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Chegaste ao Império, meu amigo: o legado da narrativa imperial russa na poesia de Joseph Brodsky

RESUMO

O presente artigo tem por objetivo investigar o elemento imperial na poesia de Joseph Brodsky em diálogo com os estudos pós-coloniais. Sua conotação ambígua, permeada tanto por suas vivências enquanto poeta exilado, quanto por seus referenciais culturais, ecoa àquela apresentada nas obras de seus precursores poéticos. Portanto, traça-se um breve histórico da relação entre poesia e narrativa imperial no âmbito cultural russo, iniciada com a gênese do Império Russo no século XVIII. Em seguida, explora-se as nuances do conceito de império na obra brodskiana por meio da análise dos poemas Post aetatem nostram (1970), Torso (1972) e Sobre a Independência da Ucrânia (1991). Entende-se que tanto o conteúdo chauvinista deste último poema, quanto o aspecto positivo e nostálgico do império para Brodsky revelam a longevidade e a força da narrativa imperialista russa presente na literatura nacional do país.

PALAVRAS-CHAVE:
Joseph Brodsky; Poesia russa; Pós-colonialidade

ABSTRACT

This article aims to investigate the imperial element in the poetry of Joseph Brodsky through the lenses of post-colonial studies. Its ambiguity, informed by Brodsky’s experience as a poet in exile, as well as his personal cultural frame, echoes that of his poetic precursors. Thus, we briefly trace the history of the connection between Russian poetry and the imperial narrative, which began with the inception of the Russian Empire itself in the 18th century. Then, we explore the nuance of the concept of empire in Brodsky’s works through the analysis of the poems Post aetatem nostram (1970), Torso (1972) and On the Independence of Ukraine (1991). As we understand it, both the chauvinistic content of the latter poem and the positive and nostalgic aspect of empire to Brodsky reveal the longevity and the strength of the Russian imperial narrative in the country’s national literature.

KEYWORDS:
Joseph Brodsky; Russian poetry; Post-coloniality

Introdução1 1 As datas que acompanham os títulos de obras literárias e poemas ao longo do trabalho se referem ao ano de primeira publicação.

Nascido em São Petersburgo, então Leningrado, em 1940, e laureado com o Prêmio Nobel de Literatura em 1987, Joseph Brodsky é considerado um dos maiores poetas de língua russa do século XX (Rich, 1997RICH, Elisabeth. Joseph Brodsky in Memorian: The Russian Perspective. South Central Review, Baltimore, v. 14, n. 1, p. 10-31, 1997. Disponível em https://www.jstor.org/stable/3189752. Acesso em 20 mai. 2023. DOI: 10.2307/3189752.
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). Enquanto vivia na União Soviética, o autor se encontrou em uma posição de antagonismo perante o governo Brejnev (Bertelsen, 2015BERTELSEN, Olga. Joseph Brodsky’s Imperial Consciousness. Scripta Historica, Slupsk, v. 21, pp. 263-289, 2015. Disponível em https://www.academia.edu/26054913/Joseph_Brodsky_s_Imperial_Consciousness. Acesso em 20 mai. 2023.
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), quando a censura voltou a recrudescer após o breve abrandamento durante o degelo da era Kruschev. À época, era esperado que os artistas soviéticos fossem politicamente engajados e o fato de Brodsky priorizar sua própria vida intelectual e antipolítica consistia em flagrante afronta à doutrina estatal.

Em virtude disso, o autor sofreu uma série de processos criminais, até que se exilou nos Estados Unidos, aos trinta e dois anos de idade, e lá permaneceu pelo resto de sua vida. Jamais retornou à pátria, mesmo após ter sido convidado a fazê-lo com a dissolução da União Soviética. Ecoando a sua biografia, grande parte da produção tanto poética, quanto ensaística do autor se dedica aos temas espaciais e temporais relacionados à pátria, ao império e ao exílio.

Em que pese o status de persona non grata que lhe fora conferido pelas autoridades soviéticas, Brodsky não se considerava um dissidente. Olga Bertelsen (2015BERTELSEN, Olga. Joseph Brodsky’s Imperial Consciousness. Scripta Historica, Slupsk, v. 21, pp. 263-289, 2015. Disponível em https://www.academia.edu/26054913/Joseph_Brodsky_s_Imperial_Consciousness. Acesso em 20 mai. 2023.
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, p. 264) explica:

Brodsky possuía uma série de características que eram vistas pelo regime soviético como suspeitas: ele era desempregado, ou melhor, trabalhava de forma autônoma, um conceito desconhecido pelas autoridades soviéticas; ele se comunicava com os estrangeiros que visitavam o país e com outros “elementos suspeitos” da intelligentsia de Leningrado. Por esses motivos, ele foi exilado e, por fim, banido da União Soviética (...) Ele não foi membro de qualquer organização clandestina que se opusesse ao regime soviético e não distribuía samizdat na URSS, ainda que seus poemas tivessem sido publicados na Sintaksis, o primeiro samizdat dedicado à poesia a ser colocado em circulação em Moscou e Leningrado. Na verdade, o próprio Brodsky insistia não ser um dissidente. Mais do que isso, ele repetidas vezes afirmou ser apolítico e que sua expressão criativa não era informada pela história política2 2 Tradução nossa. No original, em inglês: “Brodsky possessed a set of features that were suspicious to the Soviet regime: he was unemployed, or rather self-employed, a concept foreign to the Soviet authorities; and he communicated with foreigners who visited the Soviet Union and with suspicious ‘elements’ of the Leningrad intelligentsia. For these reasons, he was exiled and eventually banned from the country. (...) He was not a member of any underground organization that opposed the Soviet regime, and he did not distribute samizdat in the USSR, although his poems were published in Sintaksis, the first samizdat poetry journal circulating in Moscow and Leningrad. In fact, Brodsky himself has insisted that he was not a dissident. Moreover, he has repeatedly stated that he was apolitical and his creativity was not informed by political history.” .

Contudo, o crítico literário russo Lev Loseff (1990) afirma que isso não significa uma rejeição por parte de Brodsky no tangente à presença de temas políticos em sua obra; o poeta meramente buscava reforçar a autonomia e prioridade da poesia enquanto atividade ideológica.

De fato, seria difícil sustentar o completo divórcio entre a poética brodskiana e a política diante das imagens nostálgicas construídas em torno do conceito de império, como no poema “Tors” [Torso] (1972)3 3 “Tors” [Torso] não possui tradução para o português. Em Referências, consta uma coletânea das obras de Brodsky (Sochineniia Iosifa Brodskogo [Obras de Iosif Brodsky], (vol. 3), publicada na Rússia em 2001, que inclui este poema. , ou da estética e linguagem violentas empregadas em “Na nezavisimost’ Ukrainy” [Sobre a Independência da Ucrânia] (1992)4 4 A data mencionada se refere à primeira declamação do poema feita por Brodsky no centro comunitário judaico de Palo Alto, California. O poeta decidiu não publicar “Na nezavisimost’ Ukrainy”. Portanto, as versões do poema a que temos acesso são publicações informais online, oriundas de transcrições de suas leituras públicas, gravadas em vídeo. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=4Hi97u8BFpQ. Acesso em 06 fev. 2024. Para os fins deste trabalho, utilizaremos trechos retirados da página web https://www.culture.ru/. , em resposta ao evento histórico que inspirou a composição do poema. Afinal, qualquer texto literário está inserido em um determinado contexto histórico e social, no qual é situado e interpretado (Said apudTuroma, 2010TUROMA, Sanna. Brodsky Abroad: Empire, Tourism, Nostalgia. 1. ed. Madison: University of Wisconsin Press, 2010.).

Como nas obras de seus antecessores no cânone russo, a exemplo de Aleksandr Púchkin e Mikhail Liérmontov, a conotação assumida pelo império de Brodsky é ambígua, sendo sem dúvidas influenciada por sua relação conturbada com o poder oficial, bem como por sua admiração pelos produtos culturais imperiais. Se, por um lado, a grandiosidade do projeto imperial é exaltada em suas odes, nas quais o império assume o caráter de uma força suprema capaz de penetrar as profundezas da alma (Sadan, 2021SADAN, Rafi Tsirkin. Genre and Politics: The Concept of Empire in Joseph Brodsky’s Work. Partial Answers: Journal of Literature and the History of Ideas, Baltimore, v. 19, n. 1, pp. 119-143, jan. 2021. Disponível em https://muse.jhu.edu/article/779887. Acesso em 30 abr. 2023. DOI: 10.1353/pan.2021.0006.
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); por outro, o poeta, já no exílio, rejeita o império soviético que oprime seus cidadãos e retrata uma União Soviética em declínio, prestes a implodir (Sadan, 2021), como no poema “Post aetatem mostram” ” [Após a nossa era] (1970)5 5 “Post aetatem nostram” [Após a nossa era] não possui tradução para o português. Em Referências, consta uma coletânea das obras de Brodsky (Sochineniia Iosifa Brodskogo [Obras de Iosif Brodsky], vol. 2), publicada na Rússia em 2001, que inclui este poema. . A exploração dessa dicotomia na poesia brodskiana será feita mais a fundo adiante.

Traçar paralelos entre Brodsky e Púchkin é inevitável, mesmo em nível biográfico. Este último também fora politicamente perseguido e exilado em virtude de seu posicionamento frequentemente antagônico ao do Estado. Sua obra poética contém críticas mordazes ao projeto russo de império, como no poema narrativo “O cavaleiro de bronze” (1837)6 6 Nas Referências, consta a tradução lusitana, de Nina e Filipe Guerra, publicada em 1999. , em que Púchkin retrata a violência contra a população comum provocada pelas políticas de modernização propostas por Pedro I. Entretanto, em “Poltava” (1829)7 7 “Poltava” não possui tradução para o português. Em Referências, elencamos um compêndio da obra poética de Púchkin (Sobranie sotchnenii v chestnadsati tomakh [Obras selecionadas em dezesseis volumes], vol. 3), publicada na União Soviética em 1948, em que consta este poema. , ele caracteriza negativamente o revoltoso cossaco ucraniano Ivan Mazepa, enquanto glorifica a sua derrota ao lado de Carlos XII da Suécia pelas tropas do czar. Críticos como Myroslav Shkandrij (2001SHKANDRIJ, Myroslav. Russia and Ukraine: Literature and the Discourse of Empire from Napoleonic to Postcolonial Times. 1. ed. Ottawa: Carleton University Press, 2001.) enxergam o poema como uma apologia ao imperialismo russo.

Em sentido análogo, a jornalista estadunidense Elif Batuman, em artigo para a revista The New Yorker intitulado “Rereading Russian Classics in the Shadow of the Ukraine War” (2023), nota a presença da literatura nas narrativas justificadoras da invasão da Ucrânia pela Rússia. Entre elas, estão as referências feitas pelo presidente Vladimir Putin à doutrina do “mundo russo”. Tal ideia preconiza a união dos três países eslavos orientais através da ortodoxia, da língua russa e da cultura de Púchkin, Tolstói e Dostoiévski (Batuman, 2023), ou seja, sob a égide da esfera de influência cultural e política russa.

Haja vista o contexto da guerra, refletir sobre a mentalidade imperialista russa e sua construção, na qual a poesia desempenhou um papel fundamental, conforme se busca demonstrar neste trabalho, mostra-se essencial. O fato de que Brodsky demonstrou tamanho ressentimento pela independência ucraniana há apenas três décadas, apesar de ter sido um poeta cuja relação com o Estado russo contemporâneo e suas práticas era tão complicada e, em vários aspectos, negativa, é uma evidência da força desse pensamento imperial.

Para tanto, preliminarmente, é útil examinar a relação que a obra brodskiana guarda com aquela de seus antecessores, em especial, os poetas das eras neoclássica e romântica, além das formas pelas quais o conceito de império se transformou no decorrer dos séculos.

1 Poéticas do império

Antes de examinarmos as formas pelas quais os poetas dos séculos XVIII e XIX se relacionavam com o conceito de império e o trabalhavam, é importante ressaltar a relevância das reformas modernizantes de Pedro, o Grande, para a cultura russa. Com a vitória na Grande Guerra do Norte (1700-1721), o então Czarado da Rússia se estabelece como uma potência europeia: “a Europa era agora tão acessível como jamais o fora” (Berman, 1986BERMAN, Marshall. Tudo o que é sólido se desmancha no ar: a aventura da Modernidade. Tradução Carlos Felipe Moisés; Ana Maria L. Ioriatti. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1986., p. 171), geográfica e simbolicamente.

Um dos elementos-chave dessas amplas reformas foi a transferência da capital do Império Russo de Moscou para São Petersburgo. De maneira simbólica, isso representava uma tentativa de abandonar o legado religioso e “atrasado” da antiga capital e adotar um novo, pautado no modelo europeu.

De fato, o projeto da capital do Norte foi concebido de modo a seguir a tradição ocidental em planejamento urbano vigente desde o Renascimento, com seu desenho geométrico e retilíneo, até então sem precedentes na Rússia (Berman, 1986BERMAN, Marshall. Tudo o que é sólido se desmancha no ar: a aventura da Modernidade. Tradução Carlos Felipe Moisés; Ana Maria L. Ioriatti. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1986.). A arquitetura da nova cidade foi baseada em cidades como Amsterdã e Veneza e concebida em parte por arquitetos italianos, alemães e franceses importados por Pedro I. Inicialmente de inspiração barroca, características do rococó e neoclássicas foram incorporadas a Petersburgo nos reinados subsequentes, conferindo à capital nortenha um estilo arquitetônico eclético (Buckler, 2007BUCKLER, Julie. Mapping St. Petersburg: Imperial Text and Cityshape. 2. ed. Nova Jersey: Princeton Press, 2007.). Hoje, a essa mescla de estilos ainda se misturam os edifícios das eras soviética e pós-soviética.

Assim, apesar de ter sido modelada a exemplo da Europa, a paisagem petersburguesa se tornou algo único, com identidade própria. Até mesmo o planejamento inicial da cidade, mencionado acima, encontrou desafios impostos pela natureza: a geografia local não pode ser adestrada de modo a permitir a fundação das amplas e retilíneas ruas, conforme planejado. Como colocado por Edélcio Américo (2006AMÉRICO, Edélcio Rodiney. Texto de São Petersburgo na literatura russa. 2006. 148 f. Dissertação (Mestrado em Literatura e Cultura Russa) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2006. Disponível em https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8155/tde-14122022-170120/publico/2006_EdelcioRodineyAmerico.pdf. Acesso em 11 ago. 2023.
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, p. 33), “Petersburgo foi, desde o início, uma luta do homem, da ciência contra a natureza”.

Marshall Berman (1986BERMAN, Marshall. Tudo o que é sólido se desmancha no ar: a aventura da Modernidade. Tradução Carlos Felipe Moisés; Ana Maria L. Ioriatti. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1986.) enumera outras circunstâncias atinentes à construção da cidade que a diferenciam de seus correspondentes ocidentais. Em primeiro lugar, o poder absoluto que o imperador detinha sobre um contingente quase infinito de trabalhadores possibilitou o erguimento da nova capital em menos de uma década; em segundo, o incalculável preço em vidas humanas que tal façanha exigiu. Tais aspectos formaram a mitologia de São Petersburgo, que assume um caráter essencialmente negativo em meados do século XIX. Em obras como O duplo (1846)8 8 Em Referências, consta a tradução para o português de Paulo Bezerra, publicada em 2016. , de Fiódor Dostoiévski, e Avenida Niévski (1835)9 9 Em Referências, consta a tradução para o português de Rubens Figueiredo, publicada em 2012. , de Nikolai Gógol, a cidade exerce uma influência enlouquecedora sobre seus habitantes.

Não obstante, até então, a nova capital figurara na produção poética de forma pontual em meio às odes e panegíricos setecentistas. Naquele ponto, a imagem de São Petersburgo estava ligada às conquistas de Pedro, o Grande (Buckler, 2007BUCKLER, Julie. Mapping St. Petersburg: Imperial Text and Cityshape. 2. ed. Nova Jersey: Princeton Press, 2007.). Julie Buckler afirma ser difícil definir quando exatamente a cidade passou a aparecer na literatura russófona, mas adota o mesmo referencial do historiador Nikolai Antsíferov: as conexões estabelecidas por Aleksandr Sumarókov entre o passado da Rússia e a cidade por meio da figura do grão-príncipe Aleksandr Niévski, além de suas alusões ao glorioso futuro da cidade ao denominá-la “nova Roma” (Buckler, 2007). Cabe lembrar que Niévski fora assim batizado após a vitória de suas tropas na Batalha do Nievá (1240), rio em cujas margens Petersburgo foi construída.

De modo semelhante, Rafi Tsirkin-Sadan (2021SADAN, Rafi Tsirkin. Genre and Politics: The Concept of Empire in Joseph Brodsky’s Work. Partial Answers: Journal of Literature and the History of Ideas, Baltimore, v. 19, n. 1, pp. 119-143, jan. 2021. Disponível em https://muse.jhu.edu/article/779887. Acesso em 30 abr. 2023. DOI: 10.1353/pan.2021.0006.
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) afirma haver uma relação de simultaneidade entre a abertura do capítulo imperial na Rússia, simbolizado pela fundação de São Petersburgo no século XVIII, e a crescente afinidade pela tradição clássica, que será marcante na obra de Gavrila Derjávin, de forma que “(...) pirâmides, obeliscos, pilares, palácios e ídolos se tornaram a assinatura de seu estilo” (Pumpianski apudBuckler, 2007BUCKLER, Julie. Mapping St. Petersburg: Imperial Text and Cityshape. 2. ed. Nova Jersey: Princeton Press, 2007., p. 66)10 10 Tradução nossa. Na versão em inglês: “(...) pyramids, obelisks, pillars, palaces, and idols become positively the signature of his style.” . Esse retorno à cultura greco-latina, segundo Rafael Frate (2019FRATE, Rafael. O início da História: os pioneiros da literatura russa moderna. Estado da arte, São Paulo, 17 out. 2019. Disponível em https://estadodaarte.estadao.com.br/o-inicio-da-historia-os-pioneiros-da-literatura-russa-moderna/. Acesso em 11 ago. 2023.
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, s.p.), é uma tendência quase lógica, quando considerada a ideologia que tomava forma desde o reinado de Pedro I: “Se o novo império quisesse impor um esplendor que se coadunasse com o de seus pares absolutistas europeus, ele precisaria voltar e projetar os modelos estéticos deles mesmos”.

Dessa maneira, lado a lado com as emergências do Império Russo e da nova capital, foram semeados os princípios da poesia russa. Com as reformas petrinas no âmbito social, a produção poética se limitou a reproduzir modelos estrangeiros, principalmente o francês. Isso mudou com o romantismo, a partir do qual se passou a incorporar elementos próprios da sociedade russa, liberando-se das amarras da forma e da retórica (Belinski apud Ram, 2003RAM, Harsha. The Imperial Sublime: A Russian Poetics of Empire. 1. ed. Madison: The University of Winsconsin Press, 2003.).

Então, Harsha Ram (2003RAM, Harsha. The Imperial Sublime: A Russian Poetics of Empire. 1. ed. Madison: The University of Winsconsin Press, 2003.) teoriza que, já que a poesia russa teria nascido junto com o império e como sujeito imperial, algumas continuidades percebidas na cultura literária do país seriam justificadas. Isso porque a sujeição originária do poeta à autocracia informaria a sua postura a respeito de questões correlatas ao projeto imperial. Nesse diapasão, conforme a tradição literária nacional se solidificava, essa relação entre poeta e império se tornava mais complexa.

Nesse âmbito, as odes de Gavrila Derjávin e Mikhail Lomonóssov são notáveis. Seus poemas serviam como arautos dos feitos do império, que caminhavam lado a lado com os ideais de progresso de inspiração iluminista disseminados durante o reinado de Catarina, a Grande:

O desafio imposto à governança imperial pela população pluriétnica e plurirreligiosa seria solucionado por meio da codificação de princípios gerais de Direito, igualmente cogentes a todos. O entusiasmo inicial da imperatriz pelos ideais iluministas fundou as bases para o mito de Catarina, cujo símbolo principal era a lei substantiva. Era o papel de Derjávin corroborar esse mito (Ram, 2003RAM, Harsha. The Imperial Sublime: A Russian Poetics of Empire. 1. ed. Madison: The University of Winsconsin Press, 2003., p. 7)11 11 Tradução nossa. No original, em inglês: “The challenge posed to imperial governance by a multiethnic and multireligious populace was to be resolved through the codification of universal legal principles, equally binding on all. The empress’s initial enthusiasm for Enlightenment ideals created the makings of a Catherinian myth whose chief symbol was a hypostasis of the Law. It was Derzhavin’s designated task to corroborate this myth.” .

Desse modo, as campanhas imperiais no Cáucaso e na Pérsia foram celebradas pelas odes desses poetas, evocadoras da glória e o poder de sua pátria. Derjávin, em particular, exaltava a figura da imperatriz por meio de alegorias (Ram, 2003RAM, Harsha. The Imperial Sublime: A Russian Poetics of Empire. 1. ed. Madison: The University of Winsconsin Press, 2003.; Sadan, 2021SADAN, Rafi Tsirkin. Genre and Politics: The Concept of Empire in Joseph Brodsky’s Work. Partial Answers: Journal of Literature and the History of Ideas, Baltimore, v. 19, n. 1, pp. 119-143, jan. 2021. Disponível em https://muse.jhu.edu/article/779887. Acesso em 30 abr. 2023. DOI: 10.1353/pan.2021.0006.
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). Lomonóssov, por sua vez, advogou pela tomada da região de Amur em sua “Oda na den' vosshestviia na Vserossiiskii prestol Eio Velitchestva Gosudaryni Imperatritsy Elisavety Petrovny 1747 goda” [Ode ao Dia da Coroação de Sua Majestade Elizaveta Petrovna no ano de 1747] (1747)12 12 O poema não foi traduzido para o português. Em Referências, elencamos uma antologia poética (Russkie poety. Antologiia russkoi poezii v 6 tomakh [Poetas russos: antologia da poesia russa em seis volumes], vol. 1), publicada na Rússia em 1996, em que consta o poema de Lomonóssov. , antecipando as riquezas que inundariam os cofres do império com a nova conquista (Shkandrij, 2001SHKANDRIJ, Myroslav. Russia and Ukraine: Literature and the Discourse of Empire from Napoleonic to Postcolonial Times. 1. ed. Ottawa: Carleton University Press, 2001.). Segundo Sadan (2021), havia uma consonância clara entre a autopercepção do império enquanto disseminador do Iluminismo pela Ásia e a produção desses poetas.

Ram sinaliza uma discrepância entre os ideais civilizatórios e o expansionismo territorial preconizados pelo governo de Catarina II, que teria incentivado a introdução de elementos satíricos ao verso. No entanto, o entusiasmo pelas conquistas territoriais não enfraqueceu (Ram, 2003). São plantadas aqui as primeiras sementes para a concepção ambígua do império que seria assumida pelos poetas das gerações subsequentes.

Tais exaltações à grandeza e potência da nação russa auxiliaram na criação do mito imperial:

Uma literatura glorificadora do jugo imperial foi um poderoso fator na moldagem das atitudes públicas e na disseminação de uma ideologia favorável ao czarismo. Ela criou o pano de fundo para as expectativas, a norma contra a qual as raras recusas de apoio e as ainda mais raras declarações de oposição adquiriram significância. Comemorar a vastidão e invencibilidade militar do império havia se tornado uma tradição bem sedimentada entre autores de renome no século XIX (Shkandrij, 2001SHKANDRIJ, Myroslav. Russia and Ukraine: Literature and the Discourse of Empire from Napoleonic to Postcolonial Times. 1. ed. Ottawa: Carleton University Press, 2001., p. 9)13 13 Tradução nossa. No original, em inglês: “A literature glorifying imperial rule was a powerful factor in shaping public attitudes and disseminating a pro-tsarist ideology. It formed the background of expectation, the norm against which rare refusals of support or even rarer statements of opposition acquired significance. Extolling the empire’s vastness and military invincibility had by the nineteenth century become a well-established tradition among major writers.” .

Ram considera essa mediação entre forma literária e ideologia política como a vertente russa do modo sublime. Por meio dela, poeta e leitor estabelecem conexões entre questões de gênero poético, voz lírica e escolha léxica ao cenário político do Império Russo.

Neste primeiro momento, ele se manifesta nos panegíricos que marcadamente ligavam a progressão histórica do país ao território, estabelecendo uma relação entre o poder da linguagem retórica ou poética e a pujança autocrática. O sujeito lírico está subordinado ao espetáculo sublime da história, identificando-se com o império de forma impessoal (Ram, 2003RAM, Harsha. The Imperial Sublime: A Russian Poetics of Empire. 1. ed. Madison: The University of Winsconsin Press, 2003.). Esse modelo seria revisado, atualizado e subvertido pelas gerações seguintes.

Aqui, cabe relembrar o importante papel conferido ao discurso e às narrativas pela teoria pós-colonial nas empreitadas coloniais. Em Cultura e Imperialismo (1993), Edward Said (2011SAID, Edward. Cultura e imperialismo. Tradução Denise Bottmann. São Paulo: Companhia de Bolso, 2011., p. 9) afirma:

O principal objeto de disputa no imperialismo é, evidentemente, a terra; mas quando se tratava de quem possuía a terra, quem tinha o direito de nela se estabelecer e trabalhar, quem a explorava, quem a reconquistou e quem agora planeja seu futuro - essas questões foram pensadas, discutidas e até, por um tempo, decididas na narrativa. Como sugeriu um crítico, as próprias nações são narrativas. O poder de narrar, ou de impedir que se formem e surjam outras narrativas, é muito importante para a cultura e o imperialismo, e constitui uma das principais conexões entre ambos.

Além disso, Bill Ashcroft et al sublinham o ensino da língua e da literatura como ferramenta de domínio colonial, que, ao situar a cultura imperial como um fator de prestígio e poder, prestam-se à promoção de uma suposta missão civilizatória (Ashcroft; Griffiths; Tiffin, 2003). Assim, a elevação da cultura metropolitana ao sublime e ao transcendente sedimenta uma autoridade cultural, tanto no âmbito das colônias, quanto no da metrópole (Loomba, 1998LOOMBA, Ania. Colonialism/Postcolonialism. 2. ed. Nova Iorque: Routledge, 1998.).

Importa ressaltar que tais teorias foram concebidas com o modelo colonial ocidental em mente (Said, 2011SAID, Edward. Cultura e imperialismo. Tradução Denise Bottmann. São Paulo: Companhia de Bolso, 2011.). A Rússia e sua autopercepção ambivalente, que não se encaixa de forma perfeita no binário Oriente/Ocidente, desafia essa visão e implica uma adaptação dos conceitos trabalhados pela teoria pós-colonial. Como veremos a seguir, a identificação cultural limitada dos russos com a Europa se traduz também em uma exaltação da Ásia em certa medida (Koplatadze, 2019KOPLATADZE, Tamar. Theorising Russian Postcolonial Studies. Postcolonial Studies, Melbourne, v. 22, pp. 469-489, 2019. Disponível em https://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/13688790.2019.1690762. Acesso em 17 jun. 2023. DOI: https://doi.org/10.1080/13688790.2019.1690762.
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), espelhando nas colônias a ambígua relação que os poetas da Rússia mantinham com seu Estado.

Esse aspecto passa a ser sentido na era romântica, sobretudo na poesia de Aleksandr Púchkin e Mikhail Liérmontov, ambos exilados no Cáucaso. Nesse período, percebeu-se uma redução do protagonismo das odes. Isso porque a busca pela emancipação artística modificou a relação entre os autores e as autoridades imperiais. Ao poeta da Era de Ouro, limitar a sua arte à celebração das conquistas do Estado não é mais suficiente, como fora aos poetas da geração anterior. Desse modo, ele se volta para dentro de si por meio do emprego da elegia, cuja intensa carga subjetiva permitia a exploração dos sentimentos e opiniões pessoais do autor, sendo, inclusive, uma estratégia para a expressão de ideias subversivas (Sadan, 2021SADAN, Rafi Tsirkin. Genre and Politics: The Concept of Empire in Joseph Brodsky’s Work. Partial Answers: Journal of Literature and the History of Ideas, Baltimore, v. 19, n. 1, pp. 119-143, jan. 2021. Disponível em https://muse.jhu.edu/article/779887. Acesso em 30 abr. 2023. DOI: 10.1353/pan.2021.0006.
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). Púchkin e os poetas de sua geração, com seus ideais liberais de influência francesa, desiludem-se com a suposta missão política poética e passam a questioná-la (Ram, 2003RAM, Harsha. The Imperial Sublime: A Russian Poetics of Empire. 1. ed. Madison: The University of Winsconsin Press, 2003.), o que os coloca numa posição de antagonismo em relação ao governo:

Enquanto o império continuava a providenciar um contexto histórico aos românticos, ele deixou de ser o meio exclusivo de experiência do sublime. A autopercepção como profetas atingida pelos poetas no ápice do Romantismo ensejou uma afirmação de sua grandeza, o que naturalmente suscitou suspeitas por parte das autoridades. (...) O contraste entre o elitismo dos poetas oitocentistas e a opressão do regime os alienou do Estado. Dali em diante, o sublime imperial passou a ser experimentado como uma força violenta direcionada contra esses poetas (Sadan, 2021SADAN, Rafi Tsirkin. Genre and Politics: The Concept of Empire in Joseph Brodsky’s Work. Partial Answers: Journal of Literature and the History of Ideas, Baltimore, v. 19, n. 1, pp. 119-143, jan. 2021. Disponível em https://muse.jhu.edu/article/779887. Acesso em 30 abr. 2023. DOI: 10.1353/pan.2021.0006.
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, p. 124)14 14 Tradução nossa. No original, em inglês: “Whereas the Empire continued to provide a historical context for the Romantics, it ceased to be the exclusive means for experiencing the sublime. Poets’ self-perception as seers in the wake of the Romantic pivot also entailed an affirmation of their own greatness, which naturally aroused the suspicion of the authorities. The contrast between the elitism of 19th-century poets and the regime’s oppression alienated them from the state. Henceforth, the imperial sublime was experienced as a violent force directed against these poets.” .

Por sua vez, Monica Greenleaf argumenta que a elegia surge como uma alternativa subversiva à poética setecentista, fortemente ligada ao projeto de Estado:

O verso elegíaco moderno tende a aparecer como parte da era de ouro de determinada nação ou cidade-estado, correspondendo à formação nacional e à construção imperial. Assim como os poetas elegíacos romanos foram criticados por seu enfoque trivial e pessoal em detrimento do acompanhamento da missão cívica e histórica do império, a elegia moderna parece ganhar espaço como resposta à centralização política, seja como produto do ócio e educação civilizados que ela permite, seja como resposta subversiva aos discursos oficiais acerca da vida pública (Greenleaf apud Turoma, 2010TUROMA, Sanna. Brodsky Abroad: Empire, Tourism, Nostalgia. 1. ed. Madison: University of Wisconsin Press, 2010., p. 100)15 15 Tradução nossa. No original, em inglês: “Modern elegiac verse has tended to make its appearance as a part of a nation’s or city-state’s Golden Age, as a correlative of national formation and empire building. Just as the Roman elegiac poets were criticized for trivial, personal pursuits out of keeping with Rome’s civic and historical mission, modern elegy appears to rise on the back of political centralization, either as a product of the civilized leisure and education it enables or as a subversive response to the official discourses of public life.” .

Em que pesem as desavenças entre poeta e Estado, os poetas deste período não questionam a necessidade do império; eles apenas não se identificam completamente com as suas vitórias (Ram, 2003RAM, Harsha. The Imperial Sublime: A Russian Poetics of Empire. 1. ed. Madison: The University of Winsconsin Press, 2003.). Desse modo, o sublime se transpõe do âmbito da retórica para o da estética (Ram, 2003). O romântico assume um tom melancólico e nostálgico, que Ram (2003, p. 183) denomina de sublime elegíaco:

O texto, então, cria uma relação paradoxal entre espaço e tempo que repetidas vezes desvia a atenção do leitor do foco aparente do poema: um presente definido espacialmente por uma paisagem é finalmente sobrecarregado por um passado que aparece como uma memória. Essa hipertrofia da memória é tipicamente elegíaca e geralmente opera no âmbito da lírica para enriquecê-la, mas também para complicar os termos do encontro entre mente e natureza (...) Mesmo quando busca uma reflexão no mundo exterior, a consciência elegíaca sempre contém um excesso (um resíduo do passado ou, mais raramente, uma premonição do futuro) que a natureza, a história ou a amada não podem refletir adequadamente, e é esta falha de reciprocidade que precipita a necessidade de luto. Mais do que o tema da elegia, o luto é também a sua condição temporal que previne a reconciliação especular entre sujeito e objeto ao introduzir o fantasma de um passado não resolvido ou de um futuro incerto16 16 Tradução nossa. No original, em inglês: “The text, then, creates a paradoxical time-space that will repeatedly shift the reader’s attention away from the poem’s ostensible focus: a present figured spatially as landscape is finally overwhelmed by a past that appears as a function of memory. This hypertrophy of memory is typically elegiac and generally functions within the lyric to enrich but also to complicate the terms of the encounter between mind and nature (...) Even as it seeks a sympathetic reflection in the outer world, elegiac consciousness always contains excess (a residue of the past or more rarely a premonition of the future) that nature, history, or the beloved cannot adequately reflect, and it is this failure of reciprocity that precipitates the need for mourning. More than just the elegy’s theme, mourning is also its temporal condition, preventing the specular reconciliation of subject and object by introducing the phantasm of an unresolved past or an uncertain future.” .

Tal questão espacial é particularmente sensível no ciclo caucasiano. Longe da pátria, os poetas buscam a liberdade na natureza, no amor das mulheres circassianas. Nessas obras, a dualidade é um fator de geração de conflitos. Notadamente, temos o embate entre a civilização, personificada pelo poeta metropolitano, e a natureza, representada pelos nativos do Cáucaso e as paisagens (Ram, 2003RAM, Harsha. The Imperial Sublime: A Russian Poetics of Empire. 1. ed. Madison: The University of Winsconsin Press, 2003.).

Em poemas como “Son” [Um sonho] (1841)17 17 Em Referências, consta uma tradução para o português, de Boris Schnaiderman e Nelson Ascher, publicada na Folha de São Paulo, em 2016. , de Liérmontov, é justamente o ambiente que media o impulso elegíaco da nostalgia. Em meio ao relevo daguestano, o eu-lírico, mortalmente ferido em combate, recorda-se da terra natal em seus últimos suspiros e lamenta não ter sido capaz de retornar; morre pela causa imperial e por ela é abandonado na terra que lutou para ocupar (Ram, 2003RAM, Harsha. The Imperial Sublime: A Russian Poetics of Empire. 1. ed. Madison: The University of Winsconsin Press, 2003.). Liérmontov foi também um crítico da violência praticada pelo Império Russo contra as populações do Cáucaso em obras como Izmail-Bey [Ismail Bei] (1832), em que sua pátria é retratada como um Estado “romano” dedicado a subjugar povos harmônicos (Layton, 2005LAYTON, Susan. Russian Literature and Empire: Conquest of the Caucasus from Pushkin to Tolstoy. 2. ed. Cambridge: Cambridge University Press, 2005.), e “Mtsyri” [O noviço] (1839)18 18 “Izmail-bey” [Ismail-bei] e “Mtsyri” [O noviço] não possuem traduções para o português. Em Referências, elencamos um compêndio da obra poética de Liêrmontov (Sotchineniia v dvukh tomakh [Obras em dois volumes], vol. 1), publicado na União Soviética em 1988, em que constam ambos os poemas. .

Já o fator da ambiguidade é marcante principalmente em Púchkin, no poema “Kavkazskii Plennik” [O prisioneiro do Cáucaso] (1822)19 19 “Kavkazskii Plennik” [O prisioneiro do Cáucaso] não possui tradução para o português. Em Referências, elencamos um compêndio da obra poética de Púchkin (Sobranie sotchnenii v desiatikh tomakh [Obras selecionadas em dez volumes], vol. 3), publicado na União Soviética entre os anos de 1959-1962, em que consta o poema. e na crônica “Putieshiestvie v Arzrum” [Viagem a Arzrum] (1836)20 20 Em Referências, consta uma tradução para o português, de Cecília Rosas, publicada como parte da Nova antologia do conto russo (1792-1998), em 2016. . No poema narrativo, a percepção do eu-lírico acerca da paisagem e dos indivíduos que o cercam se modifica no transcorrer dos versos: ora o terreno montanhoso caucasiano é belo como uma pintura, ora o entedia; ora seus captores são “pessoas maravilhosas”, ora o eu-lírico assiste aos seus “divertimentos sangrentos” (Ram, 2003RAM, Harsha. The Imperial Sublime: A Russian Poetics of Empire. 1. ed. Madison: The University of Winsconsin Press, 2003., p. 189). Esses “divertimentos sangrentos”, por sua vez, são justapostos à cultura de duelos então vigente na Rússia imperial, o que faz o leitor questionar quem são os bárbaros nesta relação: o “outro”, “selvagem” ou “nós”, o “civilizado” colonizador (Layton, 2005LAYTON, Susan. Russian Literature and Empire: Conquest of the Caucasus from Pushkin to Tolstoy. 2. ed. Cambridge: Cambridge University Press, 2005.).

Complexo, “Kavkazskii Plennik” [O prisioneiro do Cáucaso], apesar de fazer o leitor pensar sobre a justeza e a moralidade da empreitada colonial, não é isento de problemas. O discurso nele presente é essencialmente monológico, ou seja, individual e unilateral (Volóchinov, 2018VOLÓCHINOV, Valentin. (Círculo de Bakhtin). Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução Ekaterina Vólkova Américo e Sheila Grillo. 2. ed. São Paulo: Editora 34, 2018.). O crítico literário Mikhail Bakhtin considera o monologismo como uma forma de discurso própria da poesia, ou seja, o gênero convencionalmente não é marcado pela interação entre discursos plurais, de modo que a linguagem se realiza “como algo indubitável, indiscutível, englobante” (Bakhtin, 2002, p. 94) e o discurso poético assume um caráter único e incontestável. Tais aspectos intensificam a autoridade que o poeta exerce sobre seu objeto. Na obra em questão, conhecemos o povo caucasiano exclusivamente pelo ponto de vista do narrador; nos versos de “Kavkazskii Plennik”, [O prisioneiro do Cáucaso], não há qualquer espaço que eles possam ocupar com suas vozes, sentimentos e experiências.

Os captores são mudos; apenas o eu-lírico e a donzela circassiana têm o poder da fala, mas o discurso de amor compartilhado pelos dois é unitário (Jirmunski apud Layton, 2005LAYTON, Susan. Russian Literature and Empire: Conquest of the Caucasus from Pushkin to Tolstoy. 2. ed. Cambridge: Cambridge University Press, 2005.): o sujeito lírico, russo, toma para si a prerrogativa de ditar quem são esses circassianos; eles não têm autonomia para fazê-lo por si mesmos. Tal autoridade poética ainda é corroborada pelas notas de caráter etnográfico adicionadas por Púchkin ao poema, amplamente consideradas como prova da objetividade do poeta no retrato dos nativos pela crítica da época (Layton, 2005). Conforme apontado por Said em O orientalismo (1978), usurpar dos povos colonizados a capacidade de se narrar significa exercer autoridade e domínio sobre eles (Said, 1996).

Além disso, o poema termina de forma polêmica: o eu-lírico exalta os conquistadores do Cáucaso, Ermólov e Kotliariévski, que arrasaram tribos inteiras tal como a peste negra. Embora Layton (2005LAYTON, Susan. Russian Literature and Empire: Conquest of the Caucasus from Pushkin to Tolstoy. 2. ed. Cambridge: Cambridge University Press, 2005.) teorize que esse encerramento tenha sido um gesto apaziguador direcionado às autoridades russas, com a intenção de conseguir reverter a condição de exilado de Púchkin, ele foi recebido de forma negativa pela crítica. Em correspondência com Aleksandr Turguêniev, o príncipe Piótr Viazêmski escreveu: “se estivéssemos levando esclarecimento a essas tribos, então teríamos algo para comemorar. A poesia não é aliada de açougueiros”21 21 Tradução nossa. Na versão em inglês: “If we were bringing enlightenment to the tribes, then there would be something to sing about. Poetry is not the ally of butchers.” (Viazemski apud Layton, 2005, p. 107).

Esse comentário sumariza satisfatoriamente a postura mais liberal da época: questiona-se a brutalidade da empreitada colonial, mas não a sua suposta missão civilizatória. Ao contrário, ela não só é justificada, como desejada. Assim, o Império Russo ocupa um limiar identitário. Se por um lado, ele é estigmatizado pelo Ocidente como um “reino bárbaro” (Layton, 2005LAYTON, Susan. Russian Literature and Empire: Conquest of the Caucasus from Pushkin to Tolstoy. 2. ed. Cambridge: Cambridge University Press, 2005.), por outro, ele se apresenta como o portador da chama do esclarecimento perante o Cáucaso e a Ásia Central.

Mesmo que os poetas da era de ouro não estivessem comprometidos a prestar sua obra ao esforço de consolidação uma narrativa legitimadora das políticas expansionistas do Estado como estiveram seus antecessores, sua tímida e condicional oposição ao colonialismo também exerce um papel importante na moldagem da opinião pública e da cultura nacional acerca dessa temática.

Traçados esses antecedentes, passamos a examinar a influência que tal bagagem cultural e identitária exerceu sobre Brodsky e sua poética.

2 Os dois impérios de Brodsky

Joseph Brodsky ocupa um espaço na cultura russa similar ao de seus antecessores. Foi um homem metropolitano, mas sofrera perseguições em sua terra natal graças à sua postura individualista em relação à produção artística e por conta de ser judeu, motivo pelo qual não foi aceito na academia da marinha soviética (Brodsky apudSadan, 2021SADAN, Rafi Tsirkin. Genre and Politics: The Concept of Empire in Joseph Brodsky’s Work. Partial Answers: Journal of Literature and the History of Ideas, Baltimore, v. 19, n. 1, pp. 119-143, jan. 2021. Disponível em https://muse.jhu.edu/article/779887. Acesso em 30 abr. 2023. DOI: 10.1353/pan.2021.0006.
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). Antes de se exilar nos Estados Unidos, Brodsky passara pelo exílio interior, na região de Arkhangelsk, no Norte da Rússia, de 1964 a 1965. Tal qual Púchkin e Liérmontov, a condição do exílio também se faz mostrar em sua poesia, envolvendo reflexões nostálgicas de dimensões espaço-temporais, conforme será analisado em seguida.

Como visto, o poeta cresceu na cidade de São Petersburgo, então Leningrado, cercado pelo legado imperial de Pedro, o Grande, sentido principalmente através da arquitetura de inspiração ocidental da cidade. Esse fator exerceu uma forte influência sobre o jovem Brodsky:

Assim como as primeiras noções a respeito do nu feminino vieram das estátuas de mármore do Jardim de Verão, conceitos mais abstratos como simetria, perspectiva e proporção vieram das construções neoclássicas ao seu redor. Na mente e mundo do menino, criou-se uma imagem do país ideal: um império cujo poder e glória se fundavam - por mais improvável que isso fosse - em harmonia e proporção, e não em violência e morte (...) Tal utopia particular nada tinha a ver com o Império Russo real e histórico. Quando criança, Brodsky não pensava muito no império; quando adulto, ele encarava o imperialismo e militarismo russos com desprezo indisfarçado (Loseff, 2011LOSEFF, Lev. Joseph Brodsky: a Literary Life. Tradução Jane Ann Miller. 1. ed. New Haven: Yale University Press, 2011., p. 12)22 22 No original, em inglês: “Just as his first notions of the naked female body came from the marble statues of the Summer Garden, more abstract aesthetic concepts like symmetry, perspective, and proportion came from the neoclassical buildings all around him. In the child’s mind and the child’s world, there grew an image of an ideal country, an empire whose might and glory were founded—improbable as it might seem—on harmony and proportion rather than violence and death. (...) this private utopia had nothing to do with the real, historical Russian empire. As a child, Brodsky gave little thought to the empire; as an adult, he regarded Russian imperialism and militarism with undisguised scorn.” .

Também é digno de nota o momento histórico em que se deu a infância petersburguesa de Brodsky: o posfácio da Segunda Guerra Mundial. A capital do Norte foi refém de um dos mais duradouros cercos militares da história durante o conflito e sua reconstrução demandou o esforço de décadas dos trabalhadores soviéticos (Buckler, 2007BUCKLER, Julie. Mapping St. Petersburg: Imperial Text and Cityshape. 2. ed. Nova Jersey: Princeton Press, 2007.). Mesmo antes da destruição fática da cidade no século passado, ela já era associada à ideia de ruína, esta igualmente imbuída de conotações positivas e negativas.

De um lado, romancistas como Fiódor Dostoiévski, em seu Dnievnik pisátelia [Diário de um escritor] (1873)23 23 Em Referências, consta uma tradução para o português, de Daniela Mountian, publicada em 2016. , ligam a imagem de Petersburgo como uma cidade envolta em escombros e poeira ao seu estado de permanente criação, que só se completaria quando a Veneza do Norte alcançasse seu potencial glorioso (Buckler, 2007BUCKLER, Julie. Mapping St. Petersburg: Imperial Text and Cityshape. 2. ed. Nova Jersey: Princeton Press, 2007.). De outro, aparece como um “sepulcro da cultura russa imperial”, em que a história é preservada em “ruínas petrificadas” (Skidan apud Buckler, 2007). Esta perspectiva derradeira se relaciona, principalmente, ao fracasso do projeto imperial (Buckler, 2007), materializado pelo retorno do centro do poder político a Moscou em duas ocasiões. Na primeira, isso ocorreu de forma temporária, após a morte de Pedro, o Grande; na última, de forma definitiva, após a Revolução bolchevique.

Para Brodsky, então, sua cidade natal simboliza não só a pátria perdida no exílio (Américo, 2006AMÉRICO, Edélcio Rodiney. Texto de São Petersburgo na literatura russa. 2006. 148 f. Dissertação (Mestrado em Literatura e Cultura Russa) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2006. Disponível em https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8155/tde-14122022-170120/publico/2006_EdelcioRodineyAmerico.pdf. Acesso em 11 ago. 2023.
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), mas também o império caído, cujo legado subsiste, ainda que timidamente, sob a forma da arquitetura da antiga capital, destruída tanto no sentido literal, quanto no simbólico. Essa imagem do império sobrevivente e decadente será importante para a análise do poema “Torso”, na seção subsequente.

O império, em seu imaginário, consiste em uma entidade impessoal de imenso poder cultural, permeada pelos ideais iluministas de racionalismo e, enquanto uma nação supostamente esclarecida, encarregada da salvaguarda do mundo “civilizado” (Sadan, 2021SADAN, Rafi Tsirkin. Genre and Politics: The Concept of Empire in Joseph Brodsky’s Work. Partial Answers: Journal of Literature and the History of Ideas, Baltimore, v. 19, n. 1, pp. 119-143, jan. 2021. Disponível em https://muse.jhu.edu/article/779887. Acesso em 30 abr. 2023. DOI: 10.1353/pan.2021.0006.
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). O contraste entre esta concepção e a realidade fática da União Soviética, opressora das liberdades individuais de seus cidadãos, gera a tensão sentida em poemas como “Post aetatem nostram” (1970), que será analisado aqui, e “Anno Domini” (Loseff, 2011LOSEFF, Lev. Joseph Brodsky: a Literary Life. Tradução Jane Ann Miller. 1. ed. New Haven: Yale University Press, 2011.).

Importa frisar que isso não significa que Brodsky deixa de considerar sua pátria um império. Entretanto, ao condicionar a expressão artística de sua sociedade a fatores políticos e perseguir aqueles que ousassem escapar dos modelos estabelecidos, o império soviético era incapaz de atingir o ideal brodskiano de estado imperial:

O conceito de império surge na obra de Brodsky como uma das essências estruturantes de sua imaginação histórico-geográfica. A experiência de Brodsky na União Soviética e seu entendimento do país enquanto império foi crucial à sua compreensão acerca do império tanto como fato histórico, quanto como conceito metafísico. Em sua imaginação criativa, o império era um dado cultural que providenciava as condições necessárias para o desenvolvimento artístico, filosófico e moral de uma civilização. Ao mesmo tempo, também era capaz de exibir o “potencial humano negativo”, como foi o caso, sob o ponto de vista de Brodsky, do Império Bizantino, imaginado em “Fuga de Bizâncio” como o antecessor histórico do império soviético (Turoma, 2010TUROMA, Sanna. Brodsky Abroad: Empire, Tourism, Nostalgia. 1. ed. Madison: University of Wisconsin Press, 2010., p. 63)24 24 Tradução nossa. No original, em inglês: “The concept of empire emerges in Brodsky’s works as one of the essences structuring his historical and geographical imagination, as well as his understanding of cultural signification. Brodsky’s experience of Soviet Union, and his understanding of the country as an empire, was crucial to his understanding of empire both as a historical fact and a metaphysical concept. In his creative imagination empire was a cultural given, which provided the conditions necessary for a civilization with its arts, philosophy, and moral order to develop, while it could also exhibit the ‘human negative potential,’ as was the case, in Brodsky’s view, with the Byzantine empire, imagined in ‘Flight from Byzantium’ as the historical predecessor of the Soviet empire.” .

Portanto, vê-se que o império para Brodsky é um conceito que assume conotações positivas e negativas. Isso é mais claramente ilustrado na primeira estrofe de “Konets prekrasnoi epokhi” [O fim de uma bela era] (1969)25 25 5 Em Referências constra uma edição russa de 2001. :

Já que a arte da poesia exige palavras, eu - um dos surdos, calvos e sisudos embaixadores de uma pátria de segunda linha aprisionada por esta superpotência - querendo poupar meu próprio cérebro, apanho meu casaco e desço ao quiosque para comprar o jornal noturno (Brodsky, 1969)26 26 Tradução nossa do original russo. Em russo: “Potomu chto iskusstvo poezii trebuiet slov, / ia - odin iz glukhikh, oblysievshikh, ugriumykh poslov / vtorosortnoi derjavy, sviazavsheisia s etoi, — / nie jelaia nasilovat’ sobstvennyi mosg, / sam sebe podavaia odejdu, spuskaius’ v kiosk / za vietcherniei gazietoi.” .

Sanna Turoma entende que o uso da expressão “pátria de segunda linha” tem um significado duplo, referindo-se simultaneamente ao Império Russo enquanto entidade moldada de acordo com as potências da Europa ocidental e à União Soviética, tida pelo autor como uma potência inautêntica (Turoma, 2010). A concepção brodskiana de “autenticidade” está ligada à historicidade e à originalidade, em oposição à modernidade e à contemporaneidade. A imagem de uma pátria presa em outra cria a ideia de que a Rússia, enquanto nação, seria uma vítima do regime soviético (Turoma, 2010).

Assim, é formada uma aura melancólica ao redor dessa Rússia pretérita, a qual possuía o potencial para se tornar um império autêntico, mas que o teve podado pela raiz antes mesmo que pudesse florescer. Os poemas de Brodsky que trazem a faceta imperial positiva lamentam o que poderia ter sido e jamais veio a ser.

Encontramos nos retratos brodskianos de São Petersburgo/Leningrado os princípios dessa abordagem. Como mencionado, após o declínio das odes, que comemoravam a capital do Norte como uma das grandes conquistas de Pedro I, a mítica ao redor da cidade assumiu um caráter fantasmagórico em virtude da violência exigida em sua construção e do entendimento de Petersburgo enquanto representante do poder oficial. Contudo, Brodsky subverte essa tradição:

Os significados que Brodsky atribui a Leningrado/Petersburgo e seus edifícios monumentais pela perspectiva soviética pós-utópica, ou pós-Stalin, produz uma atitude nostálgica e afirmativa a respeito do passado imperial, que reconstrói Petersburgo como o centro e a maior conquista do poder imperial da Rússia, tendo este emergido igualmente como um objeto da nostalgia do autor. A política dissidente da nostalgia imperial de Brodsky produz uma percepção do Império Russo histórico como autêntico e legítimo, em oposição à farsa soviética abandonada por ele. A poesia emerge dessas conjecturas como o produto de uma cultura imperial autêntica, assim como um dos meios para sua manutenção (Turoma, 2010TUROMA, Sanna. Brodsky Abroad: Empire, Tourism, Nostalgia. 1. ed. Madison: University of Wisconsin Press, 2010., p. 82)27 27 Tradução nossa. No original, em inglês: “The meanings Brodsky invests in Leningrad/Petersburg and its monumental buildings from his Soviet post-utopian, or post-Stalin perspective, produce a nostalgic and affirmative attitude toward Russia’s imperial past, which, in turn, reconstructs Petersburg as the center and a major achievement of Russia’s imperial power, with the latter emerging as an object of the author’s nostalgia, too. Brodsky’s dissenting politics of imperial nostalgia produces a perception of the historical Russian Empire as the authentic and legitimate empire, as opposed to the Soviet imperial absurdity he left behind. Poetry emerges from these conjectures as a product of an authentic imperial culture, as well as a means of maintaining it.” .

Brodsky medita sobre o espaço petersburguês com melancolia; o fato de não conseguir conectar a presente realidade de seu país a esse passado sublime era uma fonte de angústia para ele. Entretanto, ao que parece, a nostalgia e admiração do poeta não recaem sobre as práticas imperialistas ou coloniais promovidas sob a égide do Império Russo, mas sobre a estética e os produtos culturais dos ditos “impérios autênticos” (Turoma, 2010TUROMA, Sanna. Brodsky Abroad: Empire, Tourism, Nostalgia. 1. ed. Madison: University of Wisconsin Press, 2010.). Desse modo, a Leningrado de seu presente assume a figura de uma Constantinopla decaída, enquanto a Petersburgo de outrora, imperial, espelha o Império Romano.

Nesse âmbito, em um de seus ensaios, Brodsky afirma que impérios são sustentados pela língua, não por seu poderio militar, citando os exemplos de Roma e da Grécia antigas, que, apesar do colapso de seus respectivos centros políticos, perduraram por séculos em virtude da pujança das línguas latina e grega (Brodsky apudTuroma, 2010TUROMA, Sanna. Brodsky Abroad: Empire, Tourism, Nostalgia. 1. ed. Madison: University of Wisconsin Press, 2010.).

Ademais, o olhar brodskiano não raro busca vestígios desse império autêntico na paisagem, sobretudo na arquitetura. Encontrá-los significa identificar nas cidades construções projetadas de acordo com os modelos europeus setecentistas e oitocentistas. A ausência delas implica um desvalor. Em After a Journey, or Homage to Vertebrae [Depois de uma jornada, ou homenagem às vértebras] (1978), escrito após sua curta estadia no Rio de Janeiro durante um congresso do PEN clube no ano anterior, Brodsky descreve o cenário que vislumbrara:

A faixa de dois ou três quilómetros que separa o litoral da costa é completamente infestada por imbecis estruturas em formato de colmeia, no estilo daquele idiota Le Corbusier, como se a própria vista negasse a imaginação ao homem. Talvez seja isso mesmo. Os séculos XVIII e XIX foram inteiramente apagados. De quando em quando, é possível esbarrar nos escombros do estilo mercantil da virada do século, com sua surreal mistura de galerias, varanda, escadas caracol, torres, portões etc. Mas isso é raro e pouco reconfortante. Igualmente raros e pouco reconfortantes são os pequenos hotéis de três a quatro andares situados nas ruas de trás dos gigantes de concreto e estuque, ou nas íngremes ladeiras que escalam os morros num ângulo mínimo de setenta e cinco graus e terminam numa floresta verdejante: a verdadeira selva. Ali, naquelas ruas estreitas, em pequenas casas e em cortiços de tijolo, vive a população local, empregada sobretudo por companhias de turismo: extremamente pobres, de certo modo desesperados, mas de modo geral, não reclamam muito28 28 Tradução nossa. No original, em inglês: “The two- or three-kilometer strip between the ocean and the looming cliffs is entirely overgrown with utterly moronic- a Ia that idiot Le Corbusier -beehive ‘structures’. As though the vista denies man imagination. Perhaps it does. The eighteenth and the nineteenth centuries are completely wiped out. Occasionally you can bump into the debris of the mercantile style of the turn of the century, with its surreal medley of arcades, balconies, winding stairs, turrets, gates, and whatnot. But this is rare, and of no relief. And equally rare and relief-free are the small three- or four-floor hotels in the back streets behind the concrete-cum-stucco giants, or in the narrow lanes climbing up the hills at a minimum seventy-five-degree angle, winding up into an evergreen forest, the real jungle. There, in these narrow streets, in little villas and cobbled-up tenements, dwells the local population, employed mainly by the tourist outfits: extremely poor, somewhat desperate, but on the whole not overly protesting.” .

Estabelecendo um diálogo com os estudos de Mary Louise Pratt a respeito das práticas coloniais exercitadas pelos ingleses, Turoma (2010TUROMA, Sanna. Brodsky Abroad: Empire, Tourism, Nostalgia. 1. ed. Madison: University of Wisconsin Press, 2010.) frisa o grau de assertividade empregado pelo autor ao descrever a cidade, apesar dele mesmo admitir ter pouquíssimo conhecimento sobre o Brasil, de modo que o poema que compôs sobre o Rio de Janeiro poderia ter sido escrito sem que Brodsky tivesse deixado Nova Iorque (Brodsky, 1995BRODSKY, Joseph. After a Journey, or Homage to Vertebrae [Depois de uma jornada, ou homenagem às vértebras]. In: BRODSKY, Joseph. On Grief and Reason: Essays. Tradução Alexander Sumerkin e Joseph Brodsky. 1. ed. Nova Iorque: Farrar Strauss Giroux, 1995. p. 61-80.).

Mais do que isso, a desumanizante descrição das favelas como “a verdadeira selva” e a trivialização da paisagem, que chega a tolher a imaginação do autor, fazem parte do que Pratt considera a chave estética das representações metropolitanas da pós-colonialidade:

Não possuindo o laço histórico com o Brasil que Pratt afirma que Theroux e Moravia deveriam reconhecer em relação a Guatemala e Gana, Brodsky cria um - não para criticar as relações pós-coloniais de subjugação, mas, ao contrário, para reivindicar um direito a sua posição metropolitana: Brodsky inventa uma identidade europeia e o faz por meio da negação. Em virtude da estranheza da vegetação local e da falta da arquitetura colonial, o autor do relato da viagem de Brodsky argumenta que o Rio de Janeiro não é capaz de produzir quaisquer memórias “não importa o quão longa seja a sua estada” (de acordo com o próprio autor, ele passou uma semana ali). “Para um europeu”, ele prossegue, “O Rio é a neutralidade biológica encarnada”, a vegetação local “não corresponde ou ecoa qualquer uma das espécies a que o europeu está acostumado” (Turoma, 2010TUROMA, Sanna. Brodsky Abroad: Empire, Tourism, Nostalgia. 1. ed. Madison: University of Wisconsin Press, 2010., p. 110)29 29 Tradução nossa. No original, em inglês: “Not having the historical tie with Brazil that Pratt claims Theroux and Moravia should acknowledge with Guatemala and Ghana, Brodsky creates one—not in order to critique the postcolonial relations of subjugation, but, on the contrary, to claim a right to his metropolitan position: Brodsky invents a European identity, and he does so by way of negation. Because of the strangeness of local vegetation and the absence of colonial architecture, the author of Brodsky’s travel account argues, Rio de Janeiro cannot produce any memories ‘no matter how many years you spend there’ (according to the author himself, he spent a week there). ‘For a native of Europe,’ he continues, ‘Rio is biological neutrality incarnate,’ the local vegetation ‘neither corresponds to nor echoes any species a European is used to’.” .

Por meio dessas afirmações, Brodsky alude a uma certa ausência de história na paisagem carioca, uma vez que nelas não estão presentes os referenciais culturais e naturais europeus (Turoma, 2010TUROMA, Sanna. Brodsky Abroad: Empire, Tourism, Nostalgia. 1. ed. Madison: University of Wisconsin Press, 2010.).

Além disso, o autor faz uso de generalizações comuns ao discurso colonial: o temperamento sulista meloso, “mas não isento de brutalidade” (Brodsky, 1995BRODSKY, Joseph. After a Journey, or Homage to Vertebrae [Depois de uma jornada, ou homenagem às vértebras]. In: BRODSKY, Joseph. On Grief and Reason: Essays. Tradução Alexander Sumerkin e Joseph Brodsky. 1. ed. Nova Iorque: Farrar Strauss Giroux, 1995. p. 61-80., p. 75), a ideia da pobreza e do sentimento geral de desesperança como algo inerente ao país, e não como fruto de seu histórico de exploração socioeconômica.

Sendo assim, de modo similar à perspectiva de Púchkin e Liérmontov sobre o Cáucaso, Brodsky revela sua admiração por modelos culturais europeus, sua nostalgia pelo passado imperial russo e certo desprezo e paternalismo com os quais enxerga as sociedades que não se encaixam em seus padrões de civilização. No caso, a condescendência brodskiana se volta ao Terceiro Mundo.

Em seu guia turístico de São Petersburgo, publicado na revista Vogue em 1979, Brodsky traça uma “genealogia” da poesia russa. Segundo ele, os herdeiros de Derjávin, Púchkin e Lomonóssov seriam os poetas da era de prata Anna Akhmátova e Óssip Mandelshtam:

Toda crítica da condição humana sugere o conhecimento de um plano de visão superior, de uma ordem superior por parte do crítico. Tal foi a história da estética russa, de forma que mesmo o conjunto arquitetônico de São Petersburgo, igrejas inclusas, foi - e ainda é - tido como a encarnação mais próxima dessa ordem. De todo modo, um homem que tenha vivido tempo o suficiente nesta cidade está fadado a associar virtude à ideia de proporção. Essa é uma antiga ideia grega, que, quando recontextualizada sob os céus nortenhos, adquire a peculiar autoridade de um espírito em batalha que sedimenta no artista uma preocupação com a forma. Tal sorte de influência é especialmente clara no caso da poesia russa, ou, denominando-a de acordo com seu lugar de nascimento, petersburguesa. Por dois séculos e meio essa escola, de Lomonóssov e Derjávin a Púchkin e sua plêiade (Baratínski, Viazêmski, Delvig), aos acmeístas - Akhmatova e Mandelshtam no presente século - existiu sob o mesmo signo de sua concepção: o signo do classicismo (Brodsky apudTuroma, 2010TUROMA, Sanna. Brodsky Abroad: Empire, Tourism, Nostalgia. 1. ed. Madison: University of Wisconsin Press, 2010., p. 72).30 30 Tradução nossa. No original, em inglês: “Every criticism of the human condition suggests the critic’s awareness of a higher plane of regard, of a better order. Such was the history of Russian aesthetics that the architectural ensembles of St. Petersburg, churches included, were—and still are—perceived as the closest possible incarnation of such an order. In any case, a man who has lived long enough in this city [St. Petersburg] is bound to associate virtue with proportion. This is an old Greek idea; but set under the northern sky, it acquires the peculiar authority of an embattled spirit and, to say the least, makes an artist very conscious of form. This kind of influence is especially clear in the case of Russian or, to name it by its birthplace, Petersburgian poetry. For two and a half centuries this school, from Lomonosov and Derzhavin to Pushkin and his pleiad (Baratynsky, Vyazemsky, Delvig), to the Acmeists—Akhmatova and Mandelstam in this century—has existed under the very sign under which it was conceived: the sign of classicism.”

Ao invés de retomar os temas tradicionalmente trabalhados pelos poetas da era de ouro, cujas influências se encontravam na fantasmagórica mitologia urbana da capital do Norte, o autor promove a ressignificação dessa mítica por meio da idealização da estética neoclássica de Petersburgo (Turoma, 2010TUROMA, Sanna. Brodsky Abroad: Empire, Tourism, Nostalgia. 1. ed. Madison: University of Wisconsin Press, 2010.).

Assim, percebe-se que Brodsky se apropria de elementos das duas grandes gerações de poetas da Rússia imperial. Sua postura em relação ao seu próprio país é ambígua, haja vista a posição marginalizada que ocupa na União Soviética, semelhante à dos românticos. No entanto, diferentemente deles, que viveram na constância de um projeto imperial que parecia prosperar, Brodsky busca seu sublime no passado, nas ruínas de um império devorado por uma farsa.

Ao mesmo tempo, essa busca o aproxima esteticamente dos classicistas, cuja poesia, para ele, torna-se a norma estética: “Além de suas metáforas, a poesia russa criou um exemplo de pureza moral e solidez, que se refletiu não insignificantemente sobre a preservação das denominadas formas clássicas sem quaisquer danos ao seu conteúdo” (Brodsky apudTuroma, 2010TUROMA, Sanna. Brodsky Abroad: Empire, Tourism, Nostalgia. 1. ed. Madison: University of Wisconsin Press, 2010., p. 81).31 31 Tradução nossa. No original, em inglês: “Russian poetry has set an example of moral purity and firmness, which to no small degree has been reflected in the preservation of so-called classical forms without any damage to content.”

Resta, então, verificar como essas ideias se manifestam em sua poesia. A fim de ilustrar a dicotomia do império para Brodsky, analisaremos trechos dos poemas “Post aetatem nostram” [Após a nossa era] (1970), “Tors” [Torso] (1972) e “Na nezavisimost' Ukrainy” [Sobre a Independência da Ucrânia] (1992) em que tais elementos são marcantes.

3 O império é um país de tolos?

A primeira obra narra cenas de um império decadente, cujo cenário Loseff (2011LOSEFF, Lev. Joseph Brodsky: a Literary Life. Tradução Jane Ann Miller. 1. ed. New Haven: Yale University Press, 2011.) chega a descrever como distópico: um despótico governador ordena o assassinato de um cozinheiro real por conta de uma gafe cometida durante um banquete oficial; a mão de obra escravizada e as lutas de gladiadores são correntes; oficiais do governo coagem uns aos outros e se congratulam quando criam leis para tornar a vida dos pobres ainda mais difícil. Tudo isso é observado à distância por um grego errante, que, por fim, decide cruzar a fronteira e abandonar aquele “país de tolos”.

O poema é dividido em doze partes, sendo que algumas delas recebem títulos de acordo com os ambientes ou personagens nos quais se centram. Inicia-se com uma breve descrição da comoção causada na cidade pela chegada do imperador, que mal é percebida pelo grego, ocupado com um jogo de dominós num café vazio atrás do palácio. Em sequência, há as estrofes dedicadas às cenas palacianas, seguidas da torre, da besta enjaulada e, finalmente, do próprio imperador.

No plano superficial, o leitor é remetido à Roma Antiga: o palácio é decorado com estátuas de mármore de sátiros e ninfas, a figura dos legionários se faz presente, os combates mortíferos abertos ao público ainda são praticados e a imagem do Vesúvio às avessas é utilizada para simbolizar a iminência da implosão do império. Entretanto, há uma referência direta a outro poeta russo que redireciona a análise:

Nos quadros de avisos públicos, é afixada a “Epístola aos governantes”, em que um conhecido bardo local, com indignação e coragem, exige a remoção da imagem do Imperador (no verso seguinte) das moedas de cobre (Brodsky, 2001BRODSKY, Joseph. “Konets prekrasnoi epokhi” [O fim de uma bela era]. In: BRODSKY, Joseph. Sochineniia Iosifa Brodskogo. Vol. 2. São Petersburgo: Puchkinskii fond, 2001. p. 311., p. 399, tradução nossa)32 32 Tradução nossa. Em russo: “V raskleiennom na ulitchnykh shchitakh / "Poslanii k vlastiteliam" izvestnyi, / izvestnyi miestnyi kifaried, kipia / niegodovan’iem, smielo vystupaiet / s prizyvom Impieratora ubrat’ / (na slieduiushchei strotchke) / s miednykh dieneg.” .

Essa remissão é feita a um poema de Andrei Voznessiénski, publicado em 1967, cujo primeiro e segundo versos são, respectivamente, “Removam Lênin / da [nossa] moeda!” (Loseff, 2011LOSEFF, Lev. Joseph Brodsky: a Literary Life. Tradução Jane Ann Miller. 1. ed. New Haven: Yale University Press, 2011.). A voz poética entende essa declaração pública e ambígua do conhecido bardo como uma demonstração tanto de coragem, quanto de servilismo: a marca da poesia por excelência.

Como apontado por Turoma (2010TUROMA, Sanna. Brodsky Abroad: Empire, Tourism, Nostalgia. 1. ed. Madison: University of Wisconsin Press, 2010.), Brodsky não faz uso de referências romanas apenas em seu retrato do sublime; elas também são utilizadas para demonstrar o caráter absurdo ou a decadência moral do império soviético. Já em sua análise do poema, Loseff (2011LOSEFF, Lev. Joseph Brodsky: a Literary Life. Tradução Jane Ann Miller. 1. ed. New Haven: Yale University Press, 2011.) sublinha o violento contraste entre a visão utópica do autor sobre o Estado ideal e a realidade da União Soviética como o conflito pessoal que serve de pano de fundo para a composição de “Post aetatem nostram”.

São também dignos de nota os retratos predominantemente negativos dos oficiais do governo: enquanto assiste ao espetáculo no estádio, o governador ri e seu rosto se assemelha a uma teta inflamada; a prisão de ventre do imperador é comparada à estagnação do progresso do país (Loseff, 2011LOSEFF, Lev. Joseph Brodsky: a Literary Life. Tradução Jane Ann Miller. 1. ed. New Haven: Yale University Press, 2011.). Há, sem dúvidas, a conferência de um tratamento banal a essas figuras tirânicas, fator comum a várias outras composições de Brodsky (Loseff, 2011). O imperador, em especial, só é reconhecível como tal, pois esse título é utilizado em referência a ele de forma explícita. Não há quaisquer traços de reverência por aquele homem, que, enclausurado no grande palácio, mais se assemelha ao Minotauro no centro do labirinto de Creta (Kline, 1990KLINE, George. Variations on the Theme of Exile. In: LOSEFF, Lev; POLUKHINA, Valentina. Brodsky's Poetics and Aesthetics. 1. ed. Nova Iorque: Macmillan Press, 1990. pp. 56-83.).

Ademais, a sua única aparição física no poema está associada ao baixo corporal: o imperador está na latrina, esforçando-se para defecar. Em muito se assemelha à sátira do imperador Cláudio, de Sêneca, referenciada por Bakhtin em sua obra A cultura popular na Idade Média e no Renascimento (1965). Na sátira romana, o monarca destronado também passara a vida sobre o penico. Essa representação mundana, e até grotesca, retira a aura imponente que uma figura política de sua monta geralmente carrega no imaginário coletivo, promovendo, portanto, a sua ressignificação (Bakhtin, 1996).

Contudo, para Bakhtin, a orientação para baixo, que coloca em evidência os órgãos excretores e os excrementos, significa tanto a morte do que é velho, quanto o nascimento de algo novo. Apesar de o poema de Brodsky sinalizar a derrocada iminente desse império, não parece haver esperanças de uma efetiva mudança e melhoria na situação do país, mesmo que o Vesúvio entre, de fato, em erupção. Tal desesperança corroborada pela partida do grego.

George Kline chama a atenção para o fato de que a categoria de império foi introduzida à obra de Brodsky com esse poema, como um domínio universal, sem delimitações históricas ou geográficas claras; “é impessoal, alienante e profano, opondo-se ao indivíduo livre, ou ao indivíduo que busca a liberdade” (Kline, 1990, p. 62)33 33 Tradução nossa. No original, em inglês: “It is impersonal, alienating, godless - in opposition to the free, or freedom-seeking individual”. .

Esse indivíduo, no poema, é representado pelo grego, que pesquisadores como Sadan (2021SADAN, Rafi Tsirkin. Genre and Politics: The Concept of Empire in Joseph Brodsky’s Work. Partial Answers: Journal of Literature and the History of Ideas, Baltimore, v. 19, n. 1, pp. 119-143, jan. 2021. Disponível em https://muse.jhu.edu/article/779887. Acesso em 30 abr. 2023. DOI: 10.1353/pan.2021.0006.
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) chegam a comparar ao próprio autor e sua insatisfação com o estado das liberdades individuais em sua terra natal. A decisão de atribuir uma nacionalidade específica ao migrante também é relevante: um grego é concomitantemente um representante de outro império decadente e de uma cultura clássica. Tal ambivalência reflete a bipolaridade conferida por Brodsky à sua própria pátria, a União Soviética.

“Tors” [Torso] apresenta o final da jornada do viajante. No poema de 1972, o império é representado como um porto seguro, afetado apenas pela passagem do tempo. Mais uma vez, fazem-se presentes as estátuas de mármore e a voz poética convida o cansado recém-chegado a ocupar o nicho vazio na sala e se tornar uma escultura, perdendo sua cabeça e seus braços no processo. Assim, ele mesmo passa a ser parte da exibição do poder impessoal do império (Nivat, 1990NIVAT, Georges. The Ironic Journey into Antiquity. In: LOSEFF, Lev. POLUKHINA, Valentina. Brodsky's Poetics and Aesthetics. 1. ed. Nova Iorque: Macmillan Press, 1990, pp. 89-97.).

Jana Kostincová (2006KOSTINCOVÁ, Jana. Word - Shape - Substance: Time and Human Form in Joseph Brodsky’s Poetry. Problémy poetiky, v. 1, pp. 99-102, 2006. Disponível em https://digilib.phil.muni.cz/_flysystem/fedora/pdf/132670.pdf. Acesso em 17 jun. 2023.
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) percebe que as estátuas costumam simbolizar o império na poesia de Brodsky, seja ele o romano, seja o soviético, seja o estadunidense. Dessa maneira, a presença delas por si só não confere ao poema, ou à vertente imperial por ele apresentada, uma carga positiva, em que pese a ideia de perenidade transmitida pelo mármore. Afinal, a figura das esculturas também é marcante em Post aetatem nostram.

No entanto, diferentemente de suas antecessoras, as estátuas de Torso não são meras testemunhas das cenas de violência e corrupção em um império arruinado. Aqui, elas representam o legado de uma potência cultural, erodido pela passagem do tempo, mas ainda assim capaz de resistir-lhe graças à sua pujança, assim como a Leningrado do imaginário brodskiano. Em sua análise do poema, Sadan (2021SADAN, Rafi Tsirkin. Genre and Politics: The Concept of Empire in Joseph Brodsky’s Work. Partial Answers: Journal of Literature and the History of Ideas, Baltimore, v. 19, n. 1, pp. 119-143, jan. 2021. Disponível em https://muse.jhu.edu/article/779887. Acesso em 30 abr. 2023. DOI: 10.1353/pan.2021.0006.
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) condiciona a sobrevivência do império à revitalização que seria promovida pelos recém-chegados. Em troca, o império forneceria proteção e imortalidade a eles.

É significativo que essa entidade imperial seja apresentada não apenas como a destinação final na busca pela liberdade, mas também como o fim de todas as coisas. Mesmo que essa potência se assemelhe mais a uma sala em uma exposição de museu do que a um extenso domínio cultural e geográfico, ela ainda simboliza um ápice, um ideal a ser atingido.

O império é também comparado a um espelho que se deve atravessar. A figura do espelho é frequente na poesia de Brodsky e assume uma série de significados. Em “Tors” [Torso], ele exerce o papel de um divisor entre a vida e a morte (Loseff, 2011LOSEFF, Lev. Joseph Brodsky: a Literary Life. Tradução Jane Ann Miller. 1. ed. New Haven: Yale University Press, 2011.). Assim, ultrapassar a fronteira entre o mundo exterior e o império é uma promessa de transcendência, que se concretiza com a transformação do viajante em estátua.

É interessante perceber que esse processo envolve a despersonalização desse indivíduo por meio da queda da cabeça da escultura, de modo que apenas o seu torso permanece intacto. Tal ideia está em consonância com a compreensão do poeta acerca da impessoalidade do conceito de império.

Como visto, o aspecto positivo do conceito de império para Brodsky está intimamente ligado à cultura greco-romana e aos ideais de civilização advindos da Europa Ocidental. Sem dúvidas, sua predileção pela estética clássica ecoa a emulação dos modelos estéticos greco-latinos pelos poetas na era pós-petrina em sua tentativa de reprodução do esplendor cultural desses impérios no âmbito russo (Frate, 2019FRATE, Rafael. O início da História: os pioneiros da literatura russa moderna. Estado da arte, São Paulo, 17 out. 2019. Disponível em https://estadodaarte.estadao.com.br/o-inicio-da-historia-os-pioneiros-da-literatura-russa-moderna/. Acesso em 11 ago. 2023.
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).

Essa ideia de que o Ocidente é o único bastião da “alta cultura” se mostra de maneira bastante clara nos ensaios de Brodsky, principalmente naqueles que foram frutos de suas incursões aos países situados na periferia global. Deve-se recordar que essa afiliação a uma visão eurocêntrica da cultura está intimamente ligada à postura antagonista ao regime soviético assumida pelo poeta, ainda que, a partir da década de 1970, as práticas culturais do Ocidente tenham passado a ser duramente criticadas (Turoma, 2010TUROMA, Sanna. Brodsky Abroad: Empire, Tourism, Nostalgia. 1. ed. Madison: University of Wisconsin Press, 2010.). Assim, como o fora para Púchkin, a Europa representa a liberdade para Brodsky.

Outra faceta complexa do poeta é aquela revelada por “Na nezavisimost' Ukrainy” [Sobre a Independência da Ucrânia]. O poema, lido pelo autor em 1992 em um evento no centro comunitário judaico de Palo Alto, na Califórnia, jamais foi publicado oficialmente. Loseff (2011LOSEFF, Lev. Joseph Brodsky: a Literary Life. Tradução Jane Ann Miller. 1. ed. New Haven: Yale University Press, 2011.) considera este o único ato de autocensura praticado por Brodsky durante sua vida.

Em seus versos, o eu-lírico lamenta a emancipação do país vizinho e pragueja contra ele, prevendo que, em seu leito de morte, os ucranianos não recitarão as “baboseiras” de Tarás Chevtchenko, seu poeta nacional, mas os versos de Púchkin.

O tom rancoroso da obra é marcado pelo emprego de termos derrogatórios dirigidos tanto aos ucranianos, quanto aos poloneses e alemães, sob cuja mercê a voz lírica relega os vizinhos que agora não mais contam com a “proteção” da Rússia. Brodsky também faz uso de um linguajar tipicamente associado à população encarcerada. Essas escolhas lexicais, segundo Bertelsen (2015BERTELSEN, Olga. Joseph Brodsky’s Imperial Consciousness. Scripta Historica, Slupsk, v. 21, pp. 263-289, 2015. Disponível em https://www.academia.edu/26054913/Joseph_Brodsky_s_Imperial_Consciousness. Acesso em 20 mai. 2023.
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), constituem uma tentativa de retratar os ucranianos como um povo rude e grosseiro, em oposição à alta cultura representada por Púchkin.

Ademais, ela entende que, na estrofe final, o sujeito lírico expressa a certeza de que a Ucrânia perecerá sem a influência russa, “tornando-se um lugar desolado, física, cultural e intelectualmente” (Bertelsen, 2015BERTELSEN, Olga. Joseph Brodsky’s Imperial Consciousness. Scripta Historica, Slupsk, v. 21, pp. 263-289, 2015. Disponível em https://www.academia.edu/26054913/Joseph_Brodsky_s_Imperial_Consciousness. Acesso em 20 mai. 2023.
https://www.academia.edu/26054913/Joseph...
, p. 278)34 34 Tradução nossa. No original, em inglês: “becoming a desolate place, physically, culturally and intellectually.” :

Fiquem com Deus, pinotes, cossacos, hetmans e gambés! Mas ouçam bem: quando a morte vier buscá-los, velhacos Em seus últimos suspiros, vocês, agarrados ao leito, arquejarão Não as baboseiras de Tarás, mas os versos de Brodsky, 1992BRODSKY, Joseph. “Na nezavisimost’ Ukrainy” [Sobre a independência da Ucrânia]. 1992. Disponível em https://www.culture.ru/poems/30468/na-nezavisimost’-ukrainy. Acesso em 10 ago. 2023.
https://www.culture.ru/poems/30468/na-ne...
, tradução nossa35 35 Tradução nossa do original em russo. Em russo: “S Bogom, orly, kazaki, guietmany, viertukhai! / Tol'ko kogda pridiot i vam pomirat’, bugai, / budietie vy khripiet’, tsarapaia krai matrasa, / strotchki iz Aleksandra, a nie briekhniu Tarasa.” .

Um dos motivos pelos quais o ultraje de Brodsky é tão surpreendente é que, embora fosse cético à noção de soberania nacional e independência como requisitos para o bem-estar de um país, a emancipação de outras nações que integravam a União Soviética não provocou o mesmo tipo de reação (Loseff, 2011LOSEFF, Lev. Joseph Brodsky: a Literary Life. Tradução Jane Ann Miller. 1. ed. New Haven: Yale University Press, 2011.).

Shkandrij (2001SHKANDRIJ, Myroslav. Russia and Ukraine: Literature and the Discourse of Empire from Napoleonic to Postcolonial Times. 1. ed. Ottawa: Carleton University Press, 2001.) atribui essa hostilidade ao trauma da descolonização, que implica uma rejeição por parte dos membros da metrópole quando os povos que se encontram sob sua esfera de influência lutam por sua emancipação. Além disso, a ideia de que Rússia, Belarus e Ucrânia são, na verdade, uma única nação herdeira do legado da antiga Rus’, devido à proximidade cultural e à história compartilhadas por esses países (Shkandrij, 2001) era bastante difundida. No mesmo sentido:

Tornou-se óbvio que em sua mente, os países bálticos, a Ásia Central e o Cáucaso eram países e nações a parte. Mas o espaço que se estendia do Mar Branco ao Mar Negro, do Volga ao Bug, fazia parte de uma terra única, sua terra natal. E ele não era o único a pensar dessa forma: “Uma mentalidade imperial era tão característica dos habitantes de Poltava e Jitomir, Níjin, Tchernigov, Homel e Pólotsk, quanto dos de Tver e Viátka. Isto é, desde o nascimento do império nos dias de Pedro, o Grande, essa mentalidade considerava Kyiv e Belarus como parte da metrópole. E como poderia ser de outra forma para as pessoas que aprenderam desde a primeira série que ‘Kyiv é a mãe de todas as cidades russas’?” (Loseff, 2011LOSEFF, Lev. Joseph Brodsky: a Literary Life. Tradução Jane Ann Miller. 1. ed. New Haven: Yale University Press, 2011., p. 242)36 36 Tradução nossa. No original, em inglês: “It became obvious that in his mind the Baltics, Central Asia, and the Caucasus were separate countries and nations—but the space that stretched from the White Sea to the Black, from the Volga to the Bug, was a single land, and it was his native one. He was not alone in thinking so: ‘An imperial . . . mentality was as characteristic of inhabitants of Poltava and Zhitomir, Nezhin, Chernigov, Gomel and Polotsk as it was for those of Tver or Vyatka. That is, from the earliest days of empire, from the days of Peter the Great, this mentality has counted Kiev and Belarus part of the metropolis. And how could it be otherwise for people who had learned from first grade that ‘Kiev is the Mother of Russian cities’?” .

Desse modo, resta claro que a angústia expressada por Brodsky diante desse evento histórico é correlata ao discurso imperialista russo, profundamente arraigado na tradição literária do país, de modo particularmente intenso nos períodos que informaram a formação cultural do poeta. Então, para Brodsky, a Ucrânia seria uma mera continuação do “espaço russo” (Bertelsen, 2015BERTELSEN, Olga. Joseph Brodsky’s Imperial Consciousness. Scripta Historica, Slupsk, v. 21, pp. 263-289, 2015. Disponível em https://www.academia.edu/26054913/Joseph_Brodsky_s_Imperial_Consciousness. Acesso em 20 mai. 2023.
https://www.academia.edu/26054913/Joseph...
).

O sentimento de revolta e a hostilidade transmitidos pelos versos de “Na nezavisimost' Ukrainy” [Sobre a independência da Ucrânia] têm precedentes na poesia russa, sendo “Klevetnikam Rossii” [Aos caluniadores da Rússia] (1831), de Púchkin, um grande exemplo. Esse poema foi escrito em resposta ao apoio ocidental aos insurgentes poloneses do Levante de Novembro. Além de ameaçar uma poderosa retaliação militar, o eu-lírico diminui o significado do movimento, afirmando ser ele uma mera disputa familiar incompreensível ao Ocidente. Há também uma alusão a uma suposta superioridade da Rússia diante das demais nações eslavas, sendo estas comparadas a riachos que inevitavelmente hão de desaguar no oceano russo.

Embora reconheça a carga política por trás de Sobre a Independência da Ucrânia e argumente que a consciência dela foi o que motivou a decisão de Brodsky de não o publicar, Loseff (2011LOSEFF, Lev. Joseph Brodsky: a Literary Life. Tradução Jane Ann Miller. 1. ed. New Haven: Yale University Press, 2011.) defende um ponto de vista consonante àquele do poeta: sua obra não deve ser interpretada como ideologia, mas como prosa lírica em uma série de impressões que Brodsky jamais fecha em um sistema conceitual.

Não obstante, a análise crítica das imagens, referências e temas trabalhados por ele figuram como um meio importante para a compreensão acerca da mentalidade imperial russa, que persiste até os dias de hoje. A produção poética não é um mero ato de esculpir com as palavras; o poeta também é moldado pelo seu tempo, pelo lugar que ocupa na sua sociedade e por sua bagagem cultural.

No exemplo de Brodsky, sua representação nostálgica e imponente do império sofreu influências tanto por seu não-conformismo aos ditames soviéticos, quanto por sua visão eurocêntrica acerca da “cultura autêntica”. Não se deve subestimar o papel exercido pela tradição literária russa sobre sua visão de mundo; como visto, especialmente no caso de Púchkin, mesmo quando os poetas russos se opunham ao governo, as críticas às empreitadas coloniais e expansionistas ainda eram tímidas, quando presentes. Movimentos emancipatórios e contestatórios são vistos como ameaças ao “espaço russo”, raramente levando em consideração a opressão sofrida pelos povos colonizados.

Interpretar essas obras literárias como construções transcendentais concebidas por “gênios”, completamente divorciadas de seu contexto histórico-social, significa perpetuar essas perniciosas narrativas. Leituras críticas dos trabalhos desses autores, no entanto, não implicam um desvalor de seu legado, e sim trazem maior nuance à nossa compreensão do tempo em que viveram e da sociedade da qual participaram.

REFERÊNCIAS

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    » https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8155/tde-14122022-170120/publico/2006_EdelcioRodineyAmerico.pdf
  • ASHCROFT, Bill; GRIFFITHS, Gareth; TIFFIN, Helen. Introduction. In: ASHCROFT, Bill; GRIFFITHS, Gareth; TIFFIN, Helen. The Post-colonial Studies Reader. Nova Iorque: Routledge, 2003. pp. 7-11.
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  • Declaração de disponibilidade de conteúdo

    Os conteúdos subjacentes ao texto da pesquisa estão contidos no manuscrito.
  • Pareceres

    Tendo em vista o compromisso assumido por Bakhtiniana. Revista de Estudos do Discurso com a Ciência Aberta, a revista publica somente os pareceres autorizados por todas as partes envolvidas.
  • 1
    As datas que acompanham os títulos de obras literárias e poemas ao longo do trabalho se referem ao ano de primeira publicação.
  • 2
    Tradução nossa. No original, em inglês: “Brodsky possessed a set of features that were suspicious to the Soviet regime: he was unemployed, or rather self-employed, a concept foreign to the Soviet authorities; and he communicated with foreigners who visited the Soviet Union and with suspicious ‘elements’ of the Leningrad intelligentsia. For these reasons, he was exiled and eventually banned from the country. (...) He was not a member of any underground organization that opposed the Soviet regime, and he did not distribute samizdat in the USSR, although his poems were published in Sintaksis, the first samizdat poetry journal circulating in Moscow and Leningrad. In fact, Brodsky himself has insisted that he was not a dissident. Moreover, he has repeatedly stated that he was apolitical and his creativity was not informed by political history.”
  • 3
    “Tors” [Torso] não possui tradução para o português. Em Referências, consta uma coletânea das obras de Brodsky (Sochineniia Iosifa Brodskogo [Obras de Iosif Brodsky], (vol. 3), publicada na Rússia em 2001, que inclui este poema.
  • 4
    A data mencionada se refere à primeira declamação do poema feita por Brodsky no centro comunitário judaico de Palo Alto, California. O poeta decidiu não publicar “Na nezavisimost’ Ukrainy”. Portanto, as versões do poema a que temos acesso são publicações informais online, oriundas de transcrições de suas leituras públicas, gravadas em vídeo. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=4Hi97u8BFpQ. Acesso em 06 fev. 2024. Para os fins deste trabalho, utilizaremos trechos retirados da página web https://www.culture.ru/.
  • 5
    “Post aetatem nostram” [Após a nossa era] não possui tradução para o português. Em Referências, consta uma coletânea das obras de Brodsky (Sochineniia Iosifa Brodskogo [Obras de Iosif Brodsky], vol. 2), publicada na Rússia em 2001, que inclui este poema.
  • 6
    Nas Referências, consta a tradução lusitana, de Nina e Filipe Guerra, publicada em 1999.
  • 7
    “Poltava” não possui tradução para o português. Em Referências, elencamos um compêndio da obra poética de Púchkin (Sobranie sotchnenii v chestnadsati tomakh [Obras selecionadas em dezesseis volumes], vol. 3), publicada na União Soviética em 1948, em que consta este poema.
  • 8
    Em Referências, consta a tradução para o português de Paulo Bezerra, publicada em 2016.
  • 9
    Em Referências, consta a tradução para o português de Rubens Figueiredo, publicada em 2012.
  • 10
    Tradução nossa. Na versão em inglês: “(...) pyramids, obelisks, pillars, palaces, and idols become positively the signature of his style.”
  • 11
    Tradução nossa. No original, em inglês: “The challenge posed to imperial governance by a multiethnic and multireligious populace was to be resolved through the codification of universal legal principles, equally binding on all. The empress’s initial enthusiasm for Enlightenment ideals created the makings of a Catherinian myth whose chief symbol was a hypostasis of the Law. It was Derzhavin’s designated task to corroborate this myth.”
  • 12
    O poema não foi traduzido para o português. Em Referências, elencamos uma antologia poética (Russkie poety. Antologiia russkoi poezii v 6 tomakh [Poetas russos: antologia da poesia russa em seis volumes], vol. 1), publicada na Rússia em 1996, em que consta o poema de Lomonóssov.
  • 13
    Tradução nossa. No original, em inglês: “A literature glorifying imperial rule was a powerful factor in shaping public attitudes and disseminating a pro-tsarist ideology. It formed the background of expectation, the norm against which rare refusals of support or even rarer statements of opposition acquired significance. Extolling the empire’s vastness and military invincibility had by the nineteenth century become a well-established tradition among major writers.”
  • 14
    Tradução nossa. No original, em inglês: “Whereas the Empire continued to provide a historical context for the Romantics, it ceased to be the exclusive means for experiencing the sublime. Poets’ self-perception as seers in the wake of the Romantic pivot also entailed an affirmation of their own greatness, which naturally aroused the suspicion of the authorities. The contrast between the elitism of 19th-century poets and the regime’s oppression alienated them from the state. Henceforth, the imperial sublime was experienced as a violent force directed against these poets.”
  • 15
    Tradução nossa. No original, em inglês: “Modern elegiac verse has tended to make its appearance as a part of a nation’s or city-state’s Golden Age, as a correlative of national formation and empire building. Just as the Roman elegiac poets were criticized for trivial, personal pursuits out of keeping with Rome’s civic and historical mission, modern elegy appears to rise on the back of political centralization, either as a product of the civilized leisure and education it enables or as a subversive response to the official discourses of public life.”
  • 16
    Tradução nossa. No original, em inglês: “The text, then, creates a paradoxical time-space that will repeatedly shift the reader’s attention away from the poem’s ostensible focus: a present figured spatially as landscape is finally overwhelmed by a past that appears as a function of memory. This hypertrophy of memory is typically elegiac and generally functions within the lyric to enrich but also to complicate the terms of the encounter between mind and nature (...) Even as it seeks a sympathetic reflection in the outer world, elegiac consciousness always contains excess (a residue of the past or more rarely a premonition of the future) that nature, history, or the beloved cannot adequately reflect, and it is this failure of reciprocity that precipitates the need for mourning. More than just the elegy’s theme, mourning is also its temporal condition, preventing the specular reconciliation of subject and object by introducing the phantasm of an unresolved past or an uncertain future.”
  • 17
    Em Referências, consta uma tradução para o português, de Boris Schnaiderman e Nelson Ascher, publicada na Folha de São Paulo, em 2016.
  • 18
    “Izmail-bey” [Ismail-bei] e “Mtsyri” [O noviço] não possuem traduções para o português. Em Referências, elencamos um compêndio da obra poética de Liêrmontov (Sotchineniia v dvukh tomakh [Obras em dois volumes], vol. 1), publicado na União Soviética em 1988, em que constam ambos os poemas.
  • 19
    “Kavkazskii Plennik” [O prisioneiro do Cáucaso] não possui tradução para o português. Em Referências, elencamos um compêndio da obra poética de Púchkin (Sobranie sotchnenii v desiatikh tomakh [Obras selecionadas em dez volumes], vol. 3), publicado na União Soviética entre os anos de 1959-1962, em que consta o poema.
  • 20
    Em Referências, consta uma tradução para o português, de Cecília Rosas, publicada como parte da Nova antologia do conto russo (1792-1998), em 2016.
  • 21
    Tradução nossa. Na versão em inglês: “If we were bringing enlightenment to the tribes, then there would be something to sing about. Poetry is not the ally of butchers.”
  • 22
    No original, em inglês: “Just as his first notions of the naked female body came from the marble statues of the Summer Garden, more abstract aesthetic concepts like symmetry, perspective, and proportion came from the neoclassical buildings all around him. In the child’s mind and the child’s world, there grew an image of an ideal country, an empire whose might and glory were founded—improbable as it might seem—on harmony and proportion rather than violence and death. (...) this private utopia had nothing to do with the real, historical Russian empire. As a child, Brodsky gave little thought to the empire; as an adult, he regarded Russian imperialism and militarism with undisguised scorn.”
  • 23
    Em Referências, consta uma tradução para o português, de Daniela Mountian, publicada em 2016.
  • 24
    Tradução nossa. No original, em inglês: “The concept of empire emerges in Brodsky’s works as one of the essences structuring his historical and geographical imagination, as well as his understanding of cultural signification. Brodsky’s experience of Soviet Union, and his understanding of the country as an empire, was crucial to his understanding of empire both as a historical fact and a metaphysical concept. In his creative imagination empire was a cultural given, which provided the conditions necessary for a civilization with its arts, philosophy, and moral order to develop, while it could also exhibit the ‘human negative potential,’ as was the case, in Brodsky’s view, with the Byzantine empire, imagined in ‘Flight from Byzantium’ as the historical predecessor of the Soviet empire.”
  • 25
    5 Em Referências constra uma edição russa de 2001.
  • 26
    Tradução nossa do original russo. Em russo: “Potomu chto iskusstvo poezii trebuiet slov, / ia - odin iz glukhikh, oblysievshikh, ugriumykh poslov / vtorosortnoi derjavy, sviazavsheisia s etoi, — / nie jelaia nasilovat’ sobstvennyi mosg, / sam sebe podavaia odejdu, spuskaius’ v kiosk / za vietcherniei gazietoi.”
  • 27
    Tradução nossa. No original, em inglês: “The meanings Brodsky invests in Leningrad/Petersburg and its monumental buildings from his Soviet post-utopian, or post-Stalin perspective, produce a nostalgic and affirmative attitude toward Russia’s imperial past, which, in turn, reconstructs Petersburg as the center and a major achievement of Russia’s imperial power, with the latter emerging as an object of the author’s nostalgia, too. Brodsky’s dissenting politics of imperial nostalgia produces a perception of the historical Russian Empire as the authentic and legitimate empire, as opposed to the Soviet imperial absurdity he left behind. Poetry emerges from these conjectures as a product of an authentic imperial culture, as well as a means of maintaining it.”
  • 28
    Tradução nossa. No original, em inglês: “The two- or three-kilometer strip between the ocean and the looming cliffs is entirely overgrown with utterly moronic- a Ia that idiot Le Corbusier -beehive ‘structures’. As though the vista denies man imagination. Perhaps it does. The eighteenth and the nineteenth centuries are completely wiped out. Occasionally you can bump into the debris of the mercantile style of the turn of the century, with its surreal medley of arcades, balconies, winding stairs, turrets, gates, and whatnot. But this is rare, and of no relief. And equally rare and relief-free are the small three- or four-floor hotels in the back streets behind the concrete-cum-stucco giants, or in the narrow lanes climbing up the hills at a minimum seventy-five-degree angle, winding up into an evergreen forest, the real jungle. There, in these narrow streets, in little villas and cobbled-up tenements, dwells the local population, employed mainly by the tourist outfits: extremely poor, somewhat desperate, but on the whole not overly protesting.”
  • 29
    Tradução nossa. No original, em inglês: “Not having the historical tie with Brazil that Pratt claims Theroux and Moravia should acknowledge with Guatemala and Ghana, Brodsky creates one—not in order to critique the postcolonial relations of subjugation, but, on the contrary, to claim a right to his metropolitan position: Brodsky invents a European identity, and he does so by way of negation. Because of the strangeness of local vegetation and the absence of colonial architecture, the author of Brodsky’s travel account argues, Rio de Janeiro cannot produce any memories ‘no matter how many years you spend there’ (according to the author himself, he spent a week there). ‘For a native of Europe,’ he continues, ‘Rio is biological neutrality incarnate,’ the local vegetation ‘neither corresponds to nor echoes any species a European is used to’.”
  • 30
    Tradução nossa. No original, em inglês: “Every criticism of the human condition suggests the critic’s awareness of a higher plane of regard, of a better order. Such was the history of Russian aesthetics that the architectural ensembles of St. Petersburg, churches included, were—and still are—perceived as the closest possible incarnation of such an order. In any case, a man who has lived long enough in this city [St. Petersburg] is bound to associate virtue with proportion. This is an old Greek idea; but set under the northern sky, it acquires the peculiar authority of an embattled spirit and, to say the least, makes an artist very conscious of form. This kind of influence is especially clear in the case of Russian or, to name it by its birthplace, Petersburgian poetry. For two and a half centuries this school, from Lomonosov and Derzhavin to Pushkin and his pleiad (Baratynsky, Vyazemsky, Delvig), to the Acmeists—Akhmatova and Mandelstam in this century—has existed under the very sign under which it was conceived: the sign of classicism.”
  • 31
    Tradução nossa. No original, em inglês: “Russian poetry has set an example of moral purity and firmness, which to no small degree has been reflected in the preservation of so-called classical forms without any damage to content.”
  • 32
    Tradução nossa. Em russo: “V raskleiennom na ulitchnykh shchitakh / "Poslanii k vlastiteliam" izvestnyi, / izvestnyi miestnyi kifaried, kipia / niegodovan’iem, smielo vystupaiet / s prizyvom Impieratora ubrat’ / (na slieduiushchei strotchke) / s miednykh dieneg.”
  • 33
    Tradução nossa. No original, em inglês: “It is impersonal, alienating, godless - in opposition to the free, or freedom-seeking individual”.
  • 34
    Tradução nossa. No original, em inglês: “becoming a desolate place, physically, culturally and intellectually.”
  • 35
    Tradução nossa do original em russo. Em russo: “S Bogom, orly, kazaki, guietmany, viertukhai! / Tol'ko kogda pridiot i vam pomirat’, bugai, / budietie vy khripiet’, tsarapaia krai matrasa, / strotchki iz Aleksandra, a nie briekhniu Tarasa.”
  • 36
    Tradução nossa. No original, em inglês: “It became obvious that in his mind the Baltics, Central Asia, and the Caucasus were separate countries and nations—but the space that stretched from the White Sea to the Black, from the Volga to the Bug, was a single land, and it was his native one. He was not alone in thinking so: ‘An imperial . . . mentality was as characteristic of inhabitants of Poltava and Zhitomir, Nezhin, Chernigov, Gomel and Polotsk as it was for those of Tver or Vyatka. That is, from the earliest days of empire, from the days of Peter the Great, this mentality has counted Kiev and Belarus part of the metropolis. And how could it be otherwise for people who had learned from first grade that ‘Kiev is the Mother of Russian cities’?”

Parecer I

Sobre o autor do parecer SCIMAGO INSTITUTIONS RANKINGS

Parecer I

O texto se adequa perfeitamente ao tema proposto, desenvolvendo com coerência os pressupostos teóricos. O artigo traz uma interessante e rara contribuição para os estudos russos no Brasil com a sua reflexão sobre autores e obras de diferentes épocas diante da noção de “império”. A escrita possui clareza e se coaduna com a linguagem de um trabalho científico.

  • recomendação: aceitar

Histórico

  • Parecer recebido em
    29 Out 2023

Disponibilidade de dados

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Mar 2024
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2024

Histórico

  • Recebido
    16 Ago 2023
  • Aceito
    08 Fev 2024
LAEL/PUC-SP (Programa de Estudos Pós-Graduados em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) Rua Monte Alegre, 984 , 05014-901 São Paulo - SP, Tel.: (55 11) 3258-4383 - São Paulo - SP - Brazil
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