Acessibilidade / Reportar erro

Editorial

EDITORIAL

Em agosto de 2014, A Organização Mundial da Saúde-OMS declara a epidemia de Ebola uma emergência de saúde mundial e a considera como o pior surto do vírus da história, desde que foi descoberta em 1976.

As emergências mundiais em saúde se alternam de tempos em tempos e a incidência do vírus Ebola na região ocidental do continente africano, já causou mais de duas mil e quinhentas mortes até o início de setembro. Na primeira semana de agosto, segundo a OMS, 108 novos casos foram confirmados e quarenta e cinco mortes registradas nos quatro países mais afetados pela doença: República da Guiné, Libéria, Serra Leoa e Nigéria.

As três medidas conhecidas para controlar os surtos de Ebola - controle de infecção hospitalar, conhecimento da comunidade sobre os riscos de infecção e rastreamento de afetados - parecem não ter sido suficientemente aplicadas e a doença se alastra por outras regiões do continente com sérios riscos de chegar a outras partes do mundo.

Os surtos epidêmicos do vírus Ebola começaram em 1976, em Nzara, no Sudão, e em Yambuku, na República Democrática do Congo, e depois se espalharam para outros países, principalmente nas aldeias remotas na África Central e Ocidental, nas proximidades de florestas tropicais. Segundo a OMS, o contato com chipanzés, gorilas, morcegos, macacos, porcos-espinhos e antílopes florestais infectados desencadeou a propagação a humanos, que também podem contaminar, por sua vez, um número elevado de outros humanos.

Como medida preventiva, os especialistas ainda alertam que os produtos de origem animal (sangue e carne) devem ser bem cozidos antes do consumo.

Apesar de graves, as epidemias de Ebola sempre permaneceram restritas ao continente africano, e em termos de prevenção, à aplicação adequada das regras de biossegurança.

Esta emergência é a terceira, dos últimos anos, decretada pela OMS. Em 2009, foi decretada emergência após a epidemia de gripe aviária na Ásia. Também em 2009, ocorreu o surto epidêmico da poliomielite no Oriente Médio, além de ocorrer novamente em maio de 2014.

O motivo de relatar este tema tão atual e preocupante no editorial deste volume da Revista A&S é o fato de que, segundo especialistas, a propagação das doenças emergentes estar estreitamente associada às intervenções dos humanos no meio ambiente.

Jonathan Epstein, epidemiologista da ONG EcoHealth Alliance que pesquisa Ebola e outras doenças infecciosas, em recente entrevista à imprensa norte-americana, afirmou que a maior incidência do Ebola pode estar associada aos impactos ambientais resultantes da expansão agrícola e do desmatamento, facilitando com que patógenos transitem de hospedeiros animais para pessoas e circulem pelo mundo.

A África Ocidental, região mais afetada pela epidemia, tem vivenciado grandes mudanças ambientais nos últimos anos. O relatório elaborado pela International Food Policy Research Institute (IFRI), publicado em 2013, revela que em Serra Leoa (o epicentro do surto) a mudança climática tem provocado secas sazonais, fortes ventos, tormentas, deslizamentos, ondas de calor, enchentes e mudanças nos padrões das chuvas. A OMS observa que um recente incremento de doenças infecciosas parece ter correspondência com o aumento de temperaturas globais, apesar de não ser possível comprovar uma relação causal entre esses fatos.

As mudanças climáticas, os impactos ambientais negativos resultantes do desmatamento na região têm um papel cada vez mais importante nos recentes surtos de doenças infecciosas como o Ebola e a Malária, dentre tantas outras.

A lógica econômica que prevalece na sociedade globalizada, baseada na utilização de combustíveis fósseis, é componente central nas emissões de gases de efeito estufa que provocam mudanças na temperatura do planeta, resultando na fragmentação e perda da cobertura vegetal de florestas, onde vivem os animais que abrigam o vírus do Ebola. Neste contexto de mudança, os principais transmissores, os morcegos, dada a perda do seu habitat, procuram lugares onde vivem os humanos. Ao mesmo tempo, a busca de alimentos pelas comunidades mais pobres, que adentram cada vez mais as florestas, facilita a exposição aos riscos de contaminação pelo vírus. Práticas culturais seculares, como os funerais que envolvem a lavagem dos cadáveres, também contribuem para uma maior disseminação da doença.

Ademais, o processo de globalização tem provocado mudanças demográficas significativas que, somando-se aos conflitos regionais e étnicos em diversas regiões da África, tem impulsionado migrações do campo para as cidades, em geral carentes de infraestrutura de saneamento básico e serviços de saúde adequados, resultando em sérios problemas de saúde pública.

O que se observa então é a inter-relação da temática socioambiental com a saúde pública e a escassez alimentar, o que indica o componente desagregador que poderão ter as mudanças climáticas em sociedades mais desiguais e com maior potencial de serem afetados por doenças infecciosas.

O quadro atual reforça as evidências de que o meio ambiente está intrinsecamente relacionado à saúde da sociedade, o que deve fundamentar a tomada de decisão no sentido de serem adotadas, em maior escala, políticas pautadas pela lógica da precaução, prevenção e ampliação do acesso à informação, seja no âmbito das organizações planetárias como a OMS, seja pelos governos nacionais e regionais.

Este volume da Revista A&S relaciona treze artigos, onze dos quais em português, um em inglês e um em espanhol, que se desdobram em temas como, biodiversidade, energia e conflitos socioambientais; resiliência comunitária, Amazônia, povos, comunidades tradicionais e identidades; educação ambiental, coleta seletiva, logística reversa; cidades e performance ambiental, participação social em conselhos.

Ricardo Abramovay apresenta um artigo no qual tendo como base o V relatório do IPCC (2014), que no capítulo referente à Mitigação, reconhece a permanência da desigualdade entre os países na ocupação do espaço carbono. A ideia central deste trabalho é que a ocupação do espaço carbono remanescente não pode ser a aspiração central do G77+China nas duas próximas Conferências do Clima. O autor apresenta as razões em torno das quais o mais importante hoje não é assegurar aos países em desenvolvimento o direito de emitir gases de efeito estufa (sob a justificativa de que os mais ricos o fizeram até aqui e de que sem isso não se abre o acesso à energia aos mais pobres).

O autor Welbson do Vale Madeira analisa os aspectos que envolvem o Plano Amazônia Sustentável e outros programas de governo voltados ao crescimento econômico no texto Plano Amazônia Sustentável e desenvolvimento desigual. O autor argumenta que o Plano está subordinado a uma lógica de acumulação do capital, produzindo de maneira desigual os benefícios do desenvolvimento.

No artigo Proposta de um modelo de análise do comprometimento com a sustentabilidade, a autora Sabrina Soares da Silva propõe a elaboração de um modelo que sirva de referência para orientar estudos na área ambiental. Esta proposta está associada à análise de paradigmas ambientais que orientam indivíduos e grupos com relação à sustentabilidade.

Os autores Flora Bonazzi Piasentin, Regina Helena Rosa Sambuichi e Carlos Hiroo Saito, discorrem sobre a função ambiental do cultivo de cacau sombreado, e as vantagens econômicas relativas às preferências dos agricultores em relação ao manejo dessa cultura no artigo Preferências locais quanto às árvores do sistema cacau-cabruca no Sudeste da Bahia.

Os autores Tatiana Parreiras Martins e Victor Eduardo Lima Ranieri, no artigo Sistemas agroflorestais como alternativa para as reservas legais, avaliam os sistemas agroflorestais como alternativa para recomposição e uso das Reservas Legais, ressaltando suas possibilidades e limitações para a conservação ambiental.

No artigo A construção de uma usina hidrelétrica e a reconfiguração das identidades dos ribeirinhos: um estudo em Salto Caxias - Paraná, os autores Giuliano Silveira Derrosso e Elisa Yoshie Ichikawa, discutem o deslocamento compulsório dos ribeirinhos e suas consequências devido à construção da Usina de Salto Caxias, por meio de um estudo que considera a reconstrução de suas identidades de origem.

No artigo Povos e comunidades tradicionais: das Áreas Protegidas à visibilidade política de grupos sociais portadores de identidade étnica e coletiva, os autores Marcelo Gustavo Aguilar Calegare, Maria Inês Gasparetto Higuchi e Ana Carla dos Santos Bruno discorrem sobre os aspectos que caracterizam determinadas populações como "povos e comunidades tradicionais" sob a ótica do Decreto nº 604/07.

As autoras Maria Cristina Carvalho Juliano e Maria Ângela Mattar Yunes, apresentam uma reflexão teórica acerca das redes de apoio social e sua capacidade de promover resiliência, em especial a comunitária, no artigo Reflexões sobre a rede de apoio social como mecanismo de proteção e promoção de resiliência.

No artigo Influência de fatores ambientais na distribuição de famílias de insetos aquáticos em rios no Sul do Brasil, os autores Vanessa dos Anjos Baptista, Michelle Bicalho Antunes, Alcemar Rodrigues Martello, Nícolas de Souza Brandão Figueiredo, Aline Monique Blank Amaral, Elisângela Secretti e Bruna Braun analisam a diversidade de insetos aquáticos existentes em uma bacia neotropical sob a perspectiva de fatores ambientais específicos.

No artigo La educación ambiental en Chile, una tarea aún pendiente, Andrés Muñoz-Pedreros analisa o processo de desenvolvimento da educação ambiental no Chile, sob as perspectivas de diferentes instituições como o Estado, as universidades e as ONGs, focando sua discussão na mudança do paradigma pós-moderno.

O artigo Avaliação das vantagens ambientais e econômicas da implantação da logística reversa no setor de vidros impressos avaliou as vantagens, do ponto de vista econômico e ambiental, da adoção da logística reversa como política de gestão de resíduos. Os autores Geraldo Cardoso de Oliveira Neto, Maria Tereza Saraiva Souza, Dirceu da Silva e Leonardo Aureliano Silva realizaram um estudo de caso, coletando dados quantitativos e qualitativos de uma empresa que adotou essa prática.

Já os autores Rafael de Araújo Arosa Monteiro, Evandro Mateus Moretto, Delhi Paiva Salinas e Catarina Sernaglia Gomes discutem como a performance ambiental dos municípios do estado de São Paulo é avaliada de acordo com os critérios definidos pelo Programa Município Verde e Azul. O artigo Performance Ambiental e o desenvolvimento humano dos municípios paulistas objetiva verificar se há convergência entre a performance ambiental e as dimensões comumente associadas ao desenvolvimento humano municipal.

Ainda com relação às políticas públicas ambientais, o artigo Análise da participação popular nos Conselhos Municipais de Meio Ambiente do Médio Piracicaba (MG), dos autores Cristina Maria Soares Ferreira e Alberto Fonseca, analisa os processos de participação pública nos conselhos municipais de meio ambiente por meio de pesquisas qualitativas, de modo a avaliar o grau de efetividade e a qualidade da participação popular.

Por fim, os autores Gina Rizpah Besen, Helena Ribeiro, Wanda Maria Risso Gunther e Pedro Roberto Jacobi analisam, com base em entrevistas com gestores públicos da Região Metropolitana de São Paulo, os impactos da aprovação da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) na coleta seletiva formal, nos anos de 2004, 2010 e 2013. A análise desenvolvida no artigo Coleta Seletiva na Região Metropolitana de São Paulo: impactos da Política Nacional de Resíduos Sólidos concentra-se na coleta seletiva com inclusão de catadores organizados em cooperativas e associações.

A resenha deste volume é de Gabriela Marques Di Giuliosobreo livro "Mudanças climáticas e as cidades: novos e antigos debates na busca da sustentabilidade urbana e social" (São Paulo: Editora Blucher, 2013), organizado pelo demógrafo Ricardo Ojima e pelo geógrafo Eduardo Marandola Jr. O livro busca avançar nas discussões sobre as dimensões humanas das mudanças ambientais globais, privilegiando o enfoque sobre as mudanças climáticas. É a partir dessa perspectiva, a de promover uma reflexão sobre as complexas relações estabelecidas entre cidades, problemas socioambientais e mudanças ambientais globais e os desafios colocados às agendas política e científica.

No decorrer do fechamento desta edição de Ambiente e Sociedade/Anppas recebemos com muita tristeza a notícia do falecimento do amigo, e professor Hector Leis aos 71 anos, no dia 6 de setembro em Florinópolis em conseqüência de esclerose lateral miotrófica, uma doença incurável. Hector Leis teve um destacado papel na criação da Anppas em 2000e durante seua 14 anos de existência, assim como juntamente com Lucia da Costa Ferreira e Pedro Roberto Jacobi na criação e editoria da Revista Ambiente e Sociedade até 2011. Foi professor da Universidade Federal de Santa Catarina, estimado pelos alunos e colegas e sua obra obteve amplo reconhecimento nacional e internacional. Suas contribuições na vida acadêmica se deram em diversos campos: relações internacionais, ciência politica, sociologia ambiental e filosofia política, sendo considerado um dos mais importantes difusores na construção institucional interdisciplinar no Brasil e America Latina. Junto com Eduardo Viola, foi pioneiro nas reflexões sobre o ambientalismo, e seu livro Modernidade Insustentável é referência na reflexão sobre a temática de sociedade e meio ambiente. Este livro foi relançado no dia 17 de setembro em edição da Editora Annablume e da Anppas como reconhecimento da importância desta obra, que se encontrava esgotada ha muitos anos.

Hector, os amigos e colegas sentirão muito sua falta, e sua importante contribuição para o campo da produção sobre meio ambiente e sociedade no Brasil continuará inspirando as atuais e futuras gerações.

Desejamos a todos uma ótima leitura e agradecemos a cada um de vocês como multiplicadores de leitores das edições de Ambiente e Sociedade

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Out 2014
  • Data do Fascículo
    Set 2014
ANPPAS - Revista Ambiente e Sociedade Anppas / Revista Ambiente e Sociedade - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revistaambienteesociedade@gmail.com