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Medindo os benefícios das TICs nas empresas sociais: Um estudo exploratório

Resumo

O estudo apresentado neste artigo tem por objetivo identificar qual é, de fato, a missão social de empresas denominadas “empresas sociais”, e quais são os benefícios obtidos com o uso das TICs por essas empresas. Os métodos de pesquisa empregados foram pesquisa bibliográfica e estudo de caso. A pesquisa bibliográfica foi elaborada a partir de uma análise sistemática e da utilização de um framework teórico relacionado a indicadores de desempenho, conforme proposta de Hutchinson e Molla (2009). O estudo de caso foi realizado tendo por base quatro empresas sociais, com as quais foram realizadas observações in loco, aplicação de entrevistas e análise dos respectivos websites. Os resultados indicaram que a missão social desse tipo de empresa pode ser explicada a partir do emprego de seis indicadores: acesso aos mercados, geração de renda, oportunidades de emprego, capacitação social, fortalecimento das relações com o Patrocinador e outsourcing social; e que esses indicadores requerem o uso de TICs para serem desenvolvidos. Conclui-se que, se pelo menos um dos indicadores estiver presente nessas empresas, as TICs poderão trazer algum tipo de benefício.

Palavras-chave
Empresas Sociais; Tecnologias da Informação e Comunicação; Indicadores para Missão Social

Abstract

The study presented in this article aims to identify what are, in fact, the social missions of companies called “social companies” , and what are the benefits obtained from the use of ICTs by these companies. The research methods employed were bibliographic research and case study. The bibliographic research was elaborated from a systematic analysis and the use of a theoretical framework related to performance indicators, as proposed by Hutchinson and Molla (2009). The case study was carried out based on four social companies, with which observations were made in loco, application of interviews and analysis of the respective websites. The results indicated that the social mission of this type of company can be explained by the use of six indicators: access to markets, income generation, employment opportunities, social training, strengthening of relations with the sponsor and social outsourcing; and that these indicators require the use of ICTs to be developed. It is concluded that, if at least one of the indicators is present in these companies, ICTs can bring some kind of benefit.

Keywords
Social Enterprises; Information and Communication Technologies; Indicators for Social Mission

1. Introdução

O mundo está passando por transformações constantes que de alguma maneira mudam a trajetória e a história das organizações, e podemos ilustrar isso com a primeira e segunda revoluções industriais, cujos valores principais eram os econômicos, e a revolução da informação, na qual o principal valor é a informação. Outros conceitos de valores criados foram aceitos pelo mercado, por exemplo, o valor social, que deu origem a novos tipos de organizações como as empresas, negócios e empreendimentos sociais.

As organizações que têm por objetivo resolver problemas sociais de forma eficiente e sustentável, principalmente no que diz respeito a seus mecanismos de mercado e aspectos financeiros, recebem, atualmente, várias denominações: empresas sociais, negócios inclusivos, organizações híbridas e negócios sociais, dentre outras (COMINI et al., 2012COMINI, G.; BARKI, E.; AGUIAR, L. T. D. 2012 A three-pronged approach to social business: A Brazilian multi-case analysis. Revista de Administração (São Paulo), 47(3), p. 385-397.).

Apesar do crescente interesse acadêmico em empresa social, não existe um acordo conceitual, uma vez que esse tipo de definição é complexo dadas as manifestações heterogêneas de empresa social na prática. Além disso, embora influenciem mutuamente, os debates teóricos entre os estudiosos não refletem necessariamente as discussões e debates entre os profissionais (DERAEDT, 2009DERAEDT, E. 2009 Social enterprise: a conceptual framework. Conceptual Discussion Paper for the ILO social Enterprise Developing Targeting Unemployed Youth in South Africa (SETYSA) project.).

Outra dificuldade encontrada na literatura é saber quais são e como medir os benefícios obtidos pelas empresas sociais a partir das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs).

No caso das organizações sociais, nas quais a missão social tem impulsionado programas e atividades, ainda há pouco pensamento sobre como medir a realização de seus objetivos sociais. Alguns esforços têm sido colocados no desenvolvimento de ferramentas para avaliar o impacto das empresas sociais no que é comumente conhecido como "contabilidade social" (HUTCHINSON; MOLLA, 2009HUTCHINSON, K.; MOLLA, A. 2009 Mapping the dynamics of social enterprises and ICTD in Cambodia. In Information and Communication Technologies and Development (ICTD), 2009. International Conference on (pp. 163-172). IEEE.).

A motivação para a realização desta pesquisa ocorreu tendo-se em vista a importância das organizações sociais para o contexto social e econômico da atualidade e a importância do uso das TICs para incentivar esse tipo de atividade no que diz respeito tanto à constituição de novas empresas sociais, como à atribuição de investimentos públicos e privados para auxiliar em seu desenvolvimento e sustentabilidade.

O objetivo desta pesquisa foi analisar os benefícios obtidos com o uso das TICs por empresas sociais, a partir da utilização de um framework teórico relacionado a indicadores de desempenho, conforme proposta de Hutchinson e Molla (2009HUTCHINSON, K.; MOLLA, A. 2009 Mapping the dynamics of social enterprises and ICTD in Cambodia. In Information and Communication Technologies and Development (ICTD), 2009. International Conference on (pp. 163-172). IEEE.).

Utilizamos o estudo de caso como método de pesquisa, de acordo com Yin (2010YIN, R.K., 2010 Estudo de caso: planejamento e métodos. Porto Alegre: Bookman.), que aponta a importância de se ter, pelo menos, três tipos de fontes de evidências diferentes ao utilizar esse tipo de método. Por isso, foram coletados dados por meio de observação in loco, realização de entrevistas com profissionais dessas empresas, e também por meio de análise de informações que constam nos respectivos sites.

Os resultados da pesquisa indicaram que as empresas sociais devem ser compreendidas a partir de sua missão social. Para a realização desse tipo de análise, podem ser utilizados seis indicadores: acesso aos mercados, geração de renda, oportunidades de emprego, capacitação social, fortalecimento das relações com o Patrocinador e outsourcing social. Verificou-se também que o desenvolvimento, a aplicação e a análise desses indicadores requerem o uso de TICs. Esses resultados permitiram concluir que as TICs poderão trazer benefícios para as organizações sociais desde que pelo menos um dos indicadores estudados esteja presente em suas atividades.

Este estudo contribui para o desenvolvimento de novas pesquisas sobre a importância das TICs no contexto das empresas sociais em geral, bem como sobre a importância de se elaborarem indicadores que auxiliem no diagnóstico dos tipos de recursos tecnológicos que poderão ser utilizados e que irão requerer investimentos tanto dos criadores como dos investidores desse tipo de empresa.

2. Referencial teórico

2.1. Conceitos e definições de empresas sociais

O conceito de empresas sociais surgiu como consequência do movimento cooperativista da Itália e em seguida dos movimentos da Bélgica e Reino Unido nos anos 1990 (Defourny; Nyssens, 2010DEFOURNY, Jacques; NYSSENS, Marthe. 2010 Conceptions of social enterprise and social entrepreneurship in Europe and the United States: Convergences and divergences. Journal of social entrepreneurship, v. 1, n. 1, p. 32-53.). No entanto, somente em 2002 o governo britânico definiu as social-enterprises como um negócio, com propósitos basicamente sociais, sendo que todo o lucro gerado deveria ser reinvestido de acordo com a finalidade do negócio ou na comunidade (DTI, 2002DTI. 2002. Unit, Social Enterprise. Social Enterprise: A Strategy For Success. London: Department For Trade And Industry).

A formação das empresas sociais na Europa originou-se com o oferecimento de serviços públicos a custo menor, bem como a criação de empregos para populações carentes que não estavam empregadas (BORZAGA; DEFOURNY, 2001BORZAGA, Carlo; DEFOURNY, Jacques (Ed.). 2001 The emergence of social enterprise. Psychology Press.).

Para aprofundar os estudos sobre empresas sociais foi realizada uma revisão sistemática da literatura, conforme apresentado no Quadro 01.

Quadro 1.
Definições das publicações de empresas sociais

Com base na revisão sistemática, é possível observar que não há consenso no que diz respeito aos conceitos de empresas sociais. Contudo, nota-se que desde os primeiros estudos (DEES, 1998DEES, J. G. 1998. The meaning of social entrepreneurship. ; GRANADOS et al., 2001GRANADOS, Maria L. et al. 2001 Social Enterprise And Social Entrepreneurship Research And Theory: A Bibliometric Analysis From 1991 To 2010. Social Enterprise Journal, V. 7, N. 3, p. 198-218.; DTI, 2002DTI. 2002. Unit, Social Enterprise. Social Enterprise: A Strategy For Success. London: Department For Trade And Industry; NICHOLLS, 2006NICHOLLS, A. 2006, “Introduction: The Meanings Of Social Entrepreneurship”, In Nicholls, A. (Ed.), Social Entrepreneurship: New Paradigms For Sustainable Social Change, Press, Oxford University, p. 1-36. ) já existe a preocupação com a geração de valor ou algum tipo de impacto para com a sociedade.

Também é possível observar que as empresas sociais estão a serviço da comunidade, principalmente no que diz respeito a: soluções econômicas para a exclusão, o desemprego e demais problemas sociais (KERLIN, 2006KERLIN, Janelle A. 2006, Social Enterprise In The United States And Europe: Understanding And Learning From The Differences. Voluntas: International Journal Of Voluntary And Nonprofit Organizations, V. 17, N. 3, p. 246.; DEFOURNY; NYSSENS, 2008aDEFOURNY, J.; NYSSENS, M. 2008a Conceptions of Social Enterprises in Europe and the United States: Convergences and Divergences. HIVA Working Paper, 20p. e bDEFOURNY, J.; Nyssens, M.; 2008b Social Enterprise in Europe: Recent Trends and Developments. Social Enterprise Journal 4 (3), 202-228.; ALTER, 2007ALTER, S. K. 2007 Social Enterprise Typology [online]. Virtue Venture LLC. ; DACIN et al., 2010DACIN, Peter A.; DACIN, M. Tina; MATEAR, Margaret. Social entrepreneurship: Why we don't need a new theory and how we move forward from here. The academy of management perspectives, v. 24, n. 3, 2010, 37-57.; SMITH; GONINSMITH, W. K.; GONIN, M.; BESHAROV, M. L. 2013 Managing Social-Business Tensions: A Review And Research Agenda For Social Enterprise. Business Ethics Quarterly, 23(3), p. 407-442.; BESHAROV, 2013BESHAROV, M. L. 2013 Toward a relational ecology of identification: A process model of managing identification based on divergent values. Working paper, Cornell University, Ithaca, NY.; KONSTI-LAAKSO et al., 2016KONSTI-LAAKSO, Suvi et al. 2016 Participatory Design of a Social Enterprise for Rehabilitees. Work, V. 55, N. 1, p. 145-153.); serem autossustentáveis (YUNUS, 2007YUNUS, M., 2007 Creating a world without poverty: social business and the future of capitalism. Public Affairs.; BATTILANA, LEE, WALKER, DORSEY, 2012BATTILIANA, J.; LEE, M.; WALKER, J.; & DORSEY, C. 2012 In search of the hybrid ideal. Stanford Social Innovation Review, v. 10, n. 3, p. 50-55.; ALEGRE; BERBEGAL-MIRABENT, 2016ALEGRE, Inês; BERBEGAL-MIRABENT, Jasmina. 2016 Social innovation success factors: hospitality and tourism social enterprises. International Journal of Contemporary Hospitality Management, v. 28, n. 6, p. 1155-1176.; RIDLEY-DUFF & BULL, 2018RIDLEY-DUFF, R.; BULL, M. 2018 Solidarity Co-Operatives: Am Embedded Historical Communitarian Pluralist Approach to Social Enterprise Development?..); e gerarem mudanças sociais (COMINI et al., 2012COMINI, G.; BARKI, E.; AGUIAR, L. T. D. 2012 A three-pronged approach to social business: A Brazilian multi-case analysis. Revista de Administração (São Paulo), 47(3), p. 385-397.).

A seguir, são analisadas as principais denominações atribuídas às empresas sociais.

2.2. Denominações das empresas sociais

As empresas sociais recebem várias denominações nas publicações especializadas: Empresa Social, Empresa Inclusiva, Empresa de Impacto Social; Organização Mista; Tecnologia Social e Cooperativa. Essas definições serão definidas a seguir.

a) Negócios sociais

De acordo com a pesquisa de Comini et al. (2012COMINI, G.; BARKI, E.; AGUIAR, L. T. D. 2012 A three-pronged approach to social business: A Brazilian multi-case analysis. Revista de Administração (São Paulo), 47(3), p. 385-397.) , é considerado a origem da empresa social o artigo de Prahalad e Hart (2002PRAHALAD, C. K.; HART, S. L. 2002, O pote de ouro na base da pirâmide. HSM Management, 32, p. 14-27.), que destaca a base da pirâmide (BoP). Esses autores foram os primeiros a ressaltar o papel que as empresas multinacionais devem desempenhar no alívio dos problemas socioambientais, porém as ações ocorrem de forma limitada e, em alguns casos, totalmente ineficazes, não podendo ser utilizadas para melhorar as condições de vida.

Dessa forma, a contribuição mais significante das empresas multinacionais será oferecer ao público serviços e produtos inovadores que atendam a demandas totalmente distintas de seu foco, sem se afastar da tendência de geração de lucros e distribuição de dividendos aos acionistas.

b) Negócios inclusivos

O termo é recorrente em países em desenvolvimento ou emergentes na Ásia ou na América Latina e destaca o uso de práticas de mercado destinadas a reduzir a pobreza e mudar as condições sociais de grupos marginalizados (GUPTA et al., 2017GUPTA, Anil; DEY, Anamika; SINGH, Gurdeep. 2017 Connecting Corporations And Communities: Towards A Theory Of Social Inclusive Open Innovation. Journal Of Open Innovation: Technology, Market, And Complexity, V. 3, N. 1, p. 17.) e alcançar a inclusão social através do consumo (PRAHALAD; HART, 2002PRAHALAD, C. K.; HART, S. L. 2002, O pote de ouro na base da pirâmide. HSM Management, 32, p. 14-27.; PORTER; KRAMER, 2011PORTER, M.E.; KRAMER, M.R., 2011 Creating Shared Value. Harvard Business Review, Fev.-Mar.; REFICCO, 2011REFICCO, E. 2011 As Empresas Na Sociedade: Os Limites Das Boas Intenções. In: Políticas Sociais: Ideias E Práticas. Editora Moderna: São Paulo.). Essas iniciativas promoveram o capitalismo inclusivo, ou seja, muitas pessoas começaram a ter acesso à economia de mercado, indicando que esse é um modelo que deve ser incentivado pelas grandes corporações.

c) Negócios de impacto social

O negócio de impacto social é uma organização que visa produzir impacto social por meio da oferta de produtos e serviços que reduzam a vulnerabilidade de pessoas de baixa renda e tragam retorno financeiro (Barki et al., 2015BARKI, E.; COMINI, G.; CUNLIFFE, A.; HART, S.; RAI, S. 2015 Social entrepreneurship and social business: Retrospective and prospective research. Revista de Administração de Empresas, 55(4), p. 380-384.). Petrini et al. (2016PETRINI, M.; SCHERER, P.; BACK, L. 2016, Modelo de negócios com impacto social. RAE-Revista de Administração de Empresas, 56(2), p. 209-225.) definem como uma organização que visa resolver necessidades relacionadas a problemas sociais, seja para fornecer produtos e serviços, seja incluir indivíduos ou grupos. Essas empresas devem ser autossustentáveis financeiramente, e a distribuição de lucros é opcional.

d) Organização híbrida

O conceito de organização híbrida começou na década de 1990, depois que várias ONGs fizeram grandes demandas por seus serviços de microfinanças. Essas organizações determinam que a única maneira de atender a essa necessidade é dividir a organização empresarial. Essas novas organizações combinam a "lógica" de duas instituições anteriormente independentes: uma lógica de desenvolvimento (instruindo sua missão de ajudar os pobres) e uma lógica bancária que requer lucros suficientes para sustentar operações continuadas e cumprir deveres fiduciários (BATTILANA; DORADO, 2010BATTILANA, Julie; DORADO, Silvia. 2010 Building sustainable hybrid organizations: The case of commercial microfinance organizations. Academy of management Journal, v. 53, n. 6, p. 1419-1440.))

As organizações são classificadas como:

  • • Uma organização mista sem fins lucrativos usa os próprios recursos financeiros para garantir, dentro da sua missão social, a continuidade do seu próprio negócio. Esses recursos vêm de doações ou instituições de caridade (LAPOWSKY, 2011LAPOWSKY, Issie. 2011 The Social Entrepreneurship Spectrum: Hybrids. Inc. Com, May), como associações e fundações (BUCHKO, 2018BUCHKO, Tetiana. 2018 Social Entrepreneurship and Its Implications for Hungary. Periodica Polytechnica. Social and Management Sciences, v. 26, n. 1, p. 38.).

  • • Organizações mistas com fins lucrativos, de acordo com Santos et al. (2015SANTOS, Filipe; PACHE, Anne-Claire; BIRKHOLZ, Christoph. 2015 Making Hybrids Work: Aligning Business Models And Organizational Design For Social Enterprises. California Management Review, V. 57, N. 3, p. 36-58.), seguem missões sociais enquanto operam com modelos de negócios comerciais e disponibilizam o caminho para novas maneiras para atingir o impacto social. Embora as empresas sociais tenham grandes esperanças, também são organizações frágeis que devem cumprir sua missão social e atender às demandas do mercado.

e) Social Tech

O progresso tecnológico tem proporcionado a possibilidade de usar a tecnologia em vários campos, levando a soluções no campo social. De acordo com relatos de Arena et al. (2018ARENA, Marika et al. 2018 Unlocking finance for social tech start-ups: Is there a new opportunity space? Technological Forecasting and Social Change, v. 127, p. 154-165.), os desafios sociais se intensificaram, afetando a demanda e a oferta de inovação tecnológica social. A combinação desse desenvolvimento com o declínio no bem-estar resultou em organizações inovadoras que podem usar uma combinação de tecnologia e inovação social para aproveitar as oportunidades.

As startups de tecnologia social, chamadas de Social Techs, projetam e desenvolvem soluções focadas, de maneira financeiramente sustentável, em atender às necessidades sociais (Arena et al., 2018ARENA, Marika et al. 2018 Unlocking finance for social tech start-ups: Is there a new opportunity space? Technological Forecasting and Social Change, v. 127, p. 154-165.) e são gradualmente caracterizadas por tentarem usar tecnologias avançadas para atender a diferentes necessidades (Millard ; Carpenter, 2014MILLARD, J.; CARPENTER, G. 2014. Dig+Simital Technology In Social Innovation: A Synopsis. A Deliverable Of The Project: “The Theoretical, Empirical And Policy Foundations For Building Social Innovation In Europe” (Tepsie), European Commission-7th Framework Programme. European Commission. Dg Research, Brussels, https://cordis.europa.eu/project/id/290771/reporting .
https://cordis.europa.eu/project/id/2907...
). A evolução dessas empresas deve-se à necessidade de enfrentar os desafios sociais trazidos pelas novas oportunidades de mercado e à possibilidade de aproveitamento das oportunidades, para explorar a potencial sinergia entre tecnologia e inovação social, e pelos novos incentivos proporcionados pelo governo (Arena et al., 2018ARENA, Marika et al. 2018 Unlocking finance for social tech start-ups: Is there a new opportunity space? Technological Forecasting and Social Change, v. 127, p. 154-165.).

f) Cooperativas

Robert Owen (1771-1858) é o pai do movimento cooperativo e, desde meados do século XIX, as cooperativas foram as pioneiras da atividade comercial no campo social, quando já desempenhavam um papel no financiamento da agenda socioeconômica (ALTER, 2007ALTER, S. K. 2007 Social Enterprise Typology [online]. Virtue Venture LLC. ).

A cooperativa é definida pela Aliança Cooperativa Internacional (ACI, 2018ACI. Aliança Cooperativa Internacional. 2018. Available in: Available in: https://www.ica.coop/en/cooperatives/what-is-a-cooperative accessed in: 01/01/2018
https://www.ica.coop/en/cooperatives/wha...
,) como empresas centradas, controladas e dirigidas por pessoas, visando à realização das necessidades e aspirações econômicas, sociais e culturais de seus membros., sobre os valores da autoajuda, autorresponsabilidade, democracia, igualdade, equidade e solidariedade. Na tradição de seus fundadores, os membros da cooperativa acreditam nos valores éticos da honestidade, abertura, responsabilidade social e cuidado com os outros (ALTER, 2007ALTER, S. K. 2007 Social Enterprise Typology [online]. Virtue Venture LLC. ).

Um fator importante das empresas sociais, independentemente da nomenclatura que recebem, é o uso de Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) em seus processos, sobretudo no que diz respeito a clientes e fornecedores, conforme será apresentado a seguir.

2.3. Proposta de indicadores de TICs em empresas sociais

À medida em que as Tecnologias de Informação (TI), as Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) e as empresas sociais se tornam motoras do crescimento econômico atual, aparecem novas oportunidades para novos modelos de negócios para as comunidades nos países em desenvolvimento e que possibilitam pesquisas nessas áreas (HUTCHINSON; MOLLA, 2009HUTCHINSON, K.; MOLLA, A. 2009 Mapping the dynamics of social enterprises and ICTD in Cambodia. In Information and Communication Technologies and Development (ICTD), 2009. International Conference on (pp. 163-172). IEEE.).

Segundo Prahalad e Hart (2002PRAHALAD, C. K.; HART, S. L. 2002, O pote de ouro na base da pirâmide. HSM Management, 32, p. 14-27.), uma forma de diminuir os custos das empresas para atender os clientes na base da pirâmide, inevitavelmente levará a um maior uso das TIs para desenvolver sistemas de produção e distribuição.

A TI, certamente, pode contribuir para automatizar os processos das empresas e torná-las mais enxutas e menos onerosas. A própria internet democratiza o acesso à informações a todas as classes sociais.

As TICs, por sua vez, são vistas como promotoras de novos mecanismos de intercâmbio os quais permitem que as empresas dos países em desenvolvimento possam competir igualmente nos mercados mundiais (HUTCHINSON; MOLLA, 2009HUTCHINSON, K.; MOLLA, A. 2009 Mapping the dynamics of social enterprises and ICTD in Cambodia. In Information and Communication Technologies and Development (ICTD), 2009. International Conference on (pp. 163-172). IEEE.).

Embora a posição da maioria das agências multilaterais seja otimista quanto ao potencial das TICs para responder às necessidades de desenvolvimento das empresas dos países em desenvolvimento em geral e das Pequenas e Médias Empresas (PME) em particular, reconhece-se que iniciativas personalizadas, como o comércio eletrônico, são mais adaptadas às TICs para atingir os objetivos de desenvolvimento (HUTCHINSON; MOLLA, 2009HUTCHINSON, K.; MOLLA, A. 2009 Mapping the dynamics of social enterprises and ICTD in Cambodia. In Information and Communication Technologies and Development (ICTD), 2009. International Conference on (pp. 163-172). IEEE.; DAVISON, HARRIS, VOGEL, 2005DAVISON, R. M.; HARRIS, R. W.; VOGEL, D. R. 2005 E-commerce for community-based tourism in developing countries. In Proceedings of the 9th Pacific Asia Conference on Information Systems Bangkok . ; HEEKS, 2002HEEKS, R. 2002 Failure, Success and lmprovisation of lnforrnation Systems Projects in Developing Countries. Development lnforrnatics Group, IDPM, University of Manchester. Working Paper I I.).

Contudo, é importante analisar que o simples uso da TI ou das TICs não é suficiente para se avaliar resultados e impactos. Para isso, é necessária a utilização de um Framework.

2.3.1. Framework

Hutchinson e Molla (2009HUTCHINSON, K.; MOLLA, A. 2009 Mapping the dynamics of social enterprises and ICTD in Cambodia. In Information and Communication Technologies and Development (ICTD), 2009. International Conference on (pp. 163-172). IEEE.), tendo por base os estudos de Alter (2007)ALTER, S. K. 2007 Social Enterprise Typology [online]. Virtue Venture LLC. , desenvolveram uma pesquisa sobre como as empresas sociais utilizam as TICs para atingir a sua dupla missão e como elas, por sua vez, medem o sucesso. Ao considerar como medir o impacto, a investigação examinou uma série de áreas, incluindo estruturas de subsistência e capacidade, e trabalho atual no campo das TICs.

Para avaliar o impacto que as TICs podem oferecer às empresas sociais, Hutchinson e Molla (2009HUTCHINSON, K.; MOLLA, A. 2009 Mapping the dynamics of social enterprises and ICTD in Cambodia. In Information and Communication Technologies and Development (ICTD), 2009. International Conference on (pp. 163-172). IEEE.) utilizaram um framework, baseado nas pesquisas de Alter (2007)ALTER, S. K. 2007 Social Enterprise Typology [online]. Virtue Venture LLC. , o qual fornece uma visão geral da estrutura de pesquisa e os principais conceitos a serem explorados. O estudo considerou como as empresas sociais utilizam as TICs para atingir a sua dupla missão e como elas, por sua vez, medem o sucesso. Ao considerar como medir o impacto, a investigação examinou uma série de áreas, incluindo estruturas de subsistência e capacidade, e trabalho atual no campo das TICs.

Os autores propuseram três questões principais de pesquisa para o estudo. Para entender completamente as variáveis dessas questões, foram propostas várias perguntas para esclarecer melhor o problema.

  • Pergunta 1: O que molda o enquadramento das TICs pelas empresas sociais?

Essa questão envolve a identificação das instituições, sua posição (ou papel) e as formas de influência. Perguntas específicas incluem: Quem são as instituições que influenciam as empresas sociais? Elas pertencem a um organismo intermediário que promove os bens / serviços das empresas sociais? Qual é a natureza da interação, isto é, a forma de intervenção institucional, entre instituições e empresa social?

O Quadro 2 fornece a definição dos principais constructos envolvidos nessa pergunta de pesquisa.

Quadro 2.
Constructos envolvidos na pergunta 1
  • Pergunta 2: Como as empresas sociais utilizam as TICs?

Esta pesquisa procura estabelecer o uso atual e a penetração das TICs pelas empresas sociais. A questão explora o uso de TICs pelas empresas sociais em duas dimensões principais - interna e externamente. Internamente, foi examinado em que medida as empresas sociais estão usando as TICs na área de finanças, administração e processos de produção. Externamente, foi explorado o uso das TIC com fornecedores e clientes e nos processos comerciais que suportam esses relacionamentos-chave.

O Quadro 3 oferece uma definição dos principais constructos da pergunta 2.

Quadro 3.
Constructos envolvidos na pergunta 2
  • Pergunta 3: As TICs trazem benefícios para as empresas sociais?

Essa pergunta avalia como as empresas sociais estão usando as TICs para alcançar sua dupla missão social e de negócios e oferecer benefícios às comunidades-alvo. Como tal, a pergunta 3 baseia-se no pressuposto de que o uso bem-sucedido das TICs depende dos benefícios percebidos e entregues no mundo real.

No Quadro 4 é possível observar definições e exemplos para construtos como beneficiários, formas de suporte, economia e auditoria social e indicadores de missão social. A partir do conhecimento desses construtos, é possível analisar os modelos organizacionais das empresas sociais.

Quadro 4.
Constructos envolvidos na pergunta 3

2.3.2. Misturar a dupla missão

O novo modelo organizacional das empresas sociais representa uma mudança na busca do desenvolvimento sustentável em todos os níveis, financeiro, social e ambiental. Esse movimento para uma "proposta de valor misturado" reflete a integração da dupla missão, que é devido à própria natureza das empresas sociais que as TICs trazem benefícios diretamente e auxiliam na missão global e na criação da proposta de valor (HUTCHINSON; MOLLA, 2009HUTCHINSON, K.; MOLLA, A. 2009 Mapping the dynamics of social enterprises and ICTD in Cambodia. In Information and Communication Technologies and Development (ICTD), 2009. International Conference on (pp. 163-172). IEEE.).

O resultado da pesquisa de Hutchinson e Molla (2009HUTCHINSON, K.; MOLLA, A. 2009 Mapping the dynamics of social enterprises and ICTD in Cambodia. In Information and Communication Technologies and Development (ICTD), 2009. International Conference on (pp. 163-172). IEEE.) indicou que tem havido um ligeiro desvio da missão dual originalmente percebida para a versão mais misturada que é refletida na Figura 1, a qual destaca os resultados potenciais das TICs nas empresas sociais.

Figura 1.
Proposição de valor misto de empresa social

Fonte:Hutchinson; Molla (2009HUTCHINSON, K.; MOLLA, A. 2009 Mapping the dynamics of social enterprises and ICTD in Cambodia. In Information and Communication Technologies and Development (ICTD), 2009. International Conference on (pp. 163-172). IEEE.).

2.3.3. Mensuração do impacto social

O impacto das empresas sociais depende da missão da organização, dos objetivos sociais que pretende atingir e dos impactos que podem ser medidos como resultado das iniciativas empresariais. Uma ambição definidora de empreendimentos sociais é que eles apoiam aqueles desfavorecidos na comunidade (HUTCHINSON; MOLLA, 2009HUTCHINSON, K.; MOLLA, A. 2009 Mapping the dynamics of social enterprises and ICTD in Cambodia. In Information and Communication Technologies and Development (ICTD), 2009. International Conference on (pp. 163-172). IEEE.).

O impacto social indica um efeito positivo na população-alvo como resultado de uma intervenção e pode ser medido. As empresas sociais, como todos os programas de desenvolvimento, têm impactos diretos e indiretos. Alter (2007ALTER, S. K. 2007 Social Enterprise Typology [online]. Virtue Venture LLC. ) fornece alguns exemplos de medidas de impacto social da empresa e indicadores correspondentes. Estes foram adaptados para identificar os resultados (benefícios) das TIC para as empresas sociais e, em particular, para avaliar o impacto (atribuível às TIC) das empresas sociais na comunidade-alvo.

2.3.4. Benefícios identificados das TIC

Os benefícios da utilização das TICs podem ser diretos, como no caso dos serviços de TI com mão de obra qualificada; ou indiretos, como na área de vendas, onde poderá haver um intermediário habilitado para as TICs. Se um dos benefícios prometidos das TIC é o aumento da eficiência das operações internas e externas, então é importante medir como as TICs afetam as operações das empresas sociais.

Os indicadores utilizados na pesquisa de Hutchinson; Molla (2009HUTCHINSON, K.; MOLLA, A. 2009 Mapping the dynamics of social enterprises and ICTD in Cambodia. In Information and Communication Technologies and Development (ICTD), 2009. International Conference on (pp. 163-172). IEEE.) estão no Quadro 5.

Quadro 5.
Descrição dos indicadores em relação às dimensões de mercado, geração de rendas, oportunidades, capacitação social e o fortalecimento das relações com os parceiros

3. Metodologia

Os métodos de pesquisa utilizados para a realização da pesquisa apresentada neste artigo foram estudo de caso e revisão sistemática da literatura.

O método “revisão sistemática” auxilia na identificação, conhecimento e acompanhamento do desenvolvimento de pesquisas em áreas específicas do conhecimento (MIGUEL et al., 2007MIGUEL, P. A. C. 2007, Estudo de caso na engenharia de produção: estruturação e recomendações para sua condução. Production, 17(1), p. 216-229.). Nesta pesquisa, além de estudos sobre empresas sociais, auxiliou nos estudos sobre negócio social e TICs.

O estudo de caso, como método de pesquisa, auxilia na análise de acontecimentos contemporâneos, ricos em situações distintas, que apresentam muitas variáveis a serem consideradas (YIN, 2010YIN, R.K., 2010 Estudo de caso: planejamento e métodos. Porto Alegre: Bookman.); remetendo o estudo a premissas do realismo crítico e das dinâmicas presentes em cenários específicos (EISENHARDT, 1989EISENHARDT, K. M. 1989 Building theories from case study research. Academy of Management Review, 14(4), p. 532-550. ); e a atenção a problemas concretos (STAKE, 1995STAKE, R. E. 1995 The art of case study research. Sage.).

Sua utilização deverá auxiliar na identificação do caso, na justificativa de sua escolha, no desenvolvimento de uma perspectiva teórica; na triangulação de diversas fontes de evidências; na contextualização de explicações de teorias opostas na análise dos resultados; e propiciar a generalização das teorias da pesquisa.

O método “Estudo de caso” pode referir-se a casos únicos ou múltiplos, além de diversos níveis de análises, com evidências qualitativas e/ou quantitativas (YIN, 2010YIN, R.K., 2010 Estudo de caso: planejamento e métodos. Porto Alegre: Bookman.). Normalmente, são utilizados de forma conjunta diversos métodos de coleta de dados, tais como pesquisa documental, formas de observações e instrumentos de coleta como entrevistas e/ou questionários, de forma a abastecer descrições, comprovar ou gerar teorias (YIN, 2010YIN, R.K., 2010 Estudo de caso: planejamento e métodos. Porto Alegre: Bookman.; EISENHARDT, 1989EISENHARDT, K. M. 1989 Building theories from case study research. Academy of Management Review, 14(4), p. 532-550. ).

Nesta , o método “estudo de caso” foi aplicado na análise de indicadores de benefícios propiciados pelas TICs, conforme os constructos relatados nos Quadros 2, 3 e 4, que são embasados no framework de Hutchinson e Molla (2009HUTCHINSON, K.; MOLLA, A. 2009 Mapping the dynamics of social enterprises and ICTD in Cambodia. In Information and Communication Technologies and Development (ICTD), 2009. International Conference on (pp. 163-172). IEEE.) adaptado de Alter (2007)ALTER, S. K. 2007 Social Enterprise Typology [online]. Virtue Venture LLC. . Foram utilizadas evidências qualitativas obtidas por meio de entrevistas, observações nas empresas e análise dos websites das empresas sociais, que foram foco deste estudo.

4. Resultados e Análises

No Quadro 6 apresentam-se as características das empresas sociais pesquisadas e as respostas para a primeira pergunta como instituição externa, papel institucional e formas de influência, que são os indicadores embasados nos constructos do Quadro2 do framework de Hutchinson e Molla (2009HUTCHINSON, K.; MOLLA, A. 2009 Mapping the dynamics of social enterprises and ICTD in Cambodia. In Information and Communication Technologies and Development (ICTD), 2009. International Conference on (pp. 163-172). IEEE.) adaptado de Alter (2007)ALTER, S. K. 2007 Social Enterprise Typology [online]. Virtue Venture LLC. .

Quadro 6.
Respostas da pergunta 1 das Empresas sociais pesquisadas

As quatro empresas pesquisadas têm perfis diferentes, duas são hibridas, uma é um negócio social e outra uma cooperativa. Todas sofrem influências das instituições externas as quais são da iniciativa privada e que, de alguma forma, consomem produtos ou serviços das empresas sociais gerando fundos para elas. As descrições das empresas sociais pesquisadas estão descritas a seguir:

  1. a) A Copmed02 é uma cooperativa de reciclagem, que atua com 41 cooperados, oriunda de um grupo de catadores e de jovens desempregados da Favela Vila Prudente. Foi uma iniciativa pioneira, na qual os funcionários podem ganhar até R$ 3 mil por mês, conforme produção apresentada. Em 11 anos ela se tornou a primeira cooperativa a realizar coletas 24 horas por dia, com um sistema de gestão de pessoas, horários flexíveis embasado nas empresas Y e segue as novas tendências trabalhando com horários flexíveis, metas e remunerados por produção

  2. b) Hibmed02 é uma plataforma digital que otimiza a pesquisa, diagnostica e gere o investimento social de seus clientes. Um sistema de inteligência artificial para o gerenciamento de dados relacionados a mais de 30.000 atividades sociais, e desde 1992 é possível compreender plenamente o ecossistema de projetos culturais, esportivos e de saúde aprovados pelas políticas de incentivo do Brasil. Garantir a qualificação do patrocinador e do projeto social para a tomada de decisões estratégicas, conectar de forma eficaz os objetivos e impactar positivamente a sociedade.

  3. c) Hibmed03 é uma empresa startup que oferece formas de pagamento de transporte público exclusivo que pode integrar sistemas de transporte urbano de passageiros em escala global. O objetivo é transformar o sistema de transporte urbano de passageiros versátil e flexível e integrar diferentes cidades, sistemas e métodos por meio da tecnologia. O projeto da empresa visa utilizar um aplicativo no smartphone para substituir qualquer outra forma de pagamento. Ao criar uma conta no sistema, o usuário pode adquirir e gerenciar pontos, além de utilizar o próprio smartphone no validador de transporte.

  4. d) Negsocgr01 é uma iniciativa inédita criada por uma grande empresa financeira em 2003. Nos últimos 15 anos, inspirou a cultura de doação no Brasil, concretizou seu ciclo de sucesso e encerrou suas atividades em dezembro de 2018. O evento de arrecadação de fundos conecta organizações da sociedade civil e seus projetos socioambientais a investidores sociais, possibilitando arrecadar mais de 19 milhões de reais, previstos para 190 projetos no Brasil.

O Quadro 7 apresenta os resultados da pergunta 2, referente a como as empresas sociais pesquisadas utilizam as TICs, em conformidade com os indicadores embasados nos constructos elaborados por Hutchinson; Molla (2009HUTCHINSON, K.; MOLLA, A. 2009 Mapping the dynamics of social enterprises and ICTD in Cambodia. In Information and Communication Technologies and Development (ICTD), 2009. International Conference on (pp. 163-172). IEEE.) adaptado de Alter (2007ALTER, S. K. 2007 Social Enterprise Typology [online]. Virtue Venture LLC. ), e que foi apresentado no Quadro 3 deste artigo.

Quadro 7.
Respostas da pergunta 2 das Empresas sociais pesquisadas

Todas as empresas utilizam as TICs nas funções operacionais e gestão, mantêm uma infraestrutura pequena de TICs, ressaltando-se o uso de plataformas digitais. O uso de plataformas digitais pelas ESs proporciona uma gama de valores econômicos ou sociais. Em plataforma digital própria, o resultado (valor) econômico obtido é maior porque permite todo o controle sobre os processos e serviços prestados pela empresa.

O Quadro 8 apresenta os constructos referentes à pergunta 3, ou seja, beneficiários, formas de suporte, economia e auditoria social, e indicadores de missão social, que são os indicadores embasados nos constructos do Quadro 4 do framework de Hutchinson e Molla (2009HUTCHINSON, K.; MOLLA, A. 2009 Mapping the dynamics of social enterprises and ICTD in Cambodia. In Information and Communication Technologies and Development (ICTD), 2009. International Conference on (pp. 163-172). IEEE.) adaptado de Alter (2007)ALTER, S. K. 2007 Social Enterprise Typology [online]. Virtue Venture LLC. .

Quadro 8.
Respostas à pergunta 3 das Empresas sociais pesquisadas

Duas empresas sociais pesquisadas (Hibmed02 e Negsocgr01) desenvolvem serviços de captação de projetos para Organização da Sociedade Civil (OSC); a Hibmed03 oferece um serviço de compra de crédito de transporte público para usuários por meio de redes sociais, e a Copmed02 vende material reciclável, e seus esforços são convertidos em emprego e renda para os seus cooperados. Todas as empresas mantêm uma auditoria interna nos projetos e processos de aquisição de renda.

Os resultados observados nos seis indicadores (acesso aos mercados, geração de renda, oportunidades de emprego, capacitação social, fortalecimento das relações com o Patrocinador e outsourcing social) estão no Quadro 9, que são os indicadores do Quadro 5 do framework de Hutchinson e Molla (2009HUTCHINSON, K.; MOLLA, A. 2009 Mapping the dynamics of social enterprises and ICTD in Cambodia. In Information and Communication Technologies and Development (ICTD), 2009. International Conference on (pp. 163-172). IEEE.) adaptado de Alter (2007ALTER, S. K. 2007 Social Enterprise Typology [online]. Virtue Venture LLC. ).

Quadro 9.
Resultados dos indicadores de Desempenho das empresas sociais e seus índices de mercado, renda, oportunidades, capacitação e fortalecimento

As quatro empresas sociais pesquisadas têm claramente suas missões sociais definidas, conforme o Quadro 5. Contudo, a maior dificuldade foi verificar como as TICs podem contribuir para com a missão dessas empresas.

Nesse sentido, foram utilizados os indicadores para auxiliar a desmitificar essa questão e, com base neles, pode-se observar que:

  1. a) Dois indicadores “Acesso aos mercados” e “Geração de Rendas” foram identificados em todas as empresas. O fato de as TICs permitirem extrapolarem as fronteiras físicas para se ligar com outras empresas para comunicação, negócios, e demais itens fizeram com que novas fontes de rendas pudessem ser obtidas, tais como e-commerce, marketplace ou, simplesmente, receber o pedido de um fornecedor pelo site ou e-mail.

  2. b) A oportunidade de empregos concentra-se em preparar o beneficiário para as oportunidades que possam surgir, algumas delas ligadas ao uso de tecnologias como programação, uso de plataformas etc. Somente em uma das empresas sociais foi identificado esse indicador.

  3. c) O indicador capacitação social foi encontrado em uma empresa social, e o baixo número pode ser explicado pois nesse indicador a capacitação refere-se a algum processo formal para capacitação dos beneficiários em TICs. O indicador anterior, oportunidade de emprego, é uma consequência direta dela.

  4. d) O indicador fortalecimento de relacionamento com o Patrocinador foi identificado em todas as empresas pesquisadas, ou seja, as TICs auxiliam na comunicação, mas efetivamente sua principal contribuição é o fortalecimento de relacionamento, o qual resulta em outras formas de colaboração.

  5. e) A terceirização de plataforma ou outsourcing social é oferecida por três empresas sociais que participaram desta pesquisa e foi verificado que oferecer somente o serviço ao beneficiário torna-se interessante para a difusão e o uso do serviço.

Analisar esses indicadores nessas empresas permitiu perceber que se somente um deles for identificado na empresa social, pode-se afirmar que as TICs oferecem algum tipo de benefício para a empresa.

5. Conclusão

Após a análise dos resultados apresentados pelas quatro empresas, que foram objeto de estudo desta pesquisa, verificou-se que, apesar de terem perfis diferentes, sofrem influências de empresas externas, de iniciativa privada, que consomem seus produtos ou serviços e contribuem com a geração de renda. Isso comprovou o novo modelo organizacional das empresas sociais que representa uma mudança na busca do desenvolvimento sustentável em todos os níveis, financeiro, social e ambiental.

A "proposta de valor misturado" reflete a integração da dupla missão das empresas sociais, conforme foi verificado nos seus perfis. Por causa da natureza das empresas sociais é que as TICs trazem benefícios diretos, auxiliando em sua missão global e na criação de sua proposta de valor trazendo, portanto, uma série de vantagens para seus beneficiários.

Como benefícios (em conformidade com o item 2.4.3 deste artigo), as empresas utilizaram as TICs para fins de operações e gestão e, para isso, mantêm infraestrutura de pequeno porte, fato este que incentiva o uso de plataformas digitais para a geração de valores tanto econômicos como sociais.

O emprego de seis indicadores: acesso aos mercados, geração de renda, oportunidades de emprego, capacitação social, fortalecimento das relações com o Patrocinador e outsourcing social auxiliaram a verificar qual é, de fato, a missão social dessas empresas. Nesse sentido, verificou-se que, se as empresas apresentarem pelo menos um desses indicadores, as TICs, de fato, podem trazer algum tipo de benefício. Isso propiciou uma visão mais realistas sobre quais são os benefícios obtidos.

O conjunto de indicadores deve ser aumentado para inclusão de outros indicadores que serão obtidos com futuros estudos sobre essa teoria.

As limitações deste estudo são decorrentes das escolhas metodológicas. Ao optar por um estudo de caso, os questionamentos para as empresas fizeram com que os resultados não pudessem ser generalizados.

Para futuras pesquisas serão utilizados instrumentos para obter dados mais precisos com as empresas sociais.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Ago 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    16 Abr 2020
  • Revisado
    27 Ago 2020
  • Aceito
    19 Out 2020
  • Publicado
    04 Abr 2020
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