aux imaginations fantastiques du rêve primitif les vues claires de l’âge scientifique. [A filologia constitui também uma das superioridades que os modernos podem legitimamente reivindicar sobre os antigos. A antiguidade não apresenta nenhum belo tipo de filósofo filólogo, como Humboldt, Lessing, Fauriel. [...] O papel da filologia é o de consumar esta obra, em sintonia com as ciências físicas. Dissipar o nevoeiro que nos olhos do ignorante envolve o mundo do pensamento assim como o da natureza, substituir as imaginações fantásticas do sonho primitivo com as visões claras da era científica.]” (Renan, 1890, p. 141, 147). Ela vai buscar e vai reconstituir as narrativas sobre a origem da filosofia através dos vestígios de doxógrafos e historiadores antigos, como Teofrasto (séc. III a.C.) e Diógenes Laércio (séc. I). Estes, via de regra, seguiram os caminhos traçados por Platão (Tht. 174a)5 5 Platão narra uma anedota em que Tales incorpora o caráter de filosofo, um tipo que ao contemplar as estrelas tomba num buraco e se torna objeto de chacota de uma escrava. Ὥσπερ καὶ Θαλῆν ἀστρονομοῦντα, ὦ Θεόδωρε, καὶ ἄνω βλέποντα, πεσόντα εἰς φρέαρ, Θρᾷττά τις ἐμμελὴς καὶ χαρίεσσα θεραπαινὶς ἀποσκῶψαι λέγεται ὡς τὰ μὲν ἐν οὐρανῷ προθυμοῖτο εἰδέναι, τὰ δ' ἔμπροσθεν αὐτοῦ καὶ παρὰ πόδας λανθάνοι αὐτόν. e Aristóteles (Metaph. 983b)6 6 Para Aristóteles, Tales é o primeiro filósofo que investiga os princípios de natureza material. τῶν δὴ πρώτων φιλοσοφησάντων οἱ πλεῖστοι τὰς ἐν ὕλης εἴδει μόνας ᾠήθησαν ἀρχὰς εἶναι πάντων [...] ἀλλὰ Θαλῆς μὲν ὁ τῆς τοιαύτης ἀρχηγὸς φιλοσοφίας ὕδωρ φησὶν εἶναι. (séc. IV a.C.), anunciando os inícios da filosofia onde nem o termo nem o conceito sequer existiam, mas apenas as menções a feitos extraordinários, como a previsão de um eclipse ou a invenção do monopólio7 7 DL 1.23 δοκεῖ δὲ κατά τινας πρῶτος ἀστρολογῆσαι καὶ ἡλιακὰς ἐκλείψεις καὶ τροπὰς προειπεῖν; e 1.26 βουλόμενος δεῖξαι ῥᾷον εἶναι πλουτεῖν, φορᾶς ἐλαιῶν μελλούσης ἔσεσθαι, προνοήσας ἐμισθώσατο τὰ ἐλαιουργεῖα καὶ πάμπλειστα συνεῖλε χρήματα. , e listagens comemorativas de antigos sábios8 8 DL 1.13 σοφοὶ δὲ ἐνομίζοντο οἵδε· Θαλῆς, Σόλων, Περίανδρος, Κλεόβουλος, Χείλων, Βίας, Πιττακός. τούτοις προσαριθμοῦσιν Ἀνάχαρσιν τὸν Σκύθην, Μύσωνα τὸν Χηνέα, Φερεκύδην τὸν Σύριον, Ἐπιμενίδην τὸν Κρῆτα· ἔνιοι καὶ Πεισίστρατον τὸν τύραννον. καὶ οἵ<δε> μὲν σοφοί. (sophói). Nem Platão nem Aristóteles tinham como objetivo estabelecer o momento histórico original do início da Filosofia, e é bem possível que, na condição de filósofos, isso sequer lhes interessasse. Sócrates, personagem nos diálogos de Platão, contava histórias, mitos. No Teeteto, contou a anedota de Tales com a escrava trácia9 9 Cf. nota 5. , e no Fedro (274c-275b), a invenção da escrita pelo egípcio Theut. Aristóteles, quando no início da Metafísica sugeria predecessores à sua teoria das causas, diz que Tales foi o primeiro a falar de um princípio material. A partir desses traços, a maioria dos historiadores antigos como dos modernos atribuiu a Tales de Mileto a primogenitura da filosofia, ainda que outros, geralmente orientalistas que duvidavam da autoctonia do chamado milagre grego, acolhessem outros nomes para o panteão dos fundadores, como o também jônico Pitágoras ou o persa Zarathustra ou o egípcio Ptah Hotep.10 10 W. Burkert (1992), T. Obenga (1990) são os expoentes mais recentes, mas a querela entre orientalistas e autoctonistas remonta pelo menos a Diógenes Laércio (1.1), que abre seu primeiro livro tomando partido pelos últimos, mas citando diversas posições relativas aos primeiros. Τὸ τῆς φιλοσοφίας ἔργον ἔνιοί φασιν ἀπὸ βαρβάρων ἄρξαι. γεγενῆσθαι γὰρ παρὰ μὲν Πέρσαις Μάγους, παρὰ δὲ Βαβυλωνίοις ἢ Ἀσσυρίοις Χαλδαίους, καὶ γυμνοσοφιστὰς παρ' Ἰνδοῖς, παρά τε Κελτοῖς καὶ Γαλάταις τοὺς καλουμένους Δρυΐδας καὶ Σεμνοθέους [...] As teses orientalistas buscam as tradições religiosas e filosóficas que desembocam na Grécia. Contra a ideia do milagre autóctone, elas veem no comércio entre os povos o principal fator de transformação das culturas e de criação humana.

Os modernos filósofos historiadores, como G. W. F. Hegel (em suas preleções sobre a história da filosofia 1805-1830; cf. Hegel, 1979HEGEL, G. W. F. (1979). Vorlesungen über die Geschichte der Philosophie. Vol. 1. Frankfurt am Main, Suhrkamp. (Werke in zwanzig Bänden 18) (1ed 1832)), secundados por historiadores modernos da filosofia, como E. Zeller (1844-1868),11 11 Os anos referem-se ao período de publicação de sua vasta obra Die Philosophie der Griechen in ihrer geschichtlichen Entwicklung. apoiaram-se no testemunho inconteste de Aristóteles (Metaph. 983b19). Todavia, para a ciência que requisita a prova objetiva dos fatos, tal origem deveria ser atribuída a um texto que contivesse uma citação original, mais do que a textos que fossem apenas testemunhos de doutrina - ainda que a história seja repleta de casos relevantes de filósofos que não escreveram ou não nos deixaram escritos. É este desejo de objetivação textual que leva Hermann Diels a compilar, na continuidade do projeto humboldtiano, os fragmentos dos filósofos pré-socráticos (Diels, 1903).12 12 Die Fragmente der Vorsokratiker é reeditado com sucessivas ampliações por Hermann Diels e depois por seu discípulo Walther Kranz até a sexta edição em 1952. Com isso, a estela fundadora continuou na cidade de Mileto, mas as atenções de historiadores e filósofos voltaram-se agora para um fragmento: a sentença do sucessor de Tales, Anaximandro, conservada no Comentário de Simplício à Física de Aristóteles. A sentença de Anaximandro: origem da especulação sobre o ente universal, inscrita numa lápide fundadora, bem ali onde começa a península europeia. Imagem arqueológica construída por F. Nietzsche (1873; cf. Nietzsche, 1988NIETZSCHE, F. (1988). Die Philosophie im tragischen Zeitalter der Griechen. In: Sämtliche Werke Kritische Studienausgabe in 15 Bänden. Vol. 1. Ed. G. Colli & M. Montinari. München, Deutscher Taschenbuch Verlag.) ao fim da guerra franco-prussiana, e reforçada por M. Heidegger (1946; cf. Heidegger, 1960HEIDEGGER, M. (1960). Der Spruch des Anaximander. In: Holzwege. Frankfurt am Main, Vittorio Klostermann.) ao fim da segunda grande guerra.

Se este artigo se propõe a escavar não o, mas a primeira filósofa, não é para trocar um mito de origem por outro, como o de Tales pelo de Anaximandro, mas para antes desconstruir a ideia de fundação originária, pelo simples deslocar de algumas balizas. Há muitas, construídas para erigir o berço de valores da civilização ocidental. Vamos restringir-nos a apenas duas, mas outras reflexões podem deslocar outras balizas em outras direções. À medida que se vislumbra o construto ficcional da ideia de origem, a investigação se enriquece pela multiplicidade e o historiador da filosofia não pode mais estacionar no conforto de uma sucessão linear de autores e doutrinas. Há muitas origens, porque há muitas filosofias - nossa tarefa é ainda descobri-las, mesmo quando já estão postas bem em frente de nosso nariz. A primeira filosofa não significa apenas a mais antiga que conhecemos, mas uma que nos deixou vestígios textuais que temos capacidade de ler e interpretar como filosóficos. Efetivamente, dela possuímos mais textos do que de Anaximandro, e ela viveu e escreveu quarenta anos antes de Tales. Não é a ciência quem a ocultaria de nossos propósitos.

Não vamos transpor a Grécia pré-socrática do séc. VI a.C., para chegar ao Nilo, ao Tigre ou ao Indo, mas ousaremos encontrar características raramente atribuídas aos primeiros sábios ou filósofos: que a filosofia seja exercida por uma mulher e que também seja escrita em versos líricos. Essas características não são de menor importância, e talvez seja possível até mesmo desenhar os traços de uma determinada sabedoria, quem sabe até mesmo os de uma escola, e por que não chegar a falar mesmo de uma certa filosofia? - A qual será preciso minimamente definir - com plena consciência de que o termo só existirá com seu sentido conceitual firme dois séculos mais tarde. Assim, não se visa - repito - trocar um mito fundador por outro, mas desconstruir, pela pluralidade de perspectivas sobre a origem, a própria ideia de fundação e de fundamentos, uma das colunas ideológicas do colonialismo cultural. Tocaremos em dois aspectos tradicionais da hierarquia ou da axiologia de demarcação ideológica da filosofia: o gênero sexual e o gênero literário.

Os antigos historiadores da filosofia nunca incluíram Safo de Lesbos nas listas conhecidas dos sete sábios, em que se buscavam os heroicos fundadores da sabedoria grega em domínios diversos: ciências da natureza, da cidade, das artes. Safo aparece apenas em uma lista, de constituição exclusivamente feminina, cuja autoria é atribuída a Platão: a lista das Musas13 13 A décima Musa é acrescida à lista das nove Musas hesiódicas em um epigrama atribuído a Platão (Ant. Pal. 9.506, ed. Waltz). - condição que a bem dizer a eleva acima da raça dos homens.

Exceção que confirma a regra, também no séc. XIX, Johan Jakob Bachofen, teórico do matriarcado, consagra a Safo um capítulo de seu Direito materno (Bachofen, 1861BACHOFEN, J. J. (1861). Das Mutterrecht: eine Untersuchung über die Gynaikokratie der alten Welt nach ihrer religiösen und rechtlichen Natur. Stuttgart, Verlag von Krais und Hoffmann., p. 335 ss.). Neste, o autor revela a poetisa como uma maestra devota da religião órfica, e lhe atribui uma função educativa como a de Sócrates. Claude Calame (1996CALAME, C. (1996). Sappho’s Group: An Initiation into Womanhood. In: GREENE, E. (ed.). Reading Sappho. Contemporary Approaches. Berkeley, University of California Press, p. 113-124.) repara a expressão « μοισοπόλων <οἰκίαι>» em um dos versos da poetisa (Fr. 109 Diehl; 150 Lobel), de onde fomenta a ideia de um círculo ou de uma escola de arte lírica. Nela formar-se-iam meninas dedicadas ao culto de Afrodite, preparando-se para o casamento, hipótese aventada por tratar-se de assunto recorrente nos textos de Safo que chegaram até nós.

É preferível, contudo, encontrar o pensamento filosófico nos textos da autora, e não em notas biográficas baseadas em tão poucos vestígios. As características da filosofia de Safo serão apreciadas aqui no que resta de um de seus poemas, embora possam ser encontrados em outros versos também14 14 Notadamente, nos versos gnômicos como nos frs. 50, 148 e 16 Lobel; e nos versos de conteúdo astronômico, como nos frs. 34, 104b, 151 Lobel, 94 Diehl. . Teremos diante de nós o texto de uma autora pré-socrática, que apresenta desde o início uma série de questões filológicas singulares que abordaremos à medida que for preciso.

Mal conservados, os textos de Safo que chegaram até nós são geralmente incompletos e repletos de lacunas. Ao contrário da maioria dos autores pré-socráticos com quem estamos acostumados a trabalhar e que encontramos coletados por Hermann Diels, nossos textos de Safo não vêm apenas de citações e fontes indiretas, mas também chegam até nós através de transmissões diretas em papiros. Safo, considerada não como uma filósofa, mas como poetisa, não costuma ser estudada por suas posições doutrinárias, mas pela beleza e sensibilidade de seus versos. Geralmente as coletâneas bem como os comentários organizam-se pelo metro mais do que pelo assunto. E quando organizados por assunto, são atos da vida feminina, como a perda da virgindade e o casamento - um tipo de assunto raramente tratado por filósofos do sexo masculino.

Leremos um poema conhecido hoje em dia sob o título de Titônio. Quando o traduzi para o português pela primeira vez, há mais de dez anos, encomendado pelo Mais! da Folha de São Paulo, chamava-o: A Lição de música. Conheci-o em 2005, na versão reconstruída e traduzida por West que foi publicada no Times Literary Supplement de junho daquele ano (24/06/2005WEST, M. L. (2005). The New Sappho. Zeitschrift für Papyrologie und Epigraphik 151, p. 1-9.):

ὕμμεϲ πεδὰ Μοίϲαν ἰ]ο̣κ[ό]λ̣πων κάλα δῶρα, παῖδεϲ, ϲπουδάϲδετε καὶ τὰ]ν̣ φιλάοιδον λιγύραν χελύνναν· ἔμοι δ’ ἄπαλον πρίν] π̣οτ̣’ [ἔ]ο̣ντα χρόα γῆραϲ ἤδη ἐπέλλαβε, λεῦκαι δ’ ἐγ]ένοντο τρίχεϲ ἐκ μελαίναν· βάρυϲ δέ μ’ ὀ [θ]ῦμο̣ϲ̣ πεπόηται, γόνα δ’ [ο]ὐ φέροιϲι, τὰ δή ποτα λαίψηρ’ ἔον ὄρχηϲθ’ ἴϲα νεβρίοιϲι. τὰ <μὲν> ϲτεναχίϲδω θαμέωϲ· ἀλλὰ τί κεν ποείην; ἀγήραον ἄνθρωπον ἔοντ’ οὐ δύνατον γένεϲθαι. καὶ γάρ π̣[ο]τ̣α̣ Τίθωνον ἔφαντο βροδόπαχυν Αὔων ἔρωι φ̣ ̣ ̣α̣θ̣ε̣ιϲαν βάμεν’ εἰϲ ἔϲχατα γᾶϲ φέροιϲα[ν, ἔοντα̣ [κ]ά̣λ̣ο̣ν καὶ νέον, ἀλλ’ αὖτον ὔμωϲ ἔμαρψε χρόνωι π̣ό̣λ̣ι̣ο̣ν̣ γῆραϲ, ἔχ̣[ο]ν̣τ̣’ ἀθανάταν ἄκοιτιν.

Pursue the violet-laden Muses’ handsome gifts, my children, and the loud-voiced lyre so dear to song: But me-my skin which once was soft is withered now by age, my hair has turned to white which once was black, my heart has been weighed down, my knees give no support which once were nimble in the dance like little fawns. How often I lament these things. But what to do? No being that is human can escape old age. For people used to think that Dawn with rosy arms and loving murmurs took Tithonus fine and Young to reach the edges of the earth; yet still grey age in time did seize him, though his consort cannot die.

Vós, dotadas de belezas pela Musa de seios floridos, filhas, dedicai-vos a amar o canto límpido da lira: Eu que fui delicada outrora, agora já a tez da velhice me alcançou, brancos tornaram-se os cabelos negros; Meu coração se fez pesado, os joelhos já não levam quem foi lépida dançarina, certa vez, como um fauno. Lamento-me dia após dia; mas que posso eu fazer? Não envelhecer, humanos, é um caso impossível. Assim contam que Aurora, apaixonada, em braços róseos carregou Titônio, levando-o até o extremo da terra, quando belo e jovem - mas este igualmente foi calçado pelo tempo grisalho da velhice, tendo uma esposa imortal

A reconstrução de West é notável ; a história da redescoberta desse poema de Safo no umbral do séc. XXI ainda mais. Para maiores detalhes, ver o livro organizado por Ellen Green e Marilyn Skinner (2009), especialmente os capítulos escritos por Jürgen Hammerstaedt (2009HAMMERSTAEDT, J. (2009). The Cologne Sappho: Its Discovery and Textual Constitution. In: GREENE, E.; SKINNER, M. B. (eds.).Classics@. Vol. 4: The New Sappho on Old Age; Textual and Philosophical. Washington, The Center for Hellenic Studies. Available at: https://chs.harvard.edu/CHS/article/display/3401.
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) e por Dirk Obbink (2009OBBINK, D. (2009). Sappho Fragments 58-59: Text, Apparatus Criticus, and Translation. In: GREENE, E.; SKINNER, M. B. (eds.).Classics@. Vol. 4: The New Sappho on Old Age; Textual and Philosophical. Washington, The Center for Hellenic Studies. https://chs.harvard.edu/CHS/article/display/3400.
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).

A edição de West (2005WEST, M. L. (2005). The New Sappho. Zeitschrift für Papyrologie und Epigraphik 151, p. 1-9.) é uma composição elaborada a partir de dois papiros de épocas diferentes, descobertos em momentos diferentes e organizados também de maneiras diferentes.

O primeiro papiro conhecido, o Oxyrhynchus Papyrus 1787, contém o lado direito dos versos. Foi encontrado nos arredores da cidade de Oxyrhynchus no Egito por B. P. Grenfell e A. S. Hunt, nas escavações de 1898-1907. (frg. 58 ed. Lobel). Hoje este papiro está guardado nas salas de papirologia da Universidade de Oxford. Este papiro contém vários poemas de uma edição bem organizada do que se supõe ser o Livro IV de uma publicação romana das obras de Safo, datada do século II a.C. Os versos do poema que analisamos são coletados sob o fr. 58 da edição de E. Lobel (1951)LOBEL, E. (1951). The Oxyrhynchus Papyri, Part XXI. P. x+147; 13 plates. London, Egypt Exploration Society..

O segundo papiro, catalogado como Köln inv. 21351 + 21376, foi adquirido de um colecionador pela Universidade de Colônia em 2002. Foi editado e publicado em 2004 por R. W. Daniel et M. Gronewald na Zeitschrift für Papyrologie und Epigrafik. Datado do séc. III a.C., esse papiro contém versos de vários autores e reconhece-se a mão de mais de um copista. Possivelmente um papiro de uso pessoal ou didático, com uma antologia escolhida. Ele contém traços de gesso; supõe-se que recobria uma múmia constituída no oásis de Fayum, único lugar no Egito em que a prática de envolver múmias com papiros é atestada. Esse papiro traz um grafema à esquerda da última linha do poema - uma corônide - que marca precisamente que o poema termina aí; e os versos que seguem são claramente de outro autor, eles não são nem mesmo de um metro que poderia ser considerado como poesia lésbia.

Não estamos em condições de bem avaliar o que vem antes da primeira linha da reconstrução de West. Os editores aqui não conseguiram recompor os versos a partir dos dois papiros, mas o vocabulário do papiro de Colônia está muito próximo do tema geral do poema. Seus versos citam a Musa Thalia, promotora da festa e da dança; eles também falam da velhice e podem muito bem ser parte da mesma unidade.

Ao contrário do papiro conservado em Colônia, o papiro de Oxirhynchus não marca o fim do poema após o mito de Titônio, mas adiciona a ele quatro versos mal preservados em que se pode, ainda, reconhecer uma afinidade de sentido. Gregory Nagy (2009NAGY, G. (2009). The “New Sappho” Reconsidered in the Light of the Athenian Reception of Sappho. In: GREENE, E.; SKINNER, M. B. (eds.).Classics@. Vol. 4: The New Sappho on Old Age; Textual and Philosophical. Washington, The Center for Hellenic Studies. https://chs.harvard.edu/CHS/article/display/3411.
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) propõe que os diferentes tamanhos do poema em cada papiro são devidos a diferenças de performance em duas épocas diferentes. Uma hipótese que ele defende com erudição histórica e que contou com o testemunho da recepção de Safo em palavras e em figuras de vasos. Em todo caso, a integridade obtida pela reconstrução de West não torna a falta desses versos um problema grave para entender o significado do poema e sua estrutura literária.

Eis o aparato crítico reunido por Dirk Obbink :

Sigla: Π¹ = P.Köln inv. 21351 + 21376 (papiro do séc. III a. C.); Π² = P.Oxy. 1787 fr. 1 (papiro do séc. II)

ἰ]ο̣κ[ό]λ̣πων κάλα δῶρα, παῖδεϲ, τὰ]ν̣ φιλάοιδον λιγύραν χελύνναν· ] π̣οτ̣’ [ἔ]ο̣ντα χρόα γῆραϲ ἤδη ἐγ]ένοντο τρίχεϲ ἐκ μελαίναν· 5 βάρυϲ δέ μ’ ὀ / [θ]ῦμο̣ϲ̣ πεπόη/ται, γόνα δ’ [ο]ὐ /φέροιϲι, τὰ δή ποτα λαίψηρ’ ἔον ὄρχηϲθ’ ἴϲα νεβρίοιϲι. τὰ <μὲν> ϲτεναχίϲδω θαμέωϲ· ἀλλὰ τί κεν ποείην; ἀγήραον ἄνθρωπον ἔοντ’ οὐ δύνατον γένεϲθαι. καὶ γάρ π̣[ο]τ̣α̣ Τίθωνον ἔφαντο βροδόπαχυν Αὔων 10 ἔρωι φ̣ ̣ ̣α̣θ̣ε̣ιϲαν βάμεν’ εἰϲ ἔϲχατα γᾶϲ φέροιϲα[ν, ἔοντα̣ [κ]ά̣λ̣ο̣ν καὶ νέον, ἀλλ’ αὖτον ὔμωϲ ἔμαρψε χρόνωι π̣ό̣λ̣ι̣ο̣ν̣ γῆραϲ, ἔχ̣[ο]ν̣τ̣’ ἀθανάταν ἄκοιτιν. ⊗

Fontes: Π¹ Π²¹ preserva as primeiras partes dos versos; Π² preserva o final dos versos) 1 ὔμμεϲ πεδὰ West: ὔμμεϲ τάδε Janko: γεραίρετε Di Benedetto: φέρω τάδε Gronewald-Daniel Μοίϲαν ἰοκόλ]πων como Stiebitz em Π² 2 ϲπουδάϲδετε West: ϲπουδάζετε seria esperado em Π¹, cf. 7: χορεύϲατε Di Benedetto: λάβοιϲα πάλιν vel ἔλοιϲα πάλιν Gronewald-Daniel καὶ West: κὰτ F. Ferrari τὰ]ν West: τὰ]μ̣̣ Π², Gronewald-Daniel φιλάοιδον reconhecido por Maas em Π² 3 ἔμοι δ’ ἄπαλον πρίν] West ἔμοι Snell: κέκαρφ’ Gronewald-Daniel δ’ Di Benedetto: μὲν Snell ἄπαλον Gronewald-Daniel πρίν Di Benedetto: μοι Gronewald-Daniel π̣οτ̣’ [ἔ]ο̣ντα Gronewald-Daniel 4 ἐπέλλαβε, (curto demais talvez) ou κατέϲκεθε, λεῦκαι δ’ West: διώλεϲε Di Benedetto: ὄγμοιϲ(ιν) ou ὄγμοι δ’ ἔνι Gronewald-Daniel λεῦκαι Hunt δ’ Lobel: τ’ Hunt ἐγ]ένοντο Hunt ἐκ Π²: ἐγ Π¹ 5 θ]ῦμο̣ϲ̣ Gronewald-Daniel 6 νεβρίοιϲι West: -ϲιν Π¹ Π² 7 τὰ <μὲν> West:<ταῦ> τα vel <ὂν δὲ> (i.e. ἀνὰ δὲ) Gronewald-Daniel: τὰ <νῦν> Janko ϲτεναχίζω Π¹: ϲτεναχίϲδω West: não preservado em Π² κεν Π²: κεμ Π¹ 9 π̣[ο]τ̣α̣ Gronewald-Daniel 10 δ̣ ̣[ ̣]α̣ ̣ειϲαμ Π¹² não preservado aqui): φ̣ ̣ ̣α̣θ̣ειϲαν West: δ̣έ̣π̣α̣ϲ̣ εἰϲάμ- Gronewald-Daniel: λ̣α̣[λ]ά̣γ̣ειϲαμ Janko βάμεν’ articulação feita por West: εἰϲαμβάμεν’ Gronewald-Daniel, ainda que εἰϲομβάμεν’ seria requisitado no dialeto eólico φέροιϲα[ν Stiebitz em Π² 11 ἔοντα̣ [κ]ά̣λ̣ο̣ν̣ ou ἔοντ’ ἄ̣[π]αλον Gronewald-Daniel 12 π̣ό̣λ̣ι̣ο̣ν̣ ou π̣ό̣λ̣ι̣ο̣γ̣ Gronewald-Daniel ἔχ̣[ο]ν̣τ̣’ Gronewald-Daniel.

Notai que as primeiras partes dos quatro primeiros versos permanecem desconhecidos depois da reunião dos dois papiros. São objeto de algumas conjecturas. Diversas soluções foram propostas pelos leitores, entre as quais há alguns consensos bastante evidentes como o nome de Μοίϲαν (Musa) ao qual estaria atribuído o epíteto ἰοκόλπων (com seios de violetas). Afino-me quase sempre às conjecturas de West, que considero as melhores, sem perder de vista na interpretação o fato de que são construções hipotéticas. O resultado não deixa de ser deslumbrante : uma composição poética íntegra como poucas entre os versos conservados de Safo. Na qual podemos encontrar uma estrutura literária bem disposta, uma sentença filosófica sobre a natureza do ser humano, um método didático, e até mesmo uma orientação hermenêutica. E razões textuais para considerar a poetisa de Lesbos a mais antiga conhecida, a primeira filósofa.

Dispomos, com a reconstrução, de doze versos em seis estrofes de dois versos cada. As partes conjecturadas estão marcadas em vermelho. Esses dísticos, compostos de versos tetrâmetros jônicos maiores,15 15 Segundo Héphestion, Enchirid. 11.5. Obbink chama-os de asclepíades. estão separados entre si nos dois papiros por uma linha (parágraphos). As seis estrofes podem ser distribuídas por quatro momentos que vamos descrever e analisar:

ὕμμεϲ πεδὰ Μοίϲαν ἰ]ο̣κ[ό]λ̣πων κάλα δῶρα, παῖδεϲ, ϲπουδάϲδετε καὶ τὰ]ν̣ φιλάοιδον λιγύραν χελύνναν·

Vós, dotadas de belezas pela Musa de seios floridos, filhas, dedicai-vos a amar o canto límpido da lira:

O primeiro dístico é a convocação, em discurso direto, de uma professora de música dirigida a suas meninas, suas alunas - marcada pelo vocativo : παῖδεϲ. A convocação é cercada por duas informações que constituiriam o conteúdo do chamado. Primeiro, as belas qualidades (κάλα δῶρα) que a Musa, signo divino da juventude, deu às meninas. Os dons se apresentam como os atributos da própria Musa, sua natureza, os seios floridos com violetas: ἰοκόλπων, signo de beleza da juventude. Logo em seguida, o segundo verso introduz as belas qualidades da Lira, isto é, da arte. A arte não é um dom da juventude ou da natureza, mas uma aquisição que requer um tempo de aprendizagem.

A conjectura de Janko completa a ideia do dom da Musa, a quem as meninas devem gratidão: γεραίρετε. A conjectura de West propõe a ideia de uma dura aprendizagem ϲπουδάϲδετε, assim como a de Gronewald-Daniel λάβοιϲα πάλιν vel ἔλοιϲα πάλιν. A de Di Benedetto faz da professora uma incentivadora da ação: χορεύϲατε. Prefiro seguir West e marcar o tom didático do discurso - para torná-lo o sentido estruturante do poema: estamos diante de uma lição de música. As estrofes que seguem apresentarão a razão pela qual convém aprender a bem tocar a lira e hão de justificar o sentido desta conjectura. Quem saberá quais foram as palavras perdidas de Safo?

ἔμοι δ’ ἄπαλον πρίν] π̣οτ̣’ [ἔ]ο̣ντα χρόα γῆραϲ ἤδη ἐπέλλαβε, λεῦκαι δ’ ἐγ]ένοντο τρίχεϲ ἐκ μελαίναν· βάρυϲ δέ μ’ ὀ [θ]ῦμο̣ϲ̣ πεπόηται, γόνα δ’ [ο]ὐ φέροιϲι, τὰ δή ποτα λαίψηρ’ ἔον ὄρχηϲθ’ ἴϲα νεβρίοιϲι.

Eu que fui delicada outrora, agora já a tez da velhice me alcançou, brancos tornaram-se os cabelos negros; Meu coração se fez pesado, os joelhos já não levam quem foi lépida dançarina, certa vez, como um fauno.

Por que que é preciso aprender a tocar a lira, meninas? Porque o tempo passa e leva consigo a beleza e as qualidades que dependem da natureza, os dons da Musa Thalia. Aprendi com a experiência; como prova, observem o meu corpo idoso. O segundo e o terceiro dísticos mostram o contraste entre a juventude e a velhice - o que a conjectura de West explicita: “fui delicada outrora …”, assim como outras conjecturas que propõem advérbios de tempo: ἄπαλον, πρίν, ποτε. Eu também fui jovem como vocês. O tempo mudou a cor de meus cabelos, eles eram negros, agora são brancos e, mais grave, o tempo levou as habilidades da bailarina: como um fauno eu dançava outrora, agora meus joelhos não me aguentam mais.

O tempo e a velhice arruinaram minhas qualidades de bailarina, dons naturais da juventude. Todavia - esta é a primeira lição implícita -, minhas qualidades musicais para tocar a lira não sofreram a decadência do corpo; elas se aperfeiçoaram pelo estudo da arte e pela prática continuada.

A experiência e a oportunidade de exortar as meninas ao estudo da lira abrem caminho para a segunda etapa didática. É preciso extrair da experiência e dos fatos cotidianos um conhecimento mais profundo. Esse conhecimento vem primeiro na forma de uma lamentação, em seguida toma a forma de um reconhecimento da natureza humana. Na quarta estrofe, Safo exprime uma sabedoria de vida a respeito da condição universal do ser humano (ἄνθρωπος). Essa estrofe apresenta uma sentença filosófica:

τὰ <μὲν> ϲτεναχίϲδω θαμέωϲ· ἀλλὰ τί κεν ποείην; ἀγήραον ἄνθρωπον ἔοντ’ οὐ δύνατον γένεϲθαι.

Lamento-me dia após dia; mas que posso eu fazer? Não envelhecer, humanos, é um caso impossível.

A sentença, no segundo verso, exprime a natureza humana, em que não envelhecer é impossível. Não se trata de uma simples determinação do que o ser humano é - o que lhe emprestaria o valor de uma sabedoria universal, porém demasiado comum para que se possa dizer que seja filosófica. As palavras de Safo são também uma crítica que responde ao senso comum que os homens usam para designar sua condição pela distância intransponível em relação aos Imortais - como tal, esta crítica desencadeia uma reflexão verdadeiramente filosófica. Os gregos definem habitualmente a humanidade pela mortalidade e pela finitude. Os homens são os mortais, brótoi, nos poemas de Homero, nas tragédias, nas cerimônias - em toda parte. Se tivéssemos encontrado uma sentença dizendo “todos os homens são mortais” teríamos certamente encontrado uma verdade, mas seria uma premissa trivial de silogismo, não uma verdade filosófica. No poema de Safo, estamos diante de uma crítica da despreocupação dos jovens que não preparam seu futuro e agem como se fossem conservar para sempre o mesmo corpo, a mesma força, a mesma beleza. A verdade filosófica exige uma virada reflexiva capaz de mudar a vida comum e de torná-la mais sábia.

Ora, é preciso mostrar porque essa sentença não é trivial e tirar as consequências. É a terceira etapa didática, que vamos chamar agora de hermenêutica, e que desenvolve-se na quinta e na sexta estrofes.

καὶ γάρ π̣[ο]τ̣α̣ Τίθωνον ἔφαντο βροδόπαχυν Αὔων ἔρωι φ̣ ̣ ̣α̣θ̣ε̣ιϲαν βάμεν’ εἰϲ ἔϲχατα γᾶϲ φέροιϲα[ν, ἔοντα̣ [κ]ά̣λ̣ο̣ν καὶ νέον, ἀλλ’ αὖτον ὔμωϲ ἔμαρψε χρόνωι π̣ό̣λ̣ι̣ο̣ν̣ γῆραϲ, ἔχ̣[ο]ν̣τ̣’ ἀθανάταν ἄκοιτιν.

Assim contam que Aurora, apaixonada, em braços róseos carregou Titônio, levando-o até o extremo da terra, quando belo e jovem - mas este igualmente foi calçado pelo tempo grisalho da velhice, tendo uma esposa imortal

Safo evoca e ensina às meninas um mito tradicional que serve para explicar sua proposição filosófica. Note-se que não se trata da interpretação filosófica de um mito, mas antes do uso do mito como explicação da ideia filosófica. O mito demonstra o logos filosófico que o precede; ele esclarece o sentido com uma imagem. Precisamos inverter o título e a fórmula de Nestle: estamos em um desenvolvimento Von logos zum mythos!

O mito e, com ele, a tradição são ensinados aos alunos não para conhecer o passado e a história dos valores ancestrais, mas para compreender melhor um fato presente, e até futuro, pois o envelhecimento é um longínquo porvir para essas meninas que aprendem e se exercitam na lira e nas artes musicais em geral. O mito vem esclarecer uma verdade filosófica que não é imediatamente accessível à compreensão dos jovens desprovidos de experiência.

O mito de Titônio é um mito de amor trágico. Éos, Aurora, deusa da manhã e da juventude, levou aos confins do mundo, em seus braços róseos, seu Titônio amado, quando este era jovem e belo. Mas Titônio é um ser humano, nascido e condenado a morrer. Éos, perdida de amor, busca o poderoso Zeus e lhe pede para conceder a imortalidade a seu amado. Zeus satisfaz o pedido de Aurora. Titônio torna-se então imortal. Todavia não perde inteiramente sua condição humana. Continuará à envelhecer por toda a eternidade. A imortalidade não suprime a corrupção conduzida pelo tempo. Titônio envelhece, e envelhece mais que qualquer outro mortal. Essa condição faz dele um herói trágico condenado ao sofrimento, como Tântalo e Sísifo. Titônio, condenado a todas as fraquezas e doenças da idade, condenado a perder todo vigor e toda beleza que tinha. Éos, Aurora e sua juventude o abandonarão, pois uma deusa não vive sem beleza.

O mito de Titônio ensina que a diferença entre os homens e os deuses não é determinada apenas pela morte ou sua ausência. Os homens vivem no tempo, eles não apenas morrem mas também mudam a cada dia, envelhecem, corrompem-se. Os deuses não são apenas imortais, eles são incorruptíveis, como dirá Epicuro alguns séculos depois de Safo. Incorruptíveis e imperturbáveis. Parece um deus, este que não se altera. A mesma ideia que encontramos na primeira estrofe do poema mais conhecido de Safo, a Ode a amada: “Assemelha-se aos deuses, o homem que te olha, sem temer teu sorriso, e teus olhos e tua voz…”.16 16 Trad. inspirada pela versão de M. Yourcenar (1979), La couronne et la lyre.

A condição essencial da humanidade é existir no tempo, a morte é apenas uma consequência da existência. Além de mortais, os homens são corruptíveis no tempo. Verdade mais profunda que a ideia vazia da morte - verdade que passa por um reconhecimento das transformações da natureza durante toda a passagem da vida. Essa ideia voltará - como sabemos - por Anaximandro, para quem o tempo regula a ordem do mundo.

Mas a filosofia desse poema de Safo não para aí. Uma filosofia não é apenas uma perspectiva universal, no caso, sobre o universal humano. Uma filosofia é também uma reviravolta operada primeiro na compreensão e em seguida na ação. Uma filosofia é também um modo de viver, ou uma resposta refletida para as questões mais importantes da vida.

Pois bem, onde está a questão importante para a filosofia? Voltemos ao quarto dístico - que guarda o coração filosófico do poema. Encontramos uma questão explícita: Que posso eu fazer? Eis a questão central de toda filosofia prática, que Kant formulará em forma de dever: “o que devo fazer?” (Kant, 1998KANT, I. (1998). Lógica. Trad. Fausto Castilho. Campinas, Unicamp/EDUFU., p. 31). Em primeira leitura, essa questão se apresenta como uma lamentação, uma queixa: “Lamento-me dia após dia; mas que posso eu fazer?” A resposta a esta questão queixa parece que vem em seguida: não posso fazer nada, “não envelhecer, humanos, é um caso impossível”. A natureza condena o ser humano à corrupção do tempo, e não se pode fazer nada contra a natureza, nem mesmo desposar a deusa da juventude.

A resposta-queixa esconde, contudo, a verdadeira resposta filosófica que Safo ensina às suas meninas, aprendizes, na primeira estrofe dos versos que conhecemos. Se a natureza é implacável com nossos cabelos, nossos joelhos, nosso corpo inteiro, que envelhece todo dia, amemos o “canto límpido da lira”. A lira, a arte, é o que pode nos salvar. Não nos salvar da velhice, coisa impossível. Mas é o que pode nos salvar na velhice. Eu, que sou sua professora, não sou mais capaz de ser a bela bailarina, mas sou ainda mais bela no canto límpido da lira. A música não envelhece, a música continua bela e me torna mais bela à medida que a exerço e me entrego, quanto mais desenvolvo minha sabedoria e minha arte.

A resposta prolonga-se de forma performativa nas estrofes seguintes, no dedilhar a lira e no cantar os versos. Provavelmente as professoras de dança entoavam a música deste poema com a lira e a voz para suas alunas dançarem, e assim o canto retratava o seu próprio canto e a dança num jogo de espelhos e metalinguagem. Enquanto lemos estes versos e continuamos a cantar, a beleza de Safo nos acompanhará e renovar-se-á. Uma beleza que se renova e enfrenta a corrosão do tempo. Graças à prática, a arte melhora e se afina, ao longo do tempo que passa e da juventude que nos deixa, e ainda é capaz de ultrapassar a morte e de marcar presença vários séculos depois que nossos versos foram cantados pela primeira vez.17 17 “Porque no mundo oral não há como estancar o canto, e Safo só pode ser Safo porque muitos corpos cantaram poemas que remetiam ao corpo de uma Safo; porque muitos corpos cantaram tornando-se essa Safo autoral […]” (Flores, 2017, p. 9-10). A arte, para um homem ou uma mulher que envelhece, é mais útil que uma consorte eterna.

Nos fragmentos textuais que seguem o mito de Titônio, encontrados somente no papiro de Oxyrhynchus, há um último verso a enunciar que pelo amor ao sol, ela mesma, a mestre da música, pode conquistar o brilho e a beleza da estrela:

τὸ λά [μπρον ἔρος τὠ ελίω καὶ τὸ κά] λον λέ [λ] ογχε.18 18 Obbink (2009) restaura os últimos versos com o auxílio da citação de Ateneu 687b (Clearchus fr. 41 Wehrli).

O brilho e a beleza, pelo amor ao sol me conquistei.

O brilho e a beleza do sol têm o significado alegórico da glória e da permanência renovada.19 19 Greene (2009) se inspira nesses versos para sugerir que o contraste mais forte de Titônio seria o que está entre a passagem do tempo para os humanos e a eternidade para a poesia. Minha interpretação do poder da poesia não é tão forte: acredito no aprimoramento da arte ante à corrupção da carne, na superação da morte individual pela memória e pela escrita, e sobretudo pela performance da repetição do canto, como diz Greene, mas não ouso recomendar o desejo de eternidade dos imortais. O sol é renovado todos os dias.20 20 Cf. Heráclito fr. 6. O amor ao Sol também foi uma figura usada por Platão para retratar a própria filosofia, na famosa imagem da saída da caverna (Resp., VII). Na primeira expressão em que aparece o termo philósophos, Heráclito diz: “que os homens precisam ser amantes da sabedoria para investigar muitas coisas” (DK B35), mas amar o que é sábio (tò sophòn) é concordar com o próprio logos que tudo é um (DK B50). O filósofo é amante à medida que se aproxima do que é mais próprio ao saber. Assim, ser “amigo” (phílos) é mesmo relacionar-se com o próprio (sphílos) e aproximar-se da própria coisa.

Platão construiu o conceito e a nossa ideia básica de filósofo e de filosofia com muito apreço pela ideia de philía, a qual ilustrou em seus diálogos com as práticas eróticas da elite cultural ateniense. Sócrates foi seu modelo de filósofo não apenas pela atividade de busca e exame do que era mais apropriado saber, mas também por sua atividade pedagógica, essa forma de filosofia em que a philía se expressa particularmente no apreço pelos meninos, que não mais ousamos chamar de paidophilía.21 21 Cf. fr. 178 Campbell. De modo complementar, Platão usou também o termo de filósofo para descrever Eros. A filosofia é assim desde sua fundação uma atividade essencialmente erótica, em que se ama o saber e em que se infunde este amor aos meninos e às meninas. Vimos, no teatro platônico, a filosofia também como o que não mais ousamos chamar de paiderastía, especialmente em diálogos eróticos como o Lysis, o Fedro e o Banquete. Safo infunde às meninas o amor ao canto da lira (φιλάοιδον λιγύραν) e busca, pelo amor ao brilho e à beleza solares, conquistar seu próprio brilho e beleza.

Para concluir, marquemos os elementos filosóficos do poema e aqueles que apontam para uma filosofia particular. A primeira característica filosófica, acabamos de apontar, é ser uma atividade amorosa, erótica, marcada pelo amor ao saber e pelo amor na transmissão do saber.

A segunda característica filosófica é a perspectiva universal, visível na sentença que trata do humano. Esta não diz o universal de modo afirmativo: “todos os humanos são corruptíveis”. Ela o diz de forma duplamente negativa “Não envelhecer, humanos, é um caso impossível”. Mais do que tocar a natureza corpórea dos seres humanos, esta asserção adivinha nosso desejo impossível. Não envelhecer, ser jovem toda a vida. Desejo que nossa época expande ao extremo e que - ouso dizer - uma mulher filósofa foi a mais antiga a perceber e criticar. A percepção desse desejo contrastando com a condição inexorável da humanidade a torna uma filosofia de tipo trágico.

A terceira característica filosófica é a crítica do senso comum. Isto aparece na mudança do ponto de comparação entre os deuses e os homens. Este ponto não é mais a morte, que separa os seres entre mortais et imortais; mas a passagem do tempo, que marca a separação entre corruptíveis e incorruptíveis. Esta mudança de paradigma provoca uma nova compreensão da morte e da vida dos mortais. O tempo é o fator determinante para o modo de estar no tempo, de viver a vida, de conquistar o que se ama. O senso comum será revirado também pela ação, que não vai contentar-se em reclamar da condição humana - algo incompatível com a norma da casa das Musas22 22 ... οὐ γὰρ θέμις ἐν μοισοπόλων ... θρῆνον ἔμμεναι, (fr. 109 Diehl). -, mas vai propor uma superação, como se há de ver a seguir.

A quarta característica consiste em provocar uma reviravolta inesperada em nossa vida, à partir do momento em que a sabedoria orienta nossa ação. A partir do momento em que adotamos uma vida de amor à sabedoria, uma vida filosófica. A professora de música se queixa todo dia? Sim, ela confessa. Mas ela se lamenta tocando a lira, onde, graças à arte, se reconcilia com a beleza, quando a beleza do corpo já escapava por natureza. Uma sabedoria que propõe a ação catártica da arte, da música e da lira para superar o trágico, isto é, o destino da condição humana, não seria, pois, uma sabedoria inspirada em Orfeu? Com esse poema de Safo não estaríamos na presença de uma hermenêutica que, a seu modo, praticou por amor uma descida aos infernos (onde vive a condição dolorosa do envelhecimento, junto a todos os castigos trágicos), que pôde abrir suas portas pesadas ao som harmonioso da lira, e que voltou ao mundo dos vivos para os alentar? Estaríamos diante de um exemplo de pensamento capaz de inspirar os adeptos do orfismo, poetas e filósofos? Neste sentido, a lira poderia ter, além do sentido objetivo de instrumento musical e sua arte, também um sentido simbólico: o objeto que conduz aos cultos inspirados de Orfeu, das Musas e de Apolo. O arco e a lira de Apolo, a mais bela harmonia do instrumento que tensiona a vida entre o nascer e a morte.23 23 Cf. Heráclito, fr. 51. Neste sentido, teríamos uma razão adicional para o último verso da coda do papiro de Oxyrhynchus: amar o sol, no culto de Apolo, traria uma espécie de redenção órfica pela glória e pela beleza. Se formos mais longe nessa direção, as considerações de Nagy (2009NAGY, G. (2009). The “New Sappho” Reconsidered in the Light of the Athenian Reception of Sappho. In: GREENE, E.; SKINNER, M. B. (eds.).Classics@. Vol. 4: The New Sappho on Old Age; Textual and Philosophical. Washington, The Center for Hellenic Studies. https://chs.harvard.edu/CHS/article/display/3411.
https://chs.harvard.edu/CHS/article/disp...
) sobre as etapas de recepção do poema são inspiradoras. Desde a performance original da poesia sáfica na estrutura coral de uma iniciação ao culto de Afrodite em Lesbos; passando, em seguida, por sua retomada com as tradições dos cantores anacreônticos nos ritos simpóticos dionisíacos em Atenas, como aqueles que ocorriam nas Panateneias. Os cultos de Afrodite e, claro, de Eros, sem esquecer os dedicados a Dioniso, fazem parte dos cultos do panteão órfico, assim como os dedicados a Apolo e às Musas. Eles são os deuses a quem o canto e as músicas são dedicadas. Mas o orfismo não é apenas um culto à arte musical e poética, do qual Orfeu é o patrono. O orfismo é também um culto que traz uma sabedoria direcionada para a compreensão existencial da morte, assim como a renovação natural da vida através do amor. É um modo de vida que celebra com esse entendimento ritos específicos para os mortos. Desta sabedoria face à velhice e à morte, vimos um aspecto, pela interpretação sáfica do mito de Titônio. O rito envolto neste entendimento pode ser imaginado, por exemplo, a partir dos restos de gesso encontrados no papiro de Colônia. Último desempenho do poema, serviu materialmente para enterrar um cadáver, em um rito funerário. Não se escolhe um texto qualquer para servir de invólucro ao ritual da mumificação. Qual seria sua função espiritual? Instruir o morto a caminho do Hades? Encantar Perséfone e persuadi-la a abrir as portas da memória após a morte? Permitir que a alma do morto retome o caminho do Sol? Aliviar o luto dos vivos com um sopro de esperança? Mistérios. Quem foi Safo? Uma filósofa de tradição órfica, como já sugeria Bachofen (1861BACHOFEN, J. J. (1861). Das Mutterrecht: eine Untersuchung über die Gynaikokratie der alten Welt nach ihrer religiösen und rechtlichen Natur. Stuttgart, Verlag von Krais und Hoffmann.), mestra de um tiaso menádico, culta nos saberes de Afrodite, inspiradora dos simpósios bacantes...? Quem sabe não inspirou aquela Diotima de Platão? Seja a sacerdotisa real, se esta existiu; seja a construção ficcional da personagem do Banquete, que ensinou a Sócrates os segredos de Eros?

Encontramos uma quinta característica em toda filosofia: a escolha de um termo e de uma ideia central que serve de princípio cósmico e ético, e que baliza todos os pensamentos e ações de um filósofo ou filósofa - ou de uma escola filosófica. Para Safo, a escolha desse termo recai sem sombra de dúvida no adjetivo “belo” κάλ-ον/η/ος, ou sobre as “belezas” no plural κάλλα, como as belezas da juventude ou as belezas da lira que estão em jogo no poema que acabamos de ler. Além dessas recorrentes ocorrências, com respeito à resplandecente beleza do sol, no papiro de Oxyrhynchus, encontraremos a forma conceitual neutra τὸ κάλον, como será também o caso com Platão - que, além disso, não perderá a relação com a imagem do astro (R. 517c). Encontraremos também mais de uma vez uma expressão ainda mais sáfica no superlativo ὁ κάλλιστος - o mais belo. “O mais belo” ganhará em Safo uma definição universal, que vários autores24 24 Cf. Zellner, 2007. apontarão, se não o procedimento, pelo menos o alento filosófico, no poema do fr. 16 Campbell: “o mais belo, eu digo que é isso que se ama” (κάλλιστον, ἔγω δὲ κῆν' ὄττω τις ἔραται). A filosofia de Safo é uma filosofia erótica voltada para o mais belo. Tomemos como referência a estrela de Afrodite (fr. 104b Campbell):

ἀστέρων πάντων ὀ κάλλιστος

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  • OBBINK, D. (2009). Sappho Fragments 58-59: Text, Apparatus Criticus, and Translation. In: GREENE, E.; SKINNER, M. B. (eds.).Classics@ Vol. 4: The New Sappho on Old Age; Textual and Philosophical. Washington, The Center for Hellenic Studies. https://chs.harvard.edu/CHS/article/display/3400
    » https://chs.harvard.edu/CHS/article/display/3400
  • RAGUSA, G. (2002). Fragmentos de uma deusa: a representação de Afrodite na lírica de Safo Campinas, Ed. Unicamp.
  • REINACH, T. (1994). Alcée; Sapho Paris, Les Belles Lettres. (1ed. 1937).
  • RENAN, E. (1890). L’avenir de la science : pensées de 1848 Paris, Calmann Lévy.
  • SANTAMARÍA ÁLVAREZ, M. A. (2007). La suerte de Titono. En torno al nuevo poema de Safo sobre la vejez. In: HINOJO ANDRÉS, G.; FERNÁNDEZ CORTE, C. J. (eds.). Munus quaesitum meritis Homenaje a Carmen Codoñer. Salamanca, Ediciones Universidad de Salamanca, p. 785-794.
  • SCHLEIERMACHER, F. (1838). Hermeneutik und Kritik Berlin, G. Reimer.
  • WALTZ, P.; SOURY, G. (ed.) (2002). Anthologie palatine Tome 8 : Livre 9. Epigrammes 359-827. Paris, Les Belles Lettres . (1ed. 1974).
  • WEST, M. L. (2005). The New Sappho. Zeitschrift für Papyrologie und Epigraphik 151, p. 1-9.
  • YOURCENAR, M. (1979). La couronne et la lyre Paris, Gallimard.
  • ZELLNER, H. (2007). Sappho’s Alleged Proof of Aesthetic Relativity. Greek, Roman, and Byzantine Studies 47, p. 257-270.
  • 1
    Desde as teorias da tradução de W. Humboldt (1767-1835 - fundador da Universidade de Berlim, em 1809); passando pelo projeto de teologia hermenêutica de F. Schleiermacher (1768-1834) (cf. Schleiermacher, 1838SCHLEIERMACHER, F. (1838). Hermeneutik und Kritik. Berlin, G. Reimer.); pela crítica da filologia asséptica por F. W. Nietzsche (1876NIETZSCHE, F. (1876). Unzeitgemässe Betrachtungen. Schloßchemnitz., Verlag von Ernst Schmeitzner.); e alcançando finalmente as obras de H. Diels sobre a doxografia grega (Diels, 1879DIELS, H. (ed.) (1879). Doxographi graeci. Berlin, G Reimeri.) e os filósofos pré-socráticos (Diels, 1903DIELS, H. (ed.) (1903). Die Fragmente der Vorsokratiker. Berlin, Weidmannsche Buchhandlung.).
  • 2
    Todo o idealismo alemão desde J. G. Fichte (fundador da Universidade de Berlim), passando por F. W. J. Schelling até G. W. F. Hegel (cf. Hegel, 1979HEGEL, G. W. F. (1979). Vorlesungen über die Geschichte der Philosophie. Vol. 1. Frankfurt am Main, Suhrkamp. (Werke in zwanzig Bänden 18) (1ed 1832)); e mesmo a crítica do idealismo em F. W. Nietzsche de 1873 (cf. Nietzsche, 1988NIETZSCHE, F. (1988). Die Philosophie im tragischen Zeitalter der Griechen. In: Sämtliche Werke Kritische Studienausgabe in 15 Bänden. Vol. 1. Ed. G. Colli & M. Montinari. München, Deutscher Taschenbuch Verlag.).
  • 3
    “Der wahre Zweck des Menschen - nicht der, welchen die wechselnde Neigung, sondern welche die ewig unveränderliche Vernunft ihm vorschreibt - ist die höchste und proportionirlichste Bildung seiner Kräfte zu einem Ganzen. [O verdadeiro propósito do homem - não aquele que a inclinação variável, mas que a razão eternamente imutável prescreve para ele - é a mais alta e mais proporcional formação de seus poderes em um todo.]” (Humboldt, 1980HUMBOLDT, W. (1980). Werke in fünf Bänden. 3ed. Darmstadt, Wissenschaftliche Buchgesellschaft., p. 64 e 71 ss.); “Zu dieser Absicht aber muss er die Masse der Gegenstände sich selbst näher bringen, diesem Stoff die Gestalt seines Geistes aufdrücken und beide einander ähnlicher machen. [Para este propósito, no entanto, ele deve trazer a massa de objetos para mais perto de si, imprimir no material a forma de seu espírito e torná-los mais semelhantes um ao outro.]” (Humboldt, 1980HUMBOLDT, W. (1980). Werke in fünf Bänden. 3ed. Darmstadt, Wissenschaftliche Buchgesellschaft., p. 236 ss.); cf. também Humboldt, 1936.
  • 4
    “La philologie constitue aussi une des supériorités que les modernes peuvent à bon droit revendiquer sur les anciens. L’antiquité n’offre aucun beau type de philologue philosophe, dans le genre de Humboldt, Lessing, Fauriel. […] Le rôle de la philologie est d’achever cette œuvre, de concert avec les sciences physiques. Dissiper le brouillard qui aux yeux de l’ignorant enveloppe le monde de la pensée comme celui de la nature, substituer aux imaginations fantastiques du rêve primitif les vues claires de l’âge scientifique. [A filologia constitui também uma das superioridades que os modernos podem legitimamente reivindicar sobre os antigos. A antiguidade não apresenta nenhum belo tipo de filósofo filólogo, como Humboldt, Lessing, Fauriel. [...] O papel da filologia é o de consumar esta obra, em sintonia com as ciências físicas. Dissipar o nevoeiro que nos olhos do ignorante envolve o mundo do pensamento assim como o da natureza, substituir as imaginações fantásticas do sonho primitivo com as visões claras da era científica.]” (Renan, 1890RENAN, E. (1890). L’avenir de la science : pensées de 1848. Paris, Calmann Lévy., p. 141, 147).
  • 5
    Platão narra uma anedota em que Tales incorpora o caráter de filosofo, um tipo que ao contemplar as estrelas tomba num buraco e se torna objeto de chacota de uma escrava. Ὥσπερ καὶ Θαλῆν ἀστρονομοῦντα, ὦ Θεόδωρε, καὶ ἄνω βλέποντα, πεσόντα εἰς φρέαρ, Θρᾷττά τις ἐμμελὴς καὶ χαρίεσσα θεραπαινὶς ἀποσκῶψαι λέγεται ὡς τὰ μὲν ἐν οὐρανῷ προθυμοῖτο εἰδέναι, τὰ δ' ἔμπροσθεν αὐτοῦ καὶ παρὰ πόδας λανθάνοι αὐτόν.
  • 6
    Para Aristóteles, Tales é o primeiro filósofo que investiga os princípios de natureza material. τῶν δὴ πρώτων φιλοσοφησάντων οἱ πλεῖστοι τὰς ἐν ὕλης εἴδει μόνας ᾠήθησαν ἀρχὰς εἶναι πάντων [...] ἀλλὰ Θαλῆς μὲν ὁ τῆς τοιαύτης ἀρχηγὸς φιλοσοφίας ὕδωρ φησὶν εἶναι.
  • 7
    DL 1.23 δοκεῖ δὲ κατά τινας πρῶτος ἀστρολογῆσαι καὶ ἡλιακὰς ἐκλείψεις καὶ τροπὰς προειπεῖν; e 1.26 βουλόμενος δεῖξαι ῥᾷον εἶναι πλουτεῖν, φορᾶς ἐλαιῶν μελλούσης ἔσεσθαι, προνοήσας ἐμισθώσατο τὰ ἐλαιουργεῖα καὶ πάμπλειστα συνεῖλε χρήματα.
  • 8
    DL 1.13 σοφοὶ δὲ ἐνομίζοντο οἵδε· Θαλῆς, Σόλων, Περίανδρος, Κλεόβουλος, Χείλων, Βίας, Πιττακός. τούτοις προσαριθμοῦσιν Ἀνάχαρσιν τὸν Σκύθην, Μύσωνα τὸν Χηνέα, Φερεκύδην τὸν Σύριον, Ἐπιμενίδην τὸν Κρῆτα· ἔνιοι καὶ Πεισίστρατον τὸν τύραννον. καὶ οἵ<δε> μὲν σοφοί.
  • 9
    Cf. nota 5.
  • 10
    W. Burkert (1992BURKERT, W. (1992). The Orientalizing Revolution. Near Eastern Influence on Greek Culture in the Early Archaic Age. Cambridge, Harvard University Press.), T. Obenga (1990OBENGA, T. (1990). La Philosophie africaine de la période pharaonique - 2780-330 avant notre ère. Paris, L’Harmattan.) são os expoentes mais recentes, mas a querela entre orientalistas e autoctonistas remonta pelo menos a Diógenes Laércio (1.1), que abre seu primeiro livro tomando partido pelos últimos, mas citando diversas posições relativas aos primeiros. Τὸ τῆς φιλοσοφίας ἔργον ἔνιοί φασιν ἀπὸ βαρβάρων ἄρξαι. γεγενῆσθαι γὰρ παρὰ μὲν Πέρσαις Μάγους, παρὰ δὲ Βαβυλωνίοις ἢ Ἀσσυρίοις Χαλδαίους, καὶ γυμνοσοφιστὰς παρ' Ἰνδοῖς, παρά τε Κελτοῖς καὶ Γαλάταις τοὺς καλουμένους Δρυΐδας καὶ Σεμνοθέους [...] As teses orientalistas buscam as tradições religiosas e filosóficas que desembocam na Grécia. Contra a ideia do milagre autóctone, elas veem no comércio entre os povos o principal fator de transformação das culturas e de criação humana.
  • 11
    Os anos referem-se ao período de publicação de sua vasta obra Die Philosophie der Griechen in ihrer geschichtlichen Entwicklung.
  • 12
    Die Fragmente der Vorsokratiker é reeditado com sucessivas ampliações por Hermann Diels e depois por seu discípulo Walther Kranz até a sexta edição em 1952.
  • 13
    A décima Musa é acrescida à lista das nove Musas hesiódicas em um epigrama atribuído a Platão (Ant. Pal. 9.506, ed. Waltz).
  • 14
    Notadamente, nos versos gnômicos como nos frs. 50, 148 e 16 Lobel; e nos versos de conteúdo astronômico, como nos frs. 34, 104b, 151 Lobel, 94 Diehl.
  • 15
    Segundo Héphestion, Enchirid. 11.5. Obbink chama-os de asclepíades.
  • 16
    Trad. inspirada pela versão de M. Yourcenar (1979YOURCENAR, M. (1979). La couronne et la lyre. Paris, Gallimard.), La couronne et la lyre.
  • 17
    “Porque no mundo oral não há como estancar o canto, e Safo só pode ser Safo porque muitos corpos cantaram poemas que remetiam ao corpo de uma Safo; porque muitos corpos cantaram tornando-se essa Safo autoral […]” (Flores, 2017FLORES, G. (2017). Safo. Fragmentos completos. São Paulo, Editora 34., p. 9-10).
  • 18
    Obbink (2009OBBINK, D. (2009). Sappho Fragments 58-59: Text, Apparatus Criticus, and Translation. In: GREENE, E.; SKINNER, M. B. (eds.).Classics@. Vol. 4: The New Sappho on Old Age; Textual and Philosophical. Washington, The Center for Hellenic Studies. https://chs.harvard.edu/CHS/article/display/3400.
    https://chs.harvard.edu/CHS/article/disp...
    ) restaura os últimos versos com o auxílio da citação de Ateneu 687b (Clearchus fr. 41 Wehrli).
  • 19
    Greene (2009) se inspira nesses versos para sugerir que o contraste mais forte de Titônio seria o que está entre a passagem do tempo para os humanos e a eternidade para a poesia. Minha interpretação do poder da poesia não é tão forte: acredito no aprimoramento da arte ante à corrupção da carne, na superação da morte individual pela memória e pela escrita, e sobretudo pela performance da repetição do canto, como diz Greene, mas não ouso recomendar o desejo de eternidade dos imortais.
  • 20
    Cf. Heráclito fr. 6.
  • 21
    Cf. fr. 178 Campbell.
  • 22
    ... οὐ γὰρ θέμις ἐν μοισοπόλων ... θρῆνον ἔμμεναι, (fr. 109 Diehl).
  • 23
    Cf. Heráclito, fr. 51.
  • 24
    Cf. Zellner, 2007ZELLNER, H. (2007). Sappho’s Alleged Proof of Aesthetic Relativity. Greek, Roman, and Byzantine Studies 47, p. 257-270..

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Dez 2019
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    13 Nov 2018
  • Aceito
    18 Dez 2018
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