Acessibilidade / Reportar erro

A voz do outro na coconstrução da autorreferenciação na criança dialógica

RESUMO

A profundidade das ideias de Bakhtin sobre dialogicidade ecoa nas visões da aquisição da linguagem como um processo multimodal, situado, interativo, fundamentado na experiência cotidiana e reverberando as vozes daqueles que cuidam das crianças. Partindo de uma videoetnografia longitudinal de interações pais-criança franceses, em meio familiar, em um período de sete anos, este estudo revela como o desenvolvimento linguístico da criança é coconstruído, por meio de atividades interativas de contar e recontar e de acontecimentos permeados por múltiplas perspectivas. Os excertos do corpus exemplificam como as vozes dos outros moldam a identidade única da criança como falante e cofalante, fundamentada na riqueza de sua vida cotidiana. Através da experiência de assimilação das palavras dos outros, dos enunciados e de cada forma de expressão multimodal, as crianças se apropriam do nosso tesouro comum, a língua(gem), ao passo que também aprendem o poder individual de acentuar suas produções com sua própria voz.

PALAVRAS-CHAVE:
Desenvolvimento da linguagem; Autorreferência; Discurso dialógico; Troca de perspectiva

ABSTRACT

Bakhtin’s deep insights on dialogicality resonates with views of language acquisition as a multimodal, situated, interactive process grounded in everyday experience and reverberating the voices of the care-givers. Drawing on a longitudinal videoethnography of French parent-child interactions in family life over a period of seven years, this study documents how the child’s language development is co-constructed through interactive tellings and retellings of activities and events permeated with multiple perspectives. Our choice of extracts will exemplify how the others’ voices shape children’s unique identity as speaker and co-speaker grounded in the richness of their daily life. Through the experience of assimilating the others’ words, utterances, and every single form of multimodal expression, children appropriate our common treasure, language, but also learn the individual power of accenting their productions with their own voice.

KEYWORDS:
Language development; Self-reference; Dialogic discourse; Perspective shifting

Introdução

No seguinte excerto, retirado dos dados longitudinais de Guillaume (BRIGAUDIOT; NICOLAS, 1990BRIGAUDIOT, M., NICOLAS, C. Acquisition du langage: les premiers mots. Unpublished dissertation, Paris VII, 1990.; MORGENSTERN, 2012MORGENSTERN, A. The Self as Other: Selfwords and Pronominal Reversals in Language Acquisition. In: LORDA, C.; ZABALBEASCOA, P. (ed.). Spaces of Polyphony, “Dialogue Studies”. Amsterdam/London: John Benjamins Publishing, 2012. pp.57-72.), o menino faz referência a si mesmo usando o pronome de segunda pessoa:

Exemplo 1 - Guillaume (2;05)

Guillaume acabou de engolir um amendoim que ele pegou rapidamente da vasilha durante o aperitivo dos adultos e olha para a mãe com um sorriso travesso.

GUIL: [T’as avalé encore!] Você engoliu de novo!

Ele usa um tom de voz bravo.1 1 No original: “Guillaume has just swallowed a peanut he has seized out of the bowl quickly during the adults’ apéritif and gazes at his mother with a mischievous smile. / GUIL: T’as avalé encore! / He uses an angry tone of voice”.

Ao comer amendoim (sem mastigar), a criança está “se comportando mal” e não está seguindo as instruções dos adultos. O menino expressa seu conhecimento sobre o perigo ao repetir as palavras e o tom de repreensão de sua mãe. Um uso semelhante do pronome de segunda pessoa também é identificado quando crianças entre dois e três anos de idade correm sozinhas na calçada, param um pouco antes de atravessar a rua e dizem em voz alta “não atravesse a rua”. Isso também nos faz lembrar de situações em que crianças entre dois e três anos de idade dizem “não” ou balançam a cabeça quando estão prestes a tocar em algum objeto perigoso. Esses tipos de produção são extraídos de um cenário fixo, com um discurso autoritário adulto (BAKHTIN, 1981BAKHTIN, M.M. Discourse in the Novel. In: BAKHTIN, M.M. The Dialogic Imagination: Four Essays by M.M. Bakhtin. Edited by Michael Holquist. Translated by Caryl Emerson and Michael Holquist. Austin: University of Texas Press, 1981. pp.259-422.) que as crianças memorizaram em situações semelhantes a essas. Elas usam sua memória auditiva, na qual uma situação está associada ao discurso. Guillaume usa, aqui, a fórmula ‘tu + predicado’ para uma situação específica, que poderia ser considerada como uma inversão pronominal, já que ele deveria ter utilizado je (eu) para designar a si mesmo. É como se ele estivesse tirando o enunciado da boca da mãe e tomando emprestado seu papel no diálogo, como se o mais importante fosse não quem está dizendo (o falante), mas que o enunciado seja dito a partir um roteiro existente. A criança não cria um enunciado, mas o recicla, uma vez que ele se aplica à situação presente. Ela assimilou a voz do adulto encontrada repetitivamente em circunstâncias anteriores. Ao tomar o papel de sua mãe, Guillaume experimenta o sabor da autoridade e do poder encontrados nas palavras dela e no pronome pessoal que ela usa para se dirigir a ele. Mas essas palavras são reacentuadas (BAKHTIN, 1990BAKHTIN, M.M. Art and Answerability. In: BAKHTIN, M. Art and Answerability. Early Philosophical Essays by M. M. Bakhtin. Edited by Michael Holquist and Vadim Liapunov. Translation and notes by Vadim Liapunov. Austin: University of Texas Press, 1990. pp.1-3. ) através do seu próprio discurso nesta situação. Esse uso recorrente da segunda pessoa e, às vezes, da terceira pessoa e de nomes próprios (CAËT; MORGENSTERN, 2015CAET, S., MORGENSTERN, A. First and Second Person Pronouns in Two Mother-Child Dyads. In: GARDELLE, L. & SORLIN, S. (eds.). The Pragmatics of Personal Pronouns. Amsterdam-London: John Benjamins Publishing, 2015. pp.173-193.) como formas de autodesignação, quando as crianças têm entre 24 e 42 meses de idade, pode, então, ser estudado com as ferramentas oferecidas pela abordagem teórica bakhtiniana.

A profundidade das ideias de Bakhtin sobre a dialogicidade (1981BAKHTIN, M.M. Discourse in the Novel. In: BAKHTIN, M.M. The Dialogic Imagination: Four Essays by M.M. Bakhtin. Edited by Michael Holquist. Translated by Caryl Emerson and Michael Holquist. Austin: University of Texas Press, 1981. pp.259-422.; 1986)BAKHTIN, M.M. The Problem of Speech Genres. In: BAKHTIN, M.M. Speech Genres and Other Late Essays. Translated by Vern W. McGee and Edited by Caryl Emerson and Michael Holquist. Austin: University of Texas Press, 1986. pp.60-102. encontra eco nas visões da aquisição da linguagem como um processo multimodal, situado, interativo, fundamentado na experiência cotidiana e reverberando as vozes daqueles que cuidam das crianças. Nessa abordagem, a entrada das crianças na linguagem é guiada pela língua(gem) que as cerca e é também especialmente desencadeada pelo seu anseio de imitar seus parceiros de conversação (GOPNIK; MELTZOFF; KUHL, 1999GOPNIK, A.; MELTZOFF, A. N.; KUHL, P. K. The Scientist in the Crib: Minds, brains, and how Children Learn. New York, NY, US: William Morrow & Co, 1999.). Em consonância com a teoria da aprendizagem de Vygotsky (1934VYGOTSKY, L. S. Thought and Language. Cambridge, MA: The M.I.T. Press, 1934/1985.; 1978)VYGOTSKY, L. S. Mind in Society: The Development of Higher Psychological Processes. Ed. By Cole, M., John-Steiner, V., Scribner, S., Souberman, E. Cambridge, MA: Harvard University Press, 1978., o desenvolvimento da linguagem da criança pode ser compreendido como um processo social dinâmico e construído em conjunto, através do tempo, em colaboração entre as crianças e os adultos. Durante toda a sua infância, as crianças participam de trocas intensamente tutoradas (BRUNER, 1975BRUNER, J. S. From Communication to Language. A Psychological Perspective. In: Cognition, 3, pp.255-287, 1975. ) pelas pessoas que cuidam delas. Nas culturas ocidentais (ver Ochs; Schieffelin & Ochs, 1984SCHIEFFELIN, B., & OCHS, E. Language Acquisition and Socialization: Three Developmental Stories and their Implications. In: SHWEDER, R; LEVINE, R. (eds.), Culture Theory: Essays on Mind, Self and Emotion. New York, NY: Cambridge University Press, 1984. pp.276-320., entre outros, para interações entre adultos e crianças em outras culturas), crianças e adultos sintonizam-se uns com os outros e mantêm avidamente sua interação graças à adaptação dos adultos ao desenvolvimento motor, cognitivo e linguístico da criança. Para cocriar o diálogo, os adultos, às vezes, falam tanto pela criança, como para elas, à medida que verbalizam todas as possíveis pistas visuais, vocais, táteis e de ações que são dadas pela criança. Essas interações são, portanto, fundamentadas em atividades situadas, e os adultos expressam o que a criança está segurando, para onde ela está olhando, o que acabou de acontecer, se a criança parece estar com fome, cansada, feliz, irritada, a fim de integrar cada gesto ou vocalização em ricas sequências interativas. Atividades recorrentes associadas a produções verbais formam roteiros (NELSON, 1981NELSON, K. Individual Differences in Language Development: Implications for Development and Language. Developmental Psychology, 17, pp.170-187, 1981.), que permitem à criança “experienciar a linguagem2 2 No original: “experience language”. ” (OCHS, 2012OCHS, E. Experiencing Language. Anthropological Theory, 12(2), pp.142-160, 2012. ) em seu cotidiano. As primeiras produções das crianças são permeadas por ecos das construções ouvidas nas produções dos adultos. Para que elas de fato aprendam as construções linguísticas (TOMASELLO, 2003TOMASELLO, M. Constructing a Language: A Usage-Based Theory of Language Acquisition. Cambridge, MA: Harvard University Press, 2003.), sejam elas padrões sonoros, gestos, palavras ou construções multimodais, as crianças precisam repetir e manipular as formas, brincar com elas - com outras pessoas ou sozinhas - para testar uma ampla gama de padrões sonoros e prosódicos, ou configurações gestuais e movimentos. As crianças internalizam progressivamente o papel do adulto e se apropriam de ferramentas linguísticas, dos códigos sociais e dos comportamentos utilizados em sua comunidade no e graças ao diálogo.

Partindo de uma videoetnografia longitudinal de interações entre pais e criança franceses, em meio familiar, em um período de sete anos (MORGENSTERN; PARISSE, 2012MORGENSTERN, A., PARISSE, C. The Paris Corpus. Journal of French Language Studies, 22, pp.7-12, 2012.), este estudo revela como o desenvolvimento linguístico da criança é coconstruído por meio de atividades interativas de contar e recontar, e de acontecimentos permeados por afeto e por posicionamento. Nossa escolha de excertos exemplifica como as vozes dos outros moldam a identidade única da criança como falante e cofalante, fundamentada na riqueza de sua vida cotidiana. O dialogismo será ilustrado em nossa análise multimodal de sequências nas quais as crianças parecem inverter os papéis ao realizar as ações do outro ou ao verbalizar as pistas do outro nos roteiros usados durante atividades cotidianas, recorrentes e lúdicas, defendidas por Bakhtin em seus escritos. Buscaremos mostrar como as crianças expressam sua própria identidade através de outros pontos de vista, outras perspectivas, outras “vozes” nos contextos dialógicos, uma vez que suas produções encontram eco na alteridade (segunda e terceira pessoas ao invés da primeira). Focalizaremos os momentos em que o enunciado das crianças, à medida que elas se referem a si mesmas, em suas realizações no passado e no presente, “está repleto dos ecos e lembranças de outros enunciados” (BAKHTIN, 1997, p.316) 3 3 BAKHTIN, M. Gêneros do discurso. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. 2. ed. Tradução feita a partir do francês por Maria Ermantina Galvão G. Pereira. São Paulo: Martins Fontes, 1997. .

Nosso estudo detalhado será permeado por nossa própria relação dialógica com Bakhtin. A transmissão de sua abordagem é, em si, uma construção interpretativa. Ela é moldada pelas influências difrativas que ressoam nas múltiplas vozes dos autores que se inspiraram em Bakhtin, e que, por sua vez, inspiraram nossa própria abordagem do desenvolvimento da linguagem, baseada no uso, multimodal, dinâmica e interativa.

1 Quadro teórico

Os seres humanos mobilizam suas habilidades representacionais e combinam modalidades semióticas a fim de coconstruir o significado, de se referir a entidades e acontecimentos presentes e ausentes, de expressar intenções, desejos e sentimentos. Como mostrou Vygotsky, a interação é um lugar crucial para que as crianças desenvolvam tais habilidades cognitivas e linguísticas, que são socialmente coconstruídas entre parceiros em colaboração entre si dentro de um contexto cultural (1934). O papel da tutela dos adultos (WOOD; BRUNER; ROSS, 1976WOOD, D., BRUNER, J., ROSS G. The Role of Tutoring in Problem Solving. Journal of Child Psychology and Psychiatry, 17(2), pp.89-100, 1976.) é fundamental no desenvolvimento das competências interacionais das crianças. Tutorar envolve a cooperação entre adultos e crianças, de forma a facilitar a participação das crianças em práticas interacionais e a ajudá-las a aprender a usar os recursos semióticos disponíveis para construir significados dentro de sua comunidade linguística e cultural. A compreensão das crianças a respeito de novas entidades é geralmente mediada pela demonstração afetiva de seus interlocutores, especialmente por meio de expressões faciais (EKMAN, 1984EKMAN, P. Expression and the Nature of Emotion. In: SCHERER, K. R.; EKMAN, P. (ed.). Approaches to Emotion. Hillsdale, NJ: Lawrence Erlbaum, 1984. pp.319-344.). Tais exemplos de “referenciação social4 4 No original: “Social referencing”. ” (KLINNERT et al., 1983KLINNERT, M. Emotions as Behavior Regulators: Social Referencing in Infancy. In: PLUTCHIK, R.; KELLERMAN, M. (ed.). Emotion: Theory, Research and Experience. New York: Academic Press, 1983. pp.257-285.) constituem “quadros afetivos5 5 No original: “Affective frames”. ” (OCHS; SCHIEFFELIN, 1989OCHS, E., SCHIEFFELIN, B. Language Has a Heart. The Pragmatics of Affect. Special Issue of Text, 9(1), pp.7-25, 1989.) que são fundamentais para o desenvolvimento cognitivo e linguístico das crianças. Experiências sensoriais e atividades situadas também desempenham um papel decisivo no desenvolvimento linguístico das crianças, já que “os significados surgem da prática - nas interações do dia-a-dia entre a criança e as pessoas próximas a ela” (BUDWIG, 2003BUDWIG, N. Context and the Dynamic Construal of Meaning in Early Childhood. In: RAEFF, C; BENSON, J. (ed). Social and Cognitive Development in the Context of Individual, Social, and Cultural Processes. London and New York: Routledge, 2003., p.108)6 6 No original: “Meaning comes about through praxis - in the everyday interactions between the child and significant others”. .

Se a entrada da criança na língua(gem) é guiada pela língua(gem) que elas recebem, ela é também intensamente desencadeada por sua própria vontade de imitar seus parceiros de conversação (GOPNIK; MELTZOFF; KUHL, 1999GOPNIK, A.; MELTZOFF, A. N.; KUHL, P. K. The Scientist in the Crib: Minds, brains, and how Children Learn. New York, NY, US: William Morrow & Co, 1999.). Ao mesmo tempo que as crianças assumem e imitam as formas produzidas por seus pais, os pais também assumem os sons e movimentos produzidos por seus filhos, dotando-os de significados e intenções, moldando-os, assim, segundo os padrões compatíveis com aqueles encontrados no sistema comunicativo adulto.

As ações e interações conjuntas entre pais e filhos dão o apoio necessário para que as crianças compreendam as situações e, simultaneamente, conversem sobre elas. As crianças aprendem a compreender a língua e a ação de forma conjunta, uma ajudando a outra. Para aprender construções linguísticas, práticas e gêneros de linguagem, as crianças precisam repetir e manipular as formas produzidas ou reformuladas pelos adultos e brincar com elas repetidamente, em situações variadas, de forma a mobilizá-las de uma maneira produtiva tanto em interações situadas, quanto ao brincar sozinhas. Durante seu primeiro ano de vida, as crianças experienciam as múltiplas ações que podem ser realizadas com a língua(gem): “elas aprendem como usar a língua como uma ferramenta para chamar a atenção, para estabelecer relacionamentos e identidades, para realizar atividades sociais e para expressar determinadas posturas. Tudo isso faz parte de ser falante de uma língua” (OCHS, 1990OCHS, E. Acquisition of Competence. Oxford Encyclopedia of Linguistics, pp.358-361, 1990., p.358)7 7 No original: “They learn how to use language as a tool to elicit attention, to establish relationships and identities, to perform social actions, and to express certain stances. All this is part of being a speaker of a language”. . As atividades cotidianas das crianças permitem que elas não apenas experienciem a língua(gem), como também, progressivamente, linguagem8 8 N.T. Embora o verbo “linguajar” exista no dicionário de língua portuguesa, mantivemos o destaque em itálico dado pelo autor, considerando que se trata de um termo que vem há algum tempo sendo utilizado na área de Aquisição da Linguagem, no sentido de “fazer linguagem”, “usar a linguagem”. , ou seja, produzam formas de linguagem motivadas e convencionalizadas (sons, palavras, tons, gestos) para se comunicar. Elas aprendem a filtrar as experiências e a moldá-las, fazer referência a elas, relacioná-las a formas linguísticas: as diversas e multimodais encenações de linguagem dos adultos e das crianças constituem “modos de experienciar o mundo” (OCHS, 2012OCHS, E. Experiencing Language. Anthropological Theory, 12(2), pp.142-160, 2012. , p.149)9 9 No original: “modes of experiencing the world”. de formas sonoras, visuais e encarnadas.

Primeiramente, as crianças linguajam sobre objetos percebidos e acontecimentos dos quais elas participam. Elas também, progressivamente, linguajam sobre objetos e eventos que não são percebidos e experienciados no aqui e agora, mas que elas, em experiência anterior, perceberam, manipularam, ingeriram, gostaram, não gostaram ou participaram. Assim, as crianças usam as vocalizações, as palavras, os gestos, a sintaxe, as construções multimodais e o discurso para coconstruir, com seus interlocutores, referências a objetos e eventos que fazem parte de suas vidas cotidianas (MORGENSTERN, 2014MORGENSTERN, A. Children’s Multimodal Language Development. In: FÄCKE, C. (ed.). Manual of Language Acquisition. Berlin/Boston: De Gruyter, 2014. pp.123-142.), mas também para relacionar e reconstruir eventos passados, memórias ou para criar mundos imaginários que só podem ser capturados pela linguagem, graças a construções especializadas, como as formas verbais (ver Parisse; de Pontonx & Morgenstern, 2018PARISSE, C., DE PONTONX, C., MORGENSTERN, A. L’imparfait dans le langage de l’enfant: une forme pour sortir de l’ici et maintenant. Langage - Interaction - Acquisition, pp.183-225, 2018. para o uso do imparfait francês / pretérito imperfeito). A arquitetura sutil das percepções sensoriais, dos estados e processos mentais pode ser gradativamente expressa por meio de construções linguísticas refinadas. No entanto, mesmo que ela possa interligar experiências, a língua(gem) não consegue traduzir sua complexidade multifacetada. A língua(gem) é tão somente uma representação incompleta do mundo, de práticas individuais, de objetos e eventos nos quais ela está inserida e os quais ela busca capturar (BOAS, 1965, p.189) por meio de compilações de significados. Se a língua(gem) molda a experiência, como propõem Boas (1911BOAS F. Handbook of American Indian Languages, Vol. BAE-B 40, Part I. Washington, DC: Smithsonian Institution and Bureau of American Ethnology, 1911.), Sapir (1921SAPIR, E. Language. New York: Harcourt, Brace & World, 1921.; 1927)SAPIR, E. The Unconscious Patterning of Behavior in Society. In: DUMMER, E. (ed.). The Unconscious: A Symposium. New York: Knopf, pp.114-142, 1927. , Whorf (1956WHORF, B.L. Language, Thought, and Reality: Selected Writings. Cambridge: Technology Press of Massachusetts Institute of Technology, 1956.), Gumperz; Levinson, (1991GUMPERZ, J.; LEVINSON, S. Rethinking Linguistic Relativity. Current Anthropology, 32, pp.613-623, 1991.) ou Lucy (1997LUCY, J.A. Linguistic Relativity. Annual Review of Anthropology, 26, pp.291-312, 1997.), ela também pode criar seus próprios mundos, a partir de nossas lembranças de coisas do passado, nossos sonhos ou projetos e das invenções de nossa imaginação. Esses mundos são habitados e compartilhados com os outros graças às práticas discursivas que realizamos, com todos os recursos semióticos que temos ao nosso dispor. As crianças podem internalizar a língua(gem) à qual elas são expostas, podem extrair pares de formas-funções e os utilizar com sensibilidade, de acordo com o contexto pragmático e dialógico (HALLIDAY, 1967HALLIDAY, M. Notes on Transitivity and Theme in English. Journal of Linguistics, 3, pp.199-244, 1967.). Seu domínio da língua(gem) é marcado pela liberdade com que elas combinam as construções e produzem enunciados aceitos e compreendidos pelos seus interlocutores no contexto, por meio da negociação de significados, que faz parte da prática social de interação (GUMPERZ; LEVINSON, 1996GUMPERZ J, LEVINSON S. (ed.). Rethinking Linguistic Relativity. New York, Cambridge University Press, 1996.). O envolvimento diário das crianças em interações acontece em uma variedade de contextos e com uma crescente variedade de interlocutores, com os quais elas aprendem como manipular as referências a si mesmas e aos outros.

2 Dados naturalísticos

A fim de capturar o desenvolvimento da linguagem em uma perspectiva realmente baseada no uso (TOMASELLO, 2003TOMASELLO, M. Constructing a Language: A Usage-Based Theory of Language Acquisition. Cambridge, MA: Harvard University Press, 2003.), é necessário manter o foco no envolvimento das crianças em atividades interacionais espontâneas, através de práticas situadas. As ferramentas de gravação em vídeo têm permitido um avanço notável na análise detalhada da organização da ação e interação humanas (MONDADA, 2019MONDADA, L. Contemporary Issues in Conversation Analysis: Embodiment and Materiality, Multimodality and Multisensoriality in Social Interaction. Journal of Pragmatics, 145, pp.47-62, 2019.). Essas ferramentas têm proporcionado novos caminhos para a pesquisa em linguagem e interação, uma vez que elas podem ser aplicadas a várias situações, tanto no tempo (o momento específico em que se desenrola uma interação), como com o tempo (gravações múltiplas das mesmas crianças em seu contexto familiar durante vários anos). Desde os anos 1960, Sacks incentivou o uso de gravações em vídeo (SACKS, 1984SACKS H. Notes on Methodology. In: ATKINSON, JM, HERITAGE J.(ed.) Structures of Social Action. Edited by Gail Jefferson. Cambridge: Cambridge University Press, 1984. ; 1992SACKS, H. Lectures on Conversation. Cambridge, MA: Blackwell, 1992. [vol. 2.]) para capturar, analisar e compartilhar cenas que desvendam a estrutura de práticas cotidianas. No entanto, considerando que a presença do observador pode ser uma fonte de interferência - ver Labov (1972LABOV, W. Sociolinguistic Patterns. Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 1972.) “o paradoxo do observador”10 10 No original: “paradox of the observer”. , os pesquisadores precisam reconhecer, avaliar e integrar as vantagens e interferências da presença do observador em seus trabalhos (CARONIA, 2015CARONIA, L. Totem and Taboo: The Embarassing Epistemic Work of Things in The Research Setting. Qualitative Research, 15(2), pp.141-165, 2015.). Primeiramente, quando cenas da vida diária são capturadas, a repetição de rituais e rotinas ajuda a contrabalancear os efeitos da invasão do pesquisador. Em segundo lugar, quando dados e filmagens são coletados a cada duas semanas ou todo mês desde muito cedo, a repetição familiar da presença de um pesquisador na casa da criança permite a construção de um relacionamento forte, que pode ser integrado nas análises (MORGENSTERN, 2009MORGENSTERN, A. L’enfant dans la langue. Paris: Presses de la Sorbonne Nouvelle, 2009.). As famílias filmadas não são somente o alvo das análises, mas são também pessoas com quem o pesquisador interage, compartilha emoções e sentimentos e esse terreno comum que é construído durante o trabalho de campo contribui fortemente para o processo de análise e para que os dados façam sentido. Em terceiro lugar, embora as sessões gravadas representem apenas uma pequena parte das vidas dos participantes, esses trechos podem nos ajudar a capturar vestígios de suas experiências passadas, à medida que elas são reativadas em suas atividades e trocas diárias - o que poderíamos chamar de “habitus”, conforme definido por Husserl (2012)11 11 “Habitus”. HUSSERL, E. Ideias para uma Fenomenologia Pura e para uma Filosofia Fenomenológica. Prefácio de Carlos Alberto Ribeiro de Moura. 4 ed. São Paulo: Editora Ideias e Letras, 2012. . As sessões relacionam dimensões múltiplas de práticas linguístico-interacionais mais amplas, que podem ser reproduzidas, transcritas, codificadas e minuciosamente analisadas, repetidamente, com uma variedade de perspectivas, graças aos elementos fornecidos pelas gravações em vídeo e às transcrições alinhadas, produzidas com o uso de softwares especializados.

O campo de pesquisa da linguagem da criança foi um dos primeiros nos quais dados de interação espontânea foram sistematicamente coletados, inicialmente por meio de estudos diários (INGRAM, 1989INGRAM, D. First Language Acquisition: Method, Description and Explanation. Cambridge: Cambridge University Press, 1989.; MORGENSTERN, 2009MORGENSTERN, A. L’enfant dans la langue. Paris: Presses de la Sorbonne Nouvelle, 2009.) e, posteriormente, por meio de gravações em áudio e vídeo compartilhadas ao redor do mundo, graças ao projeto CHILDES (MACWHINNEY, 2000MACWHINNEY, B. The CHILDES Project: Tools for Analyzing Talk, 3rd Edition, Vol. 2. The Database, Lawrence Erlbaum Associates, Mahwah, NJ, 2000. ). Esse método centrado nos dados tem permitido a muitos pesquisadores confirmar que, no decorrer de seu desenvolvimento, as crianças criam seus próprios caminhos através de sistemas multimodais transitórios sucessivos, que têm sua própria coerência interna (COHEN, 1924COHEN, M. Sur les langages successifs de l’enfant. In: Mélanges linguistiques offerts à M. J. Vendryès par ses amis et ses élèves. Collection linguistique publiée par la Société de linguistique de Paris. Paris, Champion, XVII, p.109-127, 1925.). Esse fenômeno pode ser observado em todos os níveis de análises linguísticas. As produções das crianças são como esboços evanescentes da linguagem adulta e só podem ser transcritas e analisadas em seu contexto interacional, levando em consideração o conhecimento compartilhado, as ações, os gestos das mãos, as expressões faciais, a postura corporal, os movimentos da cabeça, todo tipo de produção vocal, juntamente com as palavras reconhecíveis usadas pelas crianças (MORGENSTERN; PARISSE, 2007MORGENSTERN, A., PARISSE, C. Codage et interprétation du langage spontané d'enfants de 1 à 3 ans. Corpus n°6 “Interprétation, contextes, codage, pp.55-78, 2007.; PARISSE; MORGENSTERN, 2010PARISSE, C., MORGENSTERN, A. A Multi-Software Integration Platform and Support for Multimedia Transcripts of Language. LREC 2010, Proceedings of the Workshop on Multimodal Corpora: Advances in Capturing, Coding and Analyzing Multimodality, pp.106-110, 2010.). As pesquisas em aquisição da linguagem têm desenvolvido ferramentas, métodos e abordagens teóricas para analisar as produções multimodais situadas das crianças, uma vez que elas fornecem evidências para interligar o desenvolvimento motor e psicológico, a cognição, a afetividade e a língua(gem).

3 Autorreferenciação

Os pronomes de primeira pessoa são uma categoria complexa para as crianças adquirirem. Quando elas começam a fazer referência a si mesmas como sujeitos, as crianças falantes de francês podem usar tanto formas-padrão - “je” [eu], “moi je” [eu contrastivo] -, formas não-padrão - “moi” [me], “tu” [você], “il/elle” [ele/ela], nome, como também simples predicados. A análise desses usos nos fornece valiosas percepções sobre como as crianças processam a língua(gem) que as cerca de forma criativa e como elas, progressivamente, adquirem as ferramentas que lhes permitem referir-se a si mesmas como falantes e sujeitos (MORGENSTERN, 2006MORGENSTERN, A. Un JE en construction. Genèse de l’auto-désignation chez le jeune enfant. Paris: Ophrys, 2006. ; CAËT, 2013CAET, S. Référence à soi et à l’interlocuteur chez des enfants francophones et anglo- phones et leurs parents. Ph.D. dissertation, Université Sorbonne Nouvelle - Paris 3, Paris, 2013. ). A referência de primeira e segunda pessoas são expressas por meio de pronomes do francês adulto e as crianças precisam compreender que eles se referem aos papéis conversacionais de falante e ouvinte. As crianças falantes de francês utilizam uma grande variedade de marcadores para fazer referência a si mesmas até por volta dos seus 24-30 meses de idade (BRIGAUDIOT; NICOLAS; MORGENSTERN, 1994; 2006; CAËT, 2013CAET, S. Référence à soi et à l’interlocuteur chez des enfants francophones et anglo- phones et leurs parents. Ph.D. dissertation, Université Sorbonne Nouvelle - Paris 3, Paris, 2013. ), tais como o uso da forma nula, preenchedores, o nome da criança, o pronome forte “moi” (MORGENSTERN, 2003MORGENSTERN, A. Le langage de l’enfant est-il linguistiquement correct? In DELMAS, C.; ROUX, L. (ed.). Correct, incorrect en linguistique anglaise. Saint-Etienne: Publications de l’Université de Saint-Etienne, 2003. ) e outra pessoa, a segunda ou a terceira (MORGENSTERN, 2003MORGENSTERN, A. Le langage de l’enfant est-il linguistiquement correct? In DELMAS, C.; ROUX, L. (ed.). Correct, incorrect en linguistique anglaise. Saint-Etienne: Publications de l’Université de Saint-Etienne, 2003. ). Na sequência, o pronome de primeira pessoa gradativamente substitui os outros marcadores, à medida que as crianças também passam a dominar tempos verbais, aspectos, modalidades e uma variedade de gêneros discursivos (NELSON, 1989NELSON, K. Monologue as the Linguistic Construction of Self in Time. In: NELSON, K. (ed.). Narratives from the Crib. Cambridge MA: Harvard University Press, 1989. pp.284-308.). A referência a si e aos outros exige conhecimentos suficiente de fonologia, morfossintaxe, semântica, pragmática, discurso, o que explica a necessidade, por parte da criança, de um certo tempo (que varia de acordo com a criança) para começar a usar o sistema pronominal. Diferentes textos já ilustraram como o uso de diferentes formas pela criança para fazer referência a si mesma e ao seu interlocutor implica que cada forma tem uma ligação a funções e contextos específicos (BUDWIG, 1995BUDWIG, N. A Developmental-Functionalist Approach to Child Language. New Jersey: Erlbaum, 1995.; MORGENSTERN, 2006MORGENSTERN, A. Un JE en construction. Genèse de l’auto-désignation chez le jeune enfant. Paris: Ophrys, 2006. ; CAËT, 2013).

Algumas crianças invertem os pronomes de primeira e de segunda pessoas (ver Evans; Demuth, 2012EVANS, K. E.; DEMUTH, K. Individual Differences in Pronoun Reversal: Evidence from Two Longitudinal Case Studies. Journal of Child Language, 39(1), pp.162-191, 2012. , para o inglês e Morgenstern, 2012MORGENSTERN, A. The Self as Other: Selfwords and Pronominal Reversals in Language Acquisition. In: LORDA, C.; ZABALBEASCOA, P. (ed.). Spaces of Polyphony, “Dialogue Studies”. Amsterdam/London: John Benjamins Publishing, 2012. pp.57-72., para o francês). Inversões são raras em crianças com desenvolvimento típico, mas são muito impressionantes e vários autores estudaram esse fenômeno, uma vez que ele induz “questões específicas, cujas respostas podem lançar uma luz sobre o mecanismo de aquisição dos pronomes12 12 No original: “Specific questions whose answers may shed light on the mechanism of pronoun acquisition”. ” (CHIAT, 1989CHIAT, S. Children's Pronouns, unpublished document, Département de psycholinguistique. Cambridge: Harvard University, 1989., p.383). Elas também são examinadas em distúrbios de linguagem (KANNER, 1943KANNER, L. Autistic Disturbances of Affective Contact. Nerv Child 2, pp.217-50. “Reprint” in Acta Paedopsychiatr 35(4), pp.100-36, 1943.) e rotuladas como ecolalia ou como um indicativo de dificuldades das crianças em compreender a natureza reversível dos pronomes e suas funções pragmáticas no diálogo.

Vários fatores podem explicar as inversões, incluindo a falta de conhecimento semântico das crianças (BELLUGI; KLIMA, 1983BELLUGI, U., KLIMA, E. S. From Gesture to Sign: Deixis in a Visual-Gestural Language. Journal of Visual and Verbal Language, 3, pp.45-54, 1983.), a imitação direta do discurso ouvido por elas (PETERS, 1983PETERS, A. M. The Units of Language Acquisition, Vol. 1. Cambridge: CUP, 1983. ), a não compreensão da troca de perspectivas (LOVELAND, 1984LOVELAND, K. A. Learning about Points of View: Spatial Perspective and the Acquisition of I/You. Journal of Child Language, 11, pp.535-556, 1984.) ou da natureza da linguagem dirigida à criança (OSHIMA-TAKANE, 1988OSHIMA-TAKANE, Y. Children Learn from Speech not Addressed to Them: The case of Personal Pronouns. Journal of Child Language, 15(01), pp.95-108, 1988. , 1992OSHIMA-TAKANE, Y. Analysis of Pronominal Errors: A Case-Study. Journal of Child Language, 19(01), pp.111-131, 1992.).

Em nossos dados de crianças com desenvolvimento típico, a inversão pronominal não é sistemática e sempre acontece concomitantemente ao uso padrão, o que indica que elas estão em uma fase transitória. Oshima-Takane (1992)OSHIMA-TAKANE, Y. Analysis of Pronominal Errors: A Case-Study. Journal of Child Language, 19(01), pp.111-131, 1992. sugere que as crianças podem estabelecer a ligação entre os pronomes e os papéis discursivos caso elas vejam dois falantes interagindo e, assim, percebem que o pronome de segunda pessoa se refere ao interlocutor. A autora, portanto, destaca a importância da visão (ver também Oshima-Takane; Cole & Yaremko, 1993). Estudos sobre a aquisição de pronomes em crianças cegas mostram que o uso do sistema pronominal é dominado tardiamente (FRAIBERG; ADELSON, 1973FRAIBERG, S; ADELSON, E. Self-representation in Language and Play: Observations of Blind Children. The Psychoanalytic Quarterly, 42, pp.539-562, 1973.; SAMPAIO, 1991SAMPAIO, E. L'autisme infantile: le cas de l'enfant aveugle. Réflexions méthodologiques. Psychologie Médicale. 21, pp.2020-2024, 1989.). Loveland (1984LOVELAND, K. A. Learning about Points of View: Spatial Perspective and the Acquisition of I/You. Journal of Child Language, 11, pp.535-556, 1984.) enfatiza os aspectos espaciais da aquisição dos pronomes e como ouvir e ver outras pessoas dialogando ajuda as crianças a entender a troca de perspectiva. No entanto, o estudo bastante detalhado de Perez-Pereira (1999)PEREZ-PEREIRA, M. Deixis, Personal Reference, and the Use of Pronouns by Blind Children. Journal of Child Language, 26, pp.655-680, 1999. vai contra a afirmação de que crianças cegas fazem muitos erros de inversão. Ele concorda com o fato de que “a falha ao observar pronomes no discurso dirigido a outra pessoa13 13 No original: “Failure to observe pronouns in speech addressed to another person”. ” poderia ter um efeito, mas ele também analisa o impacto da “grande proporção de diretrizes e solicitações usadas pelas mães14 14 No original: “Large proportion of directives and requests used by mothers”. ” (1999, p.677), que impedem que algumas das crianças cegas de seu estudo façam uso das formas padrão. As crianças cegas podem compensar sua falta de visão com um apoio vocal. Elas desenvolvem a capacidade de localizar internamente os parceiros e ouvintes do discurso, ou outros protagonistas aos quais se faz referência e, assim como as crianças que vêem, elas podem, dessa forma, distinguir seus papéis no diálogo como “pessoas15 15 No original: “Persons”. ” (com uma relação interpessoal e reversível) ou “não pessoas16 16 No original: “Non-persons”. ” - sendo excluídas da relação interpessoal e da interlocução (BENVENISTE, 1966BENVENISTE, E. Problèmes de linguistique générale. Paris: Gallimard. Vol. 1, 1966.)-, graças à sua percepção auditiva. Crianças que vêem usam todos os recursos semióticos ao seu dispor para aprender tais diferenças.

A aquisição da referência a si está ancorada no diálogo. Para poder analisar as produções das crianças em uma perspectiva dialógica, devemos levar em consideração o contexto discursivo e situacional em relação à língua(gem) que é fornecido pelos adultos, tanto em termos de formas, quanto de funções. Nós estudamos a autorreferência em paralelo à referência ao interlocutor tanto nas produções das crianças, como nas dos pais. Enquanto as crianças aprendem como fazer referência a si mesmas, elas podem se basear em pistas formais e funcionais derivadas das formas que seus pais usam ao se referir à criança como um interlocutor e sujeito gramatical, mas também como eles referem-se a si próprios como falantes e sujeitos gramaticais.

4 Dados e método

Neste artigo, eu me concentro em trechos de dados extraídos do corpus de Paris, que foi coletado dentro do projeto ANR ColaJE e está disponível online (projeto CHILDES, MACWHINNEY, 2000MACWHINNEY, B. The CHILDES Project: Tools for Analyzing Talk, 3rd Edition, Vol. 2. The Database, Lawrence Erlbaum Associates, Mahwah, NJ, 2000. ; ORTOLANG; MORGENSTERN; PARISSE, 2012MORGENSTERN, A., PARISSE, C. The Paris Corpus. Journal of French Language Studies, 22, pp.7-12, 2012.). O financiamento do projeto foi utilizado para coletar novos dados franceses, para melhorar os sistemas de transcrição e codificação dos pesquisadores, de forma a permitir o estudo da emergência e do desenvolvimento de padrões gramaticais usados pelas crianças entre um e sete anos de idade e comparar a fala do adulto e da criança. Os programas reuniram especialistas de vários campos da aquisição da linguagem para estudar o desenvolvimento da linguagem, em uma perspectiva multimodal e interdisciplinar, no mesmo corpus longitudinal. As análises objetivaram encontrar regularidades na aquisição em cada criança e comparando as crianças entre si.

As crianças observadas são filhas de pais que pertencem à classe média, com formação superior, e foram filmadas em suas casas por volta de uma vez ao mês, durante uma hora, em situações cotidianas (brincando, tomando banho, jantando). As transcrições foram feitas no formato CHAT, permitindo, assim, o uso das ferramentas do programa CLAN para analisar e pesquisar os dados (Extensão Média do Enunciado; frequência de palavras, número de tipos de palavras e palavras faladas (token); categorização morfológica; busca por palavra e expressão). As transcrições foram alinhadas aos dados em vídeo e puderam ser analisadas com a utilização de diversas ferramentas de computação. Para os fins deste estudo, usamos um formato mais amigável para o leitor: trazemos, no corpo do texto, a versão em português dos dados, com as informações não verbais em itálico. A versão original, em inglês ou em francês, está disponível nas notas de rodapé17 17 N.T. Na versão original do artigo, seguindo as normas da revista, os dados são apresentados, no corpo do texto, na língua original, em inglês ou em francês. Quando há dados em francês, sua tradução em inglês aparece em nota de rodapé. .

Selecionei os excertos apresentados nas análises a partir de extensivos estudos prévios a respeito da referência a si e aos outros, realizados com o corpus Paris (MORGENSTERN, 2006MORGENSTERN, A. Un JE en construction. Genèse de l’auto-désignation chez le jeune enfant. Paris: Ophrys, 2006. ; CAËT, 2013CAET, S. Référence à soi et à l’interlocuteur chez des enfants francophones et anglo- phones et leurs parents. Ph.D. dissertation, Université Sorbonne Nouvelle - Paris 3, Paris, 2013. ; CAËT; MORGENSTERN, 2015CAET, S., MORGENSTERN, A. First and Second Person Pronouns in Two Mother-Child Dyads. In: GARDELLE, L. & SORLIN, S. (eds.). The Pragmatics of Personal Pronouns. Amsterdam-London: John Benjamins Publishing, 2015. pp.173-193.), para ilustrar como o desenvolvimento da autorreferenciação das crianças encontra eco no trabalho de Bakhtin.

5 Análises 18 18 Análises quantitativas e qualitativas completas de mais dados podem ser encontradas em Morgenstern (2006; 2012), Caët (2013), assim como em Caët & Morgenstern (2015; 2017). de referências à criança

As crianças são caracterizadas por manipular a linguagem e o diálogo em conversas consigo mesmas, nas quais as vozes de seus cuidadores permeiam seus próprios discursos. De acordo com Vygotsky (1978VYGOTSKY, L. S. Mind in Society: The Development of Higher Psychological Processes. Ed. By Cole, M., John-Steiner, V., Scribner, S., Souberman, E. Cambridge, MA: Harvard University Press, 1978.), os diálogos sociais em que as crianças se envolvem durante brincadeiras de faz de conta são internalizados como discursos internos autorreguladores. A perspectiva bakhtiniana pode ser útil ao examinar usos heteroglóssicos de brincadeiras de faz de conta que fazem parte da prática das crianças dos papéis sociais dos adultos, à medida que elas exploram as possibilidades de produção de sentidos nos mundos fictícios, nos quais cada palavra, cada construção multimodal, cada enunciado ecoa em outras palavras, gestos, expressões faciais e enunciados usados repetidamente ao seu redor.

No entanto, eu gostaria de mostrar que essa perspectiva também pode ser valiosa fora do contexto da brincadeira de faz de conta das crianças, em suas vidas cotidianas. Ao longo de suas interações com seus pais e à medida que participam de atividades cotidianas, as crianças têm oportunidades de se familiarizar com o ato de replicar, reciclar e se apropriar de uma variedade de perspectivas, que são especificamente marcadas no uso de referência pessoal. Todos os seus enunciados multimodais são produto de uma variedade de vozes (produzidas a partir de fontes semióticas diversas), que as cercam desde o início de suas vidas.

Inicio minhas análises com um exemplo retirado do corpus Forrester (FORRESTER, 2008FORRESTER, M.A. The Emergence of Self-repair: A Case Study of One Child during the Early Preschool Years. Research on Language & Social Interaction, vol. 41 (1), pp.99-128, 2008.), para ilustrar o papel da tutela dos pais no desenvolvimento da referência a si e ao outro. O pai assume o gesto da filha, o que poderia ser interpretado como algo não intencional e não comunicativo, e o transforma em um jogo que serve como transição em direção ao significado.

Exemplo 2. Ella 1;02

O pai e a filha estão tomando café da manhã.

1. FAT: Você está cansada?

Ella choraminga e esfrega o rosto.

2. FAT: Oh um pouquinho.

Ela então faz um gesto muito inesperado. Suas mãos descem pelos seus cabelos. Ela bate em sua cabeça e olha para o pai enquanto produz uma curta vocalização

3. ELLA: eh !

Ele assume o gesto da filha e aponta para a cabeça dela

4. FAT: a cabeça do bebê.

Ele então aponta para a sua própria cabeça.

5. FAT: a cabeça do papai.19 19 No original: “The father and the daughter are having breakfast. /1. FAT: Are you tired ? /Ella whimpers and rubs her face. / 2. FAT: Oh a little bit. / She then makes a very unexpected gesture. Her hand goes down along her hair. She hits her head and looks at her father as she produces a short vocalization. / 3. ELLA: eh ! /He takes up his daughter’s gesture and points to her head / 4. FAT: baby’s head. / He then points at his own head. / 5. FAT: daddy’s head”.

No turno 1, o pai dirige-se explicitamente à Ella, usando o pronome de segunda pessoa. Como ela choraminga e gestualiza sem produzir uma fala articulada, ele formula, no turno 2, sua própria interpretação do comportamento dela “oh um pouquinho”, a partir da perspectiva dele. Ele está participando ativamente do diálogo, compensando a falta de habilidade de sua filha na manipulação da fala. Ele então ilustra como trata a interação entre eles, como uma experiência comunicativa em tempo real e responde a todas as produções multimodais dela. Ele assume o que parece ser um gesto não intencional e não comunicativo e o transforma, moldando-o em um gesto de apontar convencional, por meio do qual ele pode designar alternativamente a sua própria cabeça (turno 4) e a cabeça de sua filha (turno 5). Ele o transformou em um gesto social, que faz parte da sequência de gestos de apontar, rotineiramente utilizados pelos vários membros da família, e que Ella irá assumir e repetir por si só nas sessões seguintes. O interessante é que o pai usa uma perspectiva em terceira pessoa para se referir tanto à criança, quanto a si mesmo, possibilitando que ambos compartilhem da mesma perspectiva externa, fora do domínio interpessoal reversível do diálogo. Esse uso dos pronomes de terceira pessoa e dos nomes próprios para se referir a si mesmos e às crianças é muito comum na fala dirigida à criança nas culturas ocidentais. As crianças reproduzem esse uso em contextos específicos, como ilustrado nos exemplos seguintes.

No exemplo 3 (retirado de Morgenstern, 2012MORGENSTERN, A. The Self as Other: Selfwords and Pronominal Reversals in Language Acquisition. In: LORDA, C.; ZABALBEASCOA, P. (ed.). Spaces of Polyphony, “Dialogue Studies”. Amsterdam/London: John Benjamins Publishing, 2012. pp.57-72.), Léonard tem 2 anos e 2 meses de idade. Enquanto ele está tomando seu lanche da tarde, depois de passar o dia na creche, seus pais perguntam ao menino sobre esse dia que ele passou longe deles. Aos 2 anos de idade, graças à tutela dos pais, ele tem a habilidade de contar que ele fez esculturas de barro, de listar o que ele comeu e com quem brincou. Um pouco mais tarde, enquanto ele está se preparando para tomar banho, Léonard se torna um pouco agressivo com sua mãe quando ela beija os braços dele e ele brinca de retirar os beijos dela com a mão e diz “sem beijo nos meus braços”. Ele começa, então, muito abruptamente, a narrar um evento que aconteceu durante o dia:

Exemplo 3 - Léonard, 2;02

1. LEO: Ele disse pan para o David.

O olhar de Leonard aponta para o céu, para longe de sua mãe.

2. MOT: Você disse pan para ...

3. LEO: Ele disse… Ele disse pan para o David.

FAT entra no banheiro.

4. FAT: Você disse pan para o David?

5. LEO: sim.

Léonard se vira para o pai.

6. MOT: O David da creche?

7. LEO: Léonard disse, Léonard disse p… ele disse pan para o David.

O olhar de Léonard está em sua frente, como se ele estivesse visualizando a cena internamente. Ele faz um gesto de bater, enquanto diz “pan”.

8. MOT: Por quê?

9. LEO: Sim.

10. M: Por que você disse pan para o David? O David também disse pan para você?

11. LEO: Não é legal [fazer isso], David, não é legal, David.

Ele faz uma série de gestos de bater, seu olhar segue sua mão e está voltado para longe de seus pais. 20 20 No original: “1. LEO: L’a dit pan à David. / Leonard’s gaze is turned towards the sky, away from his mother. / 2. MOT: T'as dit pan à ... / 3. LEO: L’a dit p… l’a dit pan à David. / FAT enters the bathroom. / 4. FAT: T'as dit pan à David? / 5. LEO: oui / Léonard turns to his father. / 6. MOT: David de la crèche? / 7. LEO: Léonard il a, Léonard a dit p… l’a dit pan a David. / Léonard’s gaze is in front of him, as if he were inwardly visualizing the scene. He performs a beating gesture as he says “pan”. / 8. MOT: Pourquoi? / 9. LEO: oui / 10. M: Pourquoi t'as dit pan à David? David il t'avait dit pan aussi? / 11. LEO: Pas beau David, pas beau à David. / He performs a series of beating gestures, his gaze follows his hand and is turned away from his parents”.

A criança reencena o evento enquanto pontua sua fala com gestos. Isso permite que seus pais tenham acesso a uma versão visual da situação. No entanto, na produção de Léonard, uma distância entre a criança que está na banheira agora e a protagonista que é descrita na cena do jardim de infância é marcada através do uso da terceira pessoa. Curiosamente, seu olhar se torna vago (turno 1), como se a cena estivesse sendo visualizada em sua mente. Esse uso do olhar é bastante similar ao que Cuxac (2000) analisa em narrativas da língua francesa de sinais. Os sinalizantes da língua de sinais, quando estão envolvidos em uma narrativa, não olham para o seu interlocutor, já que eles não estão personificando a si mesmos, mas sim personagens na narrativa.

No turno 6, Léonard esclarece a identidade dos dois protagonistas, depois da pergunta de sua mãe: “O David da creche?” [David de la crèche?]. Ele usa o seu próprio nome, Léonard (turno 7): “Léonard disse, Léonard disse p… ele disse pan para o David”. Ao usar o seu nome ao invés do pronome “eu” (que o menino já utiliza nesta idade, em outros contextos), ele pode partilhar o ponto de vista de seus pais. Léonard está dividido em duas identidades, narrador e protagonista, e ele distingue esses dois papéis com o uso do pronome de terceira pessoa. Contudo, ele também representa a cena por mímica (turnos 7, 11). O corpo de Léonard, o falante (incluindo seus braços batendo no ar), permite que ele mostre para a mãe o protagonista Léonard em sua narrativa. Isso se assemelha ao que ocorre em narrativas na língua de sinais; o corpo do sinalizante se transforma no personagem da história, o que é chamado de “transferência pessoal21 21 No original: “personal transfer”. ”.

Todos os usos de autorreferências de Léonard foram analisadas (MORGENSTERN, 2012MORGENSTERN, A., PARISSE, C. The Paris Corpus. Journal of French Language Studies, 22, pp.7-12, 2012.). Ele usa “il” (ele) toda vez que conta uma narrativa em que ele é retratado como travesso, não apenas quando é agressivo com David, mas também quando rasga um livro, quebra um brinquedo ou pula muito em sua cama. Graças ao uso da perspectiva de terceira pessoa, sua produção verbal marca uma distância entre o falante e o protagonista travesso que ele está retratando.

Com essa mesma idade, ao invés de usar o pronome de primeira pessoa, Anaé também faz referência a si mesma como sujeito, algumas vezes, usando o seu nome, o que confere à sua produção uma perspectiva de terceira pessoa, quando ela se torna o objeto-alvo do discurso (CAËT; MORGENSTERN, 2015CAET, S., MORGENSTERN, A. First and Second Person Pronouns in Two Mother-Child Dyads. In: GARDELLE, L. & SORLIN, S. (eds.). The Pragmatics of Personal Pronouns. Amsterdam-London: John Benjamins Publishing, 2015. pp.173-193.). No exemplo a seguir, ela está se escondendo e o uso que faz de seu nome “Anaé” impregna sua fala com a perspectiva da pessoa que está procurando por ela, ao invés do ponto de vista de falante.

Exemplo 4 - Anaé 2;2

1. ANAE: Onde está a Anaé ?

2. OBS: ah bom eu não sei, eu só vejo uma boca.22 22 No original “1. ANAE: il est où Anaé ? / 2. OBS: ah ben je sais pas j(e) vois une bouche”.

O uso não padrão que a criança faz do sistema pronominal é marcado não somente pela produção de seu nome para designar a si mesma, mas também pelo uso do pronome masculino “il” [ele]23 23 N.T. na formulação original do enunciado em francês “il est où Anaé?” . Isso pode ser uma supergeneralização do pronome não marcado no sistema da criança (ver Greenberg, 2005GREENBERG, J. H. Language Universals: with Special Reference to Feature Hierarchies. Berlin: Walter de Gruyter, 2005. ), já que ela tem dois irmãos e pode ouvir o pronome “il” com mais frequência do que “elle” [ela] em situações lúdicas. Ela, então, recicla as formas que seus irmãos e que os adultos usam em situações semelhantes e não troca as perspectivas, como as crianças mais velhas e os adultos fazem em situações como essas, mesmo que ela faça uso do pronome de primeira pessoa em outros contextos, quando ela faz pedidos ou descreve situações cotidianas nas quais está envolvida (CAËT, 2013CAET, S. Référence à soi et à l’interlocuteur chez des enfants francophones et anglo- phones et leurs parents. Ph.D. dissertation, Université Sorbonne Nouvelle - Paris 3, Paris, 2013. ).

A mesma falta de troca de papéis pode também ser notada em narrativas de acontecimentos passados, em que as produções da criança manifestam uma perspectiva de terceira pessoa e ela é retratada como uma personagem na história. No exemplo a seguir, ela reformula o enunciado de sua mãe enquanto elas narram uma ida de trem ao zoológico.

Exemplo 5 - Anaé 2;4

1. MOT: você se lembra de quando a gente foi ao zoológico?

2. ANAE: sim.

3. MOT: a gente pegou o trem.

4. ANAE: Anaé pegou o trem.

5. MOT: Anaé pegou o trem e para onde a gente foi?24 24 No original: “1. MOT: oui tu t(e) rappelles quand on était allé au zoo? / 2. ANAE: ouais. / 3. MOT: on avait pris le train. / 4. ANAE: Anaé [e] a pris [o] train. / 5. MOT: Anaé elle a pris le train et on est allé où ?”.

Anaé não andava de trem com frequência e esse acontecimento é encenado como algo marcante. Outra ocorrência de um evento marcante se dá, assim como para Léonard, quando ela se refere a si mesma como a autora de uma travessura (ela tinha rasgado uma parte da página do livro e, portanto, o personagem Babouche, o macaco, não estava em sua melhor forma).

Exemplo 6 - Anaé 2;5

1. ANAE: Babouche está quebrado.

Ela aponta para o livro.

2. MOT: sim, ele está um pouquinho quebrado.

3. ANAE: foi a Anaé que quebrou.25 25 No original: “1. ANAE: Babouche il est cassé. / She points at the book. / 2. MOT: ouais il est un p(e)tit peu cassé. / 3. ANAE: c’est Anaé qu(i) [e] case”.

Nesse excerto, a menina usou seu nome com uma perspectiva de terceira pessoa, como se ela não estivesse falando de si mesma. Ela não faz uso do pronome de primeira pessoa para identificar o falante (ela mesma) com o agente das ações às quais ela se refere, como se ela estivesse ecoando a voz e a perspectiva de sua mãe para se referir a si mesma (MORGENSTERN, 2006MORGENSTERN, A. Un JE en construction. Genèse de l’auto-désignation chez le jeune enfant. Paris: Ophrys, 2006. ; 2012MORGENSTERN, A. The Self as Other: Selfwords and Pronominal Reversals in Language Acquisition. In: LORDA, C.; ZABALBEASCOA, P. (ed.). Spaces of Polyphony, “Dialogue Studies”. Amsterdam/London: John Benjamins Publishing, 2012. pp.57-72.). Ela não integra os papéis de fala e as trocas de referências no seu próprio discurso e mantém uma perspectiva de terceira pessoa, ou neutra, reciclando, assim, o discurso que ela ouviu previamente na língua ao seu redor.

Às vezes, a mãe de Anaé também fazia uso da perspectiva de terceira pessoa para designar a filha, em situações especiais. O exemplo seguinte ilustra como ela fez uso do nome da criança e da terceira pessoa quando Anaé conseguiu realizar um grande feito: ela subiu sozinha até o topo do escorregador.

Exemplo 7 - Anaé 1;11

1. FAT: você vem? Anaé anda em direção ao escorregador.

2. FAT: você vai subir?

Anaé sobe as escadas do escorregador e senta-se no topo.

3. MOT: nossa, como a Anaé está grande!26 26 No original: “1. FAT: tu viens? Anaé walks towards the slide. / 2.FAT: tu montes? / Anaé climbs up the stairs of the slide and sits on the top. /3. MOT: oh la la qu’est-c(e) qu’ elle est grande Anaé!”.

Mas a mãe também faz uso da terceira pessoa quando descreve, em tom de brincadeira, uma imagem negativa da filha, como no seguinte exemplo.

Exemplo 8 - Anaé 2;2

1. MOT: vamos lá, a gente limpa a boca.

2. MOT: nossa, nossa! Ela está suja, essa menininha. Uau, como ela está suja.

Anaé protesta. 27 27 No original: “1. MOT: hop on essuie la bouche. / 2. MOT: Oh la la, oh la la ! Elle est sale cette petite fille. wah qu’elle est sale / Anaé protests”.

No exemplo 8, a mãe de Anaé parece estar se dirigindo a uma boneca, que não possui a habilidade de trocar de papéis como falante, ao invés de a uma pessoa, uma vez que ela utiliza o pronome “on” [a gente], a expressão pronominal “cette petite fille” [essa menininha] e o pronome de terceira pessoa “elle” [ela]. Ela está criando uma falsa perspectiva, que reforça sua avaliação negativa, marcada pelo adjetivo “sale” [suja] e pelo demonstrativo “cette” [essa], em “cette petite fille”, assim como pela interjeição “wah” [uau]. O uso da terceira pessoa permite à mãe assumir uma perspectiva de terceira pessoa, fora da interlocução. Ela pode, então, voltar seus comentários indiretamente à filha, sem dirigi-los explicitamente “a” ela. Isso permeia a produção com uma falsa objetividade. Nesta cena, há um jogo, não através de uma situação de mentira, mas através da mudança do gênero utilizado. Ao invés de colocar-se em uma esfera interpessoal, a mãe cria uma distância e coloca o seu próprio discurso fora dos papéis discursivos tradicionais geralmente usados no diálogo. Ela enfatiza o seu papel como a adulta que pode dizer “on essuie la bouche” a gente limpa a boca] à menina, pois essa menina está presente como um objeto de atenção conjunta, em uma perspectiva externa.

As crianças precisam aprender que, quando elas estão nessa posição de falante, elas precisam usar uma forma específica, o pronome de primeira pessoa, e trocar as perspectivas, ao invés do pronome de segunda pessoa, usado para se referir a elas quando outras pessoas falam com elas. Anaé raramente se autodesigna com o pronome de segunda pessoa. Mas, no exemplo 9, sua voz está ecoando os usos de sua mãe. Ela está tentando dar uma cambalhota.

Exemplo 9 - Anaé 2;2

1. MOT: cuidado cuidado. Enfie bem a cabeça. Enfie bem a cabeça.

2. MOT: você levanta o bumbum.

3. MOT: vai, enfie a cabeça, enfie a cabeça.

4. MOT: levante o bumbum.

5. MOT: Muito bem! applauso.

6. ANAE (rindo): você levanta de novo o bumbum.

7. MOT (rindo): você levanta de novo o bumbum?28 28 No original: “1. MOT: attention attention. Tu rentres bien ta tête. Rentre bien ta tête. / 2. MOT: tu montes tes fesses. / 3. MOT: vas-y rentre ta tête, rentre ta tête. / 4. MOT: monte tes fesses. / 5. MOT: bravo! applause. / 6. ANAE (laughing): tu remontes tes fesses. / 7. MOT (laughing): tu remontes tes fesses?”

No turno 6, Anaé ecoa um enunciado produzido pela sua mãe (turno 2). Ela ri, provavelmente porque a mãe usou a palavra “fesses” (bumbum). Anaé recicla um enunciado que sua mãe acabou de produzir a respeito dela. Algumas crianças usam “você” no lugar de “eu” muito mais frequentemente que Guillaume (ver exemplo 1 e MORGENSTERN, 2003MORGENSTERN, A. Le langage de l’enfant est-il linguistiquement correct? In DELMAS, C.; ROUX, L. (ed.). Correct, incorrect en linguistique anglaise. Saint-Etienne: Publications de l’Université de Saint-Etienne, 2003. ; 2012MORGENSTERN, A. The Self as Other: Selfwords and Pronominal Reversals in Language Acquisition. In: LORDA, C.; ZABALBEASCOA, P. (ed.). Spaces of Polyphony, “Dialogue Studies”. Amsterdam/London: John Benjamins Publishing, 2012. pp.57-72.). Esses enunciados de segunda pessoa foram internalizados com roteiros, em situações específicas. No exemplo 10, com a idade de 2;6, mesmo que Anaé frequentemente se refira a si mesma com o pronome de primeira pessoa, como no turno 2, ela ainda parabeniza a si mesma por sua realização - ela conseguiu colocar seus próprios chinelos, sem a ajuda da mãe, e inclusive explica como fazer isso - usando o seu nome, no turno 6 “Muito bem Anaé!”. Ela assume a voz da mãe, o que promove um distanciamento entre o falante e o alvo de seu elogio. Ela domina tanto as ações, quanto o roteiro linguístico relacionado à sua realização.

Exemplo 10. Anaé 2.6

Anaé está tentando colocar seu chinelo. Ele está um pouco pequeno e não é fácil colocar seu pé no chinelo em formato de bota.

1. MOT: Você - você quer que eu te ajude?

Ela continua tentando

2. ANAE: Espere! (.) enfia! (.) enfia (.) mas eu acho que não dá mais certo. Mas eu não coloquei meu negócio aqui. Não dá mais certo (.) esse chinelo.

3. MOT: não dá mais certo, esse chinelo?

4. ANAE: Não.

5. MOT: Pode ser que eles estejam um pouco pequenos, sim.

Anaé consegue colocar o segundo sapato, forçando-o no lugar.

6. ANAE: Muito bem, Anaé! Ah, é fácil!

7. MOT: é fácil?

8. ANAE: tem que enfiar o pé certo.29 29 No original: “Anae is trying to put her slipper on. It’s a bit small and not easy to get her foot into the boot-shaped slipper. /1. MOT: Tu- tu veux qu(e) je t' aide? / She keeps trying / 2. ANAE: Attends! (.) enfoncer-! (.) enfoncer (.) mais je crois ça marche plus. Mais je a pas mis mon truc là. marche plus (.) ce chausson. / 3. MOT: I(l) marche plus ce chausson? / 4. ANAE: Non / 5. MOT: Peut-être ils sont un peu petits oui. / Anaé manages to put on second shoe, pushing it into place / 6. ANAE: Bra:vo Anaé! ah c’est facile! / 7. MOT: c’est facile? / 8. ANAE: faut enfoncer le bon pied”.

Em todos esses contextos, as crianças usam os pronomes de segunda, de terceira pessoa ou seu nome e falam sobre si mesmas com a voz do outro, tomando o papel interacional do outro, como se elas fossem os destinatários (CHIAT, 1986CHIAT, S. Context-Specificity and Generalization in the Acquisition of Pronominal Distinctions. Journal of Child Language, 8, pp.75-91, 1981. ). As crianças aprendem gradativamente quais pronomes utilizar em quais contextos. Mesmo que elas estejam reciclando as palavras de alguém, elas descobrem, em sua experiência com a língua, na interação, que elas precisam usar eu [je] para referir-se a si mesmas como falantes.

À medida que experimentam e internalizam a linguagem convencional, as crianças aprendem a manipular as várias formas que elas experienciam nas produções dos adultos. As formas que elas usam são parte de uma sequência de sistemas transitórios, conforme elas vão desenvolvendo as convenções adultas. As produções dos pais modelam as produções das crianças e as acompanham até o sistema adulto (CLARK, 2003). Enquanto elas interagem e observam interações, as crianças aprendem a usar o sistema pronominal e suas restrições fonológicas, cognitivas e pragmáticas.

No final de nossos registros de dados longitudinais, todas as crianças do corpus Paris haviam se tornado habilidosos falantes multimodais. Conforme é ilustrado no excerto a seguir, Madeleine é inclusive capaz de usar o discurso indireto e de assumir diversas perspectivas e papéis. Ela usa o pronome de primeira pessoa para referir-se a si mesma, mas vai também além do princípio de que “eu” significa a pessoa que enuncia a presente instância de discurso que contém eu” (BENVENISTE, 1976, p.27830 30 N.T.: Na versão original deste artigo: “I signifies the person who is uttering the present instance of the discourse containing I”. Em português, In: BENVENISTE, E. Problemas de Linguística Geral, vol. 1. Tradução de Maria da Glória Novak e Luiza Neri; revisão do Prof. Isaac Nicolau Salum. São Paulo: Editora Nacional da Universidade de São Paulo, 1976, p.278. ). Ela pode recriar uma referência a acontecimentos passados e a discursos passados, graças ao seu próprio linguajar, à medida que ela encarna a voz de sua mãe no discurso indireto.

Exemplo 11 - Madeleine 6;11 conversando com OBS, a observadora

1 MAD: Um dia a mamãe olhou para o telefone dela e disse <nossa> [=! Discurso indireto].

A criança parou de olhar para o interlocutor e colocou suas mãos à sua frente, para imitar a situação, como se ela tivesse um telephone. Quando ela diz “nossa!” ela coloca as duas mãos em frente à boca. Ela olha então de volta para Martine, enquanto encena o próximo enunciado.

2 MAD: Porque ela tinha preparado tudo, a gente tinha enviado os convites e ela diz <nossa, eu tenho um compromisso exatamente na hora em que a gente planejou o seu aniversário> [=! Discurso indireto]

O olhar dela se distancia da OBS e depois volta para ela exatamente quando a menina diz “seu aniversário”. As expressões faciais dela reproduzem as expressões que ela atribui à sua mãe, com pequenos movimentos de cabeça e uma prosódia exagerada.

3 OBS: sim

4 MAD: Na verdade, ela tentou resolver o problema e na verdade é um dos colegas dela que está vindo.

MAD faz um sinal cíclico na altura de sua cabeça e com as duas mãos, enquanto ela diz “resolver”.

5 OBS: ah, então ela vai poder estar aqui.

6 MAD: Sim, porque ela estava aqui <não, mas eu quero ver os seus amigos, hein> [=! Discurso indireto].

MAD muda sua voz, seu olhar se distancia da OBS, suas expressões faciais são as expressões de nervosismo que ela atribui à mãe.

7 OBS: +< Que bom!

8 OBS ri

9 CHI: +< <Eu quero estar aqui> [=! Discurso indireto]

Ela continua a usar suas expressões faciais e pequenos gestos de batidas nervosas com as mãos.31 31 No original: “1 MAD: Maman un jour s'est mis(e) devant son téléphone qu' elle s'est mis(e) <han mince> [=! Reported speech]. / The child has stopped gazing at her interlocutor and places her hands in front of her to mime the situation as if she had a telephone. When she says “ah mince!” she brings both her hands in front of her mouth. She then gazes back at Martine as she performs the next utterance. / 2 MAD: Parce qu'elle avait déjà tout préparé on avait déjà donné les invitations elle dit <han mince j' ai un rendez-vous pile à l' heure de ton anniversaire> [=! Reported speech] / her gaze turns away from OBS and then gets back to her just as she says “your birthday”. Her facial expressions reproduce the expressions she attributes to her mother, with small head movements and exaggerated prosody. / 3 OBS: Oui. / 4 MAD: En fait elle a essayé d(e) régler en fait c'est son collègue qui vient. / MAD makes a cyclic gesture at the level of her head with her two hands as she says “régler” (solve). / 5 OBS: Ah donc elle pourra être là. / 6 MAD: Oui parce-qu' elle était là <non mais moi j(e) veux voir tes copines hein> [=! Reported speech]. / / MAD changes her voice, her gaze turns aways from OBS, her facial expressions are the nervous expressions she attributes to her mother. / 7 OBS:+< Ouf ! / 8 OBS laughs / 9 CHI: +< <Je veux être là> [=! Reported speech] / She continues to use her facial expressions and small nervous beat gestures with her hands”.

A primeira ocorrência de discurso indireto atribuída à mãe de Madeleine (1) não é introduzida por um verbo que indica a citação da fala do outro, mas é marcada por marcadores não segmentais. A criança usa o tom de voz e os gestos, que ela acentua à sua maneira, repetindo, mas com a sua própria acentuação, sua memória do discurso e da postura anteriores de sua mãe, para indicar a mudança de papéis. O seu olhar se afasta do observador (turnos 1 e 2) e é direcionado para as suas mãos, que “seguram” o telefone, suas expressões faciais são exageradas e indicam que ela entrou no espaço narrativo. Madeleine está interpretando o papel de sua mãe dirigindo-se a ela, dentro do espaço específico que ela está recriando. Para recriar a si mesma como a interlocutora de sua mãe, ela olha para o observador (turno 6) quando diz “seu aniversário”. A junção do olhar no observador e do pronome “seu” atribui o papel da pequena Madeleine, que presencia a consternação de sua mãe ao perceber, ao telefone, o conflito com a festa de aniversário na agenda. Por meio da encenação de Madeleine a respeito do acontecimento, representado pelo discurso, olhar, gestos, expressões faciais, o observador se torna a Madeleine, enquanto Madeleine se torna sua mãe.

Construções multimodais são automaticamente recicladas por Madeleine, como no “nossa” (ah mince), no turno 2, complementado pelo gesto da mão na boca e pela expressão facial, ou pelo gesto muito sofisticado, no turno 4, que complementa o verbo “resolver” (régler).

Ao longo dessa sequência, Madeleine manipula a primeira e a segunda pessoas com grande habilidade e harmonia, com o uso do seu olhar. Ela pode ser ela mesma, Madeleine, a criança que narra a história, se referindo a sua mãe com o pronome de terceira pessoa e olhando para o observador; ou ela mesma pode personificar sua mãe, afastando seu olhar do observador, lançando-o ao telefone e usando o pronome de primeira pessoa; ou ela pode construir uma nova versão de si mesma diretamente à sua frente, com a segunda pessoa “ton” [seu] e olhando para o observador, na cena reconstruída do acontecimento que ela está criando, com todos os recursos semióticos ao seu dispor.

A criança internalizou o papel do adulto e se apropriou de ferramentas multimodais, códigos e comportamentos sociais que são entrelaçados com a língua(gem), no e graças ao diálogo.

Conclusão

Neste artigo, adicionei aos conceitos teóricos de Bakhtin outras abordagens que influenciaram o meu trabalho sobre o desenvolvimento da linguagem, para analisar alguns momentos marcantes no percurso de desenvolvimento da criança em direção à completa apropriação do sistema linguístico convencional para se referir a si e aos outros. Por meio de uma série de exemplos, busquei ilustrar como o jogo de papéis e o discurso heteroglóssico não são apenas encontrados nas brincadeiras de faz de conta ou na conversa consigo mesmas das crianças, mas também em interações diárias entre os pais e as crianças, em atividades muito comuns, que envolvem atitudes lúdicas permeadas de afeto e trocas de perspectivas. Bakhtin foi um dos primeiros teóricos a defender a riqueza e a complexidade das atividades cotidianas em interações comuns. Em seu envolvimento diário em diálogos com outras pessoas, as crianças desenvolvem a compreensão de seu(s) papel (papéis) social (sociais) e aprendem como fazer uso das formas linguísticas convencionais que são transmitidas para elas nas vozes dos outros. Por meio da experiência de assimilar as palavras, os enunciados e todas as formas de expressões multimodais dos outros, as crianças assimilam nosso tesouro comum, a língua(gem), mas também aprendem o poder individual de enfatizar suas produções com sua própria voz.

  • Tradução de Patrícia Falasca - patricia.falasca@gmail.com
  • Revisão técnica de Alessandra Del Ré - del.re@unesp.br
  • 1
    No original: “Guillaume has just swallowed a peanut he has seized out of the bowl quickly during the adults’ apéritif and gazes at his mother with a mischievous smile. / GUIL: T’as avalé encore! / He uses an angry tone of voice”.
  • 2
    No original: “experience language”.
  • 3
    BAKHTIN, M. Gêneros do discurso. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. 2. ed. Tradução feita a partir do francês por Maria Ermantina Galvão G. Pereira. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
  • 4
    No original: “Social referencing”.
  • 5
    No original: “Affective frames”.
  • 6
    No original: “Meaning comes about through praxis - in the everyday interactions between the child and significant others”.
  • 7
    No original: “They learn how to use language as a tool to elicit attention, to establish relationships and identities, to perform social actions, and to express certain stances. All this is part of being a speaker of a language”.
  • 8
    N.T. Embora o verbo “linguajar” exista no dicionário de língua portuguesa, mantivemos o destaque em itálico dado pelo autor, considerando que se trata de um termo que vem há algum tempo sendo utilizado na área de Aquisição da Linguagem, no sentido de “fazer linguagem”, “usar a linguagem”.
  • 9
    No original: “modes of experiencing the world”.
  • 10
    No original: “paradox of the observer”.
  • 11
    “Habitus”. HUSSERL, E. Ideias para uma Fenomenologia Pura e para uma Filosofia Fenomenológica. Prefácio de Carlos Alberto Ribeiro de Moura. 4 ed. São Paulo: Editora Ideias e Letras, 2012.
  • 12
    No original: “Specific questions whose answers may shed light on the mechanism of pronoun acquisition”.
  • 13
    No original: “Failure to observe pronouns in speech addressed to another person”.
  • 14
    No original: “Large proportion of directives and requests used by mothers”.
  • 15
    No original: “Persons”.
  • 16
    No original: “Non-persons”.
  • 17
    N.T. Na versão original do artigo, seguindo as normas da revista, os dados são apresentados, no corpo do texto, na língua original, em inglês ou em francês. Quando há dados em francês, sua tradução em inglês aparece em nota de rodapé.
  • 18
    Análises quantitativas e qualitativas completas de mais dados podem ser encontradas em Morgenstern (2006MORGENSTERN, A. Un JE en construction. Genèse de l’auto-désignation chez le jeune enfant. Paris: Ophrys, 2006. ; 2012MORGENSTERN, A. The Self as Other: Selfwords and Pronominal Reversals in Language Acquisition. In: LORDA, C.; ZABALBEASCOA, P. (ed.). Spaces of Polyphony, “Dialogue Studies”. Amsterdam/London: John Benjamins Publishing, 2012. pp.57-72.), Caët (2013)CAET, S. Référence à soi et à l’interlocuteur chez des enfants francophones et anglo- phones et leurs parents. Ph.D. dissertation, Université Sorbonne Nouvelle - Paris 3, Paris, 2013. , assim como em Caët & Morgenstern (2015CAET, S., MORGENSTERN, A. First and Second Person Pronouns in Two Mother-Child Dyads. In: GARDELLE, L. & SORLIN, S. (eds.). The Pragmatics of Personal Pronouns. Amsterdam-London: John Benjamins Publishing, 2015. pp.173-193.; 2017).
  • 19
    No original: “The father and the daughter are having breakfast. /1. FAT: Are you tired ? /Ella whimpers and rubs her face. / 2. FAT: Oh a little bit. / She then makes a very unexpected gesture. Her hand goes down along her hair. She hits her head and looks at her father as she produces a short vocalization. / 3. ELLA: eh ! /He takes up his daughter’s gesture and points to her head / 4. FAT: baby’s head. / He then points at his own head. / 5. FAT: daddy’s head”.
  • 20
    No original: “1. LEO: L’a dit pan à David. / Leonard’s gaze is turned towards the sky, away from his mother. / 2. MOT: T'as dit pan à ... / 3. LEO: L’a dit p… l’a dit pan à David. / FAT enters the bathroom. / 4. FAT: T'as dit pan à David? / 5. LEO: oui / Léonard turns to his father. / 6. MOT: David de la crèche? / 7. LEO: Léonard il a, Léonard a dit p… l’a dit pan a David. / Léonard’s gaze is in front of him, as if he were inwardly visualizing the scene. He performs a beating gesture as he says “pan”. / 8. MOT: Pourquoi? / 9. LEO: oui / 10. M: Pourquoi t'as dit pan à David? David il t'avait dit pan aussi? / 11. LEO: Pas beau David, pas beau à David. / He performs a series of beating gestures, his gaze follows his hand and is turned away from his parents”.
  • 21
    No original: “personal transfer”.
  • 22
    No original “1. ANAE: il est où Anaé ? / 2. OBS: ah ben je sais pas j(e) vois une bouche”.
  • 23
    N.T. na formulação original do enunciado em francês “il est où Anaé?”
  • 24
    No original: “1. MOT: oui tu t(e) rappelles quand on était allé au zoo? / 2. ANAE: ouais. / 3. MOT: on avait pris le train. / 4. ANAE: Anaé [e] a pris [o] train. / 5. MOT: Anaé elle a pris le train et on est allé où ?”.
  • 25
    No original: “1. ANAE: Babouche il est cassé. / She points at the book. / 2. MOT: ouais il est un p(e)tit peu cassé. / 3. ANAE: c’est Anaé qu(i) [e] case”.
  • 26
    No original: “1. FAT: tu viens? Anaé walks towards the slide. / 2.FAT: tu montes? / Anaé climbs up the stairs of the slide and sits on the top. /3. MOT: oh la la qu’est-c(e) qu’ elle est grande Anaé!”.
  • 27
    No original: “1. MOT: hop on essuie la bouche. / 2. MOT: Oh la la, oh la la ! Elle est sale cette petite fille. wah qu’elle est sale / Anaé protests”.
  • 28
    No original: “1. MOT: attention attention. Tu rentres bien ta tête. Rentre bien ta tête. / 2. MOT: tu montes tes fesses. / 3. MOT: vas-y rentre ta tête, rentre ta tête. / 4. MOT: monte tes fesses. / 5. MOT: bravo! applause. / 6. ANAE (laughing): tu remontes tes fesses. / 7. MOT (laughing): tu remontes tes fesses?”
  • 29
    No original: “Anae is trying to put her slipper on. It’s a bit small and not easy to get her foot into the boot-shaped slipper. /1. MOT: Tu- tu veux qu(e) je t' aide? / She keeps trying / 2. ANAE: Attends! (.) enfoncer-! (.) enfoncer (.) mais je crois ça marche plus. Mais je a pas mis mon truc là. marche plus (.) ce chausson. / 3. MOT: I(l) marche plus ce chausson? / 4. ANAE: Non / 5. MOT: Peut-être ils sont un peu petits oui. / Anaé manages to put on second shoe, pushing it into place / 6. ANAE: Bra:vo Anaé! ah c’est facile! / 7. MOT: c’est facile? / 8. ANAE: faut enfoncer le bon pied”.
  • 30
    N.T.: Na versão original deste artigo: “I signifies the person who is uttering the present instance of the discourse containing I”. Em português, In: BENVENISTE, E. Problemas de Linguística Geral, vol. 1. Tradução de Maria da Glória Novak e Luiza Neri; revisão do Prof. Isaac Nicolau Salum. São Paulo: Editora Nacional da Universidade de São Paulo, 1976, p.278.
  • 31
    No original: “1 MAD: Maman un jour s'est mis(e) devant son téléphone qu' elle s'est mis(e) <han mince> [=! Reported speech]. / The child has stopped gazing at her interlocutor and places her hands in front of her to mime the situation as if she had a telephone. When she says “ah mince!” she brings both her hands in front of her mouth. She then gazes back at Martine as she performs the next utterance. / 2 MAD: Parce qu'elle avait déjà tout préparé on avait déjà donné les invitations elle dit <han mince j' ai un rendez-vous pile à l' heure de ton anniversaire> [=! Reported speech] / her gaze turns away from OBS and then gets back to her just as she says “your birthday”. Her facial expressions reproduce the expressions she attributes to her mother, with small head movements and exaggerated prosody. / 3 OBS: Oui. / 4 MAD: En fait elle a essayé d(e) régler en fait c'est son collègue qui vient. / MAD makes a cyclic gesture at the level of her head with her two hands as she says “régler” (solve). / 5 OBS: Ah donc elle pourra être là. / 6 MAD: Oui parce-qu' elle était là <non mais moi j(e) veux voir tes copines hein> [=! Reported speech]. / / MAD changes her voice, her gaze turns aways from OBS, her facial expressions are the nervous expressions she attributes to her mother. / 7 OBS:+< Ouf ! / 8 OBS laughs / 9 CHI: +< <Je veux être là> [=! Reported speech] / She continues to use her facial expressions and small nervous beat gestures with her hands”.

REFERENCE

  • BAKHTIN, M.M. Discourse in the Novel. In: BAKHTIN, M.M. The Dialogic Imagination: Four Essays by M.M. Bakhtin. Edited by Michael Holquist. Translated by Caryl Emerson and Michael Holquist. Austin: University of Texas Press, 1981. pp.259-422.
  • BAKHTIN, M.M. The Problem of Speech Genres. In: BAKHTIN, M.M. Speech Genres and Other Late Essays Translated by Vern W. McGee and Edited by Caryl Emerson and Michael Holquist. Austin: University of Texas Press, 1986. pp.60-102.
  • BAKHTIN, M.M. Art and Answerability. In: BAKHTIN, M. Art and Answerability. Early Philosophical Essays by M. M. Bakhtin Edited by Michael Holquist and Vadim Liapunov. Translation and notes by Vadim Liapunov. Austin: University of Texas Press, 1990. pp.1-3.
  • BELLUGI, U., KLIMA, E. S. From Gesture to Sign: Deixis in a Visual-Gestural Language. Journal of Visual and Verbal Language, 3, pp.45-54, 1983.
  • BENVENISTE, E. Problèmes de linguistique générale Paris: Gallimard. Vol. 1, 1966.
  • BOAS F. Handbook of American Indian Languages, Vol. BAE-B 40, Part I. Washington, DC: Smithsonian Institution and Bureau of American Ethnology, 1911.
  • BRIGAUDIOT, M., NICOLAS, C. Acquisition du langage: les premiers mots. Unpublished dissertation, Paris VII, 1990.
  • BRUNER, J. S. From Communication to Language. A Psychological Perspective. In: Cognition, 3, pp.255-287, 1975.
  • BUDWIG, N. A Developmental-Functionalist Approach to Child Language New Jersey: Erlbaum, 1995.
  • BUDWIG, N. Context and the Dynamic Construal of Meaning in Early Childhood. In: RAEFF, C; BENSON, J. (ed). Social and Cognitive Development in the Context of Individual, Social, and Cultural Processes London and New York: Routledge, 2003.
  • CAET, S. Référence à soi et à l’interlocuteur chez des enfants francophones et anglo- phones et leurs parents Ph.D. dissertation, Université Sorbonne Nouvelle - Paris 3, Paris, 2013.
  • CAET, S., MORGENSTERN, A. First and Second Person Pronouns in Two Mother-Child Dyads. In: GARDELLE, L. & SORLIN, S. (eds.). The Pragmatics of Personal Pronouns Amsterdam-London: John Benjamins Publishing, 2015. pp.173-193.
  • CARONIA, L. Totem and Taboo: The Embarassing Epistemic Work of Things in The Research Setting. Qualitative Research, 15(2), pp.141-165, 2015.
  • CHIAT, S. Children's Pronouns, unpublished document, Département de psycholinguistique. Cambridge: Harvard University, 1989.
  • CHIAT, S. Context-Specificity and Generalization in the Acquisition of Pronominal Distinctions. Journal of Child Language, 8, pp.75-91, 1981.
  • COHEN, M. Sur les langages successifs de l’enfant. In: Mélanges linguistiques offerts à M. J. Vendryès par ses amis et ses élèves Collection linguistique publiée par la Société de linguistique de Paris. Paris, Champion, XVII, p.109-127, 1925.
  • EKMAN, P. Expression and the Nature of Emotion. In: SCHERER, K. R.; EKMAN, P. (ed.). Approaches to Emotion Hillsdale, NJ: Lawrence Erlbaum, 1984. pp.319-344.
  • EVANS, K. E.; DEMUTH, K. Individual Differences in Pronoun Reversal: Evidence from Two Longitudinal Case Studies. Journal of Child Language, 39(1), pp.162-191, 2012.
  • FORRESTER, M.A. The Emergence of Self-repair: A Case Study of One Child during the Early Preschool Years. Research on Language & Social Interaction, vol. 41 (1), pp.99-128, 2008.
  • FRAIBERG, S; ADELSON, E. Self-representation in Language and Play: Observations of Blind Children. The Psychoanalytic Quarterly, 42, pp.539-562, 1973.
  • GREENBERG, J. H. Language Universals: with Special Reference to Feature Hierarchies Berlin: Walter de Gruyter, 2005.
  • GOPNIK, A.; MELTZOFF, A. N.; KUHL, P. K. The Scientist in the Crib: Minds, brains, and how Children Learn New York, NY, US: William Morrow & Co, 1999.
  • GUMPERZ, J.; LEVINSON, S. Rethinking Linguistic Relativity. Current Anthropology, 32, pp.613-623, 1991.
  • GUMPERZ J, LEVINSON S. (ed.). Rethinking Linguistic Relativity New York, Cambridge University Press, 1996.
  • HALLIDAY, M. Notes on Transitivity and Theme in English. Journal of Linguistics, 3, pp.199-244, 1967.
  • HUSSERL, E. Méditations cartésiennes French translation by Emmanuel Levinas and Gabrielle Peiffer. Paris: Vrin, 2001.
  • INGRAM, D. First Language Acquisition: Method, Description and Explanation. Cambridge: Cambridge University Press, 1989.
  • KANNER, L. Autistic Disturbances of Affective Contact. Nerv Child 2, pp.217-50. “Reprint” in Acta Paedopsychiatr 35(4), pp.100-36, 1943.
  • KLINNERT, M. Emotions as Behavior Regulators: Social Referencing in Infancy. In: PLUTCHIK, R.; KELLERMAN, M. (ed.). Emotion: Theory, Research and Experience. New York: Academic Press, 1983. pp.257-285.
  • LABOV, W. Sociolinguistic Patterns Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 1972.
  • LOVELAND, K. A. Learning about Points of View: Spatial Perspective and the Acquisition of I/You. Journal of Child Language, 11, pp.535-556, 1984.
  • LUCY, J.A. Linguistic Relativity. Annual Review of Anthropology, 26, pp.291-312, 1997.
  • MACWHINNEY, B. The CHILDES Project: Tools for Analyzing Talk, 3rd Edition, Vol. 2. The Database, Lawrence Erlbaum Associates, Mahwah, NJ, 2000.
  • MONDADA, L. Contemporary Issues in Conversation Analysis: Embodiment and Materiality, Multimodality and Multisensoriality in Social Interaction. Journal of Pragmatics, 145, pp.47-62, 2019.
  • MORGENSTERN, A. Le langage de l’enfant est-il linguistiquement correct? In DELMAS, C.; ROUX, L. (ed.). Correct, incorrect en linguistique anglaise Saint-Etienne: Publications de l’Université de Saint-Etienne, 2003.
  • MORGENSTERN, A. Un JE en construction Genèse de l’auto-désignation chez le jeune enfant. Paris: Ophrys, 2006.
  • MORGENSTERN, A. L’enfant dans la langue Paris: Presses de la Sorbonne Nouvelle, 2009.
  • MORGENSTERN, A. The Self as Other: Selfwords and Pronominal Reversals in Language Acquisition. In: LORDA, C.; ZABALBEASCOA, P. (ed.). Spaces of Polyphony, “Dialogue Studies” Amsterdam/London: John Benjamins Publishing, 2012. pp.57-72.
  • MORGENSTERN, A. Children’s Multimodal Language Development. In: FÄCKE, C. (ed.). Manual of Language Acquisition Berlin/Boston: De Gruyter, 2014. pp.123-142.
  • MORGENSTERN, A., PARISSE, C. Codage et interprétation du langage spontané d'enfants de 1 à 3 ans. Corpus n°6 “Interprétation, contextes, codage, pp.55-78, 2007.
  • MORGENSTERN, A., PARISSE, C. The Paris Corpus. Journal of French Language Studies, 22, pp.7-12, 2012.
  • NELSON, K. Individual Differences in Language Development: Implications for Development and Language. Developmental Psychology, 17, pp.170-187, 1981.
  • NELSON, K. Monologue as the Linguistic Construction of Self in Time. In: NELSON, K. (ed.). Narratives from the Crib Cambridge MA: Harvard University Press, 1989. pp.284-308.
  • OCHS, E., SCHIEFFELIN, B. Language Has a Heart. The Pragmatics of Affect. Special Issue of Text, 9(1), pp.7-25, 1989.
  • OCHS, E. Acquisition of Competence. Oxford Encyclopedia of Linguistics, pp.358-361, 1990.
  • OCHS, E. Experiencing Language. Anthropological Theory, 12(2), pp.142-160, 2012.
  • OSHIMA-TAKANE, Y. Children Learn from Speech not Addressed to Them: The case of Personal Pronouns. Journal of Child Language, 15(01), pp.95-108, 1988.
  • OSHIMA-TAKANE, Y. Analysis of Pronominal Errors: A Case-Study. Journal of Child Language, 19(01), pp.111-131, 1992.
  • OSHIMA-TAKANE, Y., TAKANE, O., SHUTZ, T. R. 1999. The Learning of First and Second Person Pronouns. Journal of Child Language, 26(3), pp.545-75, 1999.
  • PARISSE, C., MORGENSTERN, A. A Multi-Software Integration Platform and Support for Multimedia Transcripts of Language. LREC 2010, Proceedings of the Workshop on Multimodal Corpora: Advances in Capturing, Coding and Analyzing Multimodality, pp.106-110, 2010.
  • PARISSE, C., DE PONTONX, C., MORGENSTERN, A. L’imparfait dans le langage de l’enfant: une forme pour sortir de l’ici et maintenant. Langage - Interaction - Acquisition, pp.183-225, 2018.
  • PEREZ-PEREIRA, M. Deixis, Personal Reference, and the Use of Pronouns by Blind Children. Journal of Child Language, 26, pp.655-680, 1999.
  • PETERS, A. M. The Units of Language Acquisition, Vol. 1. Cambridge: CUP, 1983.
  • PETITTO, L. A. On the Autonomy of Language and Gesture: Evidence from the Acquisition of Personal Pronouns in American Sign Language. Cognition, 27(1), pp.1-52, 1987.
  • PIAGET, J. Play, Dreams, and Imitation in Childhood New York: Norton, 1962.
  • SACKS H. Notes on Methodology. In: ATKINSON, JM, HERITAGE J.(ed.) Structures of Social Action Edited by Gail Jefferson. Cambridge: Cambridge University Press, 1984.
  • SACKS, H. Lectures on Conversation Cambridge, MA: Blackwell, 1992. [vol. 2.]
  • SAMPAIO, E. L'autisme infantile: le cas de l'enfant aveugle. Réflexions méthodologiques. Psychologie Médicale 21, pp.2020-2024, 1989.
  • SAPIR, E. Language New York: Harcourt, Brace & World, 1921.
  • SAPIR, E. The Unconscious Patterning of Behavior in Society. In: DUMMER, E. (ed.). The Unconscious: A Symposium. New York: Knopf, pp.114-142, 1927.
  • SCHIEFFELIN, B., & OCHS, E. Language Acquisition and Socialization: Three Developmental Stories and their Implications. In: SHWEDER, R; LEVINE, R. (eds.), Culture Theory: Essays on Mind, Self and Emotion. New York, NY: Cambridge University Press, 1984. pp.276-320.
  • TOMASELLO, M. Constructing a Language: A Usage-Based Theory of Language Acquisition. Cambridge, MA: Harvard University Press, 2003.
  • VYGOTSKY, L. S. Thought and Language Cambridge, MA: The M.I.T. Press, 1934/1985.
  • VYGOTSKY, L. S. Mind in Society: The Development of Higher Psychological Processes Ed. By Cole, M., John-Steiner, V., Scribner, S., Souberman, E. Cambridge, MA: Harvard University Press, 1978.
  • WHORF, B.L. Language, Thought, and Reality: Selected Writings. Cambridge: Technology Press of Massachusetts Institute of Technology, 1956.
  • WOOD, D., BRUNER, J., ROSS G. The Role of Tutoring in Problem Solving. Journal of Child Psychology and Psychiatry, 17(2), pp.89-100, 1976.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Dez 2020
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2021

Histórico

  • Recebido
    09 Fev 2020
  • Aceito
    19 Out 2020
LAEL/PUC-SP (Programa de Estudos Pós-Graduados em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) Rua Monte Alegre, 984 , 05014-901 São Paulo - SP, Tel.: (55 11) 3258-4383 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: bakhtinianarevista@gmail.com