Acessibilidade / Reportar erro

Gênero e Empreendedorismo: um estudo comparativo entre as abordagens Causation e Effectuation

RESUMO

A literatura sobre o papel do gênero no empreendedorismo cresceu consideravelmente nos últimos anos, entretanto pouco se estudou sobre sua influência na concepção de um negócio (FRIGOTTO; DELLA VALLE, 2016FRIGOTTO, Maria L.; DELLA VALLE, Nives. Gender and the Structuring of the Entrepreneurial Venture: An Effectuation Approach. International Journal of Entrepreneurial Venturing, v. 2016, 2016.). Em busca de evidências que auxiliem a elucidar o debate sobre essa lacuna, esta pesquisa buscou verificar se há associação entre gênero e o modo de empreender à luz das abordagens Causation - baseada na causalidade - e Effectuation - baseada em contingências - (SARASVATHY, 2001SARASVATHY, Saras D. Causation and effectuation: Toward a theoretical shift from economic inevitability to entrepreneurial contingency. Academy of Management Review, v. 26, n. 2, p. 243-263, 2001.). Para tanto, foi realizada uma pesquisa com Microempreendedores Individuais (MEI) na cidade de Nova Cruz/RN. A amostra aleatória foi constituída por 100 respondentes. O instrumento de pesquisa foi composto por perguntas fechadas, compreendendo o perfil do empreendedor, perfil da empresa e as abordagens Causation e Effectuation. Para a análise dos dados, foram utilizadas as técnicas de análise fatorial e regressão linear múltipla. Os resultados demonstram associação positiva entre o gênero feminino e a perspectiva Causation.

Palavras-chave:
Gênero; Empreendedorismo; Causation; Effectuation

ABSTRACT

The literature on the role of gender in entrepreneurship has been growing significantly in recent last years (FRIGOTTO; DELLA VALLE, 2016FRIGOTTO, Maria L.; DELLA VALLE, Nives. Gender and the Structuring of the Entrepreneurial Venture: An Effectuation Approach. International Journal of Entrepreneurial Venturing, v. 2016, 2016.). However, little has been studied about the influence of gender in the conception of a business venture. In the search for empirical evidence to elucidate the debate about this gap in the literature, this research sought to verify whether there is an association between gender and the approaches Causation - based on causality - and Effectuation - based on contingencies - (SARASVATHY, 2001SARASVATHY, Saras D. Causation and effectuation: Toward a theoretical shift from economic inevitability to entrepreneurial contingency. Academy of Management Review, v. 26, n. 2, p. 243-263, 2001.). For this purpose, a survey was conducted with Individual Micro Entrepreneurs (MEI) in the city of Nova Cruz/RN. A probabilistic random sample of 100 respondents was collected. The survey was composed of closed questions, including the profile of the entrepreneur, company profile and the Causation and Effectuation questions. The techniques of factorial analysis and multiple linear regression were used for data analysis. The results show a positive and statistically significant association between the female gender and the Causation perspective.

Palavras-chave:
Gender; Entrepreneurship; Causation; Effectuation

1. INTRODUÇÃO

Estudos sobre gênero e atividade empreendedora tem despertado o interesse de comunidades acadêmicas, formuladores de políticas públicas e órgãos de fomento nos últimos anos (THÉBAUD, 2015THÉBAUD, Sarah. Business as plan B: Institutional foundations of gender inequality in entrepreneurship across 24 industrialized countries. Administrative Science Quarterly, v. 60, n. 4, p. 671-711, 2015.; FEDER; NITU-ANTONIE, 2017FEDER, Emőke-Szidónia; NITU-ANTONIE, Renata-Dana. Connecting gender identity, entrepreneurial training, role models and intentions. International Journal of Gender and Entrepreneurship, v. 9, n. 1, p. 87-108, 2017.). Questões como a assimetria de gênero no empreendedorismo destacam-se como um dos principais objetos de estudo da literatura (JISR; MAAMARI, 2014JISR, Rana E.; MAAMARI, Bassem E. Gender innovation through the lens of effectuation. International Journal of Entrepreneurship and Small Business, v. 22, n. 3, p. 362-377, 2014.; CRESPO, 2017CRESPO, Nuno Fernandes. Cross-cultural differences in the entrepreneurial activity of men and women: a fuzzy-set approach. Gender in Management: An International Journal, v. 32, n. 4, p. 281-299, 2017.; FEDER; NITU-ANTONIE, 2017FEDER, Emőke-Szidónia; NITU-ANTONIE, Renata-Dana. Connecting gender identity, entrepreneurial training, role models and intentions. International Journal of Gender and Entrepreneurship, v. 9, n. 1, p. 87-108, 2017.).

O relatório Global Entrepreneurship Monitor 2016GLOBAL ENTREPRENEURSHIP MONITOR (GEM). Global Report 2016/2017. Global Entrepreneurship Research Association (GERA), London Business School, UK, 2017. ilustra a assimetria de gênero no empreendedorismo, destacando o Brasil como um dos três países onde a proporção de mulheres que abriram negócios é maior que a proporção de homens, juntamente com Malásia e Indonésia (GEM, 2017GLOBAL ENTREPRENEURSHIP MONITOR (GEM). Global Report 2016/2017. Global Entrepreneurship Research Association (GERA), London Business School, UK, 2017.). No entanto, os dados referentes aos demais países apontam uma considerável assimetria de gênero. Na Europa, por exemplo, os homens apresentam, em média, o dobro da probabilidade das mulheres em se envolverem na atividade empreendedora (GEM, 2017GLOBAL ENTREPRENEURSHIP MONITOR (GEM). Global Report 2016/2017. Global Entrepreneurship Research Association (GERA), London Business School, UK, 2017.).

Uma série de estudos na literatura buscou compreender fatores associados ao ato de empreender e as respectivas causas da assimetria existente entre os gêneros (DABIC et al., 2012DABIC, Marina et al. Exploring gender differences in attitudes of university students towards entrepreneurship: an international survey. International Journal of Gender and Entrepreneurship, v. 4, n. 3, p. 316-336, 2012.; SHINNAR; GIACOMIN; JANSSEN, 2012SHINNAR, Rachel S.; GIACOMIN, Olivier; JANSSEN, Frank. Entrepreneurial perceptions and intentions: The role of gender and culture. Entrepreneurship Theory and Practice, v. 36, n. 3, p. 465-493, 2012.; ROBLEDO et al., 2015ROBLEDO, José Luis Ruizalba et al. The moderating role of gender on entrepreneurial intentions: A TPB perspective. Intangible Capital, v. 11, n. 1, p. 92-117, 2015.), sendo tal relação bastante documentada - apesar da ênfase geralmente ser dada a apenas um dos gêneros, não sendo realizadas comparações. Entretanto, a influência do gênero no processo de criação de empresas foi pouco explorada, destacando-se até o presente momento as pesquisas de Shao (2012)SHAO, Chen. Effectuation versus causation in entrepreneurial decision-making in chinese context: consideration of impact of family business background and gender. 2012. Dissertação de Mestrado. University of Twente., Frigotto e Della Valle (2016)FRIGOTTO, Maria L.; DELLA VALLE, Nives. Gender and the Structuring of the Entrepreneurial Venture: An Effectuation Approach. International Journal of Entrepreneurial Venturing, v. 2016, 2016. e De Villiers Scheepers, Boshoff e Oostenbrink (2018)DE VILLIERS SCHEEPERS, M. J.; BOSHOFF, C.; OOSTENBRINK, M. Entrepreneurial women’s cognitive ambidexterity: Career and cultural influences. South African Journal of Business Management, v. 48, n. 4, p. 21-33, 2018..

O processo de criação e desenvolvimento de uma empresa possui duas abordagens principais: (a) a clássica, baseada na causalidade e linearidade, denominada Causation; e, (b) a emergente, baseada em contingências, denominada Effectuation (SARASVATHY, 2001SARASVATHY, Saras D. Causation and effectuation: Toward a theoretical shift from economic inevitability to entrepreneurial contingency. Academy of Management Review, v. 26, n. 2, p. 243-263, 2001.; 2009SARASVATHY, Saras D. Effectuation: Elements of Entrepreneurial Expertise. Edward Elgar Publishing, 2009.). Dessa forma, a abordagem Causation é baseada na análise e planejamento de decisões, enquanto a abordagem Effectuation opera em uma lógica não preditiva, na qual estratégias emergentes são aplicadas visando a oportunidades que surgem durante o processo empreendedor (CHANDLER et al., 2011CHANDLER, Gaylen N. et al. Causation and effectuation processes: A validation study. Journal of Business Venturing, v. 26, n. 3, p. 375-390, 2011.; FAIA; ROSA; MACHADO, 2014FAIA, Valter S.; ROSA, Marco Aurélio G.; MACHADO, Hilka P. V. Alerta Empreendedor e as Abordagens Causation e Effectuation sobre Empreendedorismo. Revista de Administração Contemporânea, v. 18, n. 2, p. 196, 2014.).

No Brasil, foram realizados estudos que associam gênero a constructos do empreendedorismo, como em Machado, Faia e Silva (2016)MACHADO, Hilka P. Vier; FAIA, Valter Silva; SILVA, Juliano Domingues. Alerta Empreendedor: Estudo da Influência de Características do Indivíduo e do Empreendimento. Brazilian Business Review, v. 13, n. 5, p. 87, 2016., que estimaram a relação entre Gênero e Alerta Empreendedor, mas não foram identificadas pesquisas que correlacionassem o processo de criação de empresas à luz das abordagens citadas e gênero. Já no cenário internacional, os trabalhos de Shao (2012)SHAO, Chen. Effectuation versus causation in entrepreneurial decision-making in chinese context: consideration of impact of family business background and gender. 2012. Dissertação de Mestrado. University of Twente., Frigotto e Della Valle (2016)FRIGOTTO, Maria L.; DELLA VALLE, Nives. Gender and the Structuring of the Entrepreneurial Venture: An Effectuation Approach. International Journal of Entrepreneurial Venturing, v. 2016, 2016. e De Villiers Scheepers, Boshoff e Oostenbrink (2018)DE VILLIERS SCHEEPERS, M. J.; BOSHOFF, C.; OOSTENBRINK, M. Entrepreneurial women’s cognitive ambidexterity: Career and cultural influences. South African Journal of Business Management, v. 48, n. 4, p. 21-33, 2018. investigaram a relação entre gênero e processo de criação de empresas.

Devido ao fato de o processo empreendedor balizar-se em uma perspectiva comportamental, que pode estar associada a aspectos expostos na literatura como influenciados por gênero; da lacuna encontrada na literatura sobre a relação de tais construtos; e da assimetria entre homens e mulheres no mundo dos negócios associada às posições históricas da mulher no ambiente público, este estudo apresenta a seguinte questão de pesquisa “o gênero pode estar associado a uma diferente concepção na criação de um novo negócio?” Para avançar nesta questão, o presente estudo tem como objetivo comparar a forma de empreender, por gênero, de microempreendedores à luz das abordagens Causation e Effectuation.

Para tanto, esta pesquisa foi conduzida através de um paradigma quantitativo. Assim, foram coletados dados de 100 empreendedores cadastrados como Microempreendedores Individuais (MEIs) na cidade de Nova Cruz/RN, selecionados aleatoriamente, a partir de um instrumento que abordava o perfil do empreendedor, o perfil da empresa e as dimensões das abordagens Causation e Effectuation, propostas por Sarasvathy (2001)SARASVATHY, Saras D. Causation and effectuation: Toward a theoretical shift from economic inevitability to entrepreneurial contingency. Academy of Management Review, v. 26, n. 2, p. 243-263, 2001.. Para o tratamento e análise de dados, foram utilizadas as técnicas de análise fatorial e regressão linear múltipla. Em seguida, foi realizada a análise de sensibilidade e a análise de consistência do modelo com a técnica de regressão robusta, com o auxílio dos pacotes estatísticos SPSS® 19 e Stata 14.

Dentre as 21 classificações de gênero catalogadas por Green e Maurer (2015)GREEN, Eli R.; MAURER, Luca. The Teaching Transgender Toolkit: A Facilitator’s Guide to Increasing Knowledge, Decreasing Prejudice & Building Skills. Center for sex Education. 2015., utilizou-se, para fins desta pesquisa e por questões operacionais, a categorização binária, a qual considera os sexos masculino e feminino.

Seguindo esta seção introdutória, o presente estudo está dividido em mais 4 seções: a seguir, é apresentado o referencial teórico, abordando os estudos de gênero no empreendedorismo e as abordagens Causation e Effectuation; em seguida, apresentam-se os materiais e métodos; na quarta seção, é realizada a análise e discussão de resultados; e, por fim, são apresentadas as considerações finais e referências.

2. REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 Gênero E Abordagens Causation E Effectuation

A relação entre gênero e empreendedorismo é objeto de pesquisa em diferentes partes do mundo, como na pesquisa de Rico e Cabrer-Borrás (2018)RICO, Paz; CABRER-BORRÁS, Bernardí. Gender differences in self-employment in Spain. International Journal of Gender and Entrepreneurship, v. 10, n. 1, p. 19-38, 2018., em estudo comparativo realizado na Espanha; e como em Bastian, Sidani e El Amine (2018)BASTIAN, Bettina Lynda; SIDANI, Yusuf Munir; EL AMINE, Yasmina. Women entrepreneurship in the Middle East and North Africa: A review of knowledge areas and research gaps. Gender in Management: An International Journal, v. 33, n. 1, p. 14-29, 2018., que avaliaram a diferença de gênero na abertura de empresas no Oriente Médio e Norte da África.

Devido a uma série de causas históricas - tais como a segregação do ambiente público aos homens, limitando o papel da mulher às atividades domésticas - homens e mulheres estão inseridos em tipos distintos de relações sociais e profissionais (VALE; SERAFIM, 2010VALE, Gláucia Maria Vasconcellos; SERAFIM, Ana Carolina Ferreira. Embeddeness, empreendedorismo e Gênero: Desafios para tornar forte o sexo frágil. ENANPAD-Encontro Nacional da ANPAD, v. 34, 2010.). Apesar da nova concepção dos papéis de homens e mulheres, iniciada com os movimentos feministas da década de 1960, ainda é possível constatar uma assimetria de gênero no mundo dos negócios (SEVERIANO, 2007SEVERIANO, Herivelto Clayton. As configurações do gênero na subjetividade: um olhar sócio-histórico sobre os papéis sexuais. 2007. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Ciências da Saúde, Centro Universitário de Brasília.). Por essa perspectiva, o gênero é resultante de uma construção social, sendo explicado por experiências construídas ao longo da existência, e não apenas por fatores de ordem biológica (PAOLONI; LOMBARDI, 2018PAOLONI, Paola; LOMBARDI, Rosa. Gender Issues in Business and Economics. Springer, 2018.).

Seguindo esta argumentação, Shneor e Jenssen (2014)SHNEOR, Rotem; JENSSEN, Jan Inge. Gender and entrepreneurial intentions. Entrepreneurial Women: New Management and Leadership Models, Praeger Publishing, Santa Barbara, CA, p. 15-67, 2014. apontam que dado o histórico de dominância masculina na atividade econômica, as mulheres poderiam necessitar de incentivos adicionais para empreender, dado que a assimetria de gênero limita a atuação feminina no empreendedorismo. Rico e Cabrer-Borrás (2018)RICO, Paz; CABRER-BORRÁS, Bernardí. Gender differences in self-employment in Spain. International Journal of Gender and Entrepreneurship, v. 10, n. 1, p. 19-38, 2018. corroboram essa visão, indicando que o homem ainda representa o arquétipo de empreendedor de sucesso, limitando o alcance epistemológico da pesquisa contemporânea sobre o tema.

A perspectiva de que o gênero afetaria o empreendedorismo também foi objeto de estudo de Gupta et al. (2009)GUPTA, Vishal K. et al. The role of gender stereotypes in perceptions of entrepreneurs and intentions to become an entrepreneur. Entrepreneurship Theory and Practice, v. 33, n. 2, p. 397-417, 2009., que buscaram examinar a relação entre estereótipos de gênero e intenções empreendedoras. Os autores apontam que existem evidências empíricas de que, comparado ao número de novas empreendedoras, aproximadamente o dobro de homens abrem novas empresas. Essa diferença é causada por fatores associados aos estereótipos de gênero. Os resultados apontaram não haver diferença estatisticamente significante entre homens e mulheres no tocante à intenção empreendedora. Entretanto, aqueles indivíduos que possuíam autopercepção associada aos traços indicados como masculinos possuíam intenção empreendedora mais elevada. Tais evidências enfraquecem a perspectiva biológica de que o gênero afetaria a propensão ao empreendedorismo, mas fortalece a perspectiva que fatores socioculturais poderiam explicar o maior número de empreendedores do sexo masculino.

Seguindo um framework semelhante ao trabalho de Gupta et al. (2009)GUPTA, Vishal K. et al. The role of gender stereotypes in perceptions of entrepreneurs and intentions to become an entrepreneur. Entrepreneurship Theory and Practice, v. 33, n. 2, p. 397-417, 2009., Laure Humbert e Drew (2010)LAURE HUMBERT, Anne; DREW, Eileen. Gender, entrepreneurship and motivational factors in an Irish context. International Journal of Gender and Entrepreneurship, v. 2, n. 2, p. 173-196, 2010. argumentam que fatores socioculturais podem ser barreiras ao empreendedorismo feminino. As autoras objetivaram analisar a relação entre gênero e motivações empreendedoras na Irlanda, bem como compreender o papel do gênero sob os modos “push” e “pull” de empreender. Os fatores pull estão associados aos elementos que induzem as pessoas a empreender, como desejo de realização pessoal e identificação de uma oportunidade de negócios. Já os fatores push estão atrelados à perspectiva do empreendedorismo por necessidade, como desemprego e busca por uma renda maior. As autoras argumentam ainda que historicamente as mulheres buscam no empreendedorismo fatores como flexibilidade no trabalho, aumento de renda, busca por melhores condições laborais e maior equilíbrio entre as esferas pessoal e profissional, o que as tornariam mais propensas à perspectiva de empreendedorismo por necessidade (push).

Consoante os modos “push” e “pull” utilizados por Laure Humbert e Drew (2010)LAURE HUMBERT, Anne; DREW, Eileen. Gender, entrepreneurship and motivational factors in an Irish context. International Journal of Gender and Entrepreneurship, v. 2, n. 2, p. 173-196, 2010., ressalta-se que a motivação empreendedora pode ocorrer de duas formas, por necessidade ou por oportunidade. Segundo o Global Entrepreneurship Monitor (2017)GLOBAL ENTREPRENEURSHIP MONITOR (GEM). Global Report 2016/2017. Global Entrepreneurship Research Association (GERA), London Business School, UK, 2017., empreendedores por necessidade são pessoas que não possuíam ou perderam o emprego e precisaram abrir um negócio como um meio de fonte de renda para sobreviver. Já os empreendedores por oportunidade são pessoas visionárias e atentas a novas oportunidades de negócio, que almejam ser independentes na sua forma de sobreviver e existir.

Ao revisar a literatura empírica sobre empreendedorismo e gênero no período entre 2007 e 2018, foram encontrados 39 artigos nos quais o gênero foi utilizado como variável explicativa do empreendedorismo. Em 28 deles, as mulheres apresentaram menor propensão ao empreendedorismo, com efeitos estatisticamente significantes. Dentre os quais, destacam-se os artigos de Gupta et al. (2009)GUPTA, Vishal K. et al. The role of gender stereotypes in perceptions of entrepreneurs and intentions to become an entrepreneur. Entrepreneurship Theory and Practice, v. 33, n. 2, p. 397-417, 2009., Laure Humbert e Drew (2010)LAURE HUMBERT, Anne; DREW, Eileen. Gender, entrepreneurship and motivational factors in an Irish context. International Journal of Gender and Entrepreneurship, v. 2, n. 2, p. 173-196, 2010., Shinnar, Giacomin e Janssen (2012)SHINNAR, Rachel S.; GIACOMIN, Olivier; JANSSEN, Frank. Entrepreneurial perceptions and intentions: The role of gender and culture. Entrepreneurship Theory and Practice, v. 36, n. 3, p. 465-493, 2012., Robledo et al. (2015)ROBLEDO, José Luis Ruizalba et al. The moderating role of gender on entrepreneurial intentions: A TPB perspective. Intangible Capital, v. 11, n. 1, p. 92-117, 2015. e Rico e Cabrer-Borrás (2018)RICO, Paz; CABRER-BORRÁS, Bernardí. Gender differences in self-employment in Spain. International Journal of Gender and Entrepreneurship, v. 10, n. 1, p. 19-38, 2018..

Diante do exposto, as principais razões identificadas na literatura para a menor propensão das mulheres ao empreendedorismo poderiam estar associadas a fatores relacionados ao processo de empreender, como no caso das associações do estereótipo masculino à atividade empreendedora (GUPTA et al., 2009GUPTA, Vishal K. et al. The role of gender stereotypes in perceptions of entrepreneurs and intentions to become an entrepreneur. Entrepreneurship Theory and Practice, v. 33, n. 2, p. 397-417, 2009.; THÉBAUD, 2010THÉBAUD, Sarah. Gender and entrepreneurship as a career choice: do self-assessments of ability matter?. Social Psychology Quarterly, v. 73, n. 3, p. 288-304, 2010.), que poderia ser um fator limitante à atuação das mulheres sob a perspectiva do Fator Pré-acordo da abordagem Effectuation; avaliação de oportunidades (LAURE HUMBERT; DREW, 2010LAURE HUMBERT, Anne; DREW, Eileen. Gender, entrepreneurship and motivational factors in an Irish context. International Journal of Gender and Entrepreneurship, v. 2, n. 2, p. 173-196, 2010.), que poderia estar associada ao Fator Flexibilidade da abordagem Effectuation e, por fim, maior aversão ao risco por parte das mulheres (SHINNAR; GIACOMIN; JANSSEN, 2012SHINNAR, Rachel S.; GIACOMIN, Olivier; JANSSEN, Frank. Entrepreneurial perceptions and intentions: The role of gender and culture. Entrepreneurship Theory and Practice, v. 36, n. 3, p. 465-493, 2012.), que poderia estar associado ao Fator Perdas Aceitáveis da abordagem Effectuation.

Em relação a análise do processo de criação de empresas por gênero, a literatura é escassa, com a maioria dos estudos focando apenas no gênero feminino, como em Machado, Gazola e Añez (2013)MACHADO, Hilka P. Vier.; GAZOLA, Sebastião; ANEZ, Miguel E. M. Criação de empresas por mulheres: um estudo com empreendedoras em Natal, Rio Grande do Norte. RAM. Revista de Administração Mackenzie, v. 14, n. 5, 2013.. No cenário internacional, Shao (2012)SHAO, Chen. Effectuation versus causation in entrepreneurial decision-making in chinese context: consideration of impact of family business background and gender. 2012. Dissertação de Mestrado. University of Twente., Frigotto e Della Valle (2016)FRIGOTTO, Maria L.; DELLA VALLE, Nives. Gender and the Structuring of the Entrepreneurial Venture: An Effectuation Approach. International Journal of Entrepreneurial Venturing, v. 2016, 2016. e De Villiers Scheepers, Boshoff e Oostenbrink (2018)DE VILLIERS SCHEEPERS, M. J.; BOSHOFF, C.; OOSTENBRINK, M. Entrepreneurial women’s cognitive ambidexterity: Career and cultural influences. South African Journal of Business Management, v. 48, n. 4, p. 21-33, 2018. realizaram estudos semelhantes, objetivando compreender se o gênero e o background familiar afetavam o processo de criação de empresas.

Machado, Gazola e Añez (2013)MACHADO, Hilka P. Vier.; GAZOLA, Sebastião; ANEZ, Miguel E. M. Criação de empresas por mulheres: um estudo com empreendedoras em Natal, Rio Grande do Norte. RAM. Revista de Administração Mackenzie, v. 14, n. 5, 2013. buscaram compreender as razões e dificuldades encontradas por mulheres para criação das empresas. O estudo foi realizado com uma amostra de 96 empreendedoras da cidade de Natal (RN), e foi conduzido por meio métodos quantitativos que envolveram, dentre outras, análise de clusters para identificar grupos de atributos similares. As principais razões para criação das empresas identificadas foram a busca por satisfação no trabalho e a obtenção de renda. No tocante às principais dificuldades para criação das empresas, foram destacadas a falta de apoio da família, a dificuldade com os filhos pequenos, a falta de experiência no ramo, a falta de tempo para participar de redes e a dificuldade para obter o capital inicial. Os autores ainda concluíram que as razões as quais influenciaram a criação das empresas estão ligadas à insatisfação das mulheres com as condições anteriores de trabalho e renda, independentemente da época da criação, do capital inicial, do nível de escolaridade ou da ocupação anterior das empreendedoras.

Em pesquisa sobre a mesma temática, Pelogio et al. (2016) verificaram se mulheres empreendedoras utilizaram processos decisórios alinhados à lógica Effectuation ao longo da criação de suas empresas. O estudo utilizou a abordagem qualitativa por meio da análise de histórias de vida de cinco empreendedoras da região do Seridó do Rio Grande do Norte (RN). No tocante ao processo de criação das empresas, o desejo de obter realização pessoal e independência financeira, seguido da intenção de se mudar para a cidade onde haviam sido criadas foram as principais causas. Além disso, os resultados apontaram que as mulheres empreendedoras utilizaram, em grande parte, processos decisórios alinhados à lógica Effectuation. Algumas evidências sugeriram essa conclusão, tais como: as mulheres não possuíam objetivos iniciais claros no momento da criação de suas empresas; não demonstraram aversão ao risco de perder o tempo e o dinheiro; buscaram oferecer produtos e serviços com uma identidade própria com forte ligação com a região onde estavam inseridas; e possuíam experiência no ramo de atividade em que decidiram iniciar o negócio.

No cenário internacional, destacam-se os estudos de Shao (2012)SHAO, Chen. Effectuation versus causation in entrepreneurial decision-making in chinese context: consideration of impact of family business background and gender. 2012. Dissertação de Mestrado. University of Twente., Frigotto e Della Valle (2016)FRIGOTTO, Maria L.; DELLA VALLE, Nives. Gender and the Structuring of the Entrepreneurial Venture: An Effectuation Approach. International Journal of Entrepreneurial Venturing, v. 2016, 2016. e De Villiers Scheepers, Boshoff e Oostenbrink (2018)DE VILLIERS SCHEEPERS, M. J.; BOSHOFF, C.; OOSTENBRINK, M. Entrepreneurial women’s cognitive ambidexterity: Career and cultural influences. South African Journal of Business Management, v. 48, n. 4, p. 21-33, 2018.. Shao (2012)SHAO, Chen. Effectuation versus causation in entrepreneurial decision-making in chinese context: consideration of impact of family business background and gender. 2012. Dissertação de Mestrado. University of Twente. avaliou o impacto do gênero e background familiar sobre o processo de criação de empresas à luz das abordagens causation e effectuation. Para tanto, foi realizado um estudo na China com 50 empreendedores. A hipótese central do estudo é que empreendedores do sexo masculino são mais propensos à abordagem effectuation do que as empreendedoras. Foram aplicados testes de diferenças de média (Teste T e Chi²) para identificar se havia diferenças de gênero no tocante à forma de empreender. Os resultados apontam que empreendedoras são mais suscetíveis ao cenário de ausência de recursos no processo de criação de empresas que os homens, cenário este característico da lógica effectuation. Ressalta-se que apesar da relevância deste estudo, fragilidades relacionadas ao método de pesquisa e tamanho da amostra fazem com que seus achados devam ser considerados com prudência.

Frigotto e Della Valle (2016)FRIGOTTO, Maria L.; DELLA VALLE, Nives. Gender and the Structuring of the Entrepreneurial Venture: An Effectuation Approach. International Journal of Entrepreneurial Venturing, v. 2016, 2016. buscaram avaliar o papel do gênero no processo de criação de empresas. Foi realizada uma análise com métodos mistos, alinhando análise de conteúdo e técnicas de análise quantitativas, como análise de correlação e regressão. As autoras concentraram-se em três hipóteses principais. A primeira delas é que homens são mais propensos à abordagem Effectuation visto que se sentem mais confiantes em explorar os recursos necessários no ambiente. A segunda hipótese diz respeito ao fato de mulheres, segundo a literatura, demandarem um maior conjunto de informações para aumentar sua confiança. Por fim, as autoras apontaram que o fator perdas aceitáveis afetaria as mulheres de maneira mais intensa que aos homens. Os resultados indicam que as mulheres são menos propensas à lógica Effectuation. As autoras argumentam que a menor propensão das mulheres é justificada pelo receio de consequências negativas, sendo o impacto das perdas aceitáveis maior em mulheres que em homens.

De Villiers Scheepers, Boshoff e Oostenbrink (2018)DE VILLIERS SCHEEPERS, M. J.; BOSHOFF, C.; OOSTENBRINK, M. Entrepreneurial women’s cognitive ambidexterity: Career and cultural influences. South African Journal of Business Management, v. 48, n. 4, p. 21-33, 2018. examinaram como a carreira das mulheres e os valores do Ubuntu (coletivista) se relacionaram com sua ambidestria cognitiva ao buscar iniciativas empreendedoras na África do Sul multicultural. Nesse estudo a análise da ambidestria foi operacionalizada por meio das lógicas causation e effectuation. Para tanto, foram realizadas análises de regressão múltipla e ANOVA com base nas respostas de 309 questionários válidos coletados por meio de survey. Os resultados revelaram que a carreira, a autoeficácia e o coletivismo do Ubuntu são importantes na ambidestria das mulheres. Mulheres maduras e eficazes em seu estágio final de carreira recorrem a suas diversas redes de relacionamento e se caracterizaram pela predisposição a perdas aceitáveis e pela flexibilidade, inerentes à lógica effectuation, além de demonstrarem aspectos de causalidade ao buscar iniciativas empreendedoras. Em contraste, as mulheres mais jovens, em início de carreira, são mais propensas a utilizar pré-acordos - aspecto da abordagem effectuation - para garantir o apoio das partes interessadas.

Em síntese, apesar de a literatura apresentar estudos sobre a relação entre o processo de criação de empresas e o gênero, fatores como fragilidades metodológicas e dimensão amostral abrem uma lacuna para buscar compreender em maior profundidade o papel do gênero no processo de criação de empresas à luz das abordagens Causation e Effectuation.

Sarasvathy (2001)SARASVATHY, Saras D. Causation and effectuation: Toward a theoretical shift from economic inevitability to entrepreneurial contingency. Academy of Management Review, v. 26, n. 2, p. 243-263, 2001. propôs duas abordagens utilizadas por empreendedores para condução dos negócios: a abordagem Causation e a Effectuation. Os processos Causation “tomam um efeito particular dado e se concentram na seleção entre meios para criar esse efeito”, portanto, baseada na análise e planejamento de decisões (SARASVATHY, 2001SARASVATHY, Saras D. Causation and effectuation: Toward a theoretical shift from economic inevitability to entrepreneurial contingency. Academy of Management Review, v. 26, n. 2, p. 243-263, 2001., p. 245). Já os processos Effectuation “tomam um conjunto de meios dados e se concentram na seleção entre possíveis efeitos que podem ser criados com esse conjunto de meios” (SARASVATHY, 2001SARASVATHY, Saras D. Causation and effectuation: Toward a theoretical shift from economic inevitability to entrepreneurial contingency. Academy of Management Review, v. 26, n. 2, p. 243-263, 2001., p. 245), operando em uma lógica não preditiva, na qual estratégias emergentes são aplicadas visando a oportunidades que surgem durante o processo empreendedor (CHANDLER et al., 2011CHANDLER, Gaylen N. et al. Causation and effectuation processes: A validation study. Journal of Business Venturing, v. 26, n. 3, p. 375-390, 2011.; FAIA; ROSA; MACHADO, 2014FAIA, Valter S.; ROSA, Marco Aurélio G.; MACHADO, Hilka P. V. Alerta Empreendedor e as Abordagens Causation e Effectuation sobre Empreendedorismo. Revista de Administração Contemporânea, v. 18, n. 2, p. 196, 2014.). Em resumo, a abordagem Causation é baseada na causalidade e linearidade, enquanto a abordagem Effectuation é baseada em contingências. O Quadro 1 apresenta um comparativo entre essas duas abordagens.

Quadro 1
Comparativo entre as abordagens

A abordagem Effectuation é composta por quatro dimensões: experimentação, perdas aceitáveis, flexibilidade e pré-acordo. Para Sarasvathy (2001)SARASVATHY, Saras D. Causation and effectuation: Toward a theoretical shift from economic inevitability to entrepreneurial contingency. Academy of Management Review, v. 26, n. 2, p. 243-263, 2001., é provável que empreendedores experimentem diferentes abordagens no mercado antes de se estabelecerem em um negócio. Assim, na dimensão experimentação, o processo Effectuation pode ser visto como uma série de experimentos para identificação de um modelo de negócios de sucesso (CHANDLER et al., 2011CHANDLER, Gaylen N. et al. Causation and effectuation processes: A validation study. Journal of Business Venturing, v. 26, n. 3, p. 375-390, 2011.).

A segunda dimensão apresentada por Sarasvathy (2001)SARASVATHY, Saras D. Causation and effectuation: Toward a theoretical shift from economic inevitability to entrepreneurial contingency. Academy of Management Review, v. 26, n. 2, p. 243-263, 2001. é a de perdas aceitáveis em vez dos retornos esperados. Neste caso, o empreendedor determina o quanto se está disposto a perder e se concentra em experimentar o tanto quanto for possível dentro dos limites pré-definidos (SARASVATHY, 2001SARASVATHY, Saras D. Causation and effectuation: Toward a theoretical shift from economic inevitability to entrepreneurial contingency. Academy of Management Review, v. 26, n. 2, p. 243-263, 2001.). Portanto, as experiências que custariam mais do que o empreendedor pode perder são rejeitadas a favor de experiências aceitáveis (CHANDLER et al., 2011CHANDLER, Gaylen N. et al. Causation and effectuation processes: A validation study. Journal of Business Venturing, v. 26, n. 3, p. 375-390, 2011.).

A terceira dimensão proposta por Sarasvathy (2001)SARASVATHY, Saras D. Causation and effectuation: Toward a theoretical shift from economic inevitability to entrepreneurial contingency. Academy of Management Review, v. 26, n. 2, p. 243-263, 2001. é que os empreendedores tendem a ser flexíveis uma vez que a estrutura da start-up depende das oportunidades contingentes e dos investimentos feitos pelas partes interessadas. Já na quarta dimensão, os empreendedores preferem realizar pré-acordos e alianças estratégicas em vez de estimular a competitividade (SARASVATHY, 2001SARASVATHY, Saras D. Causation and effectuation: Toward a theoretical shift from economic inevitability to entrepreneurial contingency. Academy of Management Review, v. 26, n. 2, p. 243-263, 2001.). A lógica por trás do desenvolvimento de alianças e a obtenção de pré-acordos permite aos empreendedores se anteciparem aos movimentos de mercado, atuando de maneira proativa. Dessa maneira, se os empresários puderem controlar o futuro ao estabelecer esses relacionamentos e acordos, eles não precisam prever isso (CHANDLER et al., 2011CHANDLER, Gaylen N. et al. Causation and effectuation processes: A validation study. Journal of Business Venturing, v. 26, n. 3, p. 375-390, 2011.).

Para mensuração dessas abordagens, Chandler et al. (2011)CHANDLER, Gaylen N. et al. Causation and effectuation processes: A validation study. Journal of Business Venturing, v. 26, n. 3, p. 375-390, 2011. propuseram e validaram uma escala baseada em 20 itens, sendo sete itens para a abordagem Causation e 13 itens referentes às quatro dimensões da abordagem Effectuation.Chandler et al. (2011)CHANDLER, Gaylen N. et al. Causation and effectuation processes: A validation study. Journal of Business Venturing, v. 26, n. 3, p. 375-390, 2011. também verificaram que a abordagem Causation está negativamente associada à incerteza, enquanto a dimensão experimentação da abordagem Effectuation está positivamente correlacionada com a incerteza.

Faia, Rosa e Machado (2014)FAIA, Valter S.; ROSA, Marco Aurélio G.; MACHADO, Hilka P. V. Alerta Empreendedor e as Abordagens Causation e Effectuation sobre Empreendedorismo. Revista de Administração Contemporânea, v. 18, n. 2, p. 196, 2014. relacionaram o grau de alerta empreendedor com as abordagens empreendedoras, referente à exploração de oportunidades emergentes de forma não preditiva (Effectuation). A pesquisa contou com uma amostra de 123 empresários de diversos setores e utilizou a escala validada por Chandler et al. (2011)CHANDLER, Gaylen N. et al. Causation and effectuation processes: A validation study. Journal of Business Venturing, v. 26, n. 3, p. 375-390, 2011.. Os resultados indicaram uma relação positiva entre alerta empreendedor e as abordagens empreendedoras, especialmente para a abordagem Causation.

Reymen et al. (2015)REYMEN, Isabelle M. M. J. et al. Understanding dynamics of strategic decision making in venture creation: a process study of effectuation and causation. Strategic Entrepreneurship Journal, v. 9, n. 4, p. 351-379, 2015. utilizaram métodos mistos para investigar a tomada de decisão estratégica na criação de novos empreendimentos. Foram analisados 385 eventos de decisão em nove empreendimentos baseados em tecnologia. Os resultados verificaram que a tomada de decisões empresariais segue uma lógica “híbrida” que contém e combina tanto elementos Effectuation quanto Causation. Assim, esses achados também confirmaram as expectativas de Dew et al. (2011)DEW, Nicholas. et al. On the entrepreneurial genesis of new markets: effectual transformations versus causal search and selection. Journal of Evolutionary Economics, v. 21, n. 2, p. 231-253, 2011. de que as lógicas Effectuation e Causation funcionam simultaneamente.

Laine e Galkina (2017)LAINE, Igor; GALKINA, Tamara. The interplay of effectuation and causation in decision making: Russian SMEs under institutional uncertainty. International Entrepreneurship and Management Journal, v. 13, n. 3, p. 905-941, 2017. também identificaram essa lógica “híbrida” de associação das duas abordagens em pequenas e médias empresas russas. Foi verificado que embora essas empresas utilizem simultaneamente as duas abordagens na tomada de decisões, o aumento da incerteza institucional contribui para o aumento da abordagem Effectuation. Os resultados indicaram que a intensidade de ambos os tipos de lógica de decisão variou ao longo do período estudado de acordo com a mudança na percepção de incerteza institucional.

Ao relacionar gênero e processo de empreender, Frigotto e Della Valle (2016)FRIGOTTO, Maria L.; DELLA VALLE, Nives. Gender and the Structuring of the Entrepreneurial Venture: An Effectuation Approach. International Journal of Entrepreneurial Venturing, v. 2016, 2016. verificaram que os homens são mais propensos do que as mulheres a tomar decisões sob incerteza em termos “efectuais”. Foi observado que o gênero media a percepção de consequências negativas através de diferentes níveis de acesso a informações e excesso de confiança.

A próxima seção apresenta os materiais e métodos utilizados para verificar a relação entre gênero e criação e modo de atuação dos microempreendedores da cidade de Nova Cruz/RN.

3. MATERIAIS E MÉTODOS

3.1 Amostra E Instrumento De Coleta

Os sujeitos da pesquisa foram os empreendedores cadastrados como Microempreendedores Individuais (MEIs) na cidade de Nova Cruz/RN. As informações dos microempreendedores foram obtidas na Secretaria Municipal de Tributação. Por questões de ética na pesquisa, na oportunidade de obtenção dos dados foi assinado um termo de compromisso resguardando o uso das informações apenas para fins acadêmicos.

A população de microempreendedores individuais na cidade, no ano de 2016, era de 1030 indivíduos. Para a realização desta pesquisa, foi estimado o cálculo amostral para obter uma amostra probabilística com 95% de nível de confiança. O resultado indicou que a amostra probabilística mínima seria de 88 indivíduos. Devido aos entraves como banco de dados com algumas informações de contato desatualizadas, recusa dos indivíduos sorteados em responder a pesquisa e dificuldades no agendamento, foram necessárias 284 tentativas (sorteio sem reposição) para obter 100 questionários válidos. A coleta dos dados foi realizada presencialmente e por telefone entre os meses de abril e agosto de 2016. Devido a dificuldades de conseguir agenda com os indivíduos sorteados, alguns respondentes se prontificaram a responder ao questionário por telefone. Dessa forma, devido à possibilidade de existirem diferenças causadas pela forma de coleta, utilizou-se o teste de t de Student para comparar se havia diferenças estatisticamente significantes entre as amostras coletadas presencialmente e via telefone, conforme recomendado por Hair et al. (2005)HAIR, J. F. et al. Análise de dados multivariados. Porto Alegre: Bookman. 2005.. A hipótese nula testa igualdade das duas médias (HAIR et al., 2005HAIR, J. F. et al. Análise de dados multivariados. Porto Alegre: Bookman. 2005.). Os resultados foram bastante semelhantes em termos de parâmetros, com média de diferença de resultados de -0,0489 e com nenhuma diferença entre as variáveis sendo estatisticamente significante. Desse modo, não é possível rejeitar a hipótese nula de que os parâmetros são iguais quando se levou em consideração a forma de coleta.

Para a detecção de Outliers, realizamos a análise dos resíduos sob as perspectivas padronizada e studentizada, utilizando a correção de Bonferroni (ANGRIST; PISCHKE, 2008ANGRIST, Joshua D.; PISCHKE, Jörn-Steffen. Mostly harmless econometrics: An empiricist’s companion. Princeton University Press, 2008.). Outliers usualmente apresentam elevados resíduos, mas isso não se caracteriza como uma regra, haja vista a possibilidade de atração da linha de previsão para seu entorno, o que pode torná-los difíceis de serem identificados. Desse modo, a análise dos resíduos padronizados apresenta condição necessária, mas não suficiente para sua identificação (ANGRIST; PISCHKE, 2008ANGRIST, Joshua D.; PISCHKE, Jörn-Steffen. Mostly harmless econometrics: An empiricist’s companion. Princeton University Press, 2008.; WOOLDRIDGE, 2010WOOLDRIDGE, Jeffrey M. Introdução à econometria: uma abordagem moderna. Pioneira Thomson Learning, 2010.). Uma das possibilidades para superar tal barreira é rodar uma regressão sem o outlier proposto e comparar o valor de y previsto dessa regressão com o valor de y observado. A diferença entre o û é chamada de resíduo studentizado (ANGRIST; PISCHKE, 2008ANGRIST, Joshua D.; PISCHKE, Jörn-Steffen. Mostly harmless econometrics: An empiricist’s companion. Princeton University Press, 2008.).

Como inicialmente, busca-se encontrar o outlier mais distante, e não seria legítimo utilizar apenas o teste t, dado que se espera que 5% dos resíduos studentizados estejam além de t.025 ± 2. Para tanto, a correção de Bonferroni foi utilizada no teste t, dado que o p-valor do mais distante outlier é definido como p = 2np’, onde p’ é o valor não ajustado do p-valor de um teste t com n - 2 - k graus de liberdade. O mecanismo consiste na criação de uma variável fictícia que absorveria efetivamente a observação considerada um outlier e, portanto, comparando-se as médias, em seguida removendo sua influência na determinação dos outros coeficientes no modelo (ANGRIST; PISCHKE, 2008ANGRIST, Joshua D.; PISCHKE, Jörn-Steffen. Mostly harmless econometrics: An empiricist’s companion. Princeton University Press, 2008.; WOOLDRIDGE, 2010WOOLDRIDGE, Jeffrey M. Introdução à econometria: uma abordagem moderna. Pioneira Thomson Learning, 2010.). Os resíduos que excedam o valor t crítico (≈ ± 2) para um teste bilateral no nível α = 0,05, após a correção de Bonferroni, podem ser considerados outliers. Após essa análise, nenhuma observação foi considerada outlier.

Quanto ao instrumento de coleta dos dados, foi utilizado um questionário com 39 perguntas fechadas e semiestruturadas. Na primeira seção (Parte A), foi levantado o perfil pessoal do empreendedor. A segunda seção (Parte B) foi composta por perguntas sobre o perfil da empresa. A última seção (Parte C) do instrumento apresenta as variáveis relacionadas às abordagens Causation e Effectuation, baseada na escala desenvolvida por Chandler et al. (2011)CHANDLER, Gaylen N. et al. Causation and effectuation processes: A validation study. Journal of Business Venturing, v. 26, n. 3, p. 375-390, 2011. e já utilizada no Brasil por Faia, Rosa e Machado (2014)FAIA, Valter S.; ROSA, Marco Aurélio G.; MACHADO, Hilka P. V. Alerta Empreendedor e as Abordagens Causation e Effectuation sobre Empreendedorismo. Revista de Administração Contemporânea, v. 18, n. 2, p. 196, 2014., em que foi utilizada uma escala Likert de 7 pontos, variando de “discordo totalmente” a “concordo totalmente”. Todos os aspectos e questões abordados no instrumento de coleta foram dispostos no Quadro 2.

Quadro 2
Questões abordadas pelo Instrumento de Coleta

3.2 Variáveis De Controle

Estudos anteriores apontam que algumas características estão associadas ao modo de empreender dos indivíduos. A literatura demonstra que as perspectivas de empreender Causation e Effectuation estão associadas a variáveis como background familiar (SHAO, 2012SHAO, Chen. Effectuation versus causation in entrepreneurial decision-making in chinese context: consideration of impact of family business background and gender. 2012. Dissertação de Mestrado. University of Twente.; MEULENBROEK, 2014MEULENBROEK, V. M. Causation and Effectuation: the Influence of Family Background on the Entrepreneurial Decision Making Process in Emerging Countries. 2014. Trabalho de Conclusão de Curso. University of Twente.; POT, 2014POT, J. J. M. Causation versus effectuation in entrepreneurial decision-making: the impact of family resources, family business background and education. 2014. Dissertação de Mestrado. University of Twente.), amigos empreendedores (FALCK; HEBLICH; LUEDEMANN, 2010FALCK, Oliver; HEBLICH, Stephan; LUEDEMANN, Elke. Identity and entrepreneurship: do school peers shape entrepreneurial intentions? Small Business Economics, v. 39, n. 1, p. 39-59, 2012.; LAFORTUNE; PERTICARÁ; TESSADA, 2013LAFORTUNE, Jeanne; PERTICARÁ, Marcela; TESSADA, José. The benefits of diversity: Peer effects in an adult training program in Chile. 2014.), características do indivíduo como nível de escolaridade (HARMS; SCHIELE, 2012HARMS, Rainer; SCHIELE, Holger. Antecedents and consequences of effectuation and causation in the international new venture creation process. Journal of International Entrepreneurship, v. 10, n. 2, p. 95-116, 2012.; MÄKIMURTO-KOIVUMAA; PUHAKKA, 2013MÄKIMURTO-KOIVUMAA, Soili; PUHAKKA, Vesa. Effectuation and causation in entrepreneurship education. International Journal of Entrepreneurial Venturing, v. 5, n. 1, p. 68-83, 2013.), idade (SHAO, 2012SHAO, Chen. Effectuation versus causation in entrepreneurial decision-making in chinese context: consideration of impact of family business background and gender. 2012. Dissertação de Mestrado. University of Twente.; FRIGOTTO, 2016FRIGOTTO, Maria L.; DELLA VALLE, Nives. Gender and the Structuring of the Entrepreneurial Venture: An Effectuation Approach. International Journal of Entrepreneurial Venturing, v. 2016, 2016.) e fatores econômicos, bem como o capital utilizado para abertura de um novo negócio (GREENSLADE-YEATS, 2016GREENSLADE-YEATS, James Reuben. How Experience Shapes the Financial Thinking of Entrepreneurs. 2016. Tese de Doutorado. Auckland University of Technology.).

Em relação ao background familiar, sua inclusão é justificada pela possibilidade de transmissão intergeracional do comportamento empreendedor (COLOMBIER; MASCLET, 2008COLOMBIER, Nathalie; MASCLET, David. Intergenerational correlation in self employment: some further evidence from French ECHP data. Small Business Economics, v. 30, n. 4, p. 423-437, 2008.; CHLOSTA et al., 2012CHLOSTA, Simone et al. Parental role models and the decision to become self-employed: The moderating effect of personality. Small Business Economics, v. 38, n. 1, p. 121-138, 2012.; HOFFMANN; JUNGE; MALCHOW-MØLLER, 2015HOFFMANN, Anders; JUNGE, Martin; MALCHOW-MØLLER, Nikolaj. Running in the family: parental role models in entrepreneurship. Small Business Economics, v. 44, n. 1, p. 79-104, 2015.; LINDQUIST; SOL; VAN PRAAG, 2012LINDQUIST, Matthew J.; SOL, Joeri; VAN PRAAG, Mirjam. Why do entrepreneurial parents have entrepreneurial children?. Journal of Labor Economics, v. 33, n. 2, p. 269-296, 2015.; WYRWICH, 2015WYRWICH, Michael. Entrepreneurship and the intergenerational transmission of values. Small Business Economics, v. 45, n. 1, p. 191-213, 2015.). A literatura aponta que crescer em uma família onde os pais são empreendedores representa um contexto particular no qual as decisões são tomadas (ALDRICH; CLIFF, 2003ALDRICH, Howard E.; CLIFF, Jennifer E. The pervasive effects of family on entrepreneurship: Toward a family embeddedness perspective. Journal of Business Venturing, v. 18, n. 5, p. 573-596, 2003.; CHLOSTA et al., 2012CHLOSTA, Simone et al. Parental role models and the decision to become self-employed: The moderating effect of personality. Small Business Economics, v. 38, n. 1, p. 121-138, 2012.). Pais empreendedores oferecem um ambiente de compartilhamento de informações como uma visão desmistificada da atividade empreendedora, acesso a fontes de recursos e informações sobre oportunidades de negócio (SHAO, 2012SHAO, Chen. Effectuation versus causation in entrepreneurial decision-making in chinese context: consideration of impact of family business background and gender. 2012. Dissertação de Mestrado. University of Twente.). Aldrich e Cliff (2003)ALDRICH, Howard E.; CLIFF, Jennifer E. The pervasive effects of family on entrepreneurship: Toward a family embeddedness perspective. Journal of Business Venturing, v. 18, n. 5, p. 573-596, 2003. desenvolveram um quadro baseado na perspectiva da integração da família na criação de novos empreendimentos. Eles postulam que fatores como recursos, mudanças na composição da família e normas, atitudes e valores detidos pelas famílias influenciam-se mutuamente e, por sua vez, influenciam o processo de criação de empreendimentos.

Dentre essas perspectivas, ressalta-se a possibilidade de Transmissão Social do Comportamento Empreendedor influenciar o modo de empreender sob a ótica da perspectiva a Teoria da Aprendizagem Social (BANDURA, 2002BANDURA, Albert. Social foundations of thought and action. The Health Psychology Reader, p. 94-106, 2002.), sob a qual os indivíduos poderiam aprender por observação e serem influenciados pela convivência social, sobretudo com seus pais, o que poderia afetar seu modo de empreender. Tais variáveis foram incluídas em Shao (2012)SHAO, Chen. Effectuation versus causation in entrepreneurial decision-making in chinese context: consideration of impact of family business background and gender. 2012. Dissertação de Mestrado. University of Twente. e Pot (2014)POT, J. J. M. Causation versus effectuation in entrepreneurial decision-making: the impact of family resources, family business background and education. 2014. Dissertação de Mestrado. University of Twente. para controlar esse efeito, foram utilizadas variáveis que captam a profissão e escolaridade dos pais, bem como a renda familiar do indivíduo. Corroborando essa visão, Falck, Heblich e Luedemann (2010)FALCK, Oliver; HEBLICH, Stephan; LUEDEMANN, Elke. Identity and entrepreneurship: do school peers shape entrepreneurial intentions? Small Business Economics, v. 39, n. 1, p. 39-59, 2012. argumentam que o comportamento empreendedor é resultante da identidade de socialização de um indivíduo, mas que, além da influência dos pais e parentes, pode ser moldado pelos pares.

No que tange ao contato com outros empreendedores, como amigos, a literatura destaca alguns elementos nos quais o convívio com pares empreendedores pode fomentar o comportamento empreendedor, dentre os quais, podemos citar: desenvolvimento de habilidades empreendedoras, informações sobre tomada de riscos e difusão de oportunidades (GREVE; SALAFF, 2003GREVE, Arent; SALAFF, Janet W. Social networks and entrepreneurship. Entrepreneurship Theory and Practice, v. 28, n. 1, p. 1-22, 2003.).

Em relação aos recursos utilizados e origem da fundação da empresa, a Teoria Baseada em Recursos destaca o fato de que os empreendedores que crescem em famílias empreendedoras são mais propensos a ficar atados aos seus objetivos quando têm que tomar decisões empresariais (READ; SARASVATHY, 2005READ, Stuart; SARASVATHY, Saras D. Knowing what to do and doing what you know: Effectuation as a form of entrepreneurial expertise. The Journal of Private Equity, v. 9, n. 1, p. 45-62, 2005.).

A variável dicotômica “auxílio de agências de apoio ao empreendedorismo” foi incluída por tradicionalmente organizações de fomento ao empreendedorismo, como o Sebrae, apoiarem os empreendedores nos processos de planejamento e concepção do negócio. Desse modo, buscou-se verificar se havia relação entre tal variável e as abordagens de empreendedorismo citadas, e, em caso afirmativo, evitar o viés de variável omitida, o que poderia representar valores pouco fidedignos para o parâmetro de interesse das regressões estimadas (WOOLDRIDGE, 2010WOOLDRIDGE, Jeffrey M. Introdução à econometria: uma abordagem moderna. Pioneira Thomson Learning, 2010.).

As variáveis de perfil empreendedor como idade, educação do empreendedor, estado civil e número de filhos foram inseridas nesta pesquisa devido ao fato de a literatura apontar as características do perfil do empreendedor em relação ao modo de atuação. Estudos como os de Shao (2012)SHAO, Chen. Effectuation versus causation in entrepreneurial decision-making in chinese context: consideration of impact of family business background and gender. 2012. Dissertação de Mestrado. University of Twente., Mäkimurto-Koivumaa e Puhakka (2013)MÄKIMURTO-KOIVUMAA, Soili; PUHAKKA, Vesa. Effectuation and causation in entrepreneurship education. International Journal of Entrepreneurial Venturing, v. 5, n. 1, p. 68-83, 2013., Pot (2014)POT, J. J. M. Causation versus effectuation in entrepreneurial decision-making: the impact of family resources, family business background and education. 2014. Dissertação de Mestrado. University of Twente. e Frigotto (2016)FRIGOTTO, Maria L.; DELLA VALLE, Nives. Gender and the Structuring of the Entrepreneurial Venture: An Effectuation Approach. International Journal of Entrepreneurial Venturing, v. 2016, 2016. discorrem sobre essas variáveis, que neste estudo apresentam um papel de variáveis de controle.

O Quadro 3 apresenta a codificação da variável de interesse (Gênero) e das variáveis de controle referentes ao perfil do empreendedor e perfil da empresa.

Quadro 3
Descrição das Variáveis

3.3 Estatísticas Descritivas

Em relação ao perfil dos empreendedores, foi verificado que 42% da amostra são do gênero feminino. No tocante ao estado civil, 76% são casados, 6% são viúvos, 8% são solteiros e 10% divorciados. Em relação aos parentes e amigos, foi observado que 16% dos pais e 14% das mães possuíam algum negócio anterior ao do filho, mas em 51% dos casos há algum parente que também é empreendedor. Já em relação aos amigos empreendedores, a amostra indica que em 60% dos indivíduos, existe pelo menos um amigo empreendedor. A idade média dos empreendedores é de aproximadamente 32 anos, e iniciaram suas atividades como empreendedores, em média, aos 27 anos. Ademais, o número de filhos foi em média de 1,61, e que apenas 16% da amostra possui formação de nível superior em alguma área.

No que tange ao perfil da empresa, foi observado que 60% trabalham no comércio ou serviços e que 87% deles começaram o negócio com recursos próprios. Quanto à origem do negócio, 43% surgiram por oportunidade, 44% por necessidade, e em 13% dos casos o negócio já era da família. Também foi verificado que 77% dos empreendedores tiveram algum auxílio para abertura do negócio, entretanto apenas 52% continuam recebendo auxílio de outras instituições (como o SEBRAE) para orientar a gestão do negócio. A Tabela 1 apresenta as estatísticas descritivas da Parte C do instrumento, referente às abordagens Causation e Effectuation.

Tabela 1
Estatísticas descritivas

No que diz respeito à média dos fatores, a dimensão Causation apresentou média geral de 4,85 na escala Likert. Os demais fatores apresentaram médias entre 4,02 (Effectuation - Experimentação) e 5,76 (Effectuation - Perdas), sendo este último o que obteve a média mais elevada. Destaca-se que as correlações entre variáveis podem ser consultadas no apêndice 1 APÊNDICE 1 Tabela 6 Correlações entre as variáveis Variáveis genero filhos aux inicio paimaemp mae ant emp esc sup comp est civil Parente emp amigo emp fund neg nec Fator 1 Fator 2 Fator 3 Fator 4 Fator 5 genero 1 filhos -0.0261 1 aux inicio 0.0318 -0.132 1 paimaeemp 0.213 0.0727 -0.00070 1 mae ant emp 0.241 0.0335 0.0151 0.958 1 esc sup comp 0.177 -0.148 0.0164 -0.0887 -0.0926 1 est civil -0.0911 0.273 -0.0846 0.0780 0.0243 -0.0859 1 parente emp 0.186 0.0142 -0.0128 0.141 0.165 0.0413 0.0581 1 amigo emp -0.0496 0.153 -0.00970 0.134 0.153 0.0937 0.163 0.302 1 fund neg nec 0.103 0.0828 0.00570 0.137 0.165 -0.0185 0.0264 -0.300 -0.0576 1 Fator 1 – Causation 0.185 -0.296 0.260 -0.00890 -0.0159 0.204 -0.0589 0.114 0.0399 -0.0908 1 Fator 2 - Effectuation Perdas 0.0412 0.110 -0.0736 -0.273 -0.328 0.164 -0.00180 0.0507 0.0548 -0.111 0 1 Fator 3 - Effectuation Pré-acordo 0.0406 0.116 0.00310 0.0435 0.0199 -0.0962 0.000700 0.147 0.0905 -0.0102 0 0 1 Fator 4 - Effectuation Flexibilidade -0.00950 0.0669 0.0277 0.106 0.105 0.125 0.0656 0.199 0.0175 0.0241 0 0 0 1 Fator 5 - Effectuation Experimentação -0.0694 0.0631 0.0156 0.139 0.140 -0.0244 -0.0194 0.0938 0.0172 -0.0194 0 0 0 0 1 Fonte: Resultados obtidos pelo Stata 14®. (2018) deste manuscrito. A próxima seção apresentará os métodos utilizados por este estudo.

3.4 Métodos De Análise

A análise fatorial é uma técnica de interdependência de variáveis, cujo objetivo principal é descrever relações de covariância entre um determinado grupo de variáveis buscando encontrar fatores não observáveis diretamente e explicar sua relação com os dados observados (LATTIN; CARROLL; GREEN, 2011LATTIN, James; CARROLL, J. Douglas; GREEN, Paul E. Análise de dados multivariados. São Paulo: Cengage Learning, 2011.). Cada agrupamento de variáveis representa um constructo separadamente. Em princípio, o instrumento de pesquisa para a coleta de dados foi composto pelas dimensões “Causation”, “Effectuation - experimentação”, “Effectuation - perdas”, “Effectuation - flexibilidade” e “Effectuation - pré-acordo”. A análise fatorial foi utilizada no intuito de validar a consistência desses fatores como interdependentes (HAIR et al., 2005HAIR, J. F. et al. Análise de dados multivariados. Porto Alegre: Bookman. 2005.).

A partir da análise fatorial, foi realizada uma análise de regressão múltipla, buscando inferir se há relação entre o gênero do empreendedor e os aspectos citados anteriormente. Como modelo de consistência interna dos itens foi utilizado o Alfa de Cronbach, que é baseado na correlação média entre os itens. O valor crítico adotado pelo Alfa de Cronbach foi de 0,6. Hair et al. (2005)HAIR, J. F. et al. Análise de dados multivariados. Porto Alegre: Bookman. 2005. assumem que valores iguais ou superiores a 0,6 podem ser assumidos para pesquisas exploratórias.

A regressão linear múltipla viabiliza a análise entre uma variável dependente e duas ou mais variáveis independentes, mediante a composição de um modelo matemático. Assim, permite encontrar uma relação causal entre as variáveis, estimando os valores para as variáveis dependentes a partir da combinação linear das variáveis independentes (WOOLDRIDGE, 2010WOOLDRIDGE, Jeffrey M. Introdução à econometria: uma abordagem moderna. Pioneira Thomson Learning, 2010.).

Os procedimentos de análise dos dados adotados subsidiaram as análises e discussão dos resultados a serem apresentados na próxima seção.

4. ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

4.1 Validade E Confiabilidade Dos Fatores

Para estimar a consistência do instrumento, foram utilizadas as medidas de confiabilidade e validade dos fatores. A confiabilidade representa a precisão com que um indicador mensura ou se associa a um conceito que se pretende representar. Já a validade está relacionada à representatividade de um conceito a partir de um determinado conjunto de indicadores desenhados para estimá-lo (HAIR et al., 2005HAIR, J. F. et al. Análise de dados multivariados. Porto Alegre: Bookman. 2005.). A Tabela 2 apresenta os resultados referentes à validade e à confiabilidade do instrumento.

Tabela 2
Variação explicada, Alpha e Autovalores dos fatores Causation e Effectuation

Utilizou-se o teste do coeficiente Alpha de Cronbach para avaliar a confiabilidade do instrumento, incluindo seus cinco indicadores. O resultado foi 0,7204, o que é considerado bom para pesquisas exploratórias, segundo os critérios de Hair et al. (2005)HAIR, J. F. et al. Análise de dados multivariados. Porto Alegre: Bookman. 2005.. Em seguida, foi estimado Alpha de Cronbach para cada uma das dimensões. O resultado, apresentado na Tabela 2, mostra que os valores dos alphas variaram de 0,5762 a 0,8292.

O Alpha de Cronbach do quarto fator (Effectuation - Flexibilidade) ficou próximo ao critério de 0,6 recomendado por Hair et al. (2005)HAIR, J. F. et al. Análise de dados multivariados. Porto Alegre: Bookman. 2005.. No entanto, alguns autores flexibilizam essa regra de corte, dada a natureza sensível do índice (CORTINA, 1993CORTINA, Jose M. What is coefficient alpha? An examination of theory and applications. Journal of Applied Psychology, v. 78, n. 1, p. 98, 1993.; SIJTSMA, 2009SIJTSMA, Klaas. On the use, the misuse, and the very limited usefulness of Cronbach’s alpha. Psychometrika, v. 74, n. 1, p. 107, 2009.). Schimitt (1996)SCHMITT, Neal. Uses and abuses of coefficient alpha. Psychological Assessment, v. 8, n. 4, p. 350, 1996. questiona os limites de aceitação do alpha, apontando que em alguns casos, um alpha relativamente baixo ainda continua bastante útil a uma análise. Isso ocorre devido à sensibilidade do alpha ao número de elementos em cada fator, haja vista que um aumento no número de elementos tende a aumentar o alpha, mesmo que a correlação entre os elementos diminua, conforme ilustrado por Cortina (1993)CORTINA, Jose M. What is coefficient alpha? An examination of theory and applications. Journal of Applied Psychology, v. 78, n. 1, p. 98, 1993.. Por não ser uma questão principal deste artigo, essa temática não será amplamente discutida. Entretanto, maiores detalhes poderão ser encontrados em Cortina (1993)CORTINA, Jose M. What is coefficient alpha? An examination of theory and applications. Journal of Applied Psychology, v. 78, n. 1, p. 98, 1993., Schimitt (1996)SCHMITT, Neal. Uses and abuses of coefficient alpha. Psychological Assessment, v. 8, n. 4, p. 350, 1996. e Sijtsma (2009)SIJTSMA, Klaas. On the use, the misuse, and the very limited usefulness of Cronbach’s alpha. Psychometrika, v. 74, n. 1, p. 107, 2009., que versam sobre distorções na utilização do Alpha de Cronbach.

Desse modo, devido à relevância teórica do construto Effectuation - Flexibilidade, validado em artigos como o de Chandler et al. (2011)CHANDLER, Gaylen N. et al. Causation and effectuation processes: A validation study. Journal of Business Venturing, v. 26, n. 3, p. 375-390, 2011.; da proximidade do valor apresentado pelo alpha do Fator 4 ante o nível recomendado de 0,6; da análise de sensibilidade realizada com e sem o fator 4, que não apresentou alterações que justificassem sua eliminação da análise, tanto em significância estatística como em relação à magnitude da variável de interesse do estudo; e pela consistência dos resultados encontrados nas comunalidades e seu autovalor, optou-se por manter o Fator 4 (Effectuation-Flexibilidade) na análise.

Ao estimar a análise fatorial, foram consideradas as dimensões que apresentaram autovalores (eigenvalues) acima de 1,0 (HAIR et al., 2005HAIR, J. F. et al. Análise de dados multivariados. Porto Alegre: Bookman. 2005.; LATTIN; CARROLL; GREEN, 2011LATTIN, James; CARROLL, J. Douglas; GREEN, Paul E. Análise de dados multivariados. São Paulo: Cengage Learning, 2011.). Os resultados corroboraram os cinco fatores apontados por Sarasvathy (2001)SARASVATHY, Saras D. Causation and effectuation: Toward a theoretical shift from economic inevitability to entrepreneurial contingency. Academy of Management Review, v. 26, n. 2, p. 243-263, 2001., validando o respectivo modelo. Ademais, a variação total explicada pelo modelo foi de 70,19%. Com relação à adequação da amostra, foi utilizada medida de Kaiser-Meyer-Olkin (KMO), obtendo-se um valor de 0,645, considerado satisfatório. Também foi realizado o teste de esfericidade de Bartlett, rejeitando-se a hipótese nula de que a matriz de correlação das variáveis é uma matriz identidade (HAIR et al., 2005HAIR, J. F. et al. Análise de dados multivariados. Porto Alegre: Bookman. 2005.; LATTIN; CARROLL; GREEN, 2011LATTIN, James; CARROLL, J. Douglas; GREEN, Paul E. Análise de dados multivariados. São Paulo: Cengage Learning, 2011.). Desse modo, a análise de componentes principais apresenta robustez no agrupamento de variáveis no fator Causation, e nos fatores relacionados à perspectiva Effectuation: Perdas, Pré-acordo, Flexibilidade e Experimentação.

A Tabela 3 apresenta os resultados das cargas fatoriais rotacionadas e respectivas comunalidades. Apenas os fatores com comunalidades acima de 0,5 - conforme recomendado por Hair et al. (2005)HAIR, J. F. et al. Análise de dados multivariados. Porto Alegre: Bookman. 2005. em pesquisas sociais aplicadas - foram mantidos na análise. Somente seis das 20 variáveis propostas por Sarasvathy (2001)SARASVATHY, Saras D. Causation and effectuation: Toward a theoretical shift from economic inevitability to entrepreneurial contingency. Academy of Management Review, v. 26, n. 2, p. 243-263, 2001. não foram consistentes. As variáveis das questões 20, 24 e 25 (Fator 1 - Causation), 27 e 30 (Fator 5 - Effectuation Experimentação), e 37 (Fator 4 - Effectuation Flexibilidade) não foram utilizadas.

Tabela 3
Matriz rotacionada da análise fatorial

A partir da validação do instrumento pela análise fatorial, foram extraídas cinco dimensões que foram utilizadas como variáveis dependentes nos modelos de regressão, visando associar as formas de atuação do empreendedor (abordagens Causation e Effectuation) e o gênero, controlando para variáveis listadas na literatura.

4.2 Discussão Dos Resultados

Os modelos de regressão múltipla apresentam uma série de pressupostos para que sejam os melhores estimadores lineares não viesados (WOOLDRIDGE, 2010WOOLDRIDGE, Jeffrey M. Introdução à econometria: uma abordagem moderna. Pioneira Thomson Learning, 2010.). Para verificar o pressuposto de ausência de multicolinearidade perfeita, foi realizado o teste do fator de inflação da variância (VIF), no qual os valores próximos de 1 indicam baixos níveis de colinearidade (HAIR et al., 2005HAIR, J. F. et al. Análise de dados multivariados. Porto Alegre: Bookman. 2005.). Em todos os modelos as variáveis independentes apresentaram VIF médio de 1,65, e nenhuma variável ultrapassou o limite máximo tolerável de 5. Sobre a verificação da homocedasticidade, foi realizado o teste de White. A hipótese nula para esse teste é de que a variância dos resíduos é constante (WOOLDRIDGE, 2010WOOLDRIDGE, Jeffrey M. Introdução à econometria: uma abordagem moderna. Pioneira Thomson Learning, 2010.). Todos os modelos apresentaram p-valores acima de 0,41, não podendo rejeitar a hipótese nula de homocedasticidade. Por último, foi verificada a normalidade dos resíduos. A normalidade é importante, pois impacta a validade de todos os testes, incluindo as estatísticas t e f. Nesse caso, assume-se que os resíduos têm distribuição normal e variância constante, sendo independente das variáveis preditoras (WOOLDRIDGE, 2010WOOLDRIDGE, Jeffrey M. Introdução à econometria: uma abordagem moderna. Pioneira Thomson Learning, 2010.). Para verificar esse pressuposto foi realizado o teste de Shapiro-Wilks, cuja hipótese nula é de que a distribuição dos resíduos é normal. Os resultados apontam que não se pode rejeitar a hipótese nula de normalidade dos resíduos para todos os modelos.

A Tabela 4 apresenta os resultados das estimações de regressão linear múltipla e dos testes de validação dos modelos. Foram estimados cinco modelos, cada um deles possuindo como variável dependente os fatores das abordagens causation e effectuation. A variável de interesse nos cinco modelos é o gênero dos empreendedores, e as demais variáveis de controle estão listadas na Tabela 4.

Tabela 4
Regressão linear múltipla

O Modelo 1 apresenta como variável dependente o Fator Causation. O coeficiente de explicação do modelo (R²) foi de 26,7%. Nessa estimação, a variável “gênero” apresentou-se estatisticamente significante a 5% e com valor do parâmetro de 0,3949, demonstrando uma associação positiva entre o gênero feminino e a concepção de um negócio seguindo o paradigma Causation. Tal resultado pode ser explicado por características comportamentais associadas ao gênero no processo de tomada de decisão. Mulheres são mais propensas a buscar informações adicionais e dedicam mais tempo no planejamento e tomada de decisão, fatores associados às características da perspectiva causal (SHAO, 2012SHAO, Chen. Effectuation versus causation in entrepreneurial decision-making in chinese context: consideration of impact of family business background and gender. 2012. Dissertação de Mestrado. University of Twente.; JISR; MAAMARI, 2014JISR, Rana E.; MAAMARI, Bassem E. Gender innovation through the lens of effectuation. International Journal of Entrepreneurship and Small Business, v. 22, n. 3, p. 362-377, 2014.; DE VILLIERS SCHEEPERS; BOSHOFF; OOSTENBRINK, 2018DE VILLIERS SCHEEPERS, M. J.; BOSHOFF, C.; OOSTENBRINK, M. Entrepreneurial women’s cognitive ambidexterity: Career and cultural influences. South African Journal of Business Management, v. 48, n. 4, p. 21-33, 2018.). Deng, Wang e Alon (2011)DENG, Shengliang; WANG, Xu; ALON, Ilan. Framework for female entrepreneurship in China. International Journal of Business and Emerging Markets, v. 3, n. 1, p. 3-20, 2011. argumentam que elas possuem uma maior propensão ao estabelecimento de metas realistas no processo de empreender, bem como são orientadas aos planos de longo prazo, características essas associadas à lógica causal. Ademais, Frigotto e Della Valle (2016)FRIGOTTO, Maria L.; DELLA VALLE, Nives. Gender and the Structuring of the Entrepreneurial Venture: An Effectuation Approach. International Journal of Entrepreneurial Venturing, v. 2016, 2016. apontam que em situações de pouco conhecimento sobre a atividade empreendedora, mulheres seriam mais propensas à lógica causal dada a maior aversão aos riscos por parte das empreendedoras.

As variáveis de controle “idade”, “número de filhos” e “auxílio de alguma agência de fomento ao empreendedorismo” também obtiveram parâmetros estatisticamente significantes, sendo “idade” e “apoio de instituições de fomento ao empreendedorismo”, apresentando efeitos positivos, e “número de filhos”, efeito negativo.

No tocante à idade, a variável mostrou-se estatisticamente significante apenas no primeiro modelo, perdendo significância estatística nas demais estimativas, que são associadas à abordagem Effectuation. Destaca-se que, de acordo com o modelo, 1 ano a mais de idade aumentaria em aproximadamente 0,013 unidades no fator Causation. Segundo Frigotto e Della Valle (2016)FRIGOTTO, Maria L.; DELLA VALLE, Nives. Gender and the Structuring of the Entrepreneurial Venture: An Effectuation Approach. International Journal of Entrepreneurial Venturing, v. 2016, 2016., a variável “idade” é uma proxy da quantidade de conhecimentos acumulados e maior possibilidade de acesso a capital. Desse modo, quanto maior a idade do indivíduo, maior possibilidade de possuir recursos disponíveis, bem como compreender em maior profundidade o processo de planejamento de um negócio, características essas associadas à lógica causal.

A variável “número de filhos” apresentou relação negativa e estatisticamente significante com a dimensão causal (Modelo 1). Desse modo, o aumento de 1 filho diminuiria o fator Causation em 0,22 unidades. A literatura aponta que, no processo de criação de empresas, mulheres que possuem filhos buscam horário flexível e a possibilidade de conciliar vida profissional e família (MACHADO; GALOZA; AÑEZ, 2013MACHADO, Hilka P. Vier.; GAZOLA, Sebastião; ANEZ, Miguel E. M. Criação de empresas por mulheres: um estudo com empreendedoras em Natal, Rio Grande do Norte. RAM. Revista de Administração Mackenzie, v. 14, n. 5, 2013.). Desse modo, indivíduos que possuem filhos seriam menos propensos à lógica causal, sendo mais propensos à abordagem effectuation, que apresenta caráter contingencial e de maior flexibilidade da abordagem, tendo a aversão a perdas como um elemento central relacionado ao processo Effectual Ressalta-se que tal variável apresentou sinal positivo na estimativa do Modelo 2, associado à variável “perdas aceitáveis”, da abordagem Effectuation.

Ressalta-se que a variável “apoio de instituições de fomento” apresentou um parâmetro de 0,548, sendo o maior parâmetro do modelo 1. Tal variável não havia sido incluída por estudos anteriores que tratassem do modo de empreender. A não inclusão dessa variável em modelos de regressão poderia viesar o parâmetro de interesse do estudo (WOOLDRIDGE, 2010WOOLDRIDGE, Jeffrey M. Introdução à econometria: uma abordagem moderna. Pioneira Thomson Learning, 2010.). Acredita-se que a natureza causal, linear e focada no planejamento da abordagem Causation (SARASVATHY, 2001SARASVATHY, Saras D. Causation and effectuation: Toward a theoretical shift from economic inevitability to entrepreneurial contingency. Academy of Management Review, v. 26, n. 2, p. 243-263, 2001.) esteja em consonância com o auxílio dado por tais instituições aos empreendedores, usualmente focado no Planejamento estratégico e Plano de Negócios.

A segunda estimação (variável dependente Effectuation - Perdas Aceitáveis) apresentou R² de 27,4%, as variáveis de controle “número de filhos” e “pai empreendedor” mostrando-se estatisticamente significantes e apresentaram efeitos positivos.

Em relação ao número de filhos, destaca-se que o resultado encontrado foi positivo e estatisticamente significante a 1%. Desse modo, o aumento de um filho estaria associado ao aumento de 0,013 unidades no Fator “Perdas aceitáveis”. Tal dimensão é composta por questões associadas à tolerância a perdas dos indivíduos, com questões como “Fui cuidadoso para não comprometer recursos além do que eu dispunha a perder (riscos calculados)” e “Fui cuidadoso para não arriscar mais dinheiro além do que eu estava disposto a perder com a ideia inicial”. Desse modo, indivíduos que possuem filhos têm menor tolerância a assumir riscos, visto que demandam maior capital para prover sua prole, bem como alteram a expectativa de gastos futuros (BROWNE; JAEGER; RICHTER; STEINORTH, 2016). Ademais, Gorlitz e Tamm (2015) apontam que a paternidade altera consideravelmente a aversão aos riscos de um indivíduo, variando de acordo com a idade dos filhos. Os autores argumentam que o ápice de aversão é alcançado logo após o nascimento da criança, com esse efeito diminuindo com o passar dos anos, sendo, desse modo, seu impacto uma função de segundo grau.

A variável “pai empreendedor” apresentou parâmetro positivo e estatisticamente significante. Estudos como Chlosta et al., (2012)CHLOSTA, Simone et al. Parental role models and the decision to become self-employed: The moderating effect of personality. Small Business Economics, v. 38, n. 1, p. 121-138, 2012. e Lindquist, Sol e Van Praag (2015)LINDQUIST, Matthew J.; SOL, Joeri; VAN PRAAG, Mirjam. Why do entrepreneurial parents have entrepreneurial children?. Journal of Labor Economics, v. 33, n. 2, p. 269-296, 2015. indicam uma Transmissão Social do Comportamento Empreendedor, na qual indivíduos filhos de empreendedores herdariam habilidades e crenças empreendedoras dos pais. Markussen e Roed (2017) ainda apontam homofilia na transmissão do comportamento empreendedor no caso de pai e filho. Assim, filhos homens tenderiam a replicar o comportamento do pai, hipótese essa também apontada por Hacamo e Kleiner (2018).Dessa forma, filhos de pai empreendedor herdariam técnicas de gestão e acesso a capital (DUNN; HOLTZ-EAKIN, 2000; PARKER, 2009), bem como experiências anteriores (COLOMBIER; MASCLET, 2008COLOMBIER, Nathalie; MASCLET, David. Intergenerational correlation in self employment: some further evidence from French ECHP data. Small Business Economics, v. 30, n. 4, p. 423-437, 2008.; WYRWICH, 2015WYRWICH, Michael. Entrepreneurship and the intergenerational transmission of values. Small Business Economics, v. 45, n. 1, p. 191-213, 2015.), tornando-os mais informados e menos propensos a correrem riscos não calculados.

Já variável “mãe empreendedora” mostrou-se estatisticamente significante e com sinal negativo. A literatura aponta que as mulheres são mais sensíveis aos riscos (SHINNAR; GIACOMIN; JANSSEN, 2012SHINNAR, Rachel S.; GIACOMIN, Olivier; JANSSEN, Frank. Entrepreneurial perceptions and intentions: The role of gender and culture. Entrepreneurship Theory and Practice, v. 36, n. 3, p. 465-493, 2012.). Desse modo, diante da Transmissão Social do Comportamento Empreendedor (CHLOSTA et al., 2012CHLOSTA, Simone et al. Parental role models and the decision to become self-employed: The moderating effect of personality. Small Business Economics, v. 38, n. 1, p. 121-138, 2012.; LINDQUIST; SOL; VAN PRAAG, 2012LINDQUIST, Matthew J.; SOL, Joeri; VAN PRAAG, Mirjam. Why do entrepreneurial parents have entrepreneurial children?. Journal of Labor Economics, v. 33, n. 2, p. 269-296, 2015.) e da Teoria da Aprendizagem Social (BANDURA, 2002BANDURA, Albert. Social foundations of thought and action. The Health Psychology Reader, p. 94-106, 2002.), filhos de mães empreendedoras poderiam ser menos tolerantes às perdas ao transmitirem suas perspectivas de comportamento empreendedor. Frigotto e Della Valle (2016)FRIGOTTO, Maria L.; DELLA VALLE, Nives. Gender and the Structuring of the Entrepreneurial Venture: An Effectuation Approach. International Journal of Entrepreneurial Venturing, v. 2016, 2016. ainda argumentam que mulheres seriam mais afetadas pelas perdas aceitáveis do que os homens, sendo essa uma possível justificativa para diferença de sinais entre o efeito do pai empreendedor e da mãe empreendedora sobre o segundo fator.

Por fim, a variável “recursos de terceiros no início do negócio” apresentaram efeitos negativos, demonstrando que ao utilizar recursos de terceiros e a mãe ter experiência prévia no empreendedorismo influenciam a maior prudência na utilização de recursos e aversão às perdas (DEW et al., 2009DEW, Nicholas et al. Affordable loss: Behavioral economic aspects of the plunge decision. Strategic Entrepreneurship Journal, v. 3, n. 2, p. 105-126, 2009.; HARMS; SCHIELE, 2012HARMS, Rainer; SCHIELE, Holger. Antecedents and consequences of effectuation and causation in the international new venture creation process. Journal of International Entrepreneurship, v. 10, n. 2, p. 95-116, 2012.; POT, 2014POT, J. J. M. Causation versus effectuation in entrepreneurial decision-making: the impact of family resources, family business background and education. 2014. Dissertação de Mestrado. University of Twente.). Isso pode estar associado ao apoio normativo da família em termos de recursos financeiros e não financeiros necessários para lançar uma empresa, efeitos de aprendizagem, experiências prévias, conhecimento e controle comportamental percebido (CARSRUD et al., 2007CARSRUD, Alan et al. The family business pipeline: where norms and modeling make a difference. In: Academy of Management Conference. 2007.).

Já o terceiro Modelo não apresentou variáveis estatisticamente significantes, com coeficiente de explicação de apenas 7,1%, demonstrando que a variação da variável pré-acordos aparentemente não é explicada por gênero e demais variáveis de controle.

A quarta regressão, que possui como variável dependente a perspectiva Effectuation - Flexibilidade, teve como coeficiente R² o valor de 12,9%, sendo as variáveis “recursos iniciais de terceiros” e “negócio fundado pela família” estatisticamente significantes a 1% e com parâmetros negativos, obtendo os valores -0,463 e -0,480, respectivamente.

Em relação aos recursos de terceiros, o parâmetro pode ter apresentado efeitos negativos e pode estar associado ao fato de o endividamento com terceiros gerar um aumento da sensação de risco ao empreender (HERRANZ; KRASA; VILLAMIL, 2015HERRANZ, Neus; KRASA, Stefan; VILLAMIL, Anne P. Entrepreneurs, risk aversion, and dynamic firms. Journal of Political Economy, v. 123, n. 5, p. 1133-1176, 2015.), proporcionando menor flexibilidade no gerenciamento do negócio com esses grupos de empreendedores atuando em uma perspectiva menos dinâmica e contingencial que os grupos os quais fundaram o próprio negócio e utilizaram recursos próprios (POT, 2014POT, J. J. M. Causation versus effectuation in entrepreneurial decision-making: the impact of family resources, family business background and education. 2014. Dissertação de Mestrado. University of Twente.).

No tocante à origem familiar do negócio, destaca-se que as interações sociais e o desenvolvimento psicológico das relações familiares nos negócios são impactados pela percepção de independência, autonomia e liberdade da propriedade das empresas familiares (JIRS; MAAMARI, 2014JISR, Rana E.; MAAMARI, Bassem E. Gender innovation through the lens of effectuation. International Journal of Entrepreneurship and Small Business, v. 22, n. 3, p. 362-377, 2014.). Desse modo, a influência familiar de gerações anteriores poderia diminuir a flexibilidade da gestão. Os resultados do modelo 1 apontaram uma relação positiva entre a idade e a abordagem causal, endossando essa perspectiva.

Já a variável “parente empreendedor” foi considerada estatisticamente significante a 5% e com parâmetro no valor de 0,471, demonstrando uma associação positiva entre ter algum parente que exerça atividade empresarial e o modo de atuação flexível de gestão. Os principais argumentos para isso são a transmissão de informações sobre novas oportunidades de negócio e a redução da incerteza associada ao empreendedorismo (FALCK; HEBLICH; LUEDEMANN, 2012FALCK, Oliver; HEBLICH, Stephan; LUEDEMANN, Elke. Identity and entrepreneurship: do school peers shape entrepreneurial intentions? Small Business Economics, v. 39, n. 1, p. 39-59, 2012.; FIELD et al., 2016FIELD, Erica et al. Friendship at work: Can peer effects catalyze female entrepreneurship?. American Economic Journal: Economic Policy, v. 8, n. 2, p. 125-53, 2016.), o que traria mais informações no processo de tomada de decisão, permitindo maior amplitude de atuação por parte dos empreendedores.

O quinto Modelo, relativo ao fator Effectuation - Experimentação, teve apenas a variável “escolaridade superior” como estatisticamente significante, apresentando sinal negativo. Vale destacar que esse fator foi composto pelas questões 28 (O produto/serviço oferecido agora é essencialmente o mesmo daquele originalmente pensado) e 29 (O produto/serviço oferecido agora é bastante diferente daquele imaginado primeiro). Uma hipótese é que os empreendedores portadores de nível superior mantiveram seus produtos semelhantes ao planejamento inicial, porque a média da questão 28 foi de 5,59, representando mais que o dobro da média das respostas da questão 29. Esse resultado corrobora o efeito encontrado por Mäkimurto-Koivumaa e Puhakka (2013)MÄKIMURTO-KOIVUMAA, Soili; PUHAKKA, Vesa. Effectuation and causation in entrepreneurship education. International Journal of Entrepreneurial Venturing, v. 5, n. 1, p. 68-83, 2013..

4.3 Análise De Sensibilidade E Robustez

Os resultados iniciais apontaram para uma associação entre o gênero feminino e a abordagem Causation. Para dar suporte à consistência metodológica desse achado, foi realizada uma estimação de regressão robusta (MM-Regression). A regressão robusta é uma forma de análise de regressão concebida para contornar algumas limitações dos métodos tradicionais paramétricos. Tal técnica apresenta-se como um método complementar à regressão múltipla clássica já que sua estimação combina uma alta resistência à outliers e alta eficiência em modelos de regressão com erros normais (VERARDI; CROUX, 2008VERARDI, Vincenzo; CROUX, Christophe. Robust regression in Stata. Stata Journal, 9 (3), 439-453. 2008.). A partir dos resultados encontrados pelas regressões da Tabela 4 - que apontaram associação entre gênero e a abordagem Causation -, foram realizadas estimações de regressão robusta para o modelo que possui o Fator 1 (Causation) como variável dependente. A Tabela 5 apresenta a análise de sensibilidade da estimação de regressão robusta para o fator Causation.

Tabela 5
Análise de Sensibilidade (Regressão Robusta)

Os resultados apontam que o gênero feminino mostrou associação positiva com a abordagem Causation. Nos seis modelos de regressão robusta estimados, o parâmetro de interesse Gênero variou de 0,572 a 0,653, sendo significante em todos os modelos estimados. Os resultados apontam uma baixa sensibilidade do modelo, no que tange à associação entre gênero feminino e a abordagem Causation. Ao considerarmos as variáveis de controle, Número de filhos, Auxílio inicial, Mãe Empreendedora, Pai e Mãe empreendedores simultaneamente apresentaram-se estatisticamente significantes.

Ressalta-se que ao utilizar a técnica de regressão robusta, as variáveis relacionadas ao background empreendedor dos pais apresentaram efeito estatisticamente significante no que diz respeito à abordagem Causation. A variável Mãe Empreendedora apresentou sinal positivo em todas as seis estimativas, variando entre 1,354 e 1,647. Incluímos na análise o termo interativo para a situação em que Pai e Mãe são simultaneamente empreendedores. Esse termo apresentou sinal positivo, com parâmetro estatisticamente significante em cinco das seis estimativas. O beta variou de 1,631 a 3,042. Consideremos o caso de um indivíduo que possua pai e mãe empreendedor simultaneamente. Isso significa que, considerando o primeiro modelo, o efeito de seus pais terem sido empreendedores na sua propensão à abordagem Causation é de 3,049, resultante da soma dos parâmetros Mãe empreendedora e Pai e Mãe empreendedores [(1,695) + (1,354)] devido às evidências empíricas da mãe empreendedora na propensão à abordagem Causation.

A transmissão intergeracional do comportamento empreendedor através da Teoria da Aprendizagem Social (BANDURA, 2002BANDURA, Albert. Social foundations of thought and action. The Health Psychology Reader, p. 94-106, 2002.) pode nos auxiliar a explicar esse resultado. Partindo-se do princípio de que filhos de empreendedores foram expostos a um ambiente único de aprendizagem sobre a atividade empresarial, tendo contato com processos de negócios, eles podem compor seu processo de tomada de decisão empresarial de modo distinto do daqueles indivíduos que não possuem pais empreendedores (CHLOSTA et al., 2012CHLOSTA, Simone et al. Parental role models and the decision to become self-employed: The moderating effect of personality. Small Business Economics, v. 38, n. 1, p. 121-138, 2012.; LINDQUIST; SOL; VAN PRAAG, 2012LINDQUIST, Matthew J.; SOL, Joeri; VAN PRAAG, Mirjam. Why do entrepreneurial parents have entrepreneurial children?. Journal of Labor Economics, v. 33, n. 2, p. 269-296, 2015.). De modo geral, esse resultado denota a possibilidade de que práticas associadas à perspectiva causal, como planejamento de longo prazo e visão orientada aos resultados, possam ser transmitidas para a prole, influenciando o modo como as próximas gerações tomam suas próprias decisões empreendedoras (PEARSON; CARR; SHAW, 2008PEARSON, Allison W.; CARR, Jon C.; SHAW, John C. Toward a theory of familiness: A social capital perspective. Entrepreneurship Theory and Practice, v. 32, n. 6, p. 949-969, 2008.; SHAO, 2012SHAO, Chen. Effectuation versus causation in entrepreneurial decision-making in chinese context: consideration of impact of family business background and gender. 2012. Dissertação de Mestrado. University of Twente.; POT, 2014POT, J. J. M. Causation versus effectuation in entrepreneurial decision-making: the impact of family resources, family business background and education. 2014. Dissertação de Mestrado. University of Twente.).

As análises de sensibilidade e regressões robustas para a abordagem Effectuation também foram estimadas. Entretanto, os modelos não apresentaram associação com gênero, cerne desta pesquisa.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta pesquisa teve como objetivo analisar se o gênero influencia a atuação de microempreendedores à luz das abordagens Causation e Effectuation. Os resultados demonstram uma associação positiva e estatisticamente significante entre o gênero feminino e a perspectiva Causation, em consonância com a literatura (DENG; WANG; ALON, 2011DENG, Shengliang; WANG, Xu; ALON, Ilan. Framework for female entrepreneurship in China. International Journal of Business and Emerging Markets, v. 3, n. 1, p. 3-20, 2011.; SHAO, 2012SHAO, Chen. Effectuation versus causation in entrepreneurial decision-making in chinese context: consideration of impact of family business background and gender. 2012. Dissertação de Mestrado. University of Twente.; JISR; MAAMARI, 2014JISR, Rana E.; MAAMARI, Bassem E. Gender innovation through the lens of effectuation. International Journal of Entrepreneurship and Small Business, v. 22, n. 3, p. 362-377, 2014.; FRIGOTTO; DELLA VALLE, 2016FRIGOTTO, Maria L.; DELLA VALLE, Nives. Gender and the Structuring of the Entrepreneurial Venture: An Effectuation Approach. International Journal of Entrepreneurial Venturing, v. 2016, 2016.; DE VILLIERS SCHEEPERS; BOSHOFF; OOSTENBRINK, 2018DE VILLIERS SCHEEPERS, M. J.; BOSHOFF, C.; OOSTENBRINK, M. Entrepreneurial women’s cognitive ambidexterity: Career and cultural influences. South African Journal of Business Management, v. 48, n. 4, p. 21-33, 2018.). Ao estimar modelos de regressão robusta, o fato de um indivíduo ter mãe empreendedora fomenta a propensão ao pensamento Causation, o que poderia corroborar a associação entre o gênero feminino e tal abordagem. Já as análises dos modelos 2 ao 5, referentes à perspectiva Effectuation, não apresentaram associações estatisticamente significantes em relação ao gênero. As variáveis “idade”, “número de filhos” e “auxílio inicial de agências de fomento ao empreendedorismo” apresentaram resultados estatisticamente significantes para a perspectiva Causation, com “idade” e “auxílio inicial” com efeitos positivos, e “número de filhos”, negativo. Ressalta-se que a “idade” foi estatisticamente significante para a abordagem Causation, enquanto em Frigotto (2016)FRIGOTTO, Maria L.; DELLA VALLE, Nives. Gender and the Structuring of the Entrepreneurial Venture: An Effectuation Approach. International Journal of Entrepreneurial Venturing, v. 2016, 2016. se verificou sua associação com a abordagem Effectuation.

Do ponto de vista das abordagens Effectuation, a dimensão Perdas, as variáveis “Número de filhos”, “Fundação do negócio pela família” e “pai empreendedor” apresentaram efeitos positivos e estatisticamente significantes, e as variáveis “Mãe empreendedora” e “Recursos iniciais” apresentaram efeitos negativos e estatisticamente significantes. Já em relação ao fator Flexibilidade, o fato de um negócio ter obtido financiamento de terceiros e ter sido fundado pela família do empreendedor diminui a flexibilidade no gerenciamento do negócio. No tocante à Experimentação, apenas a educação apresentou relação estatisticamente significante e negativa, com os portadores de nível superior mantendo pouco alterados os produtos/serviços inicialmente concebidos. Variáveis como “Possuir amigo empreendedor”, “Estado civil” e “Fundação do negócio por oportunidade” não possuíram associação com os modos de empreender.

Do ponto de vista acadêmico, este artigo avança na literatura ao demonstrar empiricamente a associação entre gênero e criação de empresas, que, além de ser uma relação pouco abordada na literatura, corrobora a proposta de Perry, Chandler e Markova (2012)PERRY, John T.; CHANDLER, Gaylen N.; MARKOVA, Gergana. Entrepreneurial effectuation: a review and suggestions for future research. Entrepreneurship Theory and Practice, v. 36, n. 4, p. 837-861, 2012. de avanço para um estado intermediário. Ademais, a pesquisa demonstra resultados para enriquecer o debate sobre pertinência de variáveis associadas ao modo de criação e desenvolvimento de negócios. O estudo também contribui com a literatura ao encontrar evidências empíricas da associação entre a abordagem Causation e o apoio de agências de fomento ao empreendedorismo na concepção de negócios.

Como contribuições práticas, os resultados obtidos auxiliam agências de fomento ao empreendedorismo e unidades de educação empreendedora a compreender particularidades e atitudes relacionadas ao gênero no processo de abertura de um negócio. Isso possibilita a criação de políticas de treinamento e cursos de capacitação empreendedora por gênero, possibilitando uma potencial otimização de resultados.

Como limitações, ressalta-se que apesar de a amostra ser probabilística, as generalizações devem ser parcimoniosas, haja vista o estudo ter como sujeitos uma personalidade jurídica específica de empreendedores, bem como ter sido realizada em um único município. Do ponto de vista teórico, destaca-se o caráter incipiente da literatura no tocante a associação entre gênero e modo de empreender, o que impôs consideráveis barreiras na identificação das causas associadas aos achados. Além disso, o objetivo do estudo contemplou a identificação da relação entre tais variáveis, apenas iniciando o debate sobre os elementos substantivos presentes nesta relação. Ademais, por considerar apenas uma dentre as 21 possibilidades de classificação de gênero catalogadas (Binary Gender) por motivações operacionais de pesquisa e pelo fato de a literatura tratar comumente de gênero sob a perspectiva do sexo de nascimento, o estudo limita-se apenas a essa perspectiva.

Diante do exposto, sugerem-se como estudos futuros pesquisas que considerem as demais perspectivas de gênero, ampliando o escopo de discussão não apenas à perspectiva de binária de sexo de nascimento dos indivíduos. Devido às fronteiras epistemológicas e metodológicas delimitadas neste artigo, sugere-se a realização de estudos qualitativos que busquem aprofundar a associação do gênero com o modo de empreender, fortalecendo desse modo o corpus teórico da temática. Além disso, recomenda-se a realização de estudos comparativos com amostras ampliadas em outras regiões do país, considerando as características socioculturais e econômicas como variáveis de controle. Sugere-se ainda que a relação entre “auxílio de agências de fomento ao empreendedorismo” e modo de criação dos negócios seja investigada com maior aprofundamento, dados os resultados encontrados nesta pesquisa.

APÊNDICE 1

Tabela 6
Correlações entre as variáveis

6. REFERENCES

  • ANGRIST, Joshua D.; PISCHKE, Jörn-Steffen. Mostly harmless econometrics: An empiricist’s companion Princeton University Press, 2008.
  • AHL, Helene; MARLOW, Susan. Exploring the dynamics of gender, feminism and entrepreneurship: advancing debate to escape a dead end?. Organization, v. 19, n. 5, p. 543-562, 2012.
  • ALDRICH, Howard E.; CLIFF, Jennifer E. The pervasive effects of family on entrepreneurship: Toward a family embeddedness perspective. Journal of Business Venturing, v. 18, n. 5, p. 573-596, 2003.
  • APARICIO, Sebastian; URBANO, David; AUDRETSCH, David. Institutional factors, opportunity entrepreneurship and economic growth: Panel data evidence. Technological Forecasting and Social Change, v. 102, p. 45-61, 2016.
  • BANDURA, Albert. Social foundations of thought and action. The Health Psychology Reader, p. 94-106, 2002.
  • BASTIAN, Bettina Lynda; SIDANI, Yusuf Munir; EL AMINE, Yasmina. Women entrepreneurship in the Middle East and North Africa: A review of knowledge areas and research gaps. Gender in Management: An International Journal, v. 33, n. 1, p. 14-29, 2018.
  • CARSRUD, Alan et al The family business pipeline: where norms and modeling make a difference. In: Academy of Management Conference 2007.
  • CHANDLER, Gaylen N. et al Causation and effectuation processes: A validation study. Journal of Business Venturing, v. 26, n. 3, p. 375-390, 2011.
  • CHLOSTA, Simone et al Parental role models and the decision to become self-employed: The moderating effect of personality. Small Business Economics, v. 38, n. 1, p. 121-138, 2012.
  • COLOMBIER, Nathalie; MASCLET, David. Intergenerational correlation in self employment: some further evidence from French ECHP data. Small Business Economics, v. 30, n. 4, p. 423-437, 2008.
  • CORTINA, Jose M. What is coefficient alpha? An examination of theory and applications. Journal of Applied Psychology, v. 78, n. 1, p. 98, 1993.
  • CRESPO, Nuno Fernandes. Cross-cultural differences in the entrepreneurial activity of men and women: a fuzzy-set approach. Gender in Management: An International Journal, v. 32, n. 4, p. 281-299, 2017.
  • DABIC, Marina et al. Exploring gender differences in attitudes of university students towards entrepreneurship: an international survey. International Journal of Gender and Entrepreneurship, v. 4, n. 3, p. 316-336, 2012.
  • DE VILLIERS SCHEEPERS, M. J.; BOSHOFF, C.; OOSTENBRINK, M. Entrepreneurial women’s cognitive ambidexterity: Career and cultural influences. South African Journal of Business Management, v. 48, n. 4, p. 21-33, 2018.
  • DENG, Shengliang; WANG, Xu; ALON, Ilan. Framework for female entrepreneurship in China. International Journal of Business and Emerging Markets, v. 3, n. 1, p. 3-20, 2011.
  • DEW, Nicholas et al Affordable loss: Behavioral economic aspects of the plunge decision. Strategic Entrepreneurship Journal, v. 3, n. 2, p. 105-126, 2009.
  • DEW, Nicholas. et al On the entrepreneurial genesis of new markets: effectual transformations versus causal search and selection. Journal of Evolutionary Economics, v. 21, n. 2, p. 231-253, 2011.
  • EL HARBI, Sana; ANDERSON, Alistair R. Institutions and the shaping of different forms of entrepreneurship. The Journal of Socio-Economics, v. 39, n. 3, p. 436-444, 2010.
  • FAIA, Valter S.; ROSA, Marco Aurélio G.; MACHADO, Hilka P. V. Alerta Empreendedor e as Abordagens Causation e Effectuation sobre Empreendedorismo. Revista de Administração Contemporânea, v. 18, n. 2, p. 196, 2014.
  • FALCK, Oliver; HEBLICH, Stephan; LUEDEMANN, Elke. Identity and entrepreneurship: do school peers shape entrepreneurial intentions? Small Business Economics, v. 39, n. 1, p. 39-59, 2012.
  • FEDER, Emőke-Szidónia; NITU-ANTONIE, Renata-Dana. Connecting gender identity, entrepreneurial training, role models and intentions. International Journal of Gender and Entrepreneurship, v. 9, n. 1, p. 87-108, 2017.
  • FIELD, Erica et al Friendship at work: Can peer effects catalyze female entrepreneurship?. American Economic Journal: Economic Policy, v. 8, n. 2, p. 125-53, 2016.
  • FISHER, Greg. Effectuation, causation, and bricolage: a behavioral comparison of emerging theories in entrepreneurship research. Entrepreneurship Theory and Practice, v. 36, n. 5, p. 1019-1051, 2012.
  • FRIGOTTO, M. Laura. Effectuation and the Think-Aloud Method for Investigating Entrepreneurial Decision Making. In: Complexity in Entrepreneurship, Innovation and Technology Research Springer, Cham, 2016. p. 183-197.
  • FRIGOTTO, Maria L.; DELLA VALLE, Nives. Gender and the Structuring of the Entrepreneurial Venture: An Effectuation Approach. International Journal of Entrepreneurial Venturing, v. 2016, 2016.
  • GILDEMEISTER, Regine. Doing Gender. In: Handbuch Frauen-und Geschlechterforschung VS Verlag für Sozialwissenschaften, p. 137-145, 2010.
  • GREVE, Arent; SALAFF, Janet W. Social networks and entrepreneurship. Entrepreneurship Theory and Practice, v. 28, n. 1, p. 1-22, 2003.
  • GREEN, Eli R.; MAURER, Luca. The Teaching Transgender Toolkit: A Facilitator’s Guide to Increasing Knowledge, Decreasing Prejudice & Building Skills Center for sex Education. 2015.
  • GREENSLADE-YEATS, James Reuben. How Experience Shapes the Financial Thinking of Entrepreneurs 2016. Tese de Doutorado. Auckland University of Technology.
  • GLOBAL ENTREPRENEURSHIP MONITOR (GEM). Global Report 2016/2017. Global Entrepreneurship Research Association (GERA), London Business School, UK, 2017.
  • GUPTA, Vishal K. et al The role of gender stereotypes in perceptions of entrepreneurs and intentions to become an entrepreneur. Entrepreneurship Theory and Practice, v. 33, n. 2, p. 397-417, 2009.
  • HAIR, J. F. et al Análise de dados multivariados Porto Alegre: Bookman. 2005.
  • HARMS, Rainer; SCHIELE, Holger. Antecedents and consequences of effectuation and causation in the international new venture creation process. Journal of International Entrepreneurship, v. 10, n. 2, p. 95-116, 2012.
  • HERRANZ, Neus; KRASA, Stefan; VILLAMIL, Anne P. Entrepreneurs, risk aversion, and dynamic firms. Journal of Political Economy, v. 123, n. 5, p. 1133-1176, 2015.
  • HOFFMANN, Anders; JUNGE, Martin; MALCHOW-MØLLER, Nikolaj. Running in the family: parental role models in entrepreneurship. Small Business Economics, v. 44, n. 1, p. 79-104, 2015.
  • HOWCROFT, Debra; TRAUTH, Eileen M. The implications of a critical agenda in gender and IS research. Information Systems Journal, v. 18, n. 2, p. 185-202, 2008.
  • JISR, Rana E.; MAAMARI, Bassem E. Gender innovation through the lens of effectuation. International Journal of Entrepreneurship and Small Business, v. 22, n. 3, p. 362-377, 2014.
  • LAINE, Igor; GALKINA, Tamara. The interplay of effectuation and causation in decision making: Russian SMEs under institutional uncertainty. International Entrepreneurship and Management Journal, v. 13, n. 3, p. 905-941, 2017.
  • LAFORTUNE, Jeanne; PERTICARÁ, Marcela; TESSADA, José. The benefits of diversity: Peer effects in an adult training program in Chile 2014.
  • LATTIN, James; CARROLL, J. Douglas; GREEN, Paul E. Análise de dados multivariados São Paulo: Cengage Learning, 2011.
  • LAURE HUMBERT, Anne; DREW, Eileen. Gender, entrepreneurship and motivational factors in an Irish context. International Journal of Gender and Entrepreneurship, v. 2, n. 2, p. 173-196, 2010.
  • LINDQUIST, Matthew J.; SOL, Joeri; VAN PRAAG, Mirjam. Why do entrepreneurial parents have entrepreneurial children?. Journal of Labor Economics, v. 33, n. 2, p. 269-296, 2015.
  • MACHADO, Hilka P. Vier.; GAZOLA, Sebastião; ANEZ, Miguel E. M. Criação de empresas por mulheres: um estudo com empreendedoras em Natal, Rio Grande do Norte. RAM. Revista de Administração Mackenzie, v. 14, n. 5, 2013.
  • MACHADO, Hilka P. Vier; FAIA, Valter Silva; SILVA, Juliano Domingues. Alerta Empreendedor: Estudo da Influência de Características do Indivíduo e do Empreendimento. Brazilian Business Review, v. 13, n. 5, p. 87, 2016.
  • MÄKIMURTO-KOIVUMAA, Soili; PUHAKKA, Vesa. Effectuation and causation in entrepreneurship education. International Journal of Entrepreneurial Venturing, v. 5, n. 1, p. 68-83, 2013.
  • MEULENBROEK, V. M. Causation and Effectuation: the Influence of Family Background on the Entrepreneurial Decision Making Process in Emerging Countries 2014. Trabalho de Conclusão de Curso. University of Twente.
  • PAOLONI, Paola; LOMBARDI, Rosa. Gender Issues in Business and Economics Springer, 2018.
  • PEARSON, Allison W.; CARR, Jon C.; SHAW, John C. Toward a theory of familiness: A social capital perspective. Entrepreneurship Theory and Practice, v. 32, n. 6, p. 949-969, 2008.
  • PERRY, John T.; CHANDLER, Gaylen N.; MARKOVA, Gergana. Entrepreneurial effectuation: a review and suggestions for future research. Entrepreneurship Theory and Practice, v. 36, n. 4, p. 837-861, 2012.
  • POT, J. J. M. Causation versus effectuation in entrepreneurial decision-making: the impact of family resources, family business background and education 2014. Dissertação de Mestrado. University of Twente.
  • READ, Stuart; SARASVATHY, Saras D. Knowing what to do and doing what you know: Effectuation as a form of entrepreneurial expertise. The Journal of Private Equity, v. 9, n. 1, p. 45-62, 2005.
  • REYMEN, Isabelle M. M. J. et al Understanding dynamics of strategic decision making in venture creation: a process study of effectuation and causation. Strategic Entrepreneurship Journal, v. 9, n. 4, p. 351-379, 2015.
  • RICO, Paz; CABRER-BORRÁS, Bernardí. Gender differences in self-employment in Spain. International Journal of Gender and Entrepreneurship, v. 10, n. 1, p. 19-38, 2018.
  • ROBLEDO, José Luis Ruizalba et al The moderating role of gender on entrepreneurial intentions: A TPB perspective. Intangible Capital, v. 11, n. 1, p. 92-117, 2015.
  • SARASVATHY, Saras D. Causation and effectuation: Toward a theoretical shift from economic inevitability to entrepreneurial contingency. Academy of Management Review, v. 26, n. 2, p. 243-263, 2001.
  • SARASVATHY, Saras D. Effectuation: Elements of Entrepreneurial Expertise Edward Elgar Publishing, 2009.
  • SCHMITT, Neal. Uses and abuses of coefficient alpha. Psychological Assessment, v. 8, n. 4, p. 350, 1996.
  • SEVERIANO, Herivelto Clayton. As configurações do gênero na subjetividade: um olhar sócio-histórico sobre os papéis sexuais 2007. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Ciências da Saúde, Centro Universitário de Brasília.
  • SHAO, Chen. Effectuation versus causation in entrepreneurial decision-making in chinese context: consideration of impact of family business background and gender 2012. Dissertação de Mestrado. University of Twente.
  • SHINNAR, Rachel S.; GIACOMIN, Olivier; JANSSEN, Frank. Entrepreneurial perceptions and intentions: The role of gender and culture. Entrepreneurship Theory and Practice, v. 36, n. 3, p. 465-493, 2012.
  • SHNEOR, Rotem; JENSSEN, Jan Inge. Gender and entrepreneurial intentions. Entrepreneurial Women: New Management and Leadership Models, Praeger Publishing, Santa Barbara, CA, p. 15-67, 2014.
  • SIJTSMA, Klaas. On the use, the misuse, and the very limited usefulness of Cronbach’s alpha. Psychometrika, v. 74, n. 1, p. 107, 2009.
  • THÉBAUD, Sarah. Gender and entrepreneurship as a career choice: do self-assessments of ability matter?. Social Psychology Quarterly, v. 73, n. 3, p. 288-304, 2010.
  • THÉBAUD, Sarah. Business as plan B: Institutional foundations of gender inequality in entrepreneurship across 24 industrialized countries. Administrative Science Quarterly, v. 60, n. 4, p. 671-711, 2015.
  • VALE, Gláucia Maria Vasconcellos; SERAFIM, Ana Carolina Ferreira. Embeddeness, empreendedorismo e Gênero: Desafios para tornar forte o sexo frágil. ENANPAD-Encontro Nacional da ANPAD, v. 34, 2010.
  • VERARDI, Vincenzo; CROUX, Christophe. Robust regression in Stata. Stata Journal, 9 (3), 439-453. 2008.
  • WOOLDRIDGE, Jeffrey M. Introdução à econometria: uma abordagem moderna Pioneira Thomson Learning, 2010.
  • WYRWICH, Michael. Entrepreneurship and the intergenerational transmission of values. Small Business Economics, v. 45, n. 1, p. 191-213, 2015.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Jun 2019
  • Data do Fascículo
    May-Jun 2019

Histórico

  • Recebido
    23 Jun 2017
  • Revisado
    02 Abr 2018
  • Aceito
    10 Set 2018
  • Publicado
    17 Abr 2019
Fucape Business School Av. Fernando Ferrari, 1358, Boa Vista, 29075-505, Vitória, Espírito Santo, Brasil, (27) 4009-4423 - Vitória - ES - Brazil
E-mail: bbronline@bbronline.com.br