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GOVERNANÇA TRIBUTÁRIA: ESTUDO SOBRE OS SEUS REFLEXOS NA EVASÃO FISCAL

RESUMO

O estudo objetivou verificar a relação entre a governança tributária e a evasão fiscal. A motivação para analisar essa interação reside na necessidade de entender e comprovar que as práticas de governança tributária possuem reflexos no nível de evasão fiscal. Os resultados confirmam a hipótese teórica testada de que os países da amostra que possuem práticas empresariais de governança tributária apresentaram níveis menores de evasão fiscal, sendo importante evidência empírica dessa relação estimulada, mas ainda não verificada pela literatura. Como resultados adicionais, obteve-se que apenas o enforcement apresentou comportamento esperado pela literatura, sugerindo que existe uma relação de complementariedade com a governança tributária. Assim, o trabalho contribui na inserção de mais um fator associado ao entendimento do fenômeno da evasão, ampliando o conhecimento sobre o assunto, seja pela possibilidade de comparação com estudos internacionais semelhantes, seja pelo interesse dos governos em estimular a implementação da governança tributária pelas empresas.

Palavras-chave:
governança tributária; relação; evasão fiscal

ABSTRACT

This study aimed to verify the relationship between tax governance and tax evasion. The motivation to analyze this interaction lies in the need to understand and prove that tax governance practices have an effect on the level of tax evasion. The results confirm the theoretical hypothesis that was tested: the countries in the sample with corporate tax governance practices presented lower levels of tax evasion, which is important empirical evidence of this relationship that has been postulated, but not yet verified by the literature. As for additional results, it was determined that only enforcement evokes the behavior expected from the literature, suggesting that it has a complementary relationship with tax governance. Thus, this paper supports the inclusion of another factor associated with our understanding of the tax evasion phenomenon, expanding our knowledge on the subject through the possibility of comparison with similar international studies. Furthermore, it may also generate government interest in encouraging the implementation of tax governance by companies.

Keywords:
tax governance; relationship; tax evasion

1. INTRODUÇÃO

A evasão fiscal é um problema crucial para os países, uma vez que o desenvolvimento econômico pode ser seriamente prejudicado por receitas públicas menores devido à falta de cumprimento das obrigações tributárias (Picur & Riahi-Belkaoui, 2006Picur, R. D., & Riahi-Belkaoui, A. (2006). The impact of bureaucracy, corruption and tax compliance. Review of Accounting and Finance, 5(2), 174-180. https://doi.org/10.1108/14757700610668985
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). Ademais, a evasão não afeta apenas as autoridades fiscais e governos, mas também os próprios contribuintes que, na condição de cidadãos, podem ficar sem os serviços estatais demandados (Turner, 2010Turner, C. S. (2010). Essays in crime and tax evasion. [Dissertation, Georgia State University]. https://doi.org/10.57709/1437031
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). Assim, a evasão fiscal afeta o cotidiano e o bem-estar social (Russo, 2010Russo, F. F. (2010). Tax evasion and community effects in Italy. Centre for Studies in Economics and Finance (Working Paper No. 254).).

Em função dessas consequências sociais decorrentes da evasão fiscal é que os estudos buscam contribuir para o entendimento e mitigação desse problema (Cowell, 1990Cowell, F. (1990). Cheating the government: the economics of evasion. MIT Press.). Kirchler (2007Kirchler, E. (2007). The economic psychology of tax behavior. Cambridge University Press. ) acrescenta que, pela sua complexidade explicativa e pela presença, em maior ou menor grau, em todos os países, a evasão fiscal é um tópico de interesse nos estudos das ciências sociais.

Crocker e Slemrod (2005Crocker, K. J., & Slemrod, J. (2005). Corporate tax evasion with agency costs. Journal of Public Economics, 89(9-10), 1593-1610. https://doi.org/10.1016/j.jpubeco.2004.08.003
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) explicam que antes de apontar soluções para o problema dos desvios tributários é preciso entender os mecanismos teóricos que fundamentam o fenômeno, para só então apontar possíveis fatores mitigadores. Sendo um fenômeno complexo, a evasão possui diferentes enfoques teóricos (Khlif & Achek,2015Khlif, H., & Achek, I. (2015). The determinants of tax evasion: a literature review. International Journal of Law and Management, 57(5), 486-497. https://doi.org/10.1108/IJLMA-03-2014-0027
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), tais como a teoria econômica, teoria da firma e dos contratos, teoria dos takeholder, teoria stewardship, teoria da equidade, teorias comportamentais, dentre outras, que ajudam a entender a sua ocorrência, a partir de seus pressupostos (Kaplan et al., 1986Kaplan, S. E., Reckers, P. M. J., & Reynolds, K. D. (1986). An application of attribution and equity theories to tax evasion behavior. Journal of Economic Psychology, 7(4), 461-476. https://doi.org/10.1016/0167-4870(86)90034-6
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). Apesar dessa diversidade, o presente estudo utiliza a teoria da agência como suporte, alinhando-se aos estudos de Crockere Slemrod (2005Crocker, K. J., & Slemrod, J. (2005). Corporate tax evasion with agency costs. Journal of Public Economics, 89(9-10), 1593-1610. https://doi.org/10.1016/j.jpubeco.2004.08.003
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), Desai e Dharmapala (2006Desai, M. A., & Dharmapala, D. (2006). Corporate tax avoidance and high-powered incentives. Journal of Financial Economics, 79(1), 145-179. https://doi.org/10.1016/j.jfineco.2005.02.002
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) e Desai et al. (2007Desai, M. A., Dyck, A., & Zingales, L. (2007). Theft and taxes. Journal of Financial Economics, 84(3), 591-623. https://doi.org/10.1016/j.jfineco.2006.05.005
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).

Assumindo que a evasão fiscal deriva de um problema de agência, é possível identificar e verificar quais fatores influenciam esse fenômeno. No caso específico da sonegação, os estudos sobre o tema expõem a existência de vários fatores subjetivos, objetivos, econômicos e não econômicos, que estão entrelaçados e mutuamente conectados (Wallschutzky, 1984Wallschutzky, I. G. (1984). Possible causes of tax evasion. Journal of Economic Psychology, 5(4), 371-384. https://doi.org/10.1016/0167-4870(84)90034-5
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) e diferem de um país para outro (Kirchler, 2007Kirchler, E. (2007). The economic psychology of tax behavior. Cambridge University Press. ). Nesse contexto, Jackson e Milliron (1986Jackson, B., & Milliron, V. (1986). Tax compliance research: findings, problems, and prospects. Journal of Accounting Literature, 5, 125-165.) expuseram que a presença da evasão fiscal se encontra associada a fatores denominados determinantes, conforme as relações investigadas por pesquisas anteriores.

Além desse conjunto de elementos tradicionais, novos estudos abordaram outros determinantes da evasão fiscal (Armstrong et al., 2015Armstrong, C. S., Blouin, J. L., Jagolinzer, A. D., & Larcker, D. F. (2015). Corporate governance, incentives, and tax avoidance. Journal of Accounting and Economics, 60(1), 1-17. https://doi.org/10.1016/j.jacceco.2015.02.003
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), sendo um deles a governança corporativa, considerada um elemento mitigador dos conflitos de agência, inclusive em seu aspecto tributário (Desai & Dharmapala, 2006Desai, M. A., & Dharmapala, D. (2006). Corporate tax avoidance and high-powered incentives. Journal of Financial Economics, 79(1), 145-179. https://doi.org/10.1016/j.jfineco.2005.02.002
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). Nesse sentido, “a literatura internacional é pródiga na identificação de aspectos de governança corporativa que podem interagir com a prática tributária” (Martinez, 2017Martinez, A. L. (2017). Tax aggressiveness: a survey of the literature. Journal of accounting education and research - REPeC, 11, 106-124., p. 112). Um exemplo a ser citado é a pesquisa desenvolvida por Desai et al. (2007Desai, M. A., Dyck, A., & Zingales, L. (2007). Theft and taxes. Journal of Financial Economics, 84(3), 591-623. https://doi.org/10.1016/j.jfineco.2006.05.005
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) evidenciando, em nível nacional, que quando a governança é fraca um aumento na alíquota de imposto resulta em mais desvio.

Em vertente diferente, o trabalho de Minnick e Noga (2010Minnick, K., & Noga, T. (2010). Do corporate governance characteristics influence tax management? Journal of Corporate Finance, 16(5), 703-718. https://doi.org/10.1016/j.jcorpfin.2010.08.005
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) encontrou poucas evidências de uma ligação entre governança corporativa e evasão, uma vez que há aspectos particulares da relação tributária não englobados pelo sistema geral de governança. Resultados semelhantes aos das pesquisas de Rego e Wilson (2012Rego, S. O., & Wilson, R. (2012). Equity risk incentives and corporate tax aggressiveness. Journal of Accounting Research, 50(3), 775-810. https://doi.org/10.1111/j.1475-679X.2012.00438.x
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). Diversos escândalos tributários envolvendo empresas renomadas tais como Starbucks, Apple, Offshore Leaks e Lux Leaks (Dietsch & Rixen, 2016Dietsch, P., & Rixen, T. (2016). Global tax governance: what it is and why it matters. In P. Dietsch & T. Rixen (Eds.), Global tax governance: what’s wrong with it and how to fix it (pp. 1-18). ECPR Press.) reforçam que as relações entre governança corporativa e evasão fiscal são inconclusivas na literatura existente e ainda pouco exploradas em termos nacionais (Owens, 2015Owens, J. (2015). Promoting good tax governance in third-countries: the role of the EU - in-depth analysis for ECON Committee. European Parliament’s Committee on Economic and Financial Affairs.).

Diante desse contexto, de que práticas gerais de governança corporativa não estariam conseguindo mitigar desvios tributários, emerge o conceito de governança tributária como um subconjunto da governança corporativa (Australian Taxation Office, 2016Australian Taxation Office (ATO). (2016). Corporate governance and tax governance. https://www.ato.gov.au/Business/Privately-owned-and-wealthy-groups/Tax-governance/Tax-governance-guide-for-privately-owned-groups/Corporate-governance-and-tax-governance/
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), logo está inserida no contexto das organizações.

A governança tributária tem sido incentivada por organismos internacionais, como a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e países como a Austrália e Nova Zelândia (Deloitte, 2015Deloitte Touche Tohmatsu Limited (2015). Best practice in corporate tax governance - from the finance team to the board. New Zealand: Deloitte Touche Tohmatsu Limited. https://www2.deloitte.com/content/dam/Deloitte/nz/Documents/tax/Tax-alert/2015/tax-alert-oct-2015.pdf.
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), mas é implantada pelas empresas com a adoção de princípios e boas práticas tributárias. A presença dessas práticas de governança específicas para condução das decisões tributárias tem como finalidade a redução de desvios dessa natureza, atenuando o conflito de agência contribuinte-governo, o que, por consequência, pode impactar na evasão fiscal observada (Hji Panayi, 2018Hji Panayi, C. (2018). The globalisation of tax good governance. Singapore Management University School of Accountancy Research Paper Series, 6(1), 123-139. https://doi.org/10.2139/ssrn.3104977
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).

Assim, a verificação dos reflexos da governança tributária na evasão é uma possibilidade teórica (Amaral & Ainsworth, 2005Amaral, A. C. R, & Ainsworth, R. (2005). Tax governance and Sarbanes-Oxley (SOX). Instituto de Governança Tributária (IGTAX). ), cuja adoção de práticas vem sendo estimulada por organismos internacionais, mas que ainda não foi incorporada, pela literatura, como um possível determinante na análise da evasão fiscal, de forma a demonstrar a efetiva interação existente entre eles (Eskelinen & Ylönen, 2017Eskelinen, T., & Ylönen, M. (2017). Panama and the WTO: new constitutionalism of trade policy and global tax governance. Review of International Political Economy, 24(4), 629-656. https://doi.org/10.1080/09692290.2017.1321569
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).

Ademais, a tributação tem frequentemente seu papel negligenciado tanto nas estratégias empresariais como na expansão da capacidade do Estado, razão pela qual as pesquisas recentes permaneceram relativamente teóricas e abstratas (Prichard, 2010Prichard, W. (2010). Taxation and state building: towards a governance focused tax reform agenda. (IDS Working Papers No. 341). https://doi.org/10.1111/j.2040-0209.2010.00341_2.x
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). “A pesquisa empírica não convergiu para fornecer orientações sobre as melhores práticas que podem ser seguidas para melhorar a governança tributária” (Srinivasan & Kamala, 2009Srinivasan, R., & Kamala, G. (2009). The effect of firm characteristics on corporate governance: an empirical study in the United States. International Journal of Management, 26(2), 309-319., p. 310). E o número limitado dos estudos sobre evasão fiscal reduz a capacidade de identificar outros determinantes (Khlif & Achek, 2015Khlif, H., & Achek, I. (2015). The determinants of tax evasion: a literature review. International Journal of Law and Management, 57(5), 486-497. https://doi.org/10.1108/IJLMA-03-2014-0027
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).

Por essa razão, ante a lacuna na literatura, o presente estudo incorpora a governança tributária como um fator que pode ser testado para ajudar a entender o comportamento da evasão fiscal; portanto, busca-se responder à seguinte questão de pesquisa: existe relação entre governança tributária, incentivada pelos governos e implementada pelas empresas, e a evasão fiscal do país?

O objetivo é verificar a relação entre a governança tributária e a evasão fiscal. Para tanto, o trabalho utilizará a abordagem quantitativa, através de regressão de dados em painel balanceado, para analisar os dados de 90 países que compõem a amostra, no período de 2005 a 2015.

A relevância do estudo funda-se em analisar a governança tributária enquanto um efetivo instrumento que afeta a evasão fiscal e, a partir dos resultados obtidos, demonstrar a relação existente, bem como contribuir para que o movimento internacional de implementação da governança tributária (KPMG,2017KPMG (2017, July 31). The good manager and tax governance. Retrieved May 10, 2019, from Retrieved May 10, 2019, from https://home.kpmg/br/pt/home/insights/2017/07/o-bom-administrador-e-a-governanca-tributaria.html
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) e as possíveis adesões de novos governos e empresas a esse contexto (OCDE, 2013) tenham mais esse elemento de verificação empírica que os ajudem na formulação e ajustes dos modelos de atuação tributária.

2. REVISÃO DE LITERATURA E HIPÓTESE

2.1. Fatores Associados à Evasão Fiscal

Segundo Slemrod (2007Slemrod, J. (2007). Cheating ourselves: the economics of tax evasion. Journal of Economic Perspectives, 21(1), 25-48. https://doi.org/10.1257/jep.21.1.25
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, p. 25), “nenhum governo pode anunciar um sistema tributário e depois confiar no senso de dever dos contribuintes para remeter o que é devido”. Isso porque, por mais que os contribuintes cumpram adequadamente suas obrigações, sempre existirá um percentual de descumprimento (Picur & Riahi-Belkaoui, 2006Picur, R. D., & Riahi-Belkaoui, A. (2006). The impact of bureaucracy, corruption and tax compliance. Review of Accounting and Finance, 5(2), 174-180. https://doi.org/10.1108/14757700610668985
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). Sendo assim, a evasão fiscal existirá em algum grau ainda que haja um ambiente de controle e responsabilização (Slemrod, 2007Slemrod, J. (2007). Cheating ourselves: the economics of tax evasion. Journal of Economic Perspectives, 21(1), 25-48. https://doi.org/10.1257/jep.21.1.25
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). Logo, a evasão fiscal é um problema que afeta a todos e para sua mitigação é preciso entender os fatores que estão a ela associados.

A primeira grande revisão de literatura sobre os fatores relacionados à evasão fiscal foi exposta por Wallschutzky (1984Wallschutzky, I. G. (1984). Possible causes of tax evasion. Journal of Economic Psychology, 5(4), 371-384. https://doi.org/10.1016/0167-4870(84)90034-5
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) e consolidada por Jackson e Milliron (1986Jackson, B., & Milliron, V. (1986). Tax compliance research: findings, problems, and prospects. Journal of Accounting Literature, 5, 125-165.). Esses elementos podem ser analisados tanto de forma individual (dados das firmas/contribuintes), quanto nacional (dados dos países). Todavia, embora a contribuição metodológica tenha sido significativa, os resultados a partir de variáveis individuais não se mostraram particularmente úteis para a análise de políticas gerais de tributação, uma vez que os modelos consideraram apenas as ações dos contribuintes (Hji Panayi, 2018Hji Panayi, C. (2018). The globalisation of tax good governance. Singapore Management University School of Accountancy Research Paper Series, 6(1), 123-139. https://doi.org/10.2139/ssrn.3104977
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), o que fez surgir as abordagens nacionais a partir da métrica de mensuração da evasão fiscal construída em nível de países (Riedel, 2018Riedel, N. (2018). Quantifying international tax avoidance: a review of the academic literature. Review of Economics, 69(2), 169-181. https://doi.org/10.1515/roe-2018-0004
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). De uma forma geral, a Tabela 1 consolida as categorias sobre essas variáveis.

Tabela 1
Resumo dos fatores associados à evasão fiscal

Estudos empíricos passaram a utilizar determinantes nacionais, possibilitando a ampliação do conhecimento e a utilização dos seus resultados pelos governos (Khlif & Achek, 2015Khlif, H., & Achek, I. (2015). The determinants of tax evasion: a literature review. International Journal of Law and Management, 57(5), 486-497. https://doi.org/10.1108/IJLMA-03-2014-0027
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). Nessa linha estão os estudos de Riahi-Belkaoui (2004Riahi-Belkaoui, A. (2004). Relationship between tax compliance internationally and selected determinants of tax morale. Journal of International Accounting, Auditing and Taxation, 13(2), 135-143. https://doi.org/10.1016/j.intaccaudtax.2004.09.001
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), Picur e Riahi-Belkaoui (2006Picur, R. D., & Riahi-Belkaoui, A. (2006). The impact of bureaucracy, corruption and tax compliance. Review of Accounting and Finance, 5(2), 174-180. https://doi.org/10.1108/14757700610668985
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), Richardson (2006Richardson, G. (2006). Determinants of tax evasion: a cross-country investigation. Journal of International Accounting, Auditing and Taxation, 15(2), 150-169. https://doi.org/10.1016/j.intaccaudtax.2006.08.005
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) e Gabor (2012Gabor, R. (2012). Relation between tax evasion and Hofstede’s model. European Journal of Management, 12(1), 61-72.).

A pesquisa de Riahi-Belkaoui (2004Riahi-Belkaoui, A. (2004). Relationship between tax compliance internationally and selected determinants of tax morale. Journal of International Accounting, Auditing and Taxation, 13(2), 135-143. https://doi.org/10.1016/j.intaccaudtax.2004.09.001
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) representa o trabalho pioneiro para os determinantes da evasão fiscal e talvez a primeira investigação empírica rigorosa encontrada na recente literatura (Khlif & Achek, 2015Khlif, H., & Achek, I. (2015). The determinants of tax evasion: a literature review. International Journal of Law and Management, 57(5), 486-497. https://doi.org/10.1108/IJLMA-03-2014-0027
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). O estudo examinou, com dados de 30 países, a associação entre quatro determinantes (índice de liberdade econômica, importância do mercado acionário, nível de crimes graves e eficácia das leis de concorrência) em confronto com a evasão fiscal. Como resultados, o estudo fornece evidências de que a evasão entre países é negativamente associada ao enforcement nacional.

Já o estudo de Picur e Riahi-Belkaoui (2006Picur, R. D., & Riahi-Belkaoui, A. (2006). The impact of bureaucracy, corruption and tax compliance. Review of Accounting and Finance, 5(2), 174-180. https://doi.org/10.1108/14757700610668985
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) avança sobre a pesquisa de Riahi-Belkaoui (2004Riahi-Belkaoui, A. (2004). Relationship between tax compliance internationally and selected determinants of tax morale. Journal of International Accounting, Auditing and Taxation, 13(2), 135-143. https://doi.org/10.1016/j.intaccaudtax.2004.09.001
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), incorporando ao modelo os efeitos de duas outras variáveis, a burocracia e a corrupção. A amostra também foi de 30 países, e os dados foram do ano de 1996. Os resultados do estudo demonstraram que o baixo nível de corrupção está positivamente associado ao cumprimento das obrigações fiscais.

O trabalho de Richardson (2006Richardson, G. (2006). Determinants of tax evasion: a cross-country investigation. Journal of International Accounting, Auditing and Taxation, 15(2), 150-169. https://doi.org/10.1016/j.intaccaudtax.2006.08.005
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) segue linha semelhante aos anteriores, só que dessa vez com uma amostra de 45 países e utilizando dez variáveis independentes (idade, sexo, educação, nível de renda, fonte de renda, alíquotas marginais, justiça fiscal, complexidade, autoridade de receita e moral fiscal) e a evasão fiscal como variável dependente, nos anos de 2002, 2003 e 2004. Richardson (2006Richardson, G. (2006). Determinants of tax evasion: a cross-country investigation. Journal of International Accounting, Auditing and Taxation, 15(2), 150-169. https://doi.org/10.1016/j.intaccaudtax.2006.08.005
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) observou como resultado que os determinantes não econômicos têm o maior impacto na evasão, em particular, a complexidade tributária.

Nota-se, portanto, que os pesquisadores expandiram os testes, mas os resultados não são uníssonos (Russo, 2010Russo, F. F. (2010). Tax evasion and community effects in Italy. Centre for Studies in Economics and Finance (Working Paper No. 254).), e que a continuidade de escândalos fiscais envolvendo renomadas empresas multinacionais que, apesar de possuírem sistemas de governança corporativa, são questionadas sobre o não pagamento dos tributos legalmente devidos (Dietsch & Rixen, 2016Dietsch, P., & Rixen, T. (2016). Global tax governance: what it is and why it matters. In P. Dietsch & T. Rixen (Eds.), Global tax governance: what’s wrong with it and how to fix it (pp. 1-18). ECPR Press.). De acordo com Gemmell e Hasseldine (2012Gemmell, N., & Hasseldine, J. (2012). The tax gap: a methodological review. Advances in Taxation, 20, 203-231. http://doi.org/10.2139/ssrn.2199200
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), tal tópico atraiu um interesse internacional renovado pela OCDE em 2016.

2.2. Governança Tributária

A governança tributária é um conjunto de princípios e boas práticas específicas da relação tributária, que servem para direcionar a gestão e o planejamento tributário das empresas (Deloitte, 2015Deloitte Touche Tohmatsu Limited (2015). Best practice in corporate tax governance - from the finance team to the board. New Zealand: Deloitte Touche Tohmatsu Limited. https://www2.deloitte.com/content/dam/Deloitte/nz/Documents/tax/Tax-alert/2015/tax-alert-oct-2015.pdf.
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). Nesse sentido, os organismos internacionais e determinados países, como é o caso da Austrália, classifica, em seu framework, a governança tributária como sendo um subconjunto da governança empresarial (Australian Taxation Office, 2016Australian Taxation Office (ATO). (2016). Corporate governance and tax governance. https://www.ato.gov.au/Business/Privately-owned-and-wealthy-groups/Tax-governance/Tax-governance-guide-for-privately-owned-groups/Corporate-governance-and-tax-governance/
https://www.ato.gov.au/Business/Privatel...
). Em complemento, Lopo Martinez et al. (2019Lopo Martinez, A., Ribeiro, A. C., & Funchal, B. (2019). Sarbanes Oxley Act and taxation: a study of the effects on the tax aggressiveness of Brazilian firms. Accounting Viewed & Review, 30(1), 27-42., p. 29) conceituam governança tributária como sendo “as boas práticas de gestão tributária, as quais envolvem um planejamento tributário lícito também conhecido como elisão fiscal e representa um conjunto de procedimentos de gestão corporativa”.

O aumento do foco sobre a governança tributária é fenômeno recente (Shtromberg, 2019Shtromberg, A. (2019). Managing permanent establishment risks in multinational enterprises in post-BEPS era. [Master’s thesis, Aalto University]. Finland.), cujo marco internacional pode ser dado pelo programa intitulado Tax and Development, acompanhado do projeto de Erosão e Transferência de Lucros (BEPS), ambos da OCDE, que começou em 2011, indo até 2013 (OCDE, 2013Organization for Economic Cooperation and Development (OECD). (2013). Addressing base erosion and profit shifting (BEPS). Paris. https://read.oecd-ilibrary.org/taxation/addressing-base-erosion-and-profit-shifting_9789264192744-en#page1
https://read.oecd-ilibrary.org/taxation/...
). O programa enfatizou a ideia de tributação como um elemento essencial das estratégias empresariais de forma a influenciar a boa governança e o desenvolvimento do Estado (Owens, 2015Owens, J. (2015). Promoting good tax governance in third-countries: the role of the EU - in-depth analysis for ECON Committee. European Parliament’s Committee on Economic and Financial Affairs.).

Sendo a governança tributária um tipo de governança empresarial, é preciso elucidar que o seu estudo em separado deve-se ao fato de que os regimes de governança devem estar especialmente atentos em relação ao cumprimento das práticas e estratégias tributárias, mas que possivelmente esse é um dos principais desafios das corporações e governos (Drezner, 2007Drezner, D. W. (2007). All politics is global: explaining international regulatory regimes. Princeton University Press. ).

Desta forma, essa segregação faz sentido, à medida que mecanismos gerais de governança corporativa, apesar de a sua importância prática ter sido reconhecida há muito tempo (Srinivasan & Kamala, 2009Srinivasan, R., & Kamala, G. (2009). The effect of firm characteristics on corporate governance: an empirical study in the United States. International Journal of Management, 26(2), 309-319.), não se apresentam suficientes para tratar sobre as práticas tributárias, como se pode observar por meio dos escândalos financeiros em empresas dos Estados Unidos envolvendo aspectos tributários e que expuseram dúvida sobre o modelo de governança corporativa existente (Jo & Harjoto, 2011Jo, H., & Harjoto, M. A. (2011). Corporate governance and firm value: the impact of corporate social responsibility. Journal of Business Ethics, 103(3), 351-383. https://doi.org/10.1007/s10551-011-0869-y
https://doi.org/10.1007/s10551-011-0869-...
).

A evidência empírica demonstra considerável relutância da administração em divulgar informações relacionadas à governança fiscal a seus acionistas e ao governo, o que não ocorre com a sua política de governança geral (Abdul Wahab, 2010Abdul Wahab, N. S. (2010). Tax planning and corporate governance: effect on shareholders’ valuation. [Thesis, University of Southampton]. United Kingdom.). Essa resistência aflora o conflito existente entre empresas e governos, fundamentando o pressuposto teórico da Teoria da Agência nessa relação.

A institucionalização de mecanismos de controle pelo próprio contribuinte, como a governança tributária, não afasta o prisma do conflito governo-contribuinte, uma vez que um dos elementos centrais para mitigação do conflito de agência é a definição de regras cuja execução e implementação cabe ao agente, e a supervisão e fiscalização, ao principal. Desta forma, segundo Mappadang et al. (2018Mappadang, A., Widyastuti, T., & Wijaya, A. M. (2018). The effect of corporate governance mechanism on tax avoidance: evidence from manufacturing industries listed in the Indonesian stock exchange. The International Journal of Social Sciences and Humanities Invention, 5(10), 5003-5007. https://doi.org/10.18535/ijsshi/v5i10.02
https://doi.org/10.18535/ijsshi/v5i10.02...
), as práticas tributárias de uma empresa não podem ser separadas da existência da teoria da agência existente nas firmas, uma vez que um dos conflitos empresariais mais importantes é justamente aquele com os governos que possuem direito a parte da riqueza gerada pela firma. Por essa razão, o presente estudo desenvolve o papel da governança tributária com a perspectiva da teoria da agência como base teórica que melhor explica a relação com a evasão fiscal.

Com essa perspectiva, a governança tributária corporativa inclui vários subconjuntos de opções de políticas específicas (Garbarino, 2011Garbarino, C. (2011). Aggressive tax strategies and corporate tax avoidance: an institutional approach. European Company and Financial Law Review, 8(3), 277-304. https://doi.org/10.1515/ecfr.2011.277
https://doi.org/10.1515/ecfr.2011.277...
), materializados pelos seus princípios e boas práticas como instrumentos que podem mitigar o conflito de agência governo-contribuinte e, por conseguinte, atenuar a evasão fiscal. Nessa seara, é preciso entender que esses elementos são distintos daqueles da governança corporativa geral, uma vez que pode haver lacunas na sua própria governança em relação aos impostos (Boll & Brehm Johansen, 2018Boll, K., & Brehm Johansen, M. (2018). Tax governance: corporate experiences with cooperative compliance in Denmark. (FairTax Working Paper Series, No. 17).).

Deloitte (2015Deloitte Touche Tohmatsu Limited (2015). Best practice in corporate tax governance - from the finance team to the board. New Zealand: Deloitte Touche Tohmatsu Limited. https://www2.deloitte.com/content/dam/Deloitte/nz/Documents/tax/Tax-alert/2015/tax-alert-oct-2015.pdf.
https://www2.deloitte.com/content/dam/De...
) publicou comunicado em que sintetiza diversas práticas nacionais no sentido de estruturação de uma governança tributária mais eficaz, mencionando os casos de países como Nova Zelândia, Austrália e Reino Unido, que buscam implementar “códigos de prática voluntária sobre tributação para as empresas, para lidar com aquelas que habitualmente empreendem um planejamento tributário agressivo” (Deloitte, 2015Deloitte Touche Tohmatsu Limited (2015). Best practice in corporate tax governance - from the finance team to the board. New Zealand: Deloitte Touche Tohmatsu Limited. https://www2.deloitte.com/content/dam/Deloitte/nz/Documents/tax/Tax-alert/2015/tax-alert-oct-2015.pdf.
https://www2.deloitte.com/content/dam/De...
, p. 2). A Tabela 2 apresenta, a partir da compilação de diversos códigos e relatórios, os principais princípios que a governança tributária pretende preservar.

Tabela 2
Principais princípios de governança tributária

Hji Panayi (2018Hji Panayi, C. (2018). The globalisation of tax good governance. Singapore Management University School of Accountancy Research Paper Series, 6(1), 123-139. https://doi.org/10.2139/ssrn.3104977
https://doi.org/10.2139/ssrn.3104977...
) explica que, ao desenvolver princípios de boa governança tributária, os organismos internacionais e governos pretendem apoiar políticas tributárias que combatam a evasão fiscal. Com isso, a aplicação dos princípios de boa governança tributária passou a ser estimulada aos diversos países (Hji Panayi, 2018Hji Panayi, C. (2018). The globalisation of tax good governance. Singapore Management University School of Accountancy Research Paper Series, 6(1), 123-139. https://doi.org/10.2139/ssrn.3104977
https://doi.org/10.2139/ssrn.3104977...
).

Bedicks (2009Bedicks, H. B. (2009). Corporate governance and capital dispersion - multiple cases in Brazil. Saint Paul. ) aponta que as práticas visam minimizar os eventuais conflitos de interesses entre fornecedores de recursos e tomadores de decisão. Logo, as boas práticas tributárias precisam derivar dos princípios norteadores de maneira a formar o conjunto de elementos necessários à boa governança tributária. A Tabela 3 apresenta alguns exemplos dessas boas práticas.

Tabela 3
Exemplos de boas práticas de governança tributária

Com a estruturação e efetiva implantação desses elementos de governança tributária, acredita-se que possam ser mitigados os principais conflitos capazes de gerar comportamento evasivo. É o caso do gerenciamento tributário oportunístico realizado pelos administradores à revelia do conselho da empresa (Gomes, 2016Gomes, A. P. M. (2016). Corporate governance as a stimulus to fiscal management. Accounting & Finance journal, 27(71), 149-168. https://doi.org/10.1590/1808-057x201500750
https://doi.org/10.1590/1808-057x2015007...
), estratégias tributárias evasivas de comum interesse entre administradores e conselho empresarial (Dietsch & Rixen, 2016Dietsch, P., & Rixen, T. (2016). Global tax governance: what it is and why it matters. In P. Dietsch & T. Rixen (Eds.), Global tax governance: what’s wrong with it and how to fix it (pp. 1-18). ECPR Press.) e o conflito decorrente da adoção de planejamento tributário agressivo que, embora possa ser lícito, aumenta o risco da gestão e, portanto, não é desejado pelos stakeholders da empresa (Armstrong et al., 2012Armstrong, C. S., Blouin, J. L., & Larcker, D. F. (2012). The incentives for tax planning. Journal of Accounting and Economics, 53(1-2), 391-411. https://doi.org/10.1016/j.jacceco.2011.04.001
https://doi.org/10.1016/j.jacceco.2011.0...
).

Para os três casos, a governança tributária funciona como inibidora de tais atitudes: no caso do gerenciamento oportunístico, ajudando o conselho a controlar seus administradores; no caso de estratégia empresarial evasiva, fornecendo informações às autoridades fiscais para realizar suas verificações e fiscalizações; e na agressividade, fornecendo direcionadores que proporcionam o tratamento formal e as demarcações claras entre evasão fiscal, gestão tributária e práticas de planejamento tributário (Jacob & Michaely, 2017Jacob, M., & Michaely, R. (2017). Taxation and dividend policy: the muting effect of agency issues and shareholder conflicts. The Review of Financial Studies, 30(9), 3176-3222.).

Desse modo, as evidências apresentadas pela literatura sugerem que as organizações possuem pouco ou nenhum processo em vigor para identificar, controlar ou relatar conflitos fiscais (Deloitte, 2015Deloitte Touche Tohmatsu Limited (2015). Best practice in corporate tax governance - from the finance team to the board. New Zealand: Deloitte Touche Tohmatsu Limited. https://www2.deloitte.com/content/dam/Deloitte/nz/Documents/tax/Tax-alert/2015/tax-alert-oct-2015.pdf.
https://www2.deloitte.com/content/dam/De...
), lacuna que pode ser preenchida pela governança tributária. Por esse motivo, depreende-se que os princípios e práticas de governança tributária visam mitigar fatores importantes relacionados à evasão fiscal. Assim enuncia-se a hipótese de pesquisa:

  • H1: em países em que há a presença de práticas de governança tributária observam-se níveis menores de evasão fiscal.

A sustentação para a referida hipótese reside no fato de que a governança tributária, enquanto conjunto de princípios e boas práticas voltadas para direcionamento das decisões tributárias, tem como finalidade a redução de desvios dessa natureza, o que, por consequência, impacta na evasão fiscal observada. Sendo assim, faz sentido verificar a direção da relação existente e se ela apresenta significância para concluir que há uma interação relevante entre evasão e governança tributária.

Para tanto, serão utilizadas como variáveis de controle aquelas descritas no referencial teórico que já se apresentaram significativamente associadas à evasão fiscal e que podem ser alvo de ações governamentais para modificação de seu cenário e, por conseguinte, serem úteis para a adoção de políticas governamentais. Desta forma, a Figura 1 apresenta o modelo teórico da pesquisa.

Figura 1.
Desenho da pesquisa

3. AMOSTRA E METODOLOGIA

3.1. Amostra e Variáveis

No presente trabalho será utilizada uma amostra de 90 países para um período compreendido entre 2005 e 2015. O referido lapso temporal foi escolhido em função da disponibilidade dos dados de evasão fiscal fornecidos pelo relatório do Fundo Monetário Internacional (FMI) (Medina & Schneider, 2018Medina, L., & Schneider, F. (2018). Shadow economies around the world: what did we learn over the last 20 years? International Monetary Fund Working Papers.) que apresenta estimativas de 2005 a 2015.

A análise de 90 países representa uma importante ampliação de amostra se comparada a outros estudos referenciais sobre evasão fiscal, como os de 32 países verificados por Desai et al. (2007Desai, M. A., Dyck, A., & Zingales, L. (2007). Theft and taxes. Journal of Financial Economics, 84(3), 591-623. https://doi.org/10.1016/j.jfineco.2006.05.005
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) e os de 45 países utilizados por Richardson (2006Richardson, G. (2006). Determinants of tax evasion: a cross-country investigation. Journal of International Accounting, Auditing and Taxation, 15(2), 150-169. https://doi.org/10.1016/j.intaccaudtax.2006.08.005
https://doi.org/10.1016/j.intaccaudtax.2...
).

O estudo também utilizou variáveis de controle, a saber: carga tributária, enforcement do país, corrupção do país, complexidade tributária e tamanho per capita dos gastos estatais. A Tabela 4 sumariza as variáveis do modelo, fonte de coleta, métrica e sua respectiva interpretação.

Tabela 4
Descrição das variáveis dos modelos

3.2. Modelo e Tratamento estatístico

No presente trabalho, será utilizado o modelo de regressão com dados em painel para um período compreendido entre 2005 e 2015, com variáveis nacionais de amostra de 90 países. A técnica de estimação adequada é escolhida de acordo com as pressuposições que fazemos a respeito da possível correlação entre o termo de erro e as variáveis explicativas: mínimos quadrados ordinários (MQO) para dados empilhados (pooled data); modelo de efeitos fixos e modelo de efeitos aleatórios (Gujarati & Porter, 2011Gujarati, D. N., & Porter, D. C. (2011). Basic econometrics. (5th ed). Bookman.). Para determinar qual modelo é o mais adequado, foram utilizados os seguintes testes: o teste F de Chow, o teste de Hausman e o teste do multiplicador de Lagrange de Breusch e Pagan ou teste LM de Breusch-Pagan.

Após os testes, foi estimado o seguinte modelo econométrico:

E F = β 0 + β 1 G T + β 2 E N F + β 3 C O R R + β 4 C T + β 5 C O M P + β 6 T G E + ε i (1)

Onde:

EF: variável dependente de evasão fiscal;

β0: intercepto do modelo, corresponde à constante, ou seja, o lugar onde a linha intercepta o eixo y;

β1GT : governança tributária:

β2ENF : enforcement do país;

β3CORR : índice de percepção de corrupção do país;

β4CT T: carga tributária dos países;

β5COMP : complexidade tributária dos países;

β6TGE TGE: tamanho dos gastos dos estatais;

εi : termo de erro, perturbação da relação.

Foram realizados testes estatísticos quanto à normalidade, independência e multicolinearidade dos resíduos, bem como os testes de consistência dos modelos e endogeneidade. Isso porque essas pressuposições em modelos de regressão visam facilitar a interpretação dos resultados, tornar as técnicas estatísticas mais simples e possibilitar testes de hipóteses (Johnson & Wichern, 1998Johnson, R. A., Wichern, D. W. (1998). Applied multivariate statistical analysis. (4th ed). Prentice-Hall.). Para tal, foram utilizados os softwares SPSS, Gretl e Microsoft Excel para tratamento e análise dos dados.

4. ANÁLISE DOS RESULTADOS

4.1. Análise Descritiva

A amostra foi composta por 90 países, em um período de 11 anos, e com sete variáveis, uma dependente e seis independentes, o que remonta a um total de 6.930 observações. Do total de países, 15 deles foram identificados com a presença de práticas de governança tributária, a saber: Alemanha, Austrália, Bulgária, Canadá, China, Croácia, Eslovênia, Estados Unidos, Holanda, Irlanda, Itália, Japão, Nova Zelândia, Polônia, Portugal, República da Eslovaca, Reino Unido e Suécia. A Tabela 5 apresenta a descritiva geral das variáveis de todos os países analisados.

Tabela 5
Estatísticas descritivas das variáveis do modelo completo

A carga tributária tem em seu extremo inferior a Namíbia (0,72) e no extremo superior a Bulgária (59,68), sendo que apenas cinco países que possuem governança tributária estão em níveis abaixo da média dessa variável da amostra. Isso pode indicar que países com maior carga tributária possuem mais instrumentos de controle sobre a sua arrecadação.

Quanto ao nível de enforcement, Dinamarca (2,47), Finlândia (2,46) e Nova Zelândia (2,45) apresentam os maiores indicadores. Impende ressaltar que esses três países estão entre os menos corruptos. Por outro lado, Guiné Equatorial (-1,77), Bangladesh (-1,43) e Paraguai (-1,32) ocupam as piores posições. A complexidade tributária tem Omã e Paraguai com os menores valores e Geórgia (23,40) e Polônia (20,90) com os maiores. Considerando as medidas de dispersão das variáveis, especialmente o coeficiente de variação, é possível notar que as variáveis possuem elevado desvio-padrão, sugerindo que os dados não possuem distribuição normal, fato que será tratado e corrigido com a análise dos pressupostos dos resíduos.

Quanto à evasão fiscal, realizando o agrupamento de países com governança tributária (países GT) e os outros países da amostra sem governança tributária (outros países), tem-se que a média de evasão fiscal dos países sem governança tributária, no período observado, é superior à média de toda a amostra, como apresentado na Figura 2. Já os países que possuem governança tributária estão abaixo da média geral de evasão.

Figura 2.
Média da evasão fiscal dos países com e sem governança tributária

Seguindo a mesma linha para verificar o comportamento médio dos países, foi realizado um comparativo entre países com e sem governança tributária, apresentado pela Figura 3, entre as médias de todas as variáveis, no período observado, de forma a demonstrar as diferenças percentuais.

Figura 3.
Comparativo geral das variáveis

Nota-se que a média do nível de evasão fiscal dos países sem governança tributária é 90% superior à do nível dos países com governança tributária. Para todas as outras variáveis, os países sem governança tributária apresentam índices médios menores, com destaque para enforcement, com variação menor de 86,89%.

É importante salientar que a variável corrupção dos países com governança apresentou-se mais elevada, porque a métrica desse índice é uma escala invertida, ou seja, países que possuem maiores valores nesse indicador têm menor percepção de corrupção. A carga tributária e a complexidade tributária dos países com governança tributária são, na média, maiores do que a dos outros países, sem que isso se reflita em um nível de evasão fiscal maior.

4.2. Análise das Correlações

Embora a correlação não confirme uma relação de causa e feito entre os dados verificados, ela é útil para indicar possíveis problemas de multicolinearidade. Sendo assim, Tabela 6 apresenta a matriz de correlação e as respectivas significâncias existentes.

Tabela 6
Matriz de correlação das variáveis analisadas

Da matriz de correlação, nota-se que apenas uma interação, entre corrupção e enforcement, apresenta-se significante e com indicador de 0,981, o que sugere colinearidade das variáveis. Como forma de comprovação da existência de multicolinearidade, utilizou-se o teste VIF, que apontou estatística de 28,82 para essas variáveis. Pelo teste, as variáveis corrupção e enforcement apresentaram valores superiores a 10, parâmetro para existência de multicolinearidade (Gujarati & Porter, 2011Gujarati, D. N., & Porter, D. C. (2011). Basic econometrics. (5th ed). Bookman.).

Nesse caso, há comprovação sobre a existência de colinearidade entre corrupção e enforcement. Nessas circunstâncias, o modelo pode prescindir de uma das variáveis, uma vez que o conjunto informativo delas é similar. A Tabela 7 contém um resumo das direções encontradas e as compara com aquelas esperadas.

Tabela 7
Comparação entre as correlações esperadas e encontradas

Apenas as variáveis enforcement e governança tributária apresentaram o comportamento esperado. Esse comportamento já indica um importante achado da pesquisa, pois revela que carga tributária e complexidade, apontados pela literatura como determinantes importantes de evasão fiscal, não apresentam o comportamento esperado quando analisados em um conjunto maior de países e na presença de determinantes como enforcement e governança tributária.

4.3. Análise dos Resultados da Regressão

4.3.1. Resultado dos Testes de Escolha do Modelo

Para escolha do modelo de análise dos dados em painel foram realizados os seguintes testes: o teste F de Chow, o teste de Hausman e o teste do multiplicador de Lagrange de Breusch e Pagan ou teste LM de Breusch-Pagan. Os resultados encontram-se na Tabela 8.

Tabela 8
Resultados dos testes de escolha do modelo

O teste de Chow verifica a melhor alternativa entre o modelopoolede o modelo de efeitos fixos. No caso, o referido teste permitiu rejeitar a hipótese nula de estabilidade dos parâmetros, pois o p-valor foi de 0,00, menor do que o nível de significância a 5%, e concluir que há uma mudança estrutural nos dados, de forma que a estimação por efeito fixo é melhor do que o modelo pooled (Mínimos dos Quadrados Ordinários - MQO).

Já o teste de Breusch e Pagan foi utilizado para escolha da melhor estimativa entre o modelopoolede o modelo de efeitos aleatórios. Caso não seja rejeitada a hipótese nula, o modelo de efeitos aleatórios não é adequado (Gujarati & Porter, 2011Gujarati, D. N., & Porter, D. C. (2011). Basic econometrics. (5th ed). Bookman.). No estudo, considerando que o p-valor foi significativo, a hipótese nula de que o modelo pooled seria mais adequado deve ser rejeitada. Logo, a estimação por efeito aleatório seria mais adequada.

Tem-se, então, que o modelo MQO foi afastado pelos testes de Chow e Breusch e Pagan. Ato contínuo, foi preciso saber qual o tipo de efeito a ser considerado, o efeito fixo (indicado pelo teste de Chow) ou o efeito aleatório (indicado pelo teste de Breusch e Pagan). Para essa escolha, realizou-se o teste de Hausman. A hipótese nula do teste é de que os estimadores do modelo de efeitos fixos e do modelo de efeitos aleatórios não diferem substancialmente. Se a hipótese nula for rejeitada, o modelo de efeitos aleatórios não é adequado.

Nota-se que o p-valor foi de 0,0025, portanto, significativo. Desta forma, a hipótese nula de ausência de simultaneidade deve ser rejeitada, e pode ser inferido que deve ser utilizado um estimador de efeitos fixos para o estudo dos dados.

4.3.2. Testes de Pressupostos dos Resíduos

A análise de pressupostos pode indicar tratamentos adicionais a serem realizados para validar a utilização de teste paramétricos, como idealizado neste estudo. Desta forma, a Tabela 9 consolida os resultados dos testes de normalidade, independência e heteroscedasticidade.

Tabela 9
Resultados dos testes dos pressupostos dos resíduos

O Teste Jarque-Bera revela que o pressuposto de normalidade não foi verificado. Sendo assim, para corrigir o problema da normalidade, foi realizada a transformação logarítmica de todos os dados, resultando nas informações expostas na Tabela 10.

Tabela 10
Resultado com transformação logarítmica

Nota-se, portanto, que de fato a normalidade foi estabelecida com a transformação realizada, de maneira que o modelo de efeito fixo a ser utilizado utilizará uma amostra que atende a esse pressuposto.

4.3.3. Resultados do Modelo Efeito Fixo

Foi realizada a regressão com a variável principal de verificação e todas as variáveis de controle. A Tabela 11 sintetiza os resultados desse primeiro modelo.

Tabela 11
Resultado Modelo 1 (com todas as variáveis)

As variáveis corrupção, governança tributária e complexidade foram as únicas que se apresentaram estatisticamente significativas nesse modelo, que indicou R2 de 0,9711. Com isso, todas as variáveis que não apresentaram significância foram retiradas (carga tributária e tamanho dos gastos). A variável corrupção também foi omitida deixando em seu lugar a variável enforcement para verificar se a colinearidade encontrada entre essas variáveis se confirma em termos de significância estatística do modelo de regressão. A Tabela 12 sintetiza os resultados desse segundo modelo ajustado.

Tabela 12
Resultado Modelo 2 (reduzido)

Os resultados demonstram que, com os ajustes realizados, a governança tributária continua apresentando significância, ao passo que a complexidade não mais. E foi confirmado que as variáveis corrupção e enforcement possuem o mesmo poder explicativo. O modelo indicou R2de 0,9656.

Por fim, foram retiradas todas as variáveis de controle e estimado um terceiro modelo simples. A Tabela 13 apresenta os resultados desse modelo simples.

Tabela 13
Resultado Modelo 3 (simples)

O resultado mostra que a governança tributária continua apresentando significância, e o R2 de 0,9637 revela que a omissão de variáveis não influenciou de forma relevante nos resultados do modelo.

Como um teste adicional de robustez, foi estimado um modelo entre-grupos. Isso porque, o modelo normal atribui pesos às variâncias dos dados, fazendo com que a variância do resíduo seja constante. Já o modelo entre-grupos expressa as variações entre os grupos, que no caso são os países componentes da amostra. Assim, é possível manter o conjunto informacional sem a retirada de observações e obter resultados sem viés decorrente da diversidade de dados utilizada. Para esse estimador, novamente foram utilizadas todas as variáveis de controle, cujos resultados estão indicados na Tabela 14.

Tabela 14
Resultado Modelo entre-grupos

Os resultados confirmam que apenas governança tributária se mostrou significativa em relação à variável dependente evasão fiscal. Desse modo, com α de 5%, aceita-se a hipótese H1 de que a presença governança tributária implica menores índices de evasão fiscal. Esse resultado confirma a hipótese exposta neste trabalho de que havia uma relação negativa entre o nível de evasão fiscal e a existência de governança tributária. Assim, sugere que a adoção dos princípios e boas práticas de governança tributária é um fator que pode ser associado à redução da evasão fiscal, suportando o movimento internacional de aderência a essa prática.

Para além, cabe destacar os resultados em relação às variáveis de controle utilizadas, nos quais carga tributária e tamanho dos gastos estatais não apresentaram o mesmo comportamento sugerido pelos estudos de Desai et al. (2007Desai, M. A., Dyck, A., & Zingales, L. (2007). Theft and taxes. Journal of Financial Economics, 84(3), 591-623. https://doi.org/10.1016/j.jfineco.2006.05.005
https://doi.org/10.1016/j.jfineco.2006.0...
) e Valderrama et al. (2018Valderrama, I. J. M., Mazz, A., Schoueri, L. E., Quiñones, N., West, C., Pistone, P., & Zimmer, F. (2018). Tools used by countries to counteract aggressive tax planning in light of transparency. Intertax, 46(2), 140-155.). Da mesma forma, a complexidade quando associada à governança tributária e ao enforcement não apresentou significância, sendo uma possível explicação para a divergência em relação aos resultados de Richardson (2006Richardson, G. (2006). Determinants of tax evasion: a cross-country investigation. Journal of International Accounting, Auditing and Taxation, 15(2), 150-169. https://doi.org/10.1016/j.intaccaudtax.2006.08.005
https://doi.org/10.1016/j.intaccaudtax.2...
).

A variável enforcement apresentou significância estatística, confirmando o pressuposto do modelo seminal de Allingham e Sandmo (1972Allingham, M. G., & Sandmo, A. (1972). Income tax evasion: a theoretical analysis. Journal of Public Economics, 1(3-4), 323-338. https://doi.org/10.1016/0047-2727(72)90010-2
https://doi.org/10.1016/0047-2727(72)900...
), de que em países com efetividade na aplicação das normas e punições adequadas, a sonegação é desestimulada. Contudo, conforme já destacava Cowell (1990Cowell, F. (1990). Cheating the government: the economics of evasion. MIT Press.), aumentar a efetividade das regras (maior frequência da auditoria ou aumento das multas por evasão) não é a solução suficiente e necessária para reduzir a quantidade de atividade ilegal, pois essa seria a medida definitiva a ser adotada pelos governos e, mesmo sendo conhecedores dela, a evasão fiscal persiste, justamente pela complexidade de fatores que a influenciam. Desse modo, Cowell (1990Cowell, F. (1990). Cheating the government: the economics of evasion. MIT Press.) sugere que os governos nacionais verifiquem outras formas complementares de mitigação da evasão, especialmente aquela que melhore a relação custo-benefício da arrecadação e fiscalização.

Nessa linha, o presente estudo avança em relação aos estudos pretéritos no sentido de testar e confirmar que a governança tributária pode ser esse fator adicional de enfrentamento evasivo (Wymeersch, 2006Wymeersch, E. (2006). The enforcement of corporate governance codes. Journal of Corporate Law Studies, 6(1), 113-138. https://doi.org/10.1080/14735970.2006.11419948
https://doi.org/10.1080/14735970.2006.11...
). As regras de governança afetam os agentes do processo de tomada de decisões em torno de estratégias tributárias, complementando o conjunto de delineadores da sua atuação (Wymeersch, 2006Wymeersch, E. (2006). The enforcement of corporate governance codes. Journal of Corporate Law Studies, 6(1), 113-138. https://doi.org/10.1080/14735970.2006.11419948
https://doi.org/10.1080/14735970.2006.11...
).

Os resultados de Atwood et al. (2012Atwood, T. J., Drake, M. S., Myers, J. N., & Myers, L. A. (2012). Home country tax system characteristics and corporate tax avoidance: international evidence. The Accounting Review, 87(6), 1831-1860. https://doi.org/10.2139/ssrn.1594936
https://doi.org/10.2139/ssrn.1594936...
) sugerem que os arranjos de governança motivam os gerentes a empreender mais estratégias tributárias arriscadas quando os países possuem legislação permissiva. Desta forma, enforcement e governança tributária se complementam em seus objetivos.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo teve por objetivo verificar a relação entre a governança tributária e a evasão fiscal, por meio do suporte teórico da Teoria da Agência, assumindo que a evasão é um fenômeno decorrente do conflito entre contribuinte e governo, a chamada agência tributária, e que a governança tributária é um elemento de mitigação desse conflito. Sendo assim, a governança tributária tem sido um instrumento de gestão empresarial cuja implementação tem sido estimulada por organismos internacionais e diferentes governos, mas sem que ainda haja evidenciação empírica sobre os seus reflexos na evasão fiscal.

5.1. Implicações teóricas

Os resultados confirmaram a hipótese do estudo de que a presença de práticas de governança tributária encontra-se associada a menores níveis de evasão fiscal. Esse achado preenche uma lacuna importante no sentido de testar a relação suposta e ainda de incrementar a literatura tributária com mais um fator associado à evasão fiscal, ampliando as fronteiras de pesquisa sobre o tema.

Como resultados secundários, o estudo apresenta evidências sob a perspectiva teórica conflituosa existente entre governo-contribuinte, analisados em um conjunto amplo de países e por um período superior a uma década. Esses achados foram obtidos pelo comportamento controverso das variáveis de controle: carga tributária, tamanho dos gastos estatais e complexidade, que não estariam influenciando significativamente o nível de evasão fiscal. Já o enforcement apresentou o resultado teórico esperado, bem como restou evidenciada a sua forte correlação com o índice de percepção de corrupção dos países. Também confirmou estudos anteriores que apontam o caráter complementar entre enforcement e governança tributária, de forma que com o primeiro apresenta aspectos coercitivos, e a segunda, aspectos de recomendação.

5.2. Implicações práticas

O presente estudo apresenta elementos empíricos de que o movimento internacional - capitaneado pela OCDE, de enfatizar a relevância e estender suas diretrizes sobre governança tributária - possui indicativos mensuráveis de mitigação da evasão fiscal, o que pode auxiliar empresas a melhor entenderem e implementarem seus modelos de governança tributária como um elemento para lidar de forma eficiente e responsável em sua atuação fiscal. No âmbito estatal, os governos podem utilizar ou induzir a aplicação de princípios e boas práticas que tragam melhores resultados para o processo de arrecadação pública e, indiretamente, à prestação de serviços à sociedade.

5.3. Limitações e recomendações

A principal limitação da pesquisa refere-se à disponibilidade e à temporalidade dos dados, uma vez que a divulgação de informações nacionais possui um intervalo com os períodos-base. Outra limitação é a metrificação da variável resposta. Essa dificuldade relaciona-se com a natureza criminal dessa atividade, o que dificulta ter métricas mais diretas e primárias quanto a sua execução. Finalmente, espera-se que trabalhos futuros possam contribuir quanto ao tipo de metodologia utilizada, uma vez que as possibilidades de análise vão além dos modelos, premissas e métodos quantitativos utilizados neste trabalho.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Set 2022
  • Data do Fascículo
    Jul-Aug 2022

Histórico

  • Recebido
    03 Out 2020
  • Revisado
    24 Mar 2021
  • Aceito
    06 Dez 2021
  • Aceito
    14 Jul 2022
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