RESUMO
A entrada das ciências humanas nas pesquisas da Fonoaudiologia no Brasil ainda pode ser considerada recente. As metodologias de pesquisa adotadas nesta área tendem a aderir a métodos mais quantitativos que qualitativos. O objetivo deste estudo é discutir os alicerces conceituais da teoria enunciativo-discursiva de Bakhtin e sua aplicação para a clínica da linguagem na área da Fonoaudiologia. Para tanto, apresentamos episódios dialógicos que são analisados à luz da perspectiva bakhtiniana. Os resultados apontam que, ao considerar os aspectos sociais, culturais e subjetivos, este tipo de análise pode inovar a compreensão do processo linguístico e das várias possibilidades de apresentação da língua frente à patologia. Desta forma, pode-se não apenas compreender a linguagem holisticamente, mas também visualizar a mobilização de estratégias de que os sujeitos, com e sem patologia, lançam mão para manterem-se na posição de "falantes/autores".
PALAVRAS-CHAVE: Pesquisa qualitativa; Fonoaudiologia; Perspectiva enunciativo-discursiva
ABSTRACT
The entrance of human sciences into Speech Therapy research in Brazil can still be considered recent. Research methodologies used in this area tend to adhere to methods that are more quantitative than qualitative. The goal of this study is to discuss the conceptual basis of Bakhtin's enunciative-discursive theory and its practical implementation for Speech and Language Pathology Therapy. For this purpose, we present dialogical episodes analyzed in light of Bakhtin's perspective. The results show that, when social, cultural and subjective aspects are taken into account, this kind of analysis may bring new insights to understanding linguistic processes and the various possibilities of language as far as pathologies are concerned. Thus, one may not only understand language holistically, but also envisage strategies that subjects with and without pathologies employ to maintain their status as speakers/authors.
KEYWORDS: Qualitative Research; Speech Therapy; Enunciative-Discursive Perspective
Introdução
A entrada das ciências humanas nas pesquisas da Fonoaudiologia no Brasil ainda pode ser considerada recente. Por tratar-se de uma área da saúde, as metodologias de pesquisa adotadas neste campo tendem a aderir a métodos mais quantitativos, que dão uma ilusória objetividade, a partir do controle de "variáveis" e da suposta homogeneização dos sujeitos (CHIARI et al., 2012; TING et al., 2013; BEFI-LOPES et al., 2014; CAPELLINI, CÉSAR e GERMANO, 2015). Em pesquisas sobre diagnóstico, por exemplo, a norma estatística que orienta os testes em questão não reflete o estado do sujeito avaliado, mas acaba por impor-se a ele autoritariamente, engessando sua posição frente à avaliação (FRIEDMAN, 2010). Desconsidera-se, assim, que a norma e a normalidade são também uma construção social (CANGUILHEM, 2009).
Neste mesmo contexto, encontramos pesquisas quanti-qualitativas, que buscam superar a dicotomia organicidade versus sociedade, a fim de amenizar as limitações referentes à compreensão dos processos sociais na língua. Contudo, a complexidade deste tipo de pesquisa muitas vezes dificulta o sucesso de sua adoção. Isto porque, segundo Minayo (2014), o seu êxito pressupõe a conciliação e a complementação entre posturas opostas a partir da relativização da perspectiva fragmentada das áreas envolvidas, da não hierarquização entre os métodos, do diálogo interdisciplinar entre pesquisadores de diferentes vertentes e, ainda, da consideração das relações entre o homem e a sociedade.
A adoção do método qualitativo nos estudos da fonoaudiologia e, mais especificamente, a entrada da perspectiva sócio-histórica na área (LURIA, 1994; VIGOTSKY,1998; TOMASELLO, 2000; BAKHTIN, 1992, 2010) pode ser considerada recente, já que ocorre somente a partir do final do século passado (LIER-DE-VITTO, 1997; SANTANA, 2001; SIGNOR e BERBERIAN, 2012; FRIEADMAN, 2010; COUDRY e FREIRE, 2011; SIMMONS-MACKIE e LYNCH, 2013; SANTANA, 2015). Dentre os métodos qualitativos mais utilizados podemos destacar a análise do conteúdo, a hermenêutica dialética, a proposta operativa e a análise do discurso (MINAYO, 2014). Embora estes métodos possam ser agrupados numa mesma modalidade (qualitativa), eles não são coincidentes entre si nem tampouco homogêneos em si mesmos. Há, por exemplo, na Análise do Discurso, várias vertentes, como a análise do discurso de linha francesa (via PÊCHEUX, 1997 e via FOUCAULT, 1997), a análise da enunciação (BENVENISTE, 2005) e a análise dialógica do discurso (BAKHTIN, 2010).
A Fonoaudiologia, sendo uma ciência híbrida, que tem sua origem marcada, em parte, pelas ciências da saúde (medicina) e, em parte, pelas ciências humanas (Psicologia e Linguística), passa a ter, principalmente a partir do século XXI, pesquisadores que vão buscar, nas ciências humanas, uma aproximação das perspectivas sócio-históricas como importante dispositivo metodológico para a análise dos fenômenos da linguagem normal e patológica. Isso porque se entende que o uso da língua implica uma mediação entre o sujeito, com sua bagagem histórica, e suas relações sociais (BAKHTIN, 2010). Deste modo, levar em conta essa teorização na clínica e na pesquisa implica uma posição crítica e investigativa a partir de procedimentos avaliativos e analítico-descritivos que se afastam de modelos positivistas, de teorias que concebem a linearidade entre causa e efeito e da concepção de sujeito a-histórico.
Diante destas considerações, o presente estudo tem como objetivo discutir as bases teóricas da perspectiva enunciativo-discursiva e sua aplicação, a partir da análise dialógica bakhtiniana, para a clínica da linguagem na área da Fonoaudiologia.
1 Perspectiva bakhtiniana como base de análise de dados
Na perspectiva sócio-histórica, entende-se que o processo de apropriação da linguagem só é compreendido a partir de interações sociais mediadas por práticas discursivas. Desta maneira, a linguagem é vista como um processo em que o sujeito faz uso de signos linguísticos significativos, materializados em enunciados proferidos em dada esfera social. Neste cenário, o espaço da clínica também é compreendido como um espaço de esfera social, uma arena de produção e elaboração de sentidos. E o objeto de análise da investigação deixa de ser um produto linguístico (acabado) para centrar-se na necessidade da compreensão do processo linguístico (dinâmico), garantindo a possibilidade de compreender novos estados da língua na patologia (SANTANA, 2001). Atenta-se, portanto, aos recursos de que o falante lança mão na produção enunciativa, reconhecendo o enunciado como unidade da comunicação discursiva (COUDRY e FREIRE, 2010).
O enunciado é, assim, a base de análise da teoria bakhtiniana. Único e impassível de isolamento, ele é mediado por fatores de naturezas diversas, sendo observável apenas a partir da esfera social que o envolve (SIGNOR e PEREIRA, 2011). A forma, o conteúdo e o teor do enunciado variam a depender do interlocutor (BAKHTIN, 2010) e sua regulação se dá a partir dos gêneros discursivos. Os gêneros do discurso são, nesta teoria, enunciados relativamente estáveis, elaborados a partir de uma dada esfera de uso da língua. Deste modo, compreender os gêneros é compreender o texto como atividade humana dos sujeitos (GEGe, 2009). Isto porque estes gêneros funcionam como índices sociais, orientados pelo lugar, pelo outro, pela motivação verbal: "de onde falo, para quem falo, com que intenção falo, de que lugar social, como sou visto pelo meu interlocutor, que estratégias vou usar para falar etc." (SIGNOR e PEREIRA, 2011, p.2).
Interessa aos pesquisadores da perspectiva bakhtiniana compreender o processo de produção enunciativa e as estratégias inerentes a este processo. Considera-se, portanto, a esfera social, o contexto imediato e o contexto mais amplo, que marcam a heterogeneidade dos sujeitos, os lugares e as posições sociais historicamente construídos e que atuam sobre as relações estabelecidas na interação dialógica, determinando as condições de produção verbal. Desta forma, aspectos de ordem histórica (subjetiva) e social (ideológica), tanto do sujeito, quanto do seu interlocutor se destacam como elementos necessários tanto à compreensão da linguagem, quanto à compreensão da relação do sujeito com sua própria língua e com a patologia.
É nesse sentido que as teorias de cunho sócio-histórico, em que se inclui a teoria enunciativo-discursiva, ao se afastarem de métodos positivistas, rompem com "a produção de conhecimento fabricado segundo um padrão, optando por um caminho que denuncie a repetição mecânica de certos procedimentos teórico-metodológicos" (FREITAS, SOUZA e KRAMER, 2003, p.7). Opta-se, ao contrário, pela conjectura de aspectos históricos e sociais da linguagem que, consequentemente, relacionem as atividades do sujeito em situações e práticas discursivas, mediadas não só pela oralidade, mas também pela leitura e pela escrita (SANTANA, 2015). O trabalho metodológico, analítico e interpretativo com textos e discursos se dá, assim, a partir de um conjunto de ações na qual se torna imprescindível esmiuçar, reconhecer, recuperar e interpretar marcas enunciativas que ultrapassam a materialidade linguística (BRAIT, 2006).
Neste cenário, a gravação e a transcrição são ferramentas imprescindíveis que permitem revisitar um evento que não se repetirá. Com a gravação, cada estágio do processo é reconstruído (VIGOTSKY e COLE, 1998), de maneira que gestos, tom de voz, movimentos corporal e facial, fala e escrita são reavaliados em "360 graus". As transcrições do dado, por sua vez, possibilitam a "visualização" da interpretação do pesquisador sobre do evento (TALMY, 2005). Isto porque a transcrição já é, e sempre o é, uma interpretação do transcritor.
Assim, a partir das considerações feitas, sumariza-se que a pesquisa qualitativa de orientação bakhtiniana se caracteriza pelos seguintes aspectos:
Fonte de Dados: A enunciação é sempre o objeto de análise, de maneira que se considera a esfera da atividade verbal em todos os canais semióticos de significação, o expresso (escrito/dito) e o implícito (não escrito/não dito apreensível na enunciação). Segundo Bakhtin (2010), o discurso enunciativo deve ser analisado a partir da esfera social em que se insere, considerando a assimetria entre os interlocutores, incluindo ou não o próprio pesquisador, no contexto direto e indireto. Quando o pesquisador está presente, deve fazer valer a sua posição, ora interior, ora exterior, levando em conta sua problemática, seus pressupostos teóricos, seus valores e contexto sócio-histórico. Isso tudo para revelar do sujeito algo que ele mesmo não tem condições de ver;
Hipótese: Não se parte de questões pré-construídas sobre as patologias da fala e escrita e sobre a normalidade, já que os processos que ocorrem na patologia podem também ocorrer na normalidade e vice e versa. Assim, não se objetiva provar uma teoria, uma recorrência ou mesmo evidenciar pontos coincidentes e dissidentes entre normalidade e patologia. Busca-se compreender a heterogeneidade da língua, reconhecendo suas normas e imprevisibilidades;
Geração de Dados: Os dados são resultados de um constante acionamento da teoria e do objeto, integrados. Nesse sentido, o dado não é evidência empírica para se comprovar ou refutar teorias. Ele pode ser "inesperado" e "misterioso" obrigando o pesquisador a questionar seus próprios pressupostos teóricos. Dessa forma, o pesquisador deve estar aberto à singularidade e idiossincrasia que revelam a relação complexa que se estabelece entre sujeito/linguagem (CASTRO, 1996);
Transcrição do dado: os dados devem ser todos transcritos para a análise, de forma a reproduzir a interpretação do contexto dos enunciados. O pesquisador deve saber, contudo, que a transcrição, embora busque fidedignidade, é sempre uma interpretação. Há vários mecanismos de significação como gestos, entonação, expressões faciais, intensidade da fala que são, por exemplo, interpretáveis.
2 Análise de dados
Para dar visibilidade aos aspectos teóricos-metodológicos, apresentaremos três episódios para a análise: 1) episódio de sujeito com queixa de gagueira; 2) episódio de avaliação da escrita de um sujeito com diagnóstico de Doença de Alzheimer; 3) episódio interativo de um grupo de afásicos.
Os episódios selecionados foram transcritos integralmente, segundo as normas de transcrição do projeto NURC (Estudo da norma urbana culta), que visa preservar características típicas da língua falada (Ex: :: para alongamentos, / para quebras, ... para pausas, (( )) para comentários do pesquisador, etc.).
Todos os sujeitos assinaram o termo de compromisso aprovado pelo Comitê de Ética de Pesquisa (Maternidade Carmela Dutra: 36827414.3.0000.0114; UFSC: 132/09; UTP/ CEP 22/2004).
2.1 Episódio 1: Sujeito com queixa de gagueira
DA é um homem de 57 anos com queixa de gagueira. Apresenta histórico familiar de gagueira e demonstra extrema insatisfação com sua fala. Segundo DA, durante a juventude, sua gagueira era bastante expressiva e, com os anos, foi se tornando menos perceptível nas relações extrafamiliares (em momentos familiares, a gagueira de DA vem à tona). Deste modo, na clínica fonoaudiológica, a gagueira de DA não se materializa na fala. Neste episódio, fonoaudióloga (P1) e DA caminham no hospital. O objetivo terapêutico era propiciar a DA uma interação com pessoas desconhecidas. Assim, DA é instigado a dialogar com uma funcionária (X1).
P1: só que ago::ra eu quero que que você me:: per...me per...me:: pro/...me...pergunte onde é que é
DA: e o que é que tem que falar?
P1: é por ti...eu quero saber on/...se/ se eles sabem onde é o banheiro...onde tem um banheiro por aqui... alguma... coisa...
DA: ah sim... ((aproxima-se de uma funcionária do hospital)) boa noite senhora é:: por favor eu estou em médico aqui no HU...você poderia me indicar um banheiro masculino?
X1: um banheiro masculino... só lá em cima...no coisa...aí eu sei onde que é... ali no ban/ ali na:: no:: aqui embaixo no:: né? ali tem
DA: a senhora fala na recepção?
X1: é... aqui na::
DA: ah sim... quem sabe a gente não se informa ali na recepção ne?
X1: é...
DA: tá bom... valeu... obrigada.
O episódio acima mostra DA com uma fala livre de disfluências gagas e com poucas disfluências comuns. Chama a atenção o fato de que ele apresenta uma fala mais fluente do que de seus interlocutores. DA não apenas produz enunciados fluentes, mas apresenta uma atitude responsivo-ativa (BAKHTIN, 2010) à fala de X1, na medida em que complementa o enunciado dela, participando ativamente de sua fluência ("ah sim... quem sabe a gente não se informa ali na recepção ne?). Assim, ele reformula os enunciados dos seus interlocutores pela complementação ao conteúdo posto. Já em relação a P1 e X1, é possível observar que, nos enunciados de P1, há tanto a presença de disfluências gagas quanto de disfluências comuns, como alongamentos ("ago::ra"), truncamentos e revisões ("on/...se/"), repetição de parte de palavra ("per...me per...me"). Do mesmo modo, é possível observar nos enunciados de X1 a ocorrência de truncamentos ("ban/"), alongamentos e hesitações ("ali na:: no::"), marcadores conversacionais (aqui embaixo no:: né? ). A disposição da ocorrência das disfluências, em maior frequência na fala dos sujeitos normais e em menor frequência na fala de DA reafirma a noção de que as disfluências em si fazem parte do discurso normal, sejam elas sanadoras ou discursivas. Ou seja, a frequência e a tipologia das disfluências, enquanto critérios de avaliação de gagueira adotados no método quantitativo, devem ser consideradas com cautela. Isso porque as disfluências assumem uma função dentro do contexto em que ocorrem e, por isso, sua função no enunciado é interpretada a partir do contexto de sua ocorrência.
Ressalta-se ainda que normalidade e patologia intercruzam-se no episódio e evidenciam que a "gagueira" não é uma patologia apartada das interações sociais: ela pode modificar-se a partir dos contextos de produção, dos interlocutores e das imagens que os interlocutores fazem de si mesmos e dos outros. Na hierarquia de valores sociais, destaca-se, no contexto clínico fonoaudiológico, a assimetria baseada na ideologia do falar bem: entre o fonoaudiólogo, que tem "autoridade" de julgamento sobre a fala, e o sujeito-paciente que visa aprimorá-la. Entretanto, no episódio, há um quadro diferente do esperado, que contrapõe a fluência do paciente e a disfluência do fonoaudiólogo. Isto porque a expressão-enunciação é determinada por suas condições reais de produção e implica uma realização individual e única de uma forma dada no ato de fala (BAKHTIN, 2010). Chama a atenção ainda o fato de que momentos como este do episódio não são reconhecidos por DA: além de não perceber a disfluência do outro, ele não percebe a sua própria fluência, ressaltando, assim, o peso da incompletude de visão de si mesmo, que marca a relação problemática com sua própria fala.
Deste modo, como é na alteridade que o sujeito se constitui, altera-se e alicerça sua identidade (BAKHTIN, 1992), para compreender o quadro que se estabelece, interessa observar que o fonoaudiólogo, que ocupa papel de autoridade neste contexto de relação, confere a DA um valor positivo sobre sua fala. A recepcionista do hospital, por sua vez, - assim como outras alteridades que não têm conhecimento prévio de sua queixa - não o reconhece como sujeito com gagueira, isentando-o desta imagem estigmatizada. Ou seja, este cenário contribui para à fluência de DA. Por outro lado, no contexto familiar, o acabamento dado à DA reitera sua condição patológica, a partir da atribuição de um valor negativo à sua fala, culminando na materialização da gagueira.
Assim, o que se percebe é que há uma relação intrínseca entre fala-língua-sujeito-interação que deve ser tomada como central na análise da linguagem. Logo, analisar a fluência a partir da perspectiva bakhtiniana também é compreender o sujeito na relação com sua própria fala, ou seja, não se analisa a gagueira em si, mas sim a fala de um sujeito com gagueira na interação.
2.2 Episódio 2: Avaliação de escrita de um sujeito com diagnóstico de Demência de Alzheimer
AR é uma senhora de 76 anos que apresenta diagnóstico de Demência de Alzheimer (recente). Ela adora ler crônicas, por isto, durante a avaliação, foi proposta a leitura de uma crônica "Piruá" de Rubens Alves. O objetivo da atividade proposta foi analisar a interpretação do texto e a produção escrita a partir da leitura deste gênero. O texto foi ditado por AR e digitado pela pesquisadora no computador, de maneira que AR pudesse acompanhar a escrita. Ela não quis escrever com papel e caneta, disse que sua letra era "feia". O segmento abaixo refere-se à discussão sobre o significado da palavra piruá. Há dois pesquisadores no diálogo (P1 e P2).
P1: você sabe o que é piruá? Veja a definição aí...
P2: parece que é um nome que vem do índio...é o milho da pipoca que não estoura ((lendo no dicionário na tela computador))
AR: da língua indígena (...) eu ia querer saber direto o que é piruá... depois me explicou que é o restinho que sobrou do milho... no dicionário
P1: veja se tem aí ((referindo-se ao significado buscado na internet))
P2: ((lendo)) Aquele milho de pipoca que não estoura... ficando no fundo da panela... pessoas que não aprendem, não evolui em nenhum setor da vida.... bagunçar.... tumultuar...querer atrapalhar.
AR: então é meio parecido com 'desarnar'.... Não! aquela outra palavra!
P2: apiruado?
AR: apiruado... deve ser daí, a pipoca está pulando na panela.
P2: ele é um piruá, não consegue aprender nada nem na escola nem na vida. ((leitura dos exemplos do dicionário))... vivendo e aprendendo
AR: eu também nunca vi... se falarem para as pessoas... poucas sabiam o que que é
P1: mas volta lá no texto então: "Piruá parece uma palavra indígena.... é o milho que vai fazer pipoca e não estoura"....agora a gente pode fazer uma metáfora com o piruá....fazer uma relação com as pessoas... a senhora conhece alguém que parece um piruá?
AR: agora ficou velho... não tá mais incomodando!
P2: então piruá pode ser três coisa... o milho de pipoca que não estoura... uma pessoa que... como estava...
AR: perturbando! mas não era essa palavra... (...)
P1: então é difícil conviver com piruá?
AR: é... ele não interage... mas ele atrai
P1: tem a ideia de que é uma pessoa que não aprende nada né?
AR: pessoa que não aprende nada nem na escola nem na vida
P1: quando a senhora pensa nisso... quais as ideias que vem para a senhora?
AR: que nós estamos trabalhando com a mesma figura... uma figura humana e uma coisa
P1: alimento?
AR: tratar como alimento? ... ele também tratou lá no texto... e ele tratou como assim... ambígua...
P1: a gente também vai pensar assim: o que é ter um amigo piruá?... o que é ser um piruá? o que é conviver com um piruá?... se a gente tiver um piruá o que acontece com a gente?
AR: no comportamento... você pode ter um comportamento de piruá...
P1: não se dá bem...
AR: afinidade não tem afinidade...
P1: tem que imaginar que conviver com um piruá é difícil.
AR: é difícil...
P1: dois piruás juntos se dão bem?
AR: acho que um come o outro ((risos))!
Texto finalizado:
Transformação do piruá
Você sabe o que é piruá? Parece uma palavra da língua indígena. 1. Grão de milho que não estoura quando se prepara a pipoca. 2. Pessoa que não aprende nada, não evolui em nenhum setor da vida. Quem gosta de piruá é a galinha que se delicia quando o milho não estoura. Mas para ter um amigo-piruá não dá porque a amizade é transitória. A intimidade que ele mostra não é sincera. Ele não estourou para se transformar. É difícil conviver com piruá, ele atrai mas não está com boas intenções. Apesar de ter passado pelo fogo, não se transformou em pipoca. As experiências da vida são o fogo que transforma o homem. E você quer se tornar em um piruá sem função ou transforma-se em uma pipoca e ser a alegria da festa?
Este episódio revela a importância da análise escrita enquanto processo e não como "produto final". Inicialmente, vê-se a busca do sentido da palavra "piruá", de uso pouco frequente na língua portuguesa (brasileira). É visível o trabalho linguístico de AR, pois o diálogo e o próprio texto evidenciam os deslizamentos de sentidos ideologicamente construídos (BAKHTIN, 2010), a partir da leitura do dicionário da palavra "piruá": transitoriedade, traição, maldade, dificuldade de convivência, falta de aprendizado e crescimento, vida sem sentido. Contudo, este texto que foi ditado, lido e retextualizado por AR, evidencia que, a despeito das dificuldades do texto e da linguagem, o gênero "crônica" mantém-se preservado para ela.
A análise através do gênero é o ponto central de uma perspectiva sócio-histórica. Isto porque, ao utilizar os gêneros discursivos para avaliação, o pesquisador distancia-se das atividades fragmentadas e metalinguísticas, que geralmente compõem os testes de linguagem (cópia, leitura e ditado de sílabas, palavras, frases). A análise pelo gênero põe o autor em dialogia com o leitor, dá sentido e significado à produção escrita. E é na posição de autoria e, a partir da imagem que AR faz do leitor, que ela compartilha com ele suas inquietações sobre o Piruá, convidando-o, inclusive, ao final, para tomar um posicionamento em relação à própria vida: ou você é um piruá ou você é uma pipoca. Assim, vê-se que AR constrói um texto com escrita próxima à oralidade, a partir de sua experiência de vida, de fatos cotidianos e, com isso, cria um efeito de proximidade com o leitor, características presentes no gênero crônica. Evidencia-se, portanto, a importância de uma análise que considere a interação dialógica marcada aqui tanto pela relação dialógica deste texto com outros textos (já lidos por AR) quanto pela relação dialógica entre o autor (AR) e seu leitor (imaginário).
2.3 Episódio 3: Grupo de afásicos
Este episódio foi retirado de uma terapia de Grupo de Afásicos. Participam dessa pesquisa dois terapeutas fonoaudiólogos e nove afásicos: AM, AR, IR, JO, JU, MA, CO, LU, MC. Todos os afásicos possuem dificuldades predominantemente de expressão, sendo que um dos sujeitos tem dificuldades de compreensão e expressão. Neste episódio, as terapeutas (P1 e P2) e os afásicos AM e CO conversam sobre a narrativa pessoal que CO havia construído na sessão anterior. O texto refere-se à produção narrativa de um livro autobiográfico que está sendo escrito pelos afásicos e CO quer modificar o texto que havia sido escrito na sessão anterior. No episódio, AM ajuda CO na construção enunciativa. Ressalte-se aqui que CO viveu grande parte de sua vida nos Estados Unidos e utiliza-se de algumas palavras em inglês na produção de seus enunciados.
P1: quer mudar alguma coisa?
CO: ((aponta novamente para o texto)) Here, here... Ohh... Yeah ((gesto de muito tempo))...
AM: gato, tatu...
P1: tatu?
CO: não (...) ((repete o gesto, apontando para o texto))... pa-pa-pa-pa ((gesto de atirar)) pisshiuuu.. ((movimento com o corpo de cair)) pa-pa-pa-pa. Here... here ((aponta para o texto))
P1: caçava jaguatirica com espingarda.... é isso?
CO: yeah... because is... yeah ((gesto, com as mãos na parede, de subir e, em seguida, de atirar)) pitshu, pitshu!
P1: fuzil? espingarda? ((P1 apaga o que estava escrito)).
CO: isto isto.
P1: caçava jaguatirica com espinguarda?
CO: ((Faz gesto com as mãos mostrando três e, depois, três movimentos sequenciados, parecendo significar três pessoas, e, depois, conta)) UM, DOIS, TRÊS. Pshi... Pshi... ((som de espinguarda)).
P1: é isto...
CO:because is... ((gesto com as mãos de seguir caminho, trilha))
AM: Já.. já... gatirica...
CO: ((continua fazendo o gesto, com as mãos, de seguir)).
P1: gato?
CO: ((Gesto indicando animal pequeno)).
AM: CATETO
P1: um cachorro?
AM: cateto?
CO: ISTO!
AM: É... é...
P1: como é Sr. AM?
CO: yeah... yeah...
AM: CA - TE - TO. CATETO.
P3: ca? não tô entendendo!
AM: cateto.
P2: cateto.
P1: quatro?
CO: no... no! ...yeah... yeah... because... ((aponta para o texto e mostra a linha a ser re-escrita)) ... ((AM escreve a palavra no papel e P2 lê.. CA...))
P2: cateto.
CO: ((Repete o gesto de apontar para o texto)).
P2: o que é cateto?
CO: yeah ((gesto de animal pequeno)).
AM: ((faz o mesmo gesto que CO)).
P2: é um bicho?
CO: YEAH!
P2: é parecido com que bicho esse?
AM: parecido... poco do mato!!
CO: ((Gesto de bicho pequeno)).
P2: um porco do mato!
CO: ISTO... ISTO... ((gesto de muito)) but is... ((repete o mesmo gesto)) yeah, yeah!
P2: então aqui... ((muda o texto onde estava escrito jaguatirica)) só vou colocar aqui que é parecido com um porco do mato... com espingarda?
P1: Entendi!... cateto é um bicho que era parecido com porco do mato.
Após esse diálogo, a terapeuta P1 dá prosseguimento ao relato pessoal de CO:
Uma vez uma jaguatirica ficou me rodeando quando eu tinha dois anos. Eu fiquei com muito medo. Eu morava em um sítio na serra. Meu pai saía para caçar. Caçava cateto com espingarda. Eu subia nas árvores e atirava lá de cima.
Neste episódio, CO comunica-se basicamente através de gestos, desenhos e poucas palavras em português e inglês, além da estereotipia "because". Contudo, quando nos afastamos da análise formal da fala e analisamos o contexto enunciativo (verbal e não verbal), vemos que suas dificuldades não o impedem de atuar no discurso, de maneira que é possível observar o trabalho linguístico de CO para corrigir um texto escrito anteriormente. Ao tentar substituir a palavra "jaguatirica" por "cateto", CO - juntamente com AM - constrói o sentido de "cateto" para as terapeutas. Este trabalho linguístico pode ser verificado na produção de vários enunciados contextualizando a cena narrada, de maneira a ampliar as possibilidades de compreensão da terapeuta (dá pistas de que se trata de um animal, que sobe em paredes, é objeto de caça, tem o porte pequeno, é um animal silvestre, é possivelmente ameaçador ao homem). A tarefa de CO é dificultada pela ausência do signo linguístico no repertório das terapeutas, mostrando que, neste trecho dialógico, os sujeitos não compartilham do mesmo conhecimento de mundo. Soma-se a isto a assimetria de papéis e o jogo de imagens entre terapeutas e afásico no contexto da interação. Isto porque, ao desconhecer o signo indicado, as terapeutas assumem que, considerando que se trata de um sujeito afásico, ele produz uma parafasia no lugar da palavra alvo ("cateto" no lugar de "quatro"), significando, assim, equivocadamente sua produção. O enunciado de AM também passa a ser legitimado somente quando CO explica o que significa cateto para o interlocutor, através do "gesto de animal pequeno", confirmando a interpretação de AM, que, mesmo afásico, ocupa na cena um lugar de "desvendador do enigma", traduzindo os gestos de CO para palavras. Vê-se, portanto, que análise da interação do grupo demonstra uma arena de negociações de sentido (BAKHTIN, 2010) em que se cruzam os pesquisadores e os afásicos, sujeitos singulares com suas historicidades.
Considerações finais
Este trabalho discutiu as bases teórico-metodológicas da perspectiva enunciativo-discursiva voltada à clínica da linguagem. A linguagem, nessa perspectiva, é tomada como um fenômeno concreto e multifacetado, materializado no discurso oral e/ou escrito. Este olhar, construído com o sujeito, proporciona a compreensão de aspectos que, muitas vezes, ocultam-se em pesquisas de linguagem que têm como cerne médias e frequências de produção de fala e escrita, focadas apenas nas condições psicofisiológicas do falante.
Nesse sentido, analisar um evento linguístico a partir da perspectiva enunciativo-discursiva evidencia a importância de se considerar a enunciação e o enunciado como objetos de análise, assim como o papel social dos interlocutores e as imagens que se produzem na interação. Com isso, desliza-se o foco de análise da "patologia" em si para o "sujeito falante/escrevente", quer ele tenha alguma "patologia" ou não. Porque a linguagem é dialógica, tanto a fala do sujeito quanto a do próprio pesquisador são objetos de análise, pois evidenciam a posição ideológica de quem as enuncia. Dessa forma, os dados são construídos na dinâmica das interações.
A partir dessas questões, buscou-se demonstrar a relevância da adoção da perspectiva sócio-histórica para a análise da linguagem na clínica fonoaudiológica. Ao problematizar os fatos linguísticos, a partir de um olhar investigativo, pode-se não apenas compreender a linguagem holisticamente, mas também visualizar as estratégias que sujeitos, com ou sem patologia, mobilizam para manterem-se na posição de "falantes/autores". Fica claro, portanto, que é crucial considerar princípios metodológicos qualitativos que orientem as pesquisas da linguagem na clínica fonoaudiológica.
REFERÊNCIAS
- BAKHTIN. M. M. Os gêneros do discurso. In: BAKHTIN. M. Estética da criação verbal 4. ed. Trad. Maria Ermantina Galvão Gomes Pereira. São Paulo: Martins Fontes,1992, p.261-306 [1952-1953].
- __________.(VOLOCHÍNOV,V.). Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. 14. ed. Trad. Michel Lahud e Yara Frateschi Oliveira. São Paulo: Hucitec, 2010 [1929].
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
May-Aug 2017
Histórico
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Recebido
18 Maio 2016 -
Aceito
27 Abr 2017