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Entre a história antiga amazônica e seu presente etnográfico: colonialismo e persistências nas trajetórias indígenas de longa duração do médio Solimões, Amazonas

Between Amazonian ancient history and its ethnographical present: colonialism and persistences in long term indigenous trajectories of the Middle Solimões, Amazonas

Resumo

No presente artigo, propõe-se um diálogo entre registros históricos e arqueológicos da Amazônia, partindo da história indígena de longa duração do médio Solimões, em especial de seu último período associado às ocupações da Tradição Polícroma da Amazônia (TPA). Para isso, tratamos da história das relações entre fontes escritas e dados arqueológicos na Amazônia, notando como a arqueologia do colonialismo e a arqueologia documental podem fortalecer a compreensão contextual do registro arqueológico e elucidar o período mais tardio das ocupações associadas à TPA na região. Em seguida, apresentamos brevemente os contextos e as fontes analisadas, os métodos utilizados, assim como os resultados obtidos. A pesquisa se estende até o início do século XX, mas maior enfoque é dado ao estudo dos séculos XVI a XVIII. Na discussão, o objetivo é o de reavaliar a própria história da TPA e suas periodizações. A conclusão leva a um debate sobre rumos para expandir as possibilidades do diálogo entre história, arqueologia e etnologia da Amazônia e sobre a arqueologia do colonialismo amazônico.

Palavras-chave
Arqueologia amazônica; Tradição Polícroma da Amazônia; Arqueologia do colonialismo; Arqueologia documental

Abstract

In this paper, we propose a dialogue between Amazonian historical and archaeological records from the perspective of the long-term Indigenous History of the Middle Solimões area, especially its last period associated with the occupations of the Amazonian Polychrome Tradition (TPA). To this end, we will deal with the history of the relationships between written sources and archaeological data in the Amazon, noting how the Archaeology of Colonialism and Documentary Archaeology can strengthen the contextual understanding of the archaeological record and elucidate the later period of occupations associated with TPA in the region. Then, the contexts and sources analyzed and the methods used, as well as the results obtained, are briefly presented. The results obtained extend until the beginning of the 20th century, but focus will be given to the sixteenth to the eighteenth centuries. The objective of the final discussion is to reevaluate the history of TPA and its periodization. The conclusion leads to a debate on ways to expand the possibilities of dialogue between History, Archaeology and Ethnology of the Amazon and on the archaeology of Amazonian Colonialism.

Keywords
Amazonian archaeology; Amazonian Polychrome Tradition; Archeology of colonialism; Documentary archaeology

. . . desta loza de la mejor que se ha visto en el mundo, porque la de Málaga no se iguala con ella, porque es toda vidriada y esmaltada de todas colores y tan vivas que espantan, y demás desto los dibujos y pinturas que en ellas hacen son tan compasados que naturalmente labran y dibujan todo como lo romano. . .

(Carvajal, 1894Carvajal, G. (1894). Descubrimiento del Río de las Amazonas. Imprenta de E. Rasco., p. 44).

A tarefa, na qual os índios se revelam mais industriosos, é a da pintura da louça. Uma tinta feita com oca ou tabatinga, finalmente pulverizada, ou também com o carajuru vermelho, misturada com água, às vezes ligada com a resina leitosa da sorveira, forma o fundo. Sobre ele são aplicados muitos padrões de figuras de linhas curvas e retas, entremeadas de flores e animais ou arabescos em variadas cores

(Spix & Martius, 2017Spix, J. B. von, & Martius, C. F. (2017). Viagem pelo Brasil (1817-1820) (Vol. 3). Senado Federal., p. 262).

A pintura, já existente durante a Fase Caiambé, torna-se mais popular durante a Fase Tefé. No sítio-tipo de Tefé, a pintura é representada por técnicas decorativas bem controladas e complexas. . . Os motivos combinam linhas retas de até cinco sulcos estreitamente unidos, com linhas interrompidas ou pontilhadas, quadrados ou espirais interligadas. Cantos arredondados dos elementos basicamente retilíneos dão uma impressão curvilínea. . . Motivos de olhos, braços e pernas altamente estilizados em modelagem livre parecem pertencer a urnas funerárias antropomórficas

(Hilbert, 1962Hilbert, P. P. (1962). New stratigraphic evidence of culture change on the middle Amazon (Solimões). Akten des Internationalen Amerikanistenkongresses, 34, 471-476. http://www.etnolinguistica.org/bib:2260
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, p. 472, tradução nossa).

INTRODUÇÃO

No ano de 1745, na Academia de Ciências de Paris, Charles-Marie de La Condamine contaria a um público enfeitiçado sobre sua passagem pelas tumultuosas águas do trecho do rio das Amazonas, que os portugueses insistiam em chamar de Solimões. La Condamine encontraria entre o atual município de São Paulo de Olivença e a foz do Lago de Coari – um percurso de cerca de 900 km – apenas seis pequenas, mas prósperas, missões carmelitas dos portugueses (La Condamine, 2000La Condamine, C.-M. (2000). Viagem na América meridional: descendo o rio das Amazonas. Senado Federal., p. 76). Sua viagem, de 1743, é considerada a primeira expedição científica da Amazônia, que enquadra a região na racionalização do mundo feita pelos iluministas (Barreto & Machado, 2001Barreto, C., & Machado, J. (2001). Exploring the Amazon, explaining the unknown: views from the past. In C. McEwan, C. Barreto & E. G. Neves (Eds.), Unknown Amazon: studies in visual and material culture (pp. 232-250). British Museum Press.; Martins, 2012Martins, M. C. B. (2012). Uma jornada pela América Meridional e de volta à Europa: Charles Marie de La Condamine e o relato de sua expedição pelo Amazonas. Estudos Ibero-Americanos, 38(2), 303-324. https://doi.org/10.15448/1980-864X.2012.2.11403
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). Ela firma duas imagens persistentes: a de que os indígenas seriam incapazes, crédulos e pertencentes ao reino da Natureza (Aguiar, 2011Aguiar, J. V. S. (2011). Narrativas sobre povos indígenas na Amazônia [Tese de doutorado, Universidade Federal do Rio Grande do Sul]. https://lume.ufrgs.br/handle/10183/49075
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, p. 155), e a de que as fontes precedentes sobre a Amazônia, feitas em sua maioria por religiosos e militares, seriam pouco confiáveis (Safier, 2009Safier, N. (2009). Como era ardiloso o meu francês: Charles-Marie de La Condamine e a Amazônia das luzes. Revista Brasileira de História, 29(57), 91-114. https://doi.org/10.1590/S0102-01882009000100004
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).

Após quase 80 anos, Johann Spix e Carl von Martius passariam pelo mesmo trecho, subindo o Solimões, encontrando povoados onde estavam as antigas missões de La Condamine e descrevendo de forma muito mais detalhada as matas, os povos e os povoados do rio-mar (Spix & Martius, 2017Spix, J. B. von, & Martius, C. F. (2017). Viagem pelo Brasil (1817-1820) (Vol. 3). Senado Federal.). Suas reflexões sobre os indígenas provindas especialmente de Martius (Martius, 1867Martius, C. F. (1867). Beiträge zur Ethnographie und Sprachenkunde Amerika’s zumal Brasiliens. Friedrich Fleisher., 1982 [1832]Martius, C. F. (1982 [1832]). O estado do direito entre os autóctones do Brasil. EDUSP.) configuram um dos momentos fundantes da etnologia, linguística e arqueologia amazônica e brasileira em geral (Barreto & Machado, 2001Barreto, C., & Machado, J. (2001). Exploring the Amazon, explaining the unknown: views from the past. In C. McEwan, C. Barreto & E. G. Neves (Eds.), Unknown Amazon: studies in visual and material culture (pp. 232-250). British Museum Press.; Diener, 2015Diener, P. (2015). Martius e as línguas indígenas do Brasil. Revista Brasileira de Linguística Antropológica, 6(2), 353-376. https://doi.org/10.26512/rbla.v6i2.16276
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; Melatti, 1984Melatti, J. C. (1984). A antropologia no Brasil: um roteiro. Boletim Informativo e Bibliográfico de Ciências Sociais (BIB), (17), 123-211.; Noelli & Ferreira, 2007Noelli, F. S., & Ferreira, L. M. (2007). A persistência da teoria da degeneração indígena e do colonialismo nos fundamentos da arqueologia brasileira. História, Ciências, Saúde-Manguinhos, 14(4), 1239-1264. https://doi.org/10.1590/S0104-59702007000400008
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).

Mesmo sendo criticadas por sua visão degeneracionista e em termos gerais superadas, as interpretações de Martius representam um momento essencial para a produção do chamado ‘presente etnográfico’ amazônico. A síntese desse quadro, o Standard Model, se expressaria mais nitidamente no terceiro volume do “Handbook of South American Indians” (Steward, 1948Steward, J. H. (Ed.). (1948). Handbook of South American Indians: the tropical forest. Forgotten Books.), no qual os povos da Amazônia foram apresentados como grupos “organizados em aldeias autônomas e igualitárias, que eram limitadas em seu tamanho e permanência por uma tecnologia simples e um ambiente improdutivo . . .” (Viveiros de Castro, 1996Viveiros de Castro, E. (1996). Images of nature and society in Amazonian ethnology. Annual Review of Anthropology, 25(1), 179-200. https://doi.org/10.1146/annurev.anthro.25.1.179
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, p. 181, tradução nossa). É esse ‘presente’ que a arqueologia amazônica de meados do século XX tratará de consolidar utilizando-o de modelo para a história profunda da Amazônia (Meggers, 1992Meggers, B. J. (1992). Prehistoric population density in the Amazon basin. In J. W. Verano & D. H. Ubelaker (Eds.), Disease and demography in the Americas (pp. 197-205). Smithsonian Institution Press.; Noelli & Ferreira, 2007Noelli, F. S., & Ferreira, L. M. (2007). A persistência da teoria da degeneração indígena e do colonialismo nos fundamentos da arqueologia brasileira. História, Ciências, Saúde-Manguinhos, 14(4), 1239-1264. https://doi.org/10.1590/S0104-59702007000400008
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) e que só as últimas três décadas de crítica, revisão e síntese puderam efetivamente desarticular (Neves, 2000Neves, E. G. (2000). O velho e o novo na arqueologia amazônica. Revista USP, (44), 86-111. https://doi.org/10.11606/issn.2316-9036.v0i44p86-111
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; Clement et al., 2015Clement, C. R., Denevan, W. M., Heckenberger, M. J., Junqueira, A. B., Neves, E. G., Teixeira, W. G., & Woods, W. I. (2015). The domestication of amazonia before European conquest. Proceedings of the Royal Society B: Biological Sciences, 282(1812), 20150813. https://doi.org/10.1098/rspb.2015.0813
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). De fato, é interessante notar como são majoritariamente etnográficas as fontes utilizadas no “Handbook” para definir o padrão de cultura de floresta tropical que seria típico dos povos da Amazônia, enquanto, para outras regiões, supostos berços de civilizações, como os Andes Centrais, as fontes são históricas ou arqueológicas.

Ao percorrer o Solimões, tanto La Condamine quanto os naturalistas alemães dialogam com as avaliações de Cristobal de Acuña (Acuña, 1891Acuña, C. (1891). Nuevo descubrimiento del gran rio de las Amazonas. Imprenta de Juan Cayetano García.), padre jesuíta que atravessou esse trecho em 1639, encontrando grandes populações e longas aldeias à beira do rio-mar. La Condamine (2000, p. 91)La Condamine, C.-M. (2000). Viagem na América meridional: descendo o rio das Amazonas. Senado Federal. o toma por enfeitiçado pela lenda do El Dorado, já Spix e Martius (2017, p. 253)Spix, J. B. von, & Martius, C. F. (2017). Viagem pelo Brasil (1817-1820) (Vol. 3). Senado Federal. creem que suas exageradas afirmações de grandes populações o tornam uma fonte pouco confiável. Sete décadas após a viagem de Acuña e pouco mais de trinta anos antes da viagem de La Condamine, o padre Fritz (1892)Fritz, S. (1892). Diario del Padre Samuel Fritz. In P. Maroni (Ed.), Notícias autenticas del famoso rio Marañon (pp. 434-513). Establecimento Tipográfico de Fortanet., em 1709, liderava um grupo de espanhóis e indígenas Solimões acima, com mais de 40 grandes canoas que abandonavam suas aldeias-missões, fugindo das tropas de resgate portuguesas, que desde pelo menos 1650 subiam esse trecho em busca de ouro, cacau, salsaparrilha e, principalmente, corpos indígenas para escravizar.

Entre essas cenas da história do Solimões, repleta de transformações, diversos detalhes indicam persistências, entre eles, a produção cerâmica cujas descrições compõem as epígrafes do presente artigo. A cerâmica descrita congrega elementos emblemáticos da Tradição Polícroma da Amazônia (TPA), que data na região desde ao redor século VI d.C. (Belletti, 2015Belletti, J. S. (2015). Arqueologia do Lago Tefé e a expansão polícroma [Dissertação de mestrado, Universidade de São Paulo]. https://doi.org/10.11606/D.71.2015.tde-13102015-153201
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), e revela um eixo de longa duração presente em um momento pouco abordado pela arqueologia dos povos indígenas amazônicos. Este artigo propõe aprofundar-se nesses detalhes para pensar as continuações, transformações e persistências da história de longa duração do médio Solimões, olhando para os modos de vida e as materialidades de suas populações indígenas, das quais atenção destacada é dada à produção cerâmica.

Para isso, será feita uma breve caracterização da forma pela qual a arqueologia amazônica lida com as fontes históricas, seguida de uma defesa da necessidade de uma outra relação com as fontes que abarque os acúmulos recentes dessa arqueologia e que dialogue com os marcos da arqueologia do colonialismo e com a arqueologia documental. Estabelecido o arcabouço teórico-metodológico, serão apresentados os contextos arqueológicos e as fontes históricas analisadas. Os resultados do diálogo de fontes serão apresentados, seguidos da discussão que circulará por dois eixos: demonstrar as formas como as fontes históricas dos séculos XVI a XVIII possibilitam linhas de investigação e interpretação do registro arqueológico e esboçar as maneiras como os modos de vida e as materialidades indígenas se rearticulam e persistem através desses séculos O caminho enseja uma volta aos objetos, pelas coleções de alguns desses amazonautas, para repensá-las frente à longa duração. A conclusão apontará os novos percursos investigativos indicados pela pesquisa.

VIRADAS NA ARQUEOLOGIA AMAZÔNICA, VIRADAS NOS OLHARES SOBRE AS FONTES HISTÓRICAS

A relação dos estudos arqueológicos com as fontes históricas amazônicas forneceu pontos de apoio para a produção de diversos modelos interpretativos arqueológicos da região (Barreto & Machado, 2001Barreto, C., & Machado, J. (2001). Exploring the Amazon, explaining the unknown: views from the past. In C. McEwan, C. Barreto & E. G. Neves (Eds.), Unknown Amazon: studies in visual and material culture (pp. 232-250). British Museum Press.). Entretanto, dessa relação também foram criadas diversas atitudes interpretativas inadequadas. Esse é o caso do negacionismo das relações entre relatos e registro arqueológico, cristalizado em Meggers (1971)Meggers, B. J. (1971). Amazonia. Man and culture in a counterfeit paradise. Aldine., mas também do ‘colapsismo’ de autores como Myers (1988)Myers, T. P. (1988). El efecto de las pestes sobre las poblaciones de la Amazonia Alta. Amazonia Peruana, 8(15), 61-81. https://doi.org/10.52980/revistaamazonaperuana.vi15.178
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, para quem o ‘encontro colonial’ transforma absolutamente os povos indígenas, desconectando-os em uma curta temporalidade de suas heranças culturais e tradições de longa duração. Por fim, certo acriticismo, presente em trabalhos como os de Roosevelt (1991)Roosevelt, A. C. (1991). Moundbuilders of the Amazon: geophysical archaeology on Marajo Island, Brazil. Academic Press., utiliza de leituras mais literais das crônicas para ilustrar interpretações do registro arqueológico, com menor preocupação com o tratamento crítico das descrições e dos contextos de produção.

Nas últimas três décadas de pesquisas, a relação entre relatos históricos e a arqueologia foi reavaliada e, atualmente, esse processo se direciona a um retorno às crônicas, com o acúmulo de dados e interpretações angariados pela pesquisa arqueológica em geral (Lopes, 2021Lopes, R. A. (2021). Crônicas amazônicas e trocas indígenas: caminhos para uma arqueologia documental do Médio Solimões nos séculos XVI e XVII. Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, 36, 162-188. https://doi.org/10.11606/issn.2448-1750.revmae.2021.163764
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). É nesse sentido, por exemplo, que Pessoa (2017)Pessoa, C. (2017). Do Manutata ao Uakíry: história indígena em um relato de viagem na Amazônia Ocidental (1887). Tellus, 17(34), 81-103. https://doi.org/10.20435/tellus.v17i34.457
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discute a presença de caminhos indígenas entre os relatos do Coronel Labre, um relato do final do século XIX, articulando história, etnografia e arqueologia. É também por esse caminho que segue Moraes (2013)Moraes, C. P. (2013). Amazônia ano 1000: territorialidade e conflito no tempo das chefias regionais [Tese de doutorado, Universidade de São Paulo]. https://doi.org/10.11606/T.71.2013.tde-18092013-101343
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, ao comparar processos regionais de territorialização nas crônicas e no registro arqueológico. Mais proeminentemente, os trabalhos se voltam a compreender as continuidades e descontinuidades históricas sob uma perspectiva regional (Furquim et al., 2022Furquim, L., Cangussu, D., & Shiratori, K. (2022). Os Kagwahiva da margem de lá: histórias, territórios e paisagens Katawixi e Juma no interflúvio dos rios Madeira - Purus (AM). Revista Brasileira de Linguística Antropológica, 14(1), 119-152. https://doi.org/10.26512/rbla.v14i1.46447
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; Pessoa et al., 2022Pessoa, C., Kater, T., & Almeida, F. O. (2022). De unidade polícroma à fragmentação Tupi: arqueologia de longa duração e do isolamento no alto rio Madeira. Revista Brasileira de Linguística Antropológica, 14(1), 61-118. https://doi.org/10.26512/rbla.v14i1.44183
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; Rocha, 2017Rocha, B. C. (2017). Ipi Ocemumuge: a regional archaeology of the upper Tapajós river [Doctoral thesis, University College London]. https://discovery.ucl.ac.uk/id/eprint/1558734/
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; Schaan & Alves, 2015Schaan, D. P., & Alves, D. T. (2015). Um porto, muitas histórias: arqueologia em Santarém. Gráfica Supercores.; F. Silva & Noelli, 2015Silva, F. A., & Noelli, F. S. (2015). Mobility and territorial occupation of the Asurini do Xingu, Pará, Brazil: an archaeology of the recent past in the Amazon. Latin American Antiquity, 26(4), 493-511. https://doi.org/10.7183/1045-6635.26.4.493
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). A reavaliação também se dá timidamente na história, com historiadores e antropólogos trabalhando com fontes históricas mais atentos aos dados do registro arqueológico e a suas interpretações (Bombardi, 2018Bombardi, F. A. (2018). Reducciones e descimentos indígenas no alto e médio Amazonas (1686-1757). In Anais do 56º Congresso Internacional de Americanistas Historia y Patrimonio Cultural, Universidad Salamanca, Salamanca. https://www.webprisma.com.br/cema/wp-content/uploads/2024/02/Anais-56-ICA-publicao-final.pdf
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; Harris, 2015Harris, M. (2015). Sistemas regionais, relações interétnicas e movimentos territoriais – os Tapajó e além na história ameríndia. Revista de Antropologia, 58(1), 33-68. https://doi.org/10.11606/2179-0892.ra.2015.102099
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).

No presente artigo, buscamos avançar essa relação a partir da perspectiva da arqueologia amazônica como história indígena de longa duração, utilizando para isso categorias da Escola dos ‘Annales’, em especial de Fernand Braudel, como diversos autores vêm fazendo na arqueologia anglófona e brasileira (cf. Kater & Lopes, 2021Kater, T., & Lopes, R. A. (2021). Braudel nas Terras Baixas: caminhos da Arqueologia na construção de histórias indígenas de longa duração. Revista de História, (180), a11720. https://doi.org/10.11606/issn.2316-9141.rh.2021.174977
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). Como colocam Kater e Lopes (2021, p. 22)Kater, T., & Lopes, R. A. (2021). Braudel nas Terras Baixas: caminhos da Arqueologia na construção de histórias indígenas de longa duração. Revista de História, (180), a11720. https://doi.org/10.11606/issn.2316-9141.rh.2021.174977
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, pesquisas nessa vertente “trabalham a serviço das particularidades das histórias indígenas buscando não mais aplicar a ela modelos externos, mas produzir novos modelos mediante a investigação das próprias lógicas sociais destes povos”. Dentro desses marcos, apesar de se privilegiar a longa duração histórica, essencial por investigar a forma como ocupações posteriores na Amazônia herdam legados deixados por ocupações mais antigas, essa arqueologia se conecta à proposição de Braudel (1992)Braudel, F. (1992). Escritos sobre a História. Perspectiva. de tratar também com importância a média e a curta duração. A primeira torna-se uma chave para um tratamento arqueológico “do acúmulo irregular de práticas que possuem uma redundância e que, dessa forma, revelam padrões feitos de escolhas significativamente repetidas” (Kater & Lopes, 2021Kater, T., & Lopes, R. A. (2021). Braudel nas Terras Baixas: caminhos da Arqueologia na construção de histórias indígenas de longa duração. Revista de História, (180), a11720. https://doi.org/10.11606/issn.2316-9141.rh.2021.174977
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, p. 24). A segunda, ao se aproximar ao nível do evento e do cotidiano, permitiria a análise e comparação de contextos e vestígios determinados como conjuntos de eventos e gestos (Kater & Lopes, 2021Kater, T., & Lopes, R. A. (2021). Braudel nas Terras Baixas: caminhos da Arqueologia na construção de histórias indígenas de longa duração. Revista de História, (180), a11720. https://doi.org/10.11606/issn.2316-9141.rh.2021.174977
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). A perspectiva inspirada em Braudel (1992)Braudel, F. (1992). Escritos sobre a História. Perspectiva. é basilar para o estudo da padronização de aspectos da produção cerâmica e da distribuição espaço-temporal de grupos indígenas (Almeida et al., 2021Almeida, F. O., Lopes, R. A., & Stampanoni Bassi, F. (2021). The cosmopolitan misfits of mainstream Amazonia. In M. Bonomo & S. Archila (Eds.), South American contributions to world archaeology. One world archaeology (pp. 383-409). Springer Nature. https://doi.org/10.1007/978-3-030-73998-0_15
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). Aquelas se formariam a partir de uma articulação particular e emblemática de elementos prévios, em processos de estilogênese (Almeida et al., 2021Almeida, F. O., Lopes, R. A., & Stampanoni Bassi, F. (2021). The cosmopolitan misfits of mainstream Amazonia. In M. Bonomo & S. Archila (Eds.), South American contributions to world archaeology. One world archaeology (pp. 383-409). Springer Nature. https://doi.org/10.1007/978-3-030-73998-0_15
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, p. 387), que poderiam ser expressões locais de pouca duração até milenares tradições cerâmicas, se rearticulando com outras dessas expressões a partir de múltiplas formas de encontro. Assim, os resultados desses encontros se traduziriam em novas hibridizações de estilos já híbridos, com o hibridismo sendo a norma, e não um desvio. Os grupos indígenas tampouco podem ser vistos como inertes ou estáticos, mas sim num contínuo processo de (re)criação de identidades sociais e elementos tradicionais que ao mesmo tempo retêm aspectos milenares (Almeida et al., 2021Almeida, F. O., Lopes, R. A., & Stampanoni Bassi, F. (2021). The cosmopolitan misfits of mainstream Amazonia. In M. Bonomo & S. Archila (Eds.), South American contributions to world archaeology. One world archaeology (pp. 383-409). Springer Nature. https://doi.org/10.1007/978-3-030-73998-0_15
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).

Essas propostas dialogam com a efervescente arqueologia do colonialismo (cf. Paterson, 2020Paterson, A. (2020). Archaeology of colonial encounters. In C. Smith (Ed.), Encyclopedia of global archaeology (pp. 1556-1563). Springer.). No contexto estadunidense, desenvolvem-se, dentro dessa posição teórica, estudos do colonialismo e das múltiplas respostas indígenas (e afro-diaspóricas) a ele, enfatizando a agência frente a uma leitura anterior de seu papel como passivo e vitimizado (Lightfoot, 1995Lightfoot, K. G. (1995). Culture contact studies: redefining the relationship between prehistoric and historical archaeology. American Antiquity, 60(2), 199-217. https://doi.org/10.2307/282137
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). Nessa linha, os trabalhos de Silliman (2012Silliman, S. W. (2012). Between the longue durée and the short purée: postcolonia archaeologies of Indigenous history in colonial North America. In M. Oland, S. M. Hart & L. Frink (Eds.), Decolonizing indigenous histories: exploring prehistoric/colonial transitions in archaeology (pp. 113-131). Arizona Press., 2022)Sallum, M., & Noelli, F. S. (2022). “Política da consideração” e o significado das coisas: a persistência de comunidades de práticas agroflorestais em São Paulo. Cadernos do Lepaarq, 37(19), 356-389. https://repositorio.usp.br/item/003105428
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se debruçaram sobre a questão da escala nesses estudos, criticando concepções ou estáticas (assentadas na longue durée) ou colapsistas (da chamada short puree) das populações indígenas após a invasão europeia, produzindo um diálogo entre a tradição braudeliana e a arqueologia do colonialismo. O autor defende a adequação de escalas e o emprego de visões de média duração de acordo com as especificidades dos contextos coloniais investigados pela arqueologia. Defende também maior atenção para como indígenas durante a colonização puderam mediar em sua vida cotidiana e em suas práticas diferentes histórias e temporalidades. Apesar de uma posição crítica sobre hibridismo (Silliman, 2015Silliman, S. W. (2015). A requiem for hybridity? The problem with Frankensteins, purées, and mules. Journal of Social Archaeology, 15(3), 277-298. https://doi.org/10.1177/1469605315574791
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), Silliman reconhece como este conceito destaca “a criatividade cultural e a subversão nas práticas coloniais de dominação, além de ajudar a distinguir entre mudanças intencionais e não intencionais nos mundos materiais e culturais” (Silliman, 2022Silliman, S. W. (2022). Colonialismo na arqueologia histórica: uma revisão de problemas e perspectivas. Cadernos do Lepaarq, 19(37), 26-54. https://periodicos.ufpel.edu.br/index.php/lepaarq/article/view/23086
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, p. 33). O autor reconceitua também a persistência, defendendo-a não como sinônimo de continuidade, mas como ferramenta que permite investigar mudanças nas continuidades e continuidades nas mudanças, propiciando a vinculação do momento colonial dentro da história de longa duração (Silliman, 2022Silliman, S. W. (2022). Colonialismo na arqueologia histórica: uma revisão de problemas e perspectivas. Cadernos do Lepaarq, 19(37), 26-54. https://periodicos.ufpel.edu.br/index.php/lepaarq/article/view/23086
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, p. 36). A persistência aqui é entendida como “rearticulação intencional de certas práticas e identidades relacionadas à luz de novas realidades econômicas, políticas e sociais. . . efetivamente ligando o passado e o presente em uma trajetória dinâmica, mas ininterrupta” (Panich et al., 2018Panich, L. M., Allen, R., & Galvan, A. (2018). The archaeology of Native American persistence at mission San José. Journal of California and Great Basin Anthropology, 38(1), 11-29. https://www.jstor.org/stable/45408238
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, pp. 11-12; Sallum & Noelli, 2022Sallum, M., & Noelli, F. S. (2022). “Política da consideração” e o significado das coisas: a persistência de comunidades de práticas agroflorestais em São Paulo. Cadernos do Lepaarq, 37(19), 356-389. https://repositorio.usp.br/item/003105428
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, p. 362).

No Brasil, F. Silva e Noelli (2015)Silva, F. A., & Noelli, F. S. (2015). Mobility and territorial occupation of the Asurini do Xingu, Pará, Brazil: an archaeology of the recent past in the Amazon. Latin American Antiquity, 26(4), 493-511. https://doi.org/10.7183/1045-6635.26.4.493
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se nutrem desse arcabouço para compreender a história dos Asurini do Xingu nos séculos posteriores à invasão europeia, recuperando a noção essencial de território, que para esse povo seria “uma paisagem construída e constituída de lugares significativos” (F. Silva & Noelli, 2015Silva, F. A., & Noelli, F. S. (2015). Mobility and territorial occupation of the Asurini do Xingu, Pará, Brazil: an archaeology of the recent past in the Amazon. Latin American Antiquity, 26(4), 493-511. https://doi.org/10.7183/1045-6635.26.4.493
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, p. 509, tradução nossa), na qual estão inscritas interações socioculturais específicas, como ocupação, reocupação, manutenção territorial e transformação da paisagem (F. Silva & Noelli, 2015Silva, F. A., & Noelli, F. S. (2015). Mobility and territorial occupation of the Asurini do Xingu, Pará, Brazil: an archaeology of the recent past in the Amazon. Latin American Antiquity, 26(4), 493-511. https://doi.org/10.7183/1045-6635.26.4.493
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). Esses trabalhos se alinham aos que entendem que processos de territorialização e reterritorialização se expressam em marcas materiais características que, por sua vez, são signos de territorialidades, de formas definidas de produzir e conceber territórios (Malheiro et al., 2021Malheiro, B., Porto-Gonçalves, C. W., & Michelotti, F. (2021). Horizontes amazônicos: para repensar o Brasil e o mundo. Expressão Popular.). A dinâmica se imprime também nos territórios coloniais, nascidos da desterritorialização de outros povos e fixados pela sua expropriação e pela exploração de sua força de trabalho (Malheiro et al., 2021Malheiro, B., Porto-Gonçalves, C. W., & Michelotti, F. (2021). Horizontes amazônicos: para repensar o Brasil e o mundo. Expressão Popular.).

Por outro lado, os trabalhos de Noelli e Sallum enfatizam as persistências em contextos coloniais nos quais a presença indígena havia sido apagada (Noelli & Sallum, 2019Noelli, F. S., & Sallum, M. (2019). A cerâmica paulista: cinco séculos de persistência de práticas tupiniquim em São Paulo e Paraná, Brasil. Mana, 25(3), 701-742. https://doi.org/10.1590/1678-49442019v25n3p701
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, 2020Noelli, F. S., & Sallum, M. (2020). Para cozinhar...: as panelas da cerâmica paulista. Habitus, 18(2), 501-538. https://doi.org/10.18224/hab.v18i2.8436
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; Sallum & Noelli, 2022Sallum, M., & Noelli, F. S. (2022). “Política da consideração” e o significado das coisas: a persistência de comunidades de práticas agroflorestais em São Paulo. Cadernos do Lepaarq, 37(19), 356-389. https://repositorio.usp.br/item/003105428
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). Partindo da história de longa duração tupi, os autores redescobrem um conjunto eloquente de persistências indígenas que permite criticar a visão historiográfica e arqueológica concentrada em centros urbanos e plantations e perceber a presença de práticas agroflorestais indígenas, o uso de nomes e formas cerâmicas tupiniquim, e a predominância do sistema social indígena no estado de São Paulo até pelo menos o século XVIII, no qual os europeus eram minoria.

As ideias acima podem articular-se na prática da arqueologia documental, que se orienta pela investigação de fontes históricas a partir da materialidade presente nos escritos (Wilkie, 2006Wilkie, L. (2006). Documentary archaeology. In D. Hicks & M. C. Beaudry (Eds.), The Cambridge companion to historical archaeology (pp. 13-33). Cambridge University Press.; Beaudry, 1988Beaudry, M. C. (1988). Documentary archaeology in the New World. Cambridge University Press.). O relato escrito é, nesse sentido, uma fonte para o estudo arqueológico que possui suas especificidades e que, para ser articulada a outras fontes de informação, precisa ter seu contexto de produção, suas possibilidades descritivas e sua confiabilidade investigados e criticados. Anteriormente (Lopes, 2021Lopes, R. A. (2021). Crônicas amazônicas e trocas indígenas: caminhos para uma arqueologia documental do Médio Solimões nos séculos XVI e XVII. Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, 36, 162-188. https://doi.org/10.11606/issn.2448-1750.revmae.2021.163764
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), as possibilidades e os limites das crônicas amazônicas para a compreensão da história indígena do médio Solimões foram detalhados: esses relatos, embora possuam limitações evidentes na compreensão dos contextos socioculturais que recontam, captam de maneira impressionista as materialidades e os modos de vida indígenas, sendo mais precisos quanto mais diretas são as observações.

HISTÓRIA DE LONGA DURAÇÃO DO MÉDIO SOLIMÕES E SUAS FONTES

MÉDIO SOLIMÕES E SUA ARQUEOLOGIA

A região do médio Solimões é caracterizada pela dinâmica paisagística que contrapõe o rio-mar a lagos afogados de águas pretas que nele desembocam, como os lagos Tefé, Caiambé e Catuá, ao sul, e Moura, Amanã e Piorini, ao norte, e pela dinâmica de interflúvios que conectam o rio Japurá com os rios Solimões e o Negro, por uma rede de canais, lagos, furos e afluentes. É também marcada pelos altos barrancos vermelhos, nos quais estão situados diversos sítios arqueológicos e comunidades tradicionais da região (Lopes, 2018Lopes, R. A. (2018). A Tradição Polícroma da Amazônia no contexto do médio rio Solimões (AM) [Dissertação de mestrado, Universidade Federal de Sergipe]. https://ri.ufs.br/handle/riufs/8283?locale=en
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). Seus limites geográficos estão entre os municípios de Jutaí e Coari (Queiroz, 2015Queiroz, K. O. (2015). Centralidade periférica e integração relativizada: uma leitura de Tefé no Amazonas [Tese de doutorado, Universidade de São Paulo]. https://doi.org/10.11606/T.8.2015.tde-11122015-145315
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), mas, em termos da história indígena antiga e colonial, estes podem ser ampliados para centrarem-se entre a foz do rio Jutaí e a foz do Purus, área que, como será apresentado, corresponde a territórios indígenas do passado (Figuras 1 a 3).

Figura 1
Mapa das aldeias descritas no alto e médio Solimões no século XVI.
Figura 2
Mapa das aldeias indígenas descritas no século XVII.
Figura 3
Mapa das missões descritas no século XVIII por La Condamine.

Os primeiros estudos propriamente arqueológicos do médio Solimões remontam a observações e coletas realizadas por Constatin Tastevin no primeiro quarto do século XX, sistematizadas posteriormente por Métraux (1930)Métraux, A. (1930). Contribution à l’étude de l’archéologique du cours supérieur et moyen de l’Amazone. Revista Del Museo de La Plata, 32(1), 145-185. https://publicaciones.fcnym.unlp.edu.ar/rmlp/article/view/1427
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, colaborador central do terceiro volume do “Handbook”. Segundo Hilbert (1968)Hilbert, P. P. (1968). Archäologische Untersuchungen am Mittleren Amazonas. Dietrich Reimer Verlag., é provável que a coleção de Tastevin tenha sido coletada no canal de Tefé, atualmente o sítio Conjunto Vilas. Com os trabalhos de Hilbert (1962Hilbert, P. P. (1962). New stratigraphic evidence of culture change on the middle Amazon (Solimões). Akten des Internationalen Amerikanistenkongresses, 34, 471-476. http://www.etnolinguistica.org/bib:2260
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, 1968)Hilbert, P. P. (1968). Archäologische Untersuchungen am Mittleren Amazonas. Dietrich Reimer Verlag., parceiro científico de Meggers e Evans, a região ganha uma arqueologia sistemática que identifica alguns de seus principais componentes arqueológicos, entre esses a fase Caiambé, associada à Tradição Borda Incisa (TBI)1 1 Segundo Barreto et al. (2016, p. 592), “a tradição Borda Incisa, definida por Meggers e Evans (1961, 1983), engloba cerâmicas datadas em torno dos primeiros séculos d.C., que possuem em comum uma forte ênfase nas decorações modeladas, associadas com incisões e engobo vermelho. . .”. , e a fase Tefé, associada à Tradição Polícroma (Figura 1). A fase Tefé compartilha com a TPA os aspectos emblemáticos de pinturas laranjas, vermelhas, marrons e pretas sobre um engobo branco ou creme, decorações acanaladas, motivos antropozoomorfos e ofidiomorfos e morfologias características, como as urnas antropomorfas e os vasos de flange mesial (Lopes, 2018Lopes, R. A. (2018). A Tradição Polícroma da Amazônia no contexto do médio rio Solimões (AM) [Dissertação de mestrado, Universidade Federal de Sergipe]. https://ri.ufs.br/handle/riufs/8283?locale=en
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). Hilbert (1962)Hilbert, P. P. (1962). New stratigraphic evidence of culture change on the middle Amazon (Solimões). Akten des Internationalen Amerikanistenkongresses, 34, 471-476. http://www.etnolinguistica.org/bib:2260
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denota dois aspectos essenciais desses conjuntos: seu primor estético e a ausência de uma transição marcada entre o conjunto mais antigo, Caiambé, e o mais recente, Tefé.

Após os trabalhos de Hilbert, ocorre um hiato de pesquisas que só será quebrado na virada do milênio. Desde então, pesquisas sistemáticas e contínuas puderam ampliar e tornar mais complexo o quadro formado por Hilbert (Costa, 2012Costa, B. L. S. (2012). Levantamento arqueológico na Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) Amanã: estado do Amazonas [Dissertação de mestrado, Universidade de São Paulo]. https://repositorio.usp.br/item/002342277
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; Gomes, 2015Gomes, J. (2015). Cronologia e mudança cultural na RDS Amanã (Amazonas): um estudo sobre a Fase Caiambé da Tradição Borda Incisa [Dissertação de mestrado, Universidade de São Paulo]. https://repositorio.usp.br/item/002746087
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; Belletti, 2015Belletti, J. S. (2015). Arqueologia do Lago Tefé e a expansão polícroma [Dissertação de mestrado, Universidade de São Paulo]. https://doi.org/10.11606/D.71.2015.tde-13102015-153201
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; Tamanaha, 2012Tamanaha, E. K. (2012). Ocupação polícroma no baixo e médio rio Solimões, estado do Amazonas [Dissertação de mestrado, Universidade de São Paulo]. https://repositorio.usp.br/item/002277856
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). Ocupações regionais foram recuadas até 3.000 anos. Também se tornaram nítidas linhas de continuidade que conectam as ocupações pretéritas com as ocupações atuais (Gomes, 2021Gomes, J. (2021). Desvios e encantados: uma outra arqueologia da paisagem na Amazônia. Revista de Arqueologia, 34(2), 61-73. https://revista.sabnet.org/ojs/index.php/sab/article/view/826
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; M. Lima et al., 2021Lima, M. N., Silva, M. A., Lima, S. C., Cassino, M. F., & Tamanaha, E. (2021). Desafios das práticas arqueológicas e da preservação: dinâmicas socioculturais sobre e nos entornos dos sítios arqueológicos na Amazônia. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, 16(2), e20190153. https://doi.org/10.1590/2178-2547-BGOELDI-2019-0153
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). Sobre as fases Caiambé e Tefé, pesquisas recentes formularam um quadro de co-ocorrência dessas duas produções cerâmicas, entre as quais figura também uma produção que hibridiza aspectos de ambas (Belletti, 2015Belletti, J. S. (2015). Arqueologia do Lago Tefé e a expansão polícroma [Dissertação de mestrado, Universidade de São Paulo]. https://doi.org/10.11606/D.71.2015.tde-13102015-153201
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; Almeida et al., 2021Almeida, F. O., Lopes, R. A., & Stampanoni Bassi, F. (2021). The cosmopolitan misfits of mainstream Amazonia. In M. Bonomo & S. Archila (Eds.), South American contributions to world archaeology. One world archaeology (pp. 383-409). Springer Nature. https://doi.org/10.1007/978-3-030-73998-0_15
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). Belletti, por exemplo, identifica cerâmicas Tefé no sítio Conjunto Vilas, de ocupação Caiambé. O contexto aponta para a presença de “redes de trocas e a emulação de elementos da tecnologia polícroma” (Belletti, 2016Belletti, J. S. (2016). A tradição polícroma da Amazônia. In C. Barreto, H. P. Lima & C. J. Betancourt (Orgs.), Cerâmicas arqueológicas da Amazônia: rumo a uma nova síntese (pp. 365-381). Ministério da Cultura., p. 363), um quadro identificado também no lago Amanã, entre o Japurá e o Solimões (Gomes, 2015Gomes, J. (2015). Cronologia e mudança cultural na RDS Amanã (Amazonas): um estudo sobre a Fase Caiambé da Tradição Borda Incisa [Dissertação de mestrado, Universidade de São Paulo]. https://repositorio.usp.br/item/002746087
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). O Conjunto Vilas também abrigaria produção cerâmica Tefé datada ao redor do século VI d.C. (1510 AP), praticamente contemporânea às primeiras datas da cerâmica Caiambé na região, também ao redor do século VI d.C. (1460 AP).

Lopes (2018)Lopes, R. A. (2018). A Tradição Polícroma da Amazônia no contexto do médio rio Solimões (AM) [Dissertação de mestrado, Universidade Federal de Sergipe]. https://ri.ufs.br/handle/riufs/8283?locale=en
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agrega ao panorama circunscrições cronológicas indicando três modos de produção cerâmica e de ocupação Tefé. O primeiro entre os séculos VI e XII d.C., produtores das cerâmicas Tefé e Caiambé, coabitariam setores do médio Solimões, criando redes de relações que envolveriam trocas, realização conjunta de festas e hibridização da cultura material. No segundo, que vai do século XII ao XVI, no qual a predominância seria apenas das cerâmicas Tefé, os sítios se expandiriam, mas o repertório cerâmico teria apenas as marcas emblemáticas Polícromas. O último momento seria associado à chegada dos europeus, entre os séculos XVI e XVII, e à desarticulação das redes indígenas que engendravam a produção da cerâmica Tefé.

Esse quadro regional é parte de um processo mais amplo da expansão Polícroma. Tal processo envolveria redes de trocas, alianças e conflitos multiétnicos e multilinguísticos que se desenvolveriam primeiro pelos rios secundários amazônicos até chegar aos rios principais, levando à derrubada de entidades sociopolíticas centralizadas na confluência Solimões-Negro (Tamanaha, 2018Tamanaha, E. K. (2018). Um panorama comparativo da Amazônia no ano 1.000 [Tese de doutorado, Universidade de São Paulo]. https://repositorio.usp.br/item/002929507
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). No médio Solimões, assim como na maioria da Amazônia centro-ocidental, as margens do grande rio parecem ter sido ocupadas com maior intensidade ao redor do ano mil (Tamanaha, 2012Tamanaha, E. K. (2012). Ocupação polícroma no baixo e médio rio Solimões, estado do Amazonas [Dissertação de mestrado, Universidade de São Paulo]. https://repositorio.usp.br/item/002277856
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; Lopes, 2018Lopes, R. A. (2018). A Tradição Polícroma da Amazônia no contexto do médio rio Solimões (AM) [Dissertação de mestrado, Universidade Federal de Sergipe]. https://ri.ufs.br/handle/riufs/8283?locale=en
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; Neves, 2022Neves, E. G. (2022). Sob os tempos do Equinócio: oito mil anos de História na Amazônia Central. Ubu Editora.; Moraes & Neves, 2012Moraes, C. P., & Neves, E. G. (2012). O ano 1000: adensamento populacional, interação e conflito na Amazônia central. Amazônica - Revista de Antropologia, 4(1), 122-148. https://doi.org/10.18542/AMAZONICA.V4I1.884
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), com lagos e rios secundários continuando a apresentar sítios Polícromos.

Revisando as pesquisas de Tamanaha (2012)Tamanaha, E. K. (2012). Ocupação polícroma no baixo e médio rio Solimões, estado do Amazonas [Dissertação de mestrado, Universidade de São Paulo]. https://repositorio.usp.br/item/002277856
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, Lopes (2018)Lopes, R. A. (2018). A Tradição Polícroma da Amazônia no contexto do médio rio Solimões (AM) [Dissertação de mestrado, Universidade Federal de Sergipe]. https://ri.ufs.br/handle/riufs/8283?locale=en
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nota similaridades morfológicas e estilísticas entre a fase Tefé e a produção cerâmica Polícroma da região de Coari. Lopes (2018Lopes, R. A. (2018). A Tradição Polícroma da Amazônia no contexto do médio rio Solimões (AM) [Dissertação de mestrado, Universidade Federal de Sergipe]. https://ri.ufs.br/handle/riufs/8283?locale=en
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, 2021)Lopes, R. A. (2021). Crônicas amazônicas e trocas indígenas: caminhos para uma arqueologia documental do Médio Solimões nos séculos XVI e XVII. Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, 36, 162-188. https://doi.org/10.11606/issn.2448-1750.revmae.2021.163764
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, seguindo Tamanaha e Neves (2014)Tamanaha, E. K., & Neves, E. G. (2014). 800 anos de ocupação da Tradição Polícroma da Amazônia: um panorama histórico no baixo rio Solimões. Anuário Antropológico, 39(2), 45-67. https://doi.org/10.4000/aa.1255
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, articulou ocupações datadas dos séculos XII, XV e XVI às ocupações encontradas pelos primeiros expedicionários europeus que desceram ou subiram o rio nos séculos XVI e XVII, notando importantes eixos de continuidade de longa duração, como o cultivo de milho (Zea mays L.) e mandioca (Manihot esculenta Crantz) e o manejo de quelônios. O seguimento desses caminhos da arqueologia documental do médio Solimões levou, como será mostrado, ao encontro de outras fontes e outras conexões, e a uma revisão da periodização da produção cerâmica Tefé.

FONTES HISTÓRICAS DO MÉDIO SOLIMÕES

Para localizar a região estudada nas expedições do século XVI, seguimos Porro (1995Porro, A. (1995). O povo das águas: ensaios de etno-história amazônica. Vozes., 2007)Porro, A. (2007). Dicionário etno-histórico da Amazônia colonial. EDUSP., que faz uma análise minuciosa dela e a associa à Província de Machiparo e dos Yaguamales2 2 Província que Carvajal chama também de Homaga ou Oniguayal (Porro, 2016); sobre ela, Porro (2016, p. 48) mostra que, a partir do rio Solimões acima, se distingue dos povos Omágua. , utilizando como base as relações entre ela e as províncias vizinhas, as descrições de seus povos e os detalhes dos trajetos das expedições. Machiparo se localizaria desde o redor da foz do Japurá até antes da foz do Coari, e Yaguamales entre a foz do Coari e do Purus (Figura 2). Já Cristobal Acuña, em 1640, utiliza nomes de rios mais próximos aos atuais ou que podem ser historicamente rastreados. Essas circunscrições territoriais são ferramentas essenciais para atravessar as múltiplas denominações dadas a esses povos pelos colonizadores e por seus intérpretes indígenas. Até o início, de fato, da ocupação territorial portuguesa do médio Solimões, no começo do século XVIII, defendemos uma relativa continuidade entre as ocupações Polícromas de Tefé e de Coari, as primeiras províncias e os grupos alcunhados pelos nomes relativamente mais estáveis de Aisuari3 3 Curuzirari, para Acuña (1891), Carapunas, para Heriarte (1874), e Aysuari, para Cruz (1900). e Joriman4 4 Yoriman, para Acuña (1891), Yurimagua, para Fritz (1892), Sorimão, Solimão ou Solimões para portugueses (Porro, 2007). . Apesar de compreender que essas denominações mascaram a existência de relações sociais e identitárias muito mais complexas e fluidas do que as observações do colonizador, a percepção da continuidade territorial e cultural permite que, para fins de comparação, tendo em vista a materialidade e os modos de vida, seja possível utilizá-las para definir as ocupações desse período, ao modo de entidades arqueológicas.

As três primeiras expedições nascem do impulso conquistador que seguiu a tomada do Império Inca pelos espanhóis e das lendas de outras ricas províncias a leste de Quito (Hemming, 2007Hemming, J. (2007). Ouro vermelho: a conquista dos índios brasileiros. EdUSP., p. 277). Diogo Nunes alcança a província de Machiparo em 1538, invadindo aldeias e capturando indígenas, entre os quais “vinham outros índios de outras línguas e terras” (Nunes, 2016Nunes, D. (2016). Carta de Diogo Nunes a D. João III de Portugal. In A. Porro (Ed.), As crônicas do rio Amazonas (pp. 32-35). EDUA., p. 32). Quatro anos depois, a lendária expedição de Francisco de Orellana passaria pela mesma província, repetindo a dinâmica de ataque e invasão a aldeias, com a diferença de que os expedicionários seguiam rio abaixo perseguidos pelos indígenas de Machiparo e Yaguamales até o fim de seu território. Em 1560, seria a vez da expedição de Pedro de Ursúa. Em Machiparo, ocorreu o evento central da expedição, o motim capitaneado por Lope de Aguirre. A produção de diferentes versões envolvendo o motim gerou uma farta documentação para essa expedição, contando com dez relatos, sendo os de Vazquez, Almesto e Altamirano os mais completos (Amazonas, 2008Amazonas, L. M. F. (2008). Em busca de Omagua e Dorado: mito e rebelião na jornada de pedrarias de Almesto, Francisco Vázquez e Gonzalo de Zuñiga (1560-1561) [Dissertação de mestrado, Universidade Federal do Amazonas]. https://tede.ufam.edu.br/handle/tede/3738
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).

No século seguinte, a presença europeia torna-se mais frequente e contínua, e as descrições adquirem maior estabilidade e complexidade (Figura 3). A expedição de Pedro Teixeira, entre 1637 e 1639, foi a primeira a subir o rio-mar com sucesso, indo de Belém a Quito e de volta a Belém com cerca de 70 portugueses e 1.100 indígenas. O jesuíta Cristóbal de Acuña acompanhou o trajeto de volta da expedição, que durou cerca de dez meses. Acuña produziu o mais detalhado relato até então desses povos, dedicando sete capítulos aos territórios dos Curuzirari e dos Yoriman (Acuña, 1891Acuña, C. (1891). Nuevo descubrimiento del gran rio de las Amazonas. Imprenta de Juan Cayetano García.). Além dos relatos de ambos (Teixeira, 2016Teixeira, P. (2016). Relación del General Pedro Tejeira del río de las Amazonas para el Señor Presidente. In S. E. M. Lima & M. C. S. Coutinho (Eds.), Pedro Teixeira, a Amazônia e o Tratado de Madri (pp. 103-112). FUNAG.), Maurício de Heriarte (Heriarte, 1874Heriarte, M. (1874). Descripçam do Maranham, Pará. Vienna d’a Austria. https://objdigital.bn.br/acervo_digital/div_obrasraras/or110374/or110374.pdf
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), tripulante da expedição, produziu, mais de 20 anos depois, em 1662, sua “Descripçam”, na qual dedicou dois capítulos ao médio Solimões, reunindo informações, em primeira mão, com notícias posteriores.

Em carta enviada ao rei Felipe após a expedição, Acuña (1891)Acuña, C. (1891). Nuevo descubrimiento del gran rio de las Amazonas. Imprenta de Juan Cayetano García. defende ardentemente o estabelecimento de missões ao longo do Amazonas para garantir a supremacia territorial espanhola, projeto tocado pelos jesuítas nas décadas seguintes. Já em 1647, o frei Laureano de la Cruz (Cruz, 1900Cruz, L. (1900). Nuevo descubrimiento del rio de Marañon llamado de las Amazonas. Biblioteca de la Irradiación. https://bdh-rd.bne.es/viewer.vm?id=0000055587&page=1
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), responsável pelas missões em território Omágua, fez um relato no qual figuram breves descrições dos Aisuari e dos Jorimanes. Em 1686, o jesuíta boêmio Samuel Fritz assumiu as missões entre os Omáguas e logo as expandiu Solimões abaixo, até as aldeias dos Ybanomas (Fritz, 1892Fritz, S. (1892). Diario del Padre Samuel Fritz. In P. Maroni (Ed.), Notícias autenticas del famoso rio Marañon (pp. 434-513). Establecimento Tipográfico de Fortanet.), entre a foz do Japurá e a do Coari. O diário do padre Fritz, posteriormente publicado por Pablo Maroni, em 1737, dentro de “Notícias Autênticas del Famoso Río Marañon” (Maroni, 1892Maroni, P. (Ed.). (1892). Notícias autenticas del famoso rio Marañon. Establecimento Tipográfico de Fortanet.), é a crônica da expansão inicial e da derrota posterior dos jesuítas no Solimões, empurrados pelos missionários carmelitas, associados aos portugueses, ávidos por ouro, mas, mais ainda, como teria comentado, segundo Hemming (2007, p. 10)Hemming, J. (2007). Ouro vermelho: a conquista dos índios brasileiros. EdUSP., o Padre Antônio Vieira, por “capturar índios: extrair de suas veias o ouro vermelho. . .”. O diário cobre o período compreendido entre 1689 e 1723, sendo que Fritz deixou o Solimões pela última vez em 1709, trazendo consigo Jurimáguas, os Joriman de La Cruz, Aisuares e Ybanomas.

As décadas seguintes do século XVIII no Solimões assistem à consolidação do domínio português sobre o rio; além de militares e missionários, cientistas e burocratas também produziram relatos (Hemming, 2008Hemming, J. (2008). Tree of rivers: the story of the Amazon. Thames & Hudson.). O próximo relato abordado é a já mencionada viagem de La Condamine (2000)La Condamine, C.-M. (2000). Viagem na América meridional: descendo o rio das Amazonas. Senado Federal., de 1743, o qual não vai muito além de mencionar o panorama das missões carmelitas que assumem as ruínas dos jesuítas (Figura 4). Na segunda metade do século XVIII, o “Roteiro de Viagem”, de 1768, do vigário José Monteiro de Noronha (Noronha, 1862Noronha, J. M. (1862). Roteiro da viagem da cidade do Pará até as últimas colônias do sertão da província. Typographia de Santos & Irmãos.), e o “Diário da Viagem”, de 1775, do ouvidor Francisco Xavier Ribeiro de Sampaio (Sampaio, 1825Sampaio, F. X. R. (1825). Diário da viagem que em visita, e correição das povoações da capitania de S. José do Rio Negro fez o ouvidor e intendente geral da mesma Francisco Xavier Ribeiro de Sampaio no anno de 1774 e 1775. Typografia da Academia. https://digital.bbm.usp.br/handle/bbm/6651
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), elaboraram, por estilos distintos, panoramas gerais sobre os territórios amazônicos de Portugal. Entre estes, encontramos os Sorimões e os Achouari (Sampaio, 1825Sampaio, F. X. R. (1825). Diário da viagem que em visita, e correição das povoações da capitania de S. José do Rio Negro fez o ouvidor e intendente geral da mesma Francisco Xavier Ribeiro de Sampaio no anno de 1774 e 1775. Typografia da Academia. https://digital.bbm.usp.br/handle/bbm/6651
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, p. 34), os Jurimaguas e os Aisuaris que não subiram com Fritz, além de diversas outras etnias deslocadas para as vilas portuguesas, como os Jumas, Manaós, Uainumás, Juris, Passés, entre outros. Sampaio (1825)Sampaio, F. X. R. (1825). Diário da viagem que em visita, e correição das povoações da capitania de S. José do Rio Negro fez o ouvidor e intendente geral da mesma Francisco Xavier Ribeiro de Sampaio no anno de 1774 e 1775. Typografia da Academia. https://digital.bbm.usp.br/handle/bbm/6651
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e Noronha (1862)Noronha, J. M. (1862). Roteiro da viagem da cidade do Pará até as últimas colônias do sertão da província. Typographia de Santos & Irmãos. tratam também dos temidos Mura, povo que domina os lagos e interflúvios de ambos os lados do médio Solimões.

Figura 4
A Tradição Polícroma no médio Solimões: A) urnas funerárias antropomorfas do sítio Tauary; B) prato cerâmico do sítio São João; C) tigela do sítio Tauary; D) vaso de flange mesial do sítio Lauro Sodré com detalhe dos motivos.

Nos séculos XIX e XX, foi analisado o relato de Spix e Martius (2017)Spix, J. B. von, & Martius, C. F. (2017). Viagem pelo Brasil (1817-1820) (Vol. 3). Senado Federal. em sua prolífica viagem pela Amazônia, em 1820, na qual realizaram um monumental trabalho de catalogação de espécies botânicas e animais e descrição detalhada dos modos de vida amazônicos nas vilas, cidades e aldeias (Faulhaber, 2008Faulhaber, P. (2008). Etnografia na Amazônia e tradução cultural: comparando Constant Tastevin e Curt Nimuendaju. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, 3(1), 15-29. https://doi.org/10.1590/s1981-81222008000100003
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). Os autores passaram meses percorrendo o Solimões e arredores. Também o livro de Henry Walter Bates, que passou quatro anos e meio estudando os arredores de Tefé e o médio Solimões (1850-1851 e 1855-1858), catalogando espécies de animais, em especial insetos (Bates, 2009Bates, H. W. (2009 [1892]). The naturalist on the river Amazons: a record of adventures, habits of animals, sketches of Brazilian and Indian life, and aspects of nature under the equator during eleven years of travel. Cambridge University Press. [1892]). O próximo relato abordado é de Louis e Elizabeth Cary Agassiz (L. Agassiz & E. Agassiz, 2000Agassiz, L., & Agassiz, E. C. C. (2000). Viagem ao Brasil (1865-1866). Senado Federal. https://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/1048
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), que, em viagem ao redor do Brasil, subiram o Solimões, em 1865, e passaram cerca de um mês em Tefé, de onde descreveram aspectos geológicos, biológicos e sociais da região por um viés abertamente eugenista. Por fim, foram cotejados artigos de Constatin Tastevin, missionário espiritano e antropólogo francês, que residiu em Tefé entre 1905 e 1926 e que produziu uma série de trabalhos sobre os povos indígenas do médio Solimões (Faulhaber & Monsserrat, 2008Faulhaber, P., & Monsserrat, R. (2008). Tastevin e a etnografia indígena. FUNAI.).

As interpretações do registro arqueológico da região e as descrições dos povos indígenas feitas pelos amazonautas que atravessaram ou residiram no médio Solimões foram sintetizadas em categorias relativas aos modos de vida indígenas, das quais a produção cerâmica foi centralizada no presente artigo. As fontes foram mapeadas em busca de descrições relativas ao médio Solimões, a seus povos e à sua produção cerâmica, identificando trechos significativos para comparações e persistências em relação ao registro arqueológico. Mapas dos territórios vinculados pelas crônicas feitas em relação a esses grupos em momentos significativos foram produzidos (Figuras 1 a 3). Materiais cerâmicos de coleções foram observados virtualmente ou in loco para aprofundar as comparações. O acúmulo desses resultados ensejou duas aproximações à história indígena do médio Solimões. A primeira buscou ver quais elementos do arcabouço textual permitem enriquecer, complementar ou indagar contextualmente o registro arqueológico cerâmico5 5 Para compreensão dos parâmetros metodológicos da análise deste registro, conferir Lopes (2018). para a compreensão dos modos de vida indígenas até o século XVIII. A segunda parte se volta ao período posterior ao século XVIII, às persistências indígenas no médio Solimões, tomando como foco cerâmicas presentes em coleções europeias.

DURAÇÕES, DADOS ARQUEOLÓGICOS E DADOS HISTÓRICOS

CERÂMICA E MODOS DE VIDA INDÍGENAS: REGISTRO HISTÓRICO E CONTEXTOS ARQUEOLÓGICOS

O médio Solimões possui mais de 180 sítios arqueológicos identificados, parte deles localizada nas margens do rio Solimões (Figura 2). Alguns desses sítios têm datações relativamente recentes e possivelmente estão associados a locais que os primeiros europeus observaram. A própria história de ocupação das margens do Solimões revela a historicidade particular do quadro territorial encontrado pelos primeiros europeus. Segundo Tamanaha e Neves (2014)Tamanaha, E. K., & Neves, E. G. (2014). 800 anos de ocupação da Tradição Polícroma da Amazônia: um panorama histórico no baixo rio Solimões. Anuário Antropológico, 39(2), 45-67. https://doi.org/10.4000/aa.1255
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, o médio-baixo Solimões seria, até por volta do ano mil, uma zona não ocupada entre territórios de grupos produtores de cerâmica Borda Incisa. A partir desse momento, ocupações Polícromas começaram a aparecer nessas margens, traçando o caminho para a territorialização dos Jorimanes, encontrados séculos depois pelos europeus. Em algum ponto da segunda metade do século XVII, esses grupos, se distanciando dos ataques portugueses, se mudaram para outra zona não ocupada, a que existiria entre os Omáguas e Aisuaris, entre a foz do Jutaí e a do Juruá, onde o padre Fritz os encontrou (Figura 3). Por outro lado, na região associada aos Aisuari estariam as datas mais antigas para a TPA, mas também uma aparente transformação entre as ocupações Polícromas iniciais e as posteriores ao século XII d.C. Fritz (1892)Fritz, S. (1892). Diario del Padre Samuel Fritz. In P. Maroni (Ed.), Notícias autenticas del famoso rio Marañon (pp. 434-513). Establecimento Tipográfico de Fortanet. encontrou o território associado aos Aisuari em Cruz (1900)Cruz, L. (1900). Nuevo descubrimiento del rio de Marañon llamado de las Amazonas. Biblioteca de la Irradiación. https://bdh-rd.bne.es/viewer.vm?id=0000055587&page=1
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dividido entre estes e os Ybanomas, que poderiam ser uma fissão de um dos outros grupos, um novo grupo que chegou à região, ou se lá já estava, foi confundido com os outros. De todo modo, esse fluxo de nomenclaturas se mantém entre as continuidades encontradas desde o século XVI e parece ser decorrente de incompreensões ou omissões dos cronistas.

As crônicas apresentam diversos aspectos produtivos desses povos que reverberam no contexto arqueológico. Nelas, o médio Solimões aparece como uma das áreas mais densamente habitadas do rio-mar, com aldeias em barrancos em “muy altas, de lindas campiñas” (Acuña, 1891Acuña, C. (1891). Nuevo descubrimiento del gran rio de las Amazonas. Imprenta de Juan Cayetano García., p. 137) em formato predominantemente linear. Tal padrão se repete em sítios associados à TPA no Solimões (Lopes, 2018Lopes, R. A. (2018). A Tradição Polícroma da Amazônia no contexto do médio rio Solimões (AM) [Dissertação de mestrado, Universidade Federal de Sergipe]. https://ri.ufs.br/handle/riufs/8283?locale=en
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). As crônicas comentam também sobre caminhos retos “mui largos e bons, que eram ao modo dos Incas do Peru, exceto pelas paredes” (Altamirano, 2016Altamirano. (2016). Altamirano. A Expedição de Ursúa e Aguirre narrada pelo Capitão Altamirano. In A. Porro (Ed.), As crônicas do rio Amazonas (pp. 96-105). EDUA., p. 101), intervalados por “entrepostos”, que seriam casas onde mulheres indígenas estariam produzindo “pão de beiju”, cercadas por um roçado multiespecífico, composto por “mandioca e milho plantados e outras raízes e frutas para o sustento e aviamento de viajantes e mercadores” (Altamirano, 2016Altamirano. (2016). Altamirano. A Expedição de Ursúa e Aguirre narrada pelo Capitão Altamirano. In A. Porro (Ed.), As crônicas do rio Amazonas (pp. 96-105). EDUA., p. 101), se assemelhando efetivamente à estrutura de casas de farinha.

A mandioca e o milho são inequivocamente os cultivos mais descritos, o primeiro consumido ao modo de beiju (‘cazabi’). Segundo Vazquez (1881, p. 27)Vazquez, F. (1881). Relacion de todo lo que sucedió en la jornada de Omagua y Dorado. Imprenta de Miguel Ginesta., entre os Yaguamales, a quantidade armazenada de milho seria, nas suas palavras, infinita (Vazquez, 1881Vazquez, F. (1881). Relacion de todo lo que sucedió en la jornada de Omagua y Dorado. Imprenta de Miguel Ginesta., p. 62), assim como seriam as roças de mandioca brava em Machiparo (Vazquez, 1881Vazquez, F. (1881). Relacion de todo lo que sucedió en la jornada de Omagua y Dorado. Imprenta de Miguel Ginesta., p. 27). No relato de Acuña, há destaque para a farinha: para acompanhar a esquadra de Pedro Teixeira rio abaixo, os Jorimanes preparavam “quinientas fanegas [c. 40 kg por fanega] de harina de mandioca” (Acuña, 1891Acuña, C. (1891). Nuevo descubrimiento del gran rio de las Amazonas. Imprenta de Juan Cayetano García., p. 142). As roças de mandioca ao redor de Tefé estariam na floresta, nas ilhas do Solimões ou “ibase por la yuca em canoas, y atravesabase el rio por allí” (Vazquez, 1881Vazquez, F. (1881). Relacion de todo lo que sucedió en la jornada de Omagua y Dorado. Imprenta de Miguel Ginesta., p. 48), nas várzeas da margem norte do Solimões, ficando também “debajo de água enterrado” (Fritz, 1892Fritz, S. (1892). Diario del Padre Samuel Fritz. In P. Maroni (Ed.), Notícias autenticas del famoso rio Marañon (pp. 434-513). Establecimento Tipográfico de Fortanet., p. 436).

Belletti (2015)Belletti, J. S. (2015). Arqueologia do Lago Tefé e a expansão polícroma [Dissertação de mestrado, Universidade de São Paulo]. https://doi.org/10.11606/D.71.2015.tde-13102015-153201
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, analisando contextos Polícromos no Solimões estudados por Tamanaha (2012)Tamanaha, E. K. (2012). Ocupação polícroma no baixo e médio rio Solimões, estado do Amazonas [Dissertação de mestrado, Universidade de São Paulo]. https://repositorio.usp.br/item/002277856
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, defende a existência de uma dicotomia entre sítios de acampamento, em especial próximos a roçados, e sítios de aldeias. Estes seriam identificados especialmente a partir da profundidade da ocupação, raso para acampamentos/roçados e profundo para aldeias, e da densidade e variabilidade morfológica das cerâmicas, baixa para acampamentos/roçados e alta para aldeias. Com essa divisão, percebe dois sítios de acampamento/roçado no interior do lago de Coari e três sítios de aldeia na beira do Solimões. Dinâmica similar foi identificada em sítios do lago Tefé. Entre as morfologias desses dois sítios do lago, estão assadores cerâmicos, instrumentos para a produção de beiju mencionados por Altamirano (2016)Altamirano. (2016). Altamirano. A Expedição de Ursúa e Aguirre narrada pelo Capitão Altamirano. In A. Porro (Ed.), As crônicas do rio Amazonas (pp. 96-105). EDUA.. A dinâmica é compatível com a descrição de Altamirano (2016)Altamirano. (2016). Altamirano. A Expedição de Ursúa e Aguirre narrada pelo Capitão Altamirano. In A. Porro (Ed.), As crônicas do rio Amazonas (pp. 96-105). EDUA., entre aldeias próximas à beira do Solimões e roçados para o interior.

Quanto ao manejo de espécies animais, ainda não há estudos zooarqueológicos sistemáticos no médio Solimões, mas o estudo preliminar do sítio São João apontou para a presença de ossos de peixes, quelônios e roedores (Daniela Klokler, comunicação pessoal, fev. 2018). Nos relatos, há unanimidade na importância dos peixes e das tartarugas, embora roedores como paca e cotia sejam pouco mencionados. Sobre as tartarugas, nota-se, além de sua absoluta abundância nas aldeias de Machiparo, colocada na casa dos milhares6 6 Para Carvajal (1894, p. 34), em uma aldeia haveria “más de mil tortugas” e, para Vazquez (1881, p. 26), seriam “más de seis mil tortugas grandes, que los índios tenían para comer”. , a descrição de seu manejo, realizada por Acuña (1891)Acuña, C. (1891). Nuevo descubrimiento del gran rio de las Amazonas. Imprenta de Juan Cayetano García.. Esta envolvia o mapeamento dos ninhos, a captura de ovos e de tartarugas recém-saídas dos ovos enquanto se dirigem à água e sua colocação, às centenas, em grandes ‘currais’, poços escavados nas frentes das casas de cada aldeia, nos quais elas seriam alimentadas com galhos e folhas (Acuña, 1891Acuña, C. (1891). Nuevo descubrimiento del gran rio de las Amazonas. Imprenta de Juan Cayetano García., pp. 52-53). Estruturas possivelmente associadas a este manejo já foram encontradas na confluência Solimões-Negro, no sítio Lago do Limão, mas necessitam de minuciosa prospecção (Moraes, 2006Moraes, C. P. (2006). Arqueologia na Amazônia Central vista de uma perspectiva da região do lago do Limão [Dissertação de mestrado, Universidade de São Paulo]. https://doi.org/10.11606/D.71.2007.tde-15052007-112151
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). A presença documentada desses grandes currais de tartarugas no médio Solimões soma-se a uma crescente literatura sobre tanques e lagos artificiais para circunscrever animais aquáticos (Prestes-Carneiro et al., 2021Prestes-Carneiro, G., Barboza, R. S. L., Barboza, M. S. L., Moraes, C. P., & Béarez, P. (2021). Waterscapes domestication: an alternative approach for interactions among humans, animals, and aquatic environments in Amazonia across time. Animal Frontiers, 11(3), 92-103. https://doi.org/10.1093/af/vfab019
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) e mostra formas criativas e generalizadas de manejo de paisagens aquáticas que contradizem noções de que haveria um déficit de proteína nas dietas amazônicas (Meggers, 1971Meggers, B. J. (1971). Amazonia. Man and culture in a counterfeit paradise. Aldine.). Essas ideias justamente foram defendidas por autores que compartilhavam de uma posição negacionista das fontes históricas.

Pelas refinadas produções materiais, os povos do médio Solimões ficaram conhecidos como grandes artesãos amazônicos. Os Jorimanes, por exemplo, utilizariam ferramentas de pedra e osso e seriam considerados “mui agudos de engenho” (Heriarte, 1874Heriarte, M. (1874). Descripçam do Maranham, Pará. Vienna d’a Austria. https://objdigital.bn.br/acervo_digital/div_obrasraras/or110374/or110374.pdf
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, p. 50), e “la gente más capaz e industriosa que tengan estas misiones”, para Maroni (1892, p. 90)Maroni, P. (Ed.). (1892). Notícias autenticas del famoso rio Marañon. Establecimento Tipográfico de Fortanet.. Já entre os Aisuari, Acuña (1891, p. 130)Acuña, C. (1891). Nuevo descubrimiento del gran rio de las Amazonas. Imprenta de Juan Cayetano García., ao encontrar aldeias abandonadas, avaliava o povo como de muito “gobierno y policia” pela abundância material descrita acima e pelos objetos de suas casas, “que para el benefício de las cosas tocantes a la vida eran de las mejores de todo el Rio”.

Cercada por outras materialidades, a cerâmica, que figura nos sítios arqueológicos e nas páginas das crônicas, cumpre importante papel de mediação nas relações sociais e no consumo de plantas e animais no médio Solimões, participando de suas cadeias operatórias. Como comentado, essas cerâmicas podem confiantemente ser associadas à Tradição Polícroma em suas expressões regionais, a cerâmica Tefé e de Coari, marcadas pela diversidade e esmero técnico. Nas crônicas, a cerâmica feita pelas mulheres dos dois territórios do médio Solimões é renomada por sua qualidade, tanto que se configuram na produção mais estável nas descrições de redes de troca (Lopes, 2021Lopes, R. A. (2021). Crônicas amazônicas e trocas indígenas: caminhos para uma arqueologia documental do Médio Solimões nos séculos XVI e XVII. Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, 36, 162-188. https://doi.org/10.11606/issn.2448-1750.revmae.2021.163764
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). Nos poucos trechos em que há uma descrição mais detalhada, os relatos se aproximam das cerâmicas Tefé e de Coari. É o que pode ser visto em Carvajal (1894, p. 44)Carvajal, G. (1894). Descubrimiento del Río de las Amazonas. Imprenta de E. Rasco., em seu comentário sobre “labrar todo como lo romano”. As descrições morfológicas estão presentes em Carvajal (1894)Carvajal, G. (1894). Descubrimiento del Río de las Amazonas. Imprenta de E. Rasco. e também em Acuña (1891, p. 130)Acuña, C. (1891). Nuevo descubrimiento del gran rio de las Amazonas. Imprenta de Juan Cayetano García., que fala de tralhas, panelas, jarros, bacias e frigideiras feitas em olarias onde se utilizariam como matéria-prima as boas argilas localizadas abaixo dos altos barrancos em que se situavam suas aldeias. A pintura das vasilhas foi particularmente notada pelos cronistas, fazendo jus à caracterização de Oliveira (2022)Oliveira, E. (2022). Estéticas da transformação: iconografia e estilo da cerâmica polícroma da Amazônia [Tese de doutorado, Universidade de São Paulo]. https://doi.org/10.11606/T.71.2022.tde-17022023-150330
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acerca da TPA como uma tecnologia de encantamento. Todavia, as descrições destas é feita junto com os relatos das pinturas das cuias, material perecível que compartilharia de parte do repertório estilístico Polícromo (Fritz, 1892Fritz, S. (1892). Diario del Padre Samuel Fritz. In P. Maroni (Ed.), Notícias autenticas del famoso rio Marañon (pp. 434-513). Establecimento Tipográfico de Fortanet.; Maroni, 1892Maroni, P. (Ed.). (1892). Notícias autenticas del famoso rio Marañon. Establecimento Tipográfico de Fortanet.).

Sobre o armazenamento dessas vasilhas, Vazquez (1881, p. 62)Vazquez, F. (1881). Relacion de todo lo que sucedió en la jornada de Omagua y Dorado. Imprenta de Miguel Ginesta. vê, entre os Jorimanes, casas de armazenamento de bebidas fermentadas que ele chama de “grandes bodegas”. Já Carvajal (1894, p. 44)Carvajal, G. (1894). Descubrimiento del Río de las Amazonas. Imprenta de E. Rasco. menciona um local que chama “casa de placer” – algo como uma casa de veraneio dos Jorimanes – onde estariam armazenadas as belas cerâmicas Polícromas mencionadas na epígrafe do artigo, além de “ídolos tejidos de palma”. Estruturas como essas, que emitiriam um sinal material específico no registro arqueológico, podem subsidiar a interpretação de contextos de escavação regionais nos quais conjuntos de vasilhas cerâmicas altamente decoradas e pouco fragmentadas são encontrados in situ.

Ornamentos corporais comparecem também nessa descrição de Carvajal (1894)Carvajal, G. (1894). Descubrimiento del Río de las Amazonas. Imprenta de E. Rasco. acerca do ‘ídolo’ de palha de grandes dimensões na “casa de placer”. Este teria a forma de uma figura antropomorfa com “ruedas á manera de arandelas” nos braços e panturrilhas e “las orejas horadadas y muy grandes, á manera de los índios del Cuzco, y mayores” (Carvajal, 1894Carvajal, G. (1894). Descubrimiento del Río de las Amazonas. Imprenta de E. Rasco., p. 44). A descrição de Carvajal (1894)Carvajal, G. (1894). Descubrimiento del Río de las Amazonas. Imprenta de E. Rasco. sobre a forma e a posição dos adornos e alargadores é notavelmente similar aos seres figurados nas urnas funerárias Polícromas datadas a partir do século XI (Oliveira, 2022Oliveira, E. (2022). Estéticas da transformação: iconografia e estilo da cerâmica polícroma da Amazônia [Tese de doutorado, Universidade de São Paulo]. https://doi.org/10.11606/T.71.2022.tde-17022023-150330
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) (Figura 1). Essa similaridade impõe à imaginação arqueológica que o repertório decorativo cerâmico se relacionaria ao de outras práticas com materiais perecíveis, de baixa visibilidade no registro arqueológico, e reforça a proposta de que esses adornos comporiam os corpos indígenas. Os próprios braços dos Aisuari seriam, segundo Nunes (2016, p. 32)Nunes, D. (2016). Carta de Diogo Nunes a D. João III de Portugal. In A. Porro (Ed.), As crônicas do rio Amazonas (pp. 32-35). EDUA., adornados com braceletes, e seus rostos o seriam com brincos e alargadores. Esses últimos, segundo Acuña (1891)Acuña, C. (1891). Nuevo descubrimiento del gran rio de las Amazonas. Imprenta de Juan Cayetano García., ficariam nos narizes e nas orelhas, e seus orifícios seriam preenchidos com maços de folhas ajustadas ou com pequenas placas de ouro vindas de trocas.

A cerâmica circulava entre a vida das aldeias no médio Solimões, mas também em redes de trocas, junto a uma miríade de produções materiais, as quais são descritas pelos europeus como comércio, mas por debaixo dessa ideia certamente encobrem-se inúmeras formas de relações diversas sobre as quais estes não se atentaram. Nos relatos, a produção material das duas províncias do médio Solimões que mais aparece nas redes de trocas é a das vasilhas (as ‘louças’), citadas, entre outros, por Vazquez e Altamirano, no século XVI, por Acuña, Heriarte, La Cruz e Fritz, no século XVII, e por Maroni, no século XVIII. Já com os europeus, as trocas seriam entre gêneros alimentícios e indígenas capturados (a partir do XVII) por ferramentas europeias. Além da cerâmica, Aisuaris e Jorimanes trocariam peixe seco com outros indígenas, no século XVI, e algodão (Aisuaris), canoas (Jorimanes) e cuias, contas feitas de gastrópodes amazônicos no século XVII (Aisuari, Jorimanes e Ybanomas); além disso, a partir da expedição de Pedro Teixeira, um desses povos identificados como os Manaós, que vinham em esquadras de canoas do rio Negro descendo pelo Japurá e seus canais trazendo ouro e, segundo Fritz (1892, p. 473)Fritz, S. (1892). Diario del Padre Samuel Fritz. In P. Maroni (Ed.), Notícias autenticas del famoso rio Marañon (pp. 434-513). Establecimento Tipográfico de Fortanet., urucum, raladores de mandioca, redes de miriti, cestarias e bordunas.

A existência, proveniência e rota desse ouro são motivo de polêmica desde a viagem de Acuña, à qual a pesquisa arqueológica pode referendar a possibilidade de amplas e distantes redes de relações ou esferas de interação que envolveriam, de maneiras diversas, a produção cerâmica (Almeida et al., 2021Almeida, F. O., Lopes, R. A., & Stampanoni Bassi, F. (2021). The cosmopolitan misfits of mainstream Amazonia. In M. Bonomo & S. Archila (Eds.), South American contributions to world archaeology. One world archaeology (pp. 383-409). Springer Nature. https://doi.org/10.1007/978-3-030-73998-0_15
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). Sobre sua origem, por exemplo, Hemming (2008, p. 61)Hemming, J. (2008). Tree of rivers: the story of the Amazon. Thames & Hudson. dirá que viria dos Muiscas ou Taironas do norte dos Andes, já para Porro (2016, p. 20)Porro, A. (2016). As crônicas do rio Amazonas. EDUA. seriam de ouro de aluvião do alto Japurá e rio Negro. Especificamente no caso do médio Solimões, é possível agregar dois elementos à discussão, tendo em vista a cronologia geral da dispersão da cerâmica Polícroma e o estudo de dois sítios em particular: o São João e o Lago das Pombas, no curso médio do rio Unini, entre o baixo Japurá e os rios Negro e Solimões. A existência de uma rota de conexão entre o médio Solimões e o médio Negro, além de historicamente descrita, parece ser uma das primeiras rotas de dispersão da cerâmica Polícroma, provavelmente junto a seus produtores (Almeida et al., 2018Almeida, F. O., Lopes, R. A., Tamanaha, E., & Kater, T. (2018). The occupational dynamics of the polychrome tradition producers in Amazonia. In Memoria del 56º. Congreso Internacional de Americanistas, Universidade de Salamanca, Espanha. https://www.researchgate.net/publication/332028383_The_occupational_dynamics_of_the_Polychrome_Tradition_producers_in_Amazonia
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). O processo acontece séculos antes das ocupações Polícromas atingirem a confluência Negro-Solimões.

Figura 5
Exemplos de similaridades entre cerâmicas dos sítios Lago das Pombas e São João. À esquerda, vaso globular; à direita, fragmentos de vasos de flange mesial.

O cenário arqueológico indica a antiguidade e a prioridade dessa conexão que parece estar registrada em sítios particulares. Analisando o contexto arqueológico do médio rio Unini, M. Lima (2014)Lima, M. N. (2014). O rio Unini na arqueologia do baixo rio Negro, Amazonas [Dissertação de mestrado, Universidade de São Paulo]. https://doi.org/10.11606/D.71.2014.tde-25042014-105230
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identifica apenas sítios vinculados pela autora à fase Caiambé (TBI) do médio Solimões. M. Lima (2014)Lima, M. N. (2014). O rio Unini na arqueologia do baixo rio Negro, Amazonas [Dissertação de mestrado, Universidade de São Paulo]. https://doi.org/10.11606/D.71.2014.tde-25042014-105230
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coloca esses materiais como a expressão cerâmica de sistemas regionais multiétnicos orquestrados por grupos Arawak, que na região estariam historicamente associados aos Manaós. Não obstante a ausência de componentes Polícromos na estratigrafia de sítios como o Lago das Pombas, uma fração do material de seu período tardio (c. século IX d.C.) possui características nitidamente similares às emblemáticas cerâmicas Polícromas do médio Solimões, como as do sítio São João, em especial aos vasos de flange mesial (Figura 5). M. Lima (2014)Lima, M. N. (2014). O rio Unini na arqueologia do baixo rio Negro, Amazonas [Dissertação de mestrado, Universidade de São Paulo]. https://doi.org/10.11606/D.71.2014.tde-25042014-105230
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defende que esses elementos representariam expressões próprias da região, mas, articulando os relatos históricos de trocas cerâmicas com povos do médio Solimões e a notável presença de cerâmicas Polícromas em sítios Caiambé (Belletti, 2015Belletti, J. S. (2015). Arqueologia do Lago Tefé e a expansão polícroma [Dissertação de mestrado, Universidade de São Paulo]. https://doi.org/10.11606/D.71.2015.tde-13102015-153201
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; Gomes, 2015Gomes, J. (2015). Cronologia e mudança cultural na RDS Amanã (Amazonas): um estudo sobre a Fase Caiambé da Tradição Borda Incisa [Dissertação de mestrado, Universidade de São Paulo]. https://repositorio.usp.br/item/002746087
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), é possível fornecer uma nova linha interpretativa que colocaria os Manaós do período colonial como herdeiros de uma secular rede de trocas capitaneada por povos Arawak entre os rios Negro, Japurá e Solimões. A presença de uma produção aparentemente especializada de vasos de flange mesial em sítios Polícromos do médio Solimões, como o sítio Lauro Sodré, também reforça a possível produção para circulação dessas vasilhas (Tamanaha, 2012Tamanaha, E. K. (2012). Ocupação polícroma no baixo e médio rio Solimões, estado do Amazonas [Dissertação de mestrado, Universidade de São Paulo]. https://repositorio.usp.br/item/002277856
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). Oliveira (2016)Oliveira, E. (2016). Potes que encantam: estilo e agência na cerâmica polícroma da Amazônia central [Dissertação de mestrado, Museu de Arqueologia e Etnologia/Universidade de São Paulo]. https://doi.org/10.11606/D.71.2016.tde-21072016-152452
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defende que o sentido para a circulação dessas vasilhas seria seu uso em contextos rituais, possivelmente compartilhados por grande diversidade de grupos na região. Os indícios presentes nas crônicas incitam a pensar o papel das trocas na formação do registro arqueológico Polícromo, no qual, por exemplo, a presença de flanges mesiais pode ser oriunda de trocas para a utilização em rituais.

Nas crônicas, a cerâmica também participa das concepções cosmológicas e relações cosmopolíticas dos grupos indígenas. Maroni, em 1731, cita uma conversa com mulheres Jorimanes, já na missão no rio Huallaga, em que estas contaram que, antes das missões, para pintar as cerâmicas cantavam para trazer às suas casas as cobras chamadas de Madre del água, “para copiar las manchas y figuras que tienen dibujada en su pellejo” (Maroni, 1892Maroni, P. (Ed.). (1892). Notícias autenticas del famoso rio Marañon. Establecimento Tipográfico de Fortanet., p. 510). A descrição guarda semelhanças com outra narrativa de uma neta de indígenas Juri, contada ao padre Tastevin no lago de Tefé, no começo do século XX, ambas se referindo às cerâmicas Polícromas:

Ela afirmou que sua avó criava cobras em jarras pintadas com as cores de Boiaçu [Mãe d’água]: vermelho, amarelo alaranjado, preto ou marrom sobre fundo branco. À medida que a cobra crescia ela lhe fazia um pote maior. Quando finalmente a cobra se tornava muito grande, soltava-a no lago. . . Então ‘seu filho’ apresentava-se a ela, bonito, encantador como a aurora, e ela se contentava em reproduzir seus traços e sobretudo as cores variegadas sobre os potes e as cabaças

(Tastevin, 2008Tastevin, C. (2008). A lenda de Boiaçu. In P. Faulhaber & R. Monserrat (Orgs.), Tastevin e a etnografia indígena (pp. 137-183). FUNAI., p. 169).

A homologia dessas narrativas entre produtores de cerâmica Polícroma separados por séculos e centenas de quilômetros, além de mostrar a persistência e a resiliência de narrativas vinculadas a essas práticas de produção material, reforça que, apesar da autonomia e singularidade dos grupos produtores dessa cerâmica, haveria entre eles uma gama de noções compartilhadas, como discutem os recentes estudos iconográficos da TPA (Oliveira, 2022Oliveira, E. (2022). Estéticas da transformação: iconografia e estilo da cerâmica polícroma da Amazônia [Tese de doutorado, Universidade de São Paulo]. https://doi.org/10.11606/T.71.2022.tde-17022023-150330
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). Antecipam, de certa forma, a fértil articulação entre etnologia e a arqueologia mediada pelos estudos iconográficos (cf. Barreto & Oliveira, 2016Barreto, C., & Oliveira, E. (2016). Para além de potes e panelas: cerâmica e ritual na Amazônia antiga. Revista Habitus, 14(1), 51-72. https://doi.org/10.18224/HAB.V14.1.2016.51-72
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). A descrição também reforça um nexo da vinculação entre corpos humanos e de cobras, cujo fluxo é característica emblemática entre as cerâmicas Polícromas. A pesquisa arqueológica (e etnográfica) permite dar contornos mais nítidos às percepções colonialistas dos primeiros viajantes, ampliar aquilo que estes pouco comentaram e realocar aquilo que deram como essencial. Ademais, a avaliação em longa duração e para além de fronteiras cronológicas é ferramenta imprescindível para o reencontro concreto com as persistências – as continuidades nas mudanças e as mudanças nas continuidades – que permeiam os modos de vida e as materialidades do médio Solimões nos séculos seguintes.

PERSISTÊNCIAS NO CAMINHO DE VOLTA À ARQUEOLOGIA INICIAL DO MÉDIO SOLIMÕES

Como comentado acima, a viagem de Pedro Teixeira marca uma virada na expansão territorial europeia em direção ao médio Solimões, que se torna território de disputa entre as Coroas espanhola e portuguesa por terras, mas, mais importante, pelos corpos indígenas. A vitória bélica lusitana nessa disputa inicia a territorialização portuguesa, a qual impulsiona o processo de desterritorialização dos grupos indígenas das margens do Solimões baseado na realização de expedições escravistas diversas (Dias, 2019Dias, C. L. (2019). Os índios, a Amazônia e os conceitos de escravidão e liberdade. Estudos Avançados, 33(97), 235-252. https://doi.org/10.1590/s0103-4014.2019.3397.013
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), no incentivo dos conflitos interindígenas (Whitehead, 2011Whitehead, N. L. (2011). Indigenous slavery in South America, 1492-1820. In K. Bridley & P. Cartledge (Eds.), The Cambridge world history of slavery (pp. 248-271). Cambridge University Press.) e na dispersão de epidemias (Chambouleyron et al., 2011Chambouleyron, R., Barbosa, B. C., Bombardi, F. A., & Sousa, R. C. (2011). ‘Formidável contágio’: epidemias, trabalho e recrutamento na Amazônia Colonial (1660-1750). História, Ciências, Saúde-Manguinhos, 18(4), 987-1004. https://doi.org/10.1590/s0104-59702011000400002
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). O processo genocida leva à morte de milhares de indígenas nas guerras, nas naus e canoas, nas nascentes lavouras, nas tropas coloniais ou à mercê das bexigas (varíola) e outras doenças. Estimativas como as de Hemming (2007, p. 501)Hemming, J. (2007). Ouro vermelho: a conquista dos índios brasileiros. EdUSP. colocam o Solimões antes da invasão com uma população de 150 mil pessoas. Já em 1762, nas primeiras contagens confiáveis da região, os povoados do Solimões somavam cerca de 2.500 pessoas (Fonseca, 2017Fonseca, A. A. (2017). Os mapas da população no Estado do Grão-Pará: consolidação de uma população colonial na segunda metade do século XVIII. Revista Brasileira de Estudos de População, 34(3), 439-464. https://doi.org/10.20947/S0102-3098A0034
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). Esse processo também leva ao deslocamento de aldeias para longe das margens principais ou para rios mais distantes, locais mais seguros de ataques portugueses. Levam, por fim, à incorporação de indígenas aos povoados portugueses e à sua aproximação maior ou menor com a sociedade colonial. Se, em 1639, Pedro Teixeira caracterizou o médio Solimões como “máquina de gentio” (Teixeira, 2016Teixeira, P. (2016). Relación del General Pedro Tejeira del río de las Amazonas para el Señor Presidente. In S. E. M. Lima & M. C. S. Coutinho (Eds.), Pedro Teixeira, a Amazônia e o Tratado de Madri (pp. 103-112). FUNAG., p. 369), um século depois, em 1743, La Condamine encontrou vazias as margens do Solimões, com exceção das pequenas missões carmelitas, bases para futuros povoados e cidades da região (Figura 4).

Esvaziadas as margens do Solimões, os portugueses enfrentaram-se com a expansão e a resistência Mura que do Madeira se espalhava pelos lagos e canais do médio Solimões em suas duas margens, circulando pelos territórios antes ocupados por Jorimanes, Aisuaris e Ybanomas. Nesse processo, é possível que descendentes desses grupos e de outros grupos dos rios secundários e interflúvios do médio Solimões tenham sido incorporados aos grupos Mura, sendo ‘murificados’, o que explicaria como esses grupos em poucas décadas espalharam-se e dominaram os interiores de toda a região. Utilizando o médio Solimões, em especial os povoados de Tefé, rebatizado de Ega, e Caiçara, ‘curral’ (de escravos) em nheengatu, como base, também expandiram a ação colonizadora pelos grandes rios próximos, como o Japurá e seu interflúvio com o Içá, repetindo, de certa forma, o mesmo processo ocorrido no médio Solimões no século XVII. Nos povoados portugueses, a alta mortalidade indígena impulsionou novas levas de expedições escravistas que, por sua vez, impactaram significativamente sua composição étnica.

As grandes transformações pelas quais passam as populações indígenas ao longo de séculos de colonialismo não impedem significativas persistências, mas também apropriações de suas práticas e produções. Essas persistências não necessariamente se atêm a conexões históricas diretas entre povos, mas a um amplo repertório cultural, compartilhado e manejado historicamente entre centenas de povos que, se relacionando com aspectos socioecológicos, propiciam a reiteração de práticas e produções numa mesma região ao longo do tempo. Parte dessas práticas, entretanto, é rearticulada e transformada para fins coloniais e extrativistas, orientada a atividade comercial através da exploração do trabalho indígena.

É dessa forma que, por exemplo, reencontramos na passagem do casal Agassiz pelas margens do médio Solimões a prática da seca de peixes, que novamente é descrita como atividade comercial importante, mas agora realizada no “sítio” do Major Coutinho sob sua “fiscalização” (L. Agassiz & E. Agassiz, 2000Agassiz, L., & Agassiz, E. C. C. (2000). Viagem ao Brasil (1865-1866). Senado Federal. https://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/1048
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, p. 224) e utilizando de um método de salgar e secar. Descrevem também as casas e fornos de farinha, que até hoje participam da paisagem regional (L. Agassiz & E. Agassiz, 2000Agassiz, L., & Agassiz, E. C. C. (2000). Viagem ao Brasil (1865-1866). Senado Federal. https://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/1048
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, p. 222). Já Bates (2009 [1892])Bates, H. W. (2009 [1892]). The naturalist on the river Amazons: a record of adventures, habits of animals, sketches of Brazilian and Indian life, and aspects of nature under the equator during eleven years of travel. Cambridge University Press. provê longas descrições da apropriação na região dos conhecimentos indígenas sobre o comportamento da tartaruga-da-amazônia, descritos desde Vazquez (1881)Vazquez, F. (1881). Relacion de todo lo que sucedió en la jornada de Omagua y Dorado. Imprenta de Miguel Ginesta., para a exploração em escala massiva de seus ovos, matéria-prima usada para a produção da manteiga de tartaruga, utilizada para fins culinários e como óleo para iluminação (Machado, 2016Machado, D. R. S. (2016). No rastro dos ovos: uma história da exploração e uso da tartaruga-da-amazônia (Podocnemis expansa Schweigger, 1812), 1727-1882 [Tese de doutorado, Fundação Oswaldo Cruz]. https://www.arca.fiocruz.br/handle/icict/50356
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). Negando o manejo descrito no século XVII por Acuña (1891)Acuña, C. (1891). Nuevo descubrimiento del gran rio de las Amazonas. Imprenta de Juan Cayetano García., a apropriação colonial dessas práticas indígenas levaria à brutal redução das tartarugas-da-amazônia (Machado, 2016Machado, D. R. S. (2016). No rastro dos ovos: uma história da exploração e uso da tartaruga-da-amazônia (Podocnemis expansa Schweigger, 1812), 1727-1882 [Tese de doutorado, Fundação Oswaldo Cruz]. https://www.arca.fiocruz.br/handle/icict/50356
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). Por outro lado, Bates (2009 [1892])Bates, H. W. (2009 [1892]). The naturalist on the river Amazons: a record of adventures, habits of animals, sketches of Brazilian and Indian life, and aspects of nature under the equator during eleven years of travel. Cambridge University Press. descreve também o modo generalizado de manter tartarugas em poços e currais domésticos “nos quintais para ter um estoque dos animais pela estação de escassez – os meses chuvosos” (Bates, 2009Bates, H. W. (2009 [1892]). The naturalist on the river Amazons: a record of adventures, habits of animals, sketches of Brazilian and Indian life, and aspects of nature under the equator during eleven years of travel. Cambridge University Press. [1892], p. 264, tradução nossa), o que pode ser pensado como uma miniaturização da prática descrita por Vazquez (1881)Vazquez, F. (1881). Relacion de todo lo que sucedió en la jornada de Omagua y Dorado. Imprenta de Miguel Ginesta. e Acuña (1891)Acuña, C. (1891). Nuevo descubrimiento del gran rio de las Amazonas. Imprenta de Juan Cayetano García.. Sua captura seria feita por indígenas em diferentes regimes de trabalho.

Mas é na produção cerâmica que as persistências conectam mais diretamente as pontas da história de longa duração do médio Solimões. Esse caminho leva ao retorno à materialidade, nas coleções realizadas por viajantes. Ao longo de sua passagem pelo médio Solimões, Spix e Martius descreveram o encontro com mulheres indígenas de Nogueira, povoado do lago Tefé, “afamadas por sua habilidade no fabrico de barro” (Spix & Martius, 2017Spix, J. B. von, & Martius, C. F. (2017). Viagem pelo Brasil (1817-1820) (Vol. 3). Senado Federal., p. 262). Os naturalistas acompanharam as mulheres, que alcunharam de discípulas de Dédalo, “de cabana em cabana, para conhecer a mercadoria e a maneira de trabalhar” (Spix & Martius, 2017Spix, J. B. von, & Martius, C. F. (2017). Viagem pelo Brasil (1817-1820) (Vol. 3). Senado Federal., p. 262). Descreveram, então, duas produções, a primeira de uso doméstico:

. . . preparam aqueles pratos grandes, às vezes de três pés de diâmetro (japunas), que são fixados no fogão de barro para a torrefação de mandioca, e vasilhas hemisféricas (nhaempepó) de diversos tamanhos, em geral sem tampa (cokendapaba), onde cozinham os alimentos. Mais raros, cântaros (reru) e panelas rasas (peririçaba). Fazem, finalmente, os grandes potes (camotim), para conservar as bebidas. Toda essa louça não é vidrada; e, em geral, de fabrico maciço e tosco, e cada qual segundo as diferentes argilas, de cor acinzentada, esbranquiçada ou avermelhada, raramente de tom escuro ou quase preto

(Spix & Martius, 2017Spix, J. B. von, & Martius, C. F. (2017). Viagem pelo Brasil (1817-1820) (Vol. 3). Senado Federal., p. 262).

Já a segunda estaria voltada à venda:

Para a venda, fabricam, com maior cuidado, especialmente uma qualidade de pratos rasos de diversos tamanhos recortados num lado, à semelhança de nossas bacias de barbeiro. . . A matéria-prima para esse fim, uma argila branco-esverdeada ou cinza-esbranquiçada, é durante muito tempo amassada entre as mãos, com esforço, até adquirir a finura e a plasticidade devidas

(Spix & Martius, 2017Spix, J. B. von, & Martius, C. F. (2017). Viagem pelo Brasil (1817-1820) (Vol. 3). Senado Federal., p. 262).

Seguem então à descrição contida na epígrafe do presente artigo, do primor demonstrado nas pinturas complexas, de linhas curvas e retas, flores, animais e arabescos em variadas cores, desenhadas sobre um fundo branco ou vermelho. Citam ainda a produção e aplicação de resinas de jitaicica sobre a superfície das vasilhas decoradas “com o que se forma um verniz brilhante, transparente, que só perde o brilho e resistência por calor demasiado ou líquidos alcoólicos” (Spix & Martius, 2017Spix, J. B. von, & Martius, C. F. (2017). Viagem pelo Brasil (1817-1820) (Vol. 3). Senado Federal., p. 262).

A exposição feita por Spix e Martius (2017, p. 175)Spix, J. B. von, & Martius, C. F. (2017). Viagem pelo Brasil (1817-1820) (Vol. 3). Senado Federal. de uma produção cerâmica relacionada por eles a “descendentes dos jumás” traz similaridades morfológicas, tecnológicas e estilísticas com conjuntos cerâmicos antigos do médio Solimões, em especial da TPA. Esta também apresenta praticamente todas as formas descritas, a diferenciação entre cerâmicas com pouca decoração e outras altamente decoradas (possivelmente voltadas à troca) e a presença de pinturas policrômicas, com linhas curvas e retas, animais e arabescos, realizadas sobre um fundo branco de tabatinga. Essas surpreendentes semelhanças desafiam a cronologia da Tradição Polícroma no médio Solimões, circunscrita anteriormente ao século XVII (Lopes, 2018Lopes, R. A. (2018). A Tradição Polícroma da Amazônia no contexto do médio rio Solimões (AM) [Dissertação de mestrado, Universidade Federal de Sergipe]. https://ri.ufs.br/handle/riufs/8283?locale=en
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). As cerâmicas apresentam também diferenças vinculadas à incorporação de elementos coloniais: as formas similares às bacias de barbeiro europeias e os motivos decorativos florais, notadamente introduzidas ao redor do continente pelos missionários (Tastevin, 2008Tastevin, C. (2008). A lenda de Boiaçu. In P. Faulhaber & R. Monserrat (Orgs.), Tastevin e a etnografia indígena (pp. 137-183). FUNAI.) e presentes também em cachimbos coloniais dos Tapajós (Barata, 1951Barata, F. (1951). A arte oleira dos Tapajó: os cachimbos de Santarém. Revista do Museu Paulista, 5, 183-198.). Duas dessas vasilhas de Nogueira são adquiridas pela dupla de naturalistas e compõem sua coleção presente no Museum Funf-Kontinente, em Munique (Figura 6). Nestas, é possível identificar policromia, com destaque para as cores vermelho, laranja e preto, pintadas acima de engobo cor creme. Em uma das vasilhas, as flores, reproduzidas de forma similar a das cobras nas cerâmicas Polícromas, também produzem uma figura similar a um rosto, outra característica marcante em vasilhas da TPA. No catálogo produzido por Zerries (1980)Zerries, O. (1980). Unter Indianern Brasiliens: Sammlung Spix und Martius, 1817-1820. Pinquin., a vasilha figura no capítulo sobre “Artesanato de indígenas brasileiros aculturados e civilizados”. A arqueologia do médio Solimões, por sua vez, recupera as conexões ancestrais mediadas pelas “descendentes dos jumás”. Na própria Nogueira, Belletti (2015, p. 8)Belletti, J. S. (2015). Arqueologia do Lago Tefé e a expansão polícroma [Dissertação de mestrado, Universidade de São Paulo]. https://doi.org/10.11606/D.71.2015.tde-13102015-153201
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identificou áreas de solos antropizados (terras pretas) e cachimbos cerâmicos com motivos florais e antropomorfos.

Figura 6
Cerâmicas Polícromas do lago Tefé e a persistência das serpentes bicéfalas: A) vasilha arqueológica coletada por Constant Tastevin e descrita no artigo “A lenda de Boiaçu” (Tastevin, 2008Tastevin, C. (2008). A lenda de Boiaçu. In P. Faulhaber & R. Monserrat (Orgs.), Tastevin e a etnografia indígena (pp. 137-183). FUNAI.); B) urna funerária antropomorfa do sítio Tauary, com decalque de sua iconografia; C) vasilhas de Nogueira coletadas por Spix e Martius. A vasilha inferior apresenta em seu centro elementos que formam um rosto antropomorfo feito de flores.

Assinalados por Noronha (1862, p. 36)Noronha, J. M. (1862). Roteiro da viagem da cidade do Pará até as últimas colônias do sertão da província. Typographia de Santos & Irmãos. no século XVIII como originários do rio Coari, os Juma estariam no lago Tefé, segundo Maroni (1892, p. 136)Maroni, P. (Ed.). (1892). Notícias autenticas del famoso rio Marañon. Establecimento Tipográfico de Fortanet., desde o início desse século. Trata-se provavelmente da mesma etnia Juma do rio Purus, falante de língua da família Tupi-Guarani, ligação também evidenciada pela nomenclatura cerâmica colocada entre parêntesis por Spix e Martius. Em sua trajetória histórica, é possível que mulheres juma tenham levado tecnologias cerâmicas Polícromas para Ega. Também é possível que, no contexto das nascentes missões carmelitas, cuja língua comum era o nheengatu, essa tecnologia tenha sido transmitida a elas pelas mulheres Aisuari e Jorimanes, que habitaram as missões desde seu início. Mais provável é pensar nas múltiplas relações de trocas, imposições e resistências entre distintos povos e europeus, imbuídas na produção cerâmica, as quais gestaram uma nova hibridização Polícroma no médio Solimões, em que alguns elementos, como as decorações acanaladas, são abandonados, outros, como a pintura policrômica, são valorizados, e novos elementos, como as flores, são incorporados.

Para além do médio Solimões, a persistência Polícroma na cerâmica colonial e pós-colonial pode ser vista ao redor da Amazônia central e ocidental. É o caso da cerâmica de Barcelos (médio rio Negro) presente na coleção setecentista do naturalista Alexandre Ferreira Rodrigues (Ferreira, 2005Ferreira, A. R. (2005). Alexandre Rodrigues Ferreira. Viagem ao Brasil (Coleção Etnográfica). Kapa Editoral.) (Figura 7), no Museu de Coimbra, que reproduz não apenas formas, técnicas e pinturas Polícromas, mas também a divisão de seções e até a composição de seres ofideomorfos e antropomorfos, amalgamadas também a motivos florais, alças e outras adições (cf. M. Lima, 2014Lima, M. N. (2014). O rio Unini na arqueologia do baixo rio Negro, Amazonas [Dissertação de mestrado, Universidade de São Paulo]. https://doi.org/10.11606/D.71.2014.tde-25042014-105230
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). Atravessando a Amazônia até a região do alto Amazonas e do rio Huallaga, outra coleção da década de 1920, feita pelo militar britânico, Major Ronald Thomas, apresenta cerâmicas com características similares (Figura 7). Novamente, a pintura preta e vermelha sobre uma camada de engobo branco ou creme é utilizada para a confecção de imbricados motivos geométricos e desenhos de cobras, pássaros e flores. Nessas vasilhas, destaca-se que a forma de desenhar motivos de serpentes e de flores segue a mesma lógica espiralar espelhada inversamente, que, por seu lado, é análoga, ou mesmo homóloga, à representação da serpente bicéfala presente no material Polícromo pré-colonial (Oliveira, 2022Oliveira, E. (2022). Estéticas da transformação: iconografia e estilo da cerâmica polícroma da Amazônia [Tese de doutorado, Universidade de São Paulo]. https://doi.org/10.11606/T.71.2022.tde-17022023-150330
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). Essa configuração poderia indicar uma reprodução escamoteada do tema da serpente frente à imposição da temática colonial, orientada para representações florais, ou a apropriação desse tema indígena sob novas formas, expressando, de toda forma, a tensão entre formas indígenas e a ‘colonização’ da cerâmica indígena. O inventário de Thomas entregue ao Museu Pitt-Rivers detalha apenas que essas cerâmicas policrômicas teriam sido adquiridas nas cidades de Iquitos e Yurimaguas, esta última situada na antiga missão composta pelos Jorimanes que subiram com Fritz no século XVIII.

Figura 7
Cerâmicas Polícromas coloniais e pós-coloniais: A) vasilhas de Iquitos e Yurimaguas coletadas pelo Major Thomas; B) vasilhas de Barcelos coletadas por Alexandre Ferreira Rodrigues. Fontes: copyright Pitt Rivers Museum, University of Oxford, accession nos. 1923.88.79 & 1923.88.84 (A); Ferreira (2005)Ferreira, A. R. (2005). Alexandre Rodrigues Ferreira. Viagem ao Brasil (Coleção Etnográfica). Kapa Editoral..

Retornando ao médio Solimões, a coleção de Tastevin, localizada no Museu Quai-Branly, complementa o quadro de persistências Polícromas (Figura 6). Trata-se de uma vasilha globular nitidamente associada à TPA. Embora a vasilha seja inscrita na coleção como arqueológica, Tastevin se põe a compreender a produção de seus motivos através do estudo etnográfico. Em artigo sobre as narrativas de Boiaçu, a Cobra Grande, o francês coleta relatos e ‘lendas’ ao redor do médio e alto Solimões, e denota a relação entre essa entidade e a produção de grafismos cerâmicos. Entre esses relatos, consta o da neta de Juri, do lago Tefé, cuja avó “criava cobras em jarras pintadas com as cores de Boiaçu” (Tastevin, 2008Tastevin, C. (2008). A lenda de Boiaçu. In P. Faulhaber & R. Monserrat (Orgs.), Tastevin e a etnografia indígena (pp. 137-183). FUNAI., p. 169). Na lenda de Boiaçu, na qual esta tira seu invólucro de cobra, revelando-se como uma mulher idosa e ensinando a uma jovem sobre o fazer cerâmico, é apresentada uma visão indígena sobre as próprias raízes dos desenhos:

Elas subiram e a velha mostrou à moça como se pintam os potes. Pegou argila branca e com ela cobriu os potes com uma textura uniforme. A seguir, com terra amarela, terra preta e urucu, fez belos desenhos muito variados e disse à jovem: “Há duas espécies de pintura: a pintura indígena e a pintura de flores. Chamamos pintura indígena aquela que desenha a cabeça do lagarto, o caminho da Cobra Grande, o ramo de pimenteira, o peito de Boiaçu etc., e a outra é aquela que consiste em pintar flores”

(Tastevin, 2008Tastevin, C. (2008). A lenda de Boiaçu. In P. Faulhaber & R. Monserrat (Orgs.), Tastevin e a etnografia indígena (pp. 137-183). FUNAI., p. 168).

Além de trazer interessantes elementos para a interpretação iconográfica das cerâmicas Polícromas, os estudos de Tastevin revelam vivas e pulsantes memórias e vivências sobre essa produção cerâmica, distante de seu congelamento como entidade arqueológica pré-colonial. Essa disjunção leva a completar o caminho de volta e chegar novamente a Métraux, assinalado acima como aquele que, a partir das coletas e relatos de Tastevin, faz uma sistematização inicial do contexto arqueológico do Solimões (Métraux, 1930Métraux, A. (1930). Contribution à l’étude de l’archéologique du cours supérieur et moyen de l’Amazone. Revista Del Museo de La Plata, 32(1), 145-185. https://publicaciones.fcnym.unlp.edu.ar/rmlp/article/view/1427
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). O trabalho tem como marca a diferenciação entre a cerâmica arqueológica, inclusive o que seria caracterizado posteriormente como TPA, e a cerâmica etno-histórica dos Omáguas e Cocamas (Métraux, 1948Métraux, A. (1948). Tribes of the middle and upper Amazon. In J. H. Steward (Ed.), Handbook of South American Indians. The tropical forest tribes (pp. 687-713). Forgotten Books., p. 174), inclusive mostrando exemplares recentes desta (Métraux, 1948Métraux, A. (1948). Tribes of the middle and upper Amazon. In J. H. Steward (Ed.), Handbook of South American Indians. The tropical forest tribes (pp. 687-713). Forgotten Books., p. 696) (Figura 7), nas quais mantém-se a policromia baseada no uso do preto e vermelho sobre um branco ou creme. O movimento de Métraux, absorvido inicialmente pela arqueologia regional, cinde o fértil caminho traçado por Tastevin, no qual arqueologia, etno-história e etnografia se entrelaçariam na compreensão da produção cerâmica Polícroma. Deixa, então, marcas duradouras que bloquearam por décadas a integração dos trabalhos de Tastevin à discussão arqueológica, que só recentemente vem sendo retomada (Oliveira, 2022Oliveira, E. (2022). Estéticas da transformação: iconografia e estilo da cerâmica polícroma da Amazônia [Tese de doutorado, Universidade de São Paulo]. https://doi.org/10.11606/T.71.2022.tde-17022023-150330
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).

CONCLUSÃO

Atravessando do início da arqueologia regional aos contextos milenares da história profunda, e seguindo um sinuoso caminho de volta pelos relatos fundacionais da experiência colonial na Amazônia, chegando aos artigos etnológicos e arqueológicos da primeira metade do século XX, abre-se um novo ponto de partida para reinterpretar a história do médio Solimões em seus últimos séculos. São aportes iniciais para novas interpretações que reavaliam os impactos do colonialismo na região a serem aprofundados.

O primeiro passo é o de repensar a TPA no médio Solimões. Caracterizada como uma produção cerâmica emblemática, algumas das marcas essenciais da TPA persistiram nas mãos de mulheres indígenas e suas descendentes. A etnologia já classificou essa produção como de indígenas ‘aculturados e civilizados’, mas um olhar mais atento revela uma profundidade histórica milenar que se combina a novos elementos. O presente artigo buscou reconectar essa produção ao registro arqueológico, reinterpretando-a não como ‘aculturada’, mas, pelo contrário, como fruto de persistências indígenas materializadas por ceramistas que manejaram em suas práticas continuidades e transformações. Nesse ponto, é importante retomar que o período inicial da cerâmica Polícroma na região é marcado por uma longa duração de fluxos estilísticos que resulta em hibridizações diversas, mas, mesmo assim, na manutenção de diferenças estilísticas guiadas por uma tensão entre identidade e diferença (Lopes, 2018Lopes, R. A. (2018). A Tradição Polícroma da Amazônia no contexto do médio rio Solimões (AM) [Dissertação de mestrado, Universidade Federal de Sergipe]. https://ri.ufs.br/handle/riufs/8283?locale=en
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). Ou seja, a incorporação de elementos externos faz parte da própria fundação desse modo de fazer. Dessa forma, os períodos colonial e pós-colonial formam uma nova etapa de hibridizações Polícromas na região. A manutenção da produção, das narrativas em torno dela e até dos motivos identificados como indígenas seria também uma maneira de negociação e resistência frente ao apagamento cultural colonial (cf. Oliveira, 2022Oliveira, E. (2022). Estéticas da transformação: iconografia e estilo da cerâmica polícroma da Amazônia [Tese de doutorado, Universidade de São Paulo]. https://doi.org/10.11606/T.71.2022.tde-17022023-150330
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). Contando com o primor estético dessa tecnologia que desde Carvajal encantou os europeus, mulheres indígenas puderam manter, transmitir e transformar modos de fazer e as narrativas que com eles se entrelaçam.

Em resumo, uma circunscrição cronológica regional da Tradição Polícroma que ignora essa persistência insiste na distinção ‘colapsista’ que cinde história antiga e períodos posteriores. Essa foi a posição hegemônica nos estudos da TPA e que o presente artigo propõe superar, indicando que é possível falar em produção de cerâmica da TPA até a aurora do século XX. Embora o presente artigo foque na região do médio Solimões, os indícios de persistências Polícromas em outras regiões indicam a necessidade de maiores estudos sobre o tema. O caminho das cerâmicas abre espaço para a busca de mais conexões entre o passado profundo e as populações indígenas do Solimões e seus afluentes, para além dos Omágua, como os Mura, Juma, Passés e outros.

Os relatos até Tastevin indicam que, mesmo entre os escritos mais tardios, ainda há o potencial de comparação para compreender os vestígios antigos e aguçar a imaginação arqueológica. É o exemplo das descrições presentes sobre as cadeias operatórias cerâmicas, como o uso das resinas vegetais de base de jutaí nas superfícies cerâmicas (Spix & Martius, 2017Spix, J. B. von, & Martius, C. F. (2017). Viagem pelo Brasil (1817-1820) (Vol. 3). Senado Federal., p. 262; Tastevin, 2008Tastevin, C. (2008). A lenda de Boiaçu. In P. Faulhaber & R. Monserrat (Orgs.), Tastevin e a etnografia indígena (pp. 137-183). FUNAI., p. 171). Tastevin também atribui a base mineral das tintas às “fezes de Boiaçu” (Tastevin, 2008Tastevin, C. (2008). A lenda de Boiaçu. In P. Faulhaber & R. Monserrat (Orgs.), Tastevin e a etnografia indígena (pp. 137-183). FUNAI., p. 171), nome popular para os blocos de laterita encontrados nas praias do Solimões e cujos estudos arqueométricos de fato apontam como matéria-prima milenar para os pigmentos Polícromos (S. Lima et al., 2023Lima, S. C., Neves, E. G., Almeida, R., Rizzutto, M. A., Campos, P. H. O. V., Rodrigues, C. L., & Silva, T. F. (2023). Amazon ceramics and their color palette–the use of ion beam analysis to determine the pigments. IAEA-CN, 1-7. https://conferences.iaea.org/event/264/contributions/22049/attachments/11964/22351/P_228_Lima_Full-Paper.pdf
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). Por fim, a própria interpretação que Tastevin apresenta sobre os grafismos Polícromos e sua relação com a Cobra Grande reforçam essas conexões. Esse conhecimento, adquirido na relação com os povos do médio Solimões, não se esgota no início do século XX. De fato, os habitantes das cidades e comunidades do médio Solimões continuam a reproduzir uma série de práticas milenares e a guardar um admirável arcabouço de conhecimentos e interpretações sobre a história antiga regional. Como já estudado em outros contextos amazônicos e no próprio médio Solimões, a cerâmica, em sua produção contemporânea ou na forma fragmentada abaixo das atuais comunidades, é uma materialidade central na mediação entre tempos, saberes e histórias (Bezerra, 2013Bezerra, M. (2013). Os sentidos contemporâneos das coisas do passado: reflexões a partir da Amazônia. Revista Arqueologia Pública, 7(1[7]), 107-122. https://doi.org/10.20396/RAP.V7I1.8635674
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; Gomes, 2021Gomes, J. (2021). Desvios e encantados: uma outra arqueologia da paisagem na Amazônia. Revista de Arqueologia, 34(2), 61-73. https://revista.sabnet.org/ojs/index.php/sab/article/view/826
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; M. Silva, 2022Silva, M. A. (2022). Abordagens educacionais para uma arqueologia parente com comunidades tradicionais da RDS Amanã e da FLONA Tefé, Amazonas [Tese de doutorado, Universidade de São Paulo]. https://doi.org/10.11606/T.71.2022.tde-17022023-153451
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). Por outro lado, as cerâmicas, em suas morfologias e iconografias emblemáticas, tornam-se objetos resistentes no presente como símbolos da persistência indígena (Barreto, 2020Barreto, C. (2020). Do teso marajoara ao sambódromo: agência e resistência de objetos arqueológicos da Amazônia. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, 15(3), 1-19. https://doi.org/10.1590/2178-2547-BGOELDI-2019-0106
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).

A sequência histórica esboçada no presente artigo reforça a importância não apenas do diálogo interdisciplinar entre arqueologia (antes e depois da invasão europeia), história e etnologia, mas do próprio diálogo intertemporal, no qual o passado profundo se atualiza nos momentos posteriores, que, por sua vez, abrigam chaves interpretativas para o passado milenar. Integrando história antiga, história indígena e presente etnográfico, é possível abordar os impactos reais do colonialismo. Longe de uma repetição milenar do presente ou uma transformação irreconhecível, essa abordagem auxilia a entender as transformações causadas pelo colonialismo na paisagem cultural e socionatural, mas também as continuidades, resistências e persistências que conectam a história antiga da Amazônia ao seu presente e que, atualmente, embasam debates sobre seu futuro (Neves & Heckenberger, 2019Neves, E. G., & Heckenberger, M. J. (2019). The call of the wild: rethinking food production in ancient Amazonia. Annual Review of Anthropology, 48(1), 371-388. https://doi.org/10.1146/annurev-anthro-102218-011057
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). Esse é um apelo feito não apenas para que arqueólogos trabalhando em contextos pré-coloniais se debrucem cada vez mais sobre os potenciais dos dados históricos, para além do diálogo já bem estabelecido com a etnologia, mas a historiadores e etnólogos que frequentemente não se atentam às férteis conexões entre contextos arqueológicos antigos e seus próprios temas de pesquisa.

Os modos de vida e as materialidades dos povos da Amazônia são permeados por essas relações entre tempos e ancestralidades que se vinculam às histórias concretas contadas de muitas maneiras – histórias essas que o colonialismo, em suas mil formas e agentes, buscou apagar, simplificar e minimizar. As sínteses possíveis dessas histórias desafiam, no plano teórico, as narrativas hegemônicas sobre a Amazônia que embasam projetos políticos de novas expropriações de seus povos. Elas podem e devem, portanto, ser ferramentas de resistência e libertação para esses povos.

  • 1
    Segundo Barreto et al. (2016, p. 592)Barreto, C., Lima, H. P., & Betancourt, C. J. (2016). Glossário. In Autoras, Cerâmicas arqueológicas da Amazônia: rumo a uma nova síntese (pp. 551-602). IPHAN/Ministério da Cultura., “a tradição Borda Incisa, definida por Meggers e Evans (1961Meggers, B. J., & Evans, C. (1961). An experimental formulation of horizon styles in the tropical forest area of South America. In S. Lothrop (Ed.), Essays in Pre-Columbian Art and Archaeology (pp. 372-388). Harvard University Press., 1983)Meggers, B. J., & Evans, C. (1983). Lowland South America and the Antilles. Ancient South America. In J. D. Jennings (Ed.), Ancient South Americans (pp. 286-335). W. H. Freeman and Company., engloba cerâmicas datadas em torno dos primeiros séculos d.C., que possuem em comum uma forte ênfase nas decorações modeladas, associadas com incisões e engobo vermelho. . .”.
  • 2
    Província que Carvajal chama também de Homaga ou Oniguayal (Porro, 2016Porro, A. (2016). As crônicas do rio Amazonas. EDUA.); sobre ela, Porro (2016, p. 48)Porro, A. (2016). As crônicas do rio Amazonas. EDUA. mostra que, a partir do rio Solimões acima, se distingue dos povos Omágua.
  • 3
    Curuzirari, para Acuña (1891)Acuña, C. (1891). Nuevo descubrimiento del gran rio de las Amazonas. Imprenta de Juan Cayetano García., Carapunas, para Heriarte (1874)Heriarte, M. (1874). Descripçam do Maranham, Pará. Vienna d’a Austria. https://objdigital.bn.br/acervo_digital/div_obrasraras/or110374/or110374.pdf
    https://objdigital.bn.br/acervo_digital/...
    , e Aysuari, para Cruz (1900)Cruz, L. (1900). Nuevo descubrimiento del rio de Marañon llamado de las Amazonas. Biblioteca de la Irradiación. https://bdh-rd.bne.es/viewer.vm?id=0000055587&page=1
    https://bdh-rd.bne.es/viewer.vm?id=00000...
    .
  • 4
    Yoriman, para Acuña (1891)Acuña, C. (1891). Nuevo descubrimiento del gran rio de las Amazonas. Imprenta de Juan Cayetano García., Yurimagua, para Fritz (1892)Fritz, S. (1892). Diario del Padre Samuel Fritz. In P. Maroni (Ed.), Notícias autenticas del famoso rio Marañon (pp. 434-513). Establecimento Tipográfico de Fortanet., Sorimão, Solimão ou Solimões para portugueses (Porro, 2007Porro, A. (2007). Dicionário etno-histórico da Amazônia colonial. EDUSP.).
  • 5
    Para compreensão dos parâmetros metodológicos da análise deste registro, conferir Lopes (2018)Lopes, R. A. (2018). A Tradição Polícroma da Amazônia no contexto do médio rio Solimões (AM) [Dissertação de mestrado, Universidade Federal de Sergipe]. https://ri.ufs.br/handle/riufs/8283?locale=en
    https://ri.ufs.br/handle/riufs/8283?loca...
    .
  • 6
    Para Carvajal (1894, p. 34)Carvajal, G. (1894). Descubrimiento del Río de las Amazonas. Imprenta de E. Rasco., em uma aldeia haveria “más de mil tortugas” e, para Vazquez (1881, p. 26)Vazquez, F. (1881). Relacion de todo lo que sucedió en la jornada de Omagua y Dorado. Imprenta de Miguel Ginesta., seriam “más de seis mil tortugas grandes, que los índios tenían para comer”.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) pelo apoio à pesquisa (processo nº 2018/21941-1); a Cristiana Barreto e Claide Moraes, pelo incentivo à pesquisa com as fontes históricas; à Maria Luísa Lucas, pelas providenciais fotos do material de Spix e Martius; a Nicholas Crowe, pela ajuda com a documentação da coleção do Major Thomas; ao Museu Pitt-Rivers, Museu Quai-Branly e Museum Funf-Kontinente, pela disponibilização das imagens.

  • Lopes, F. A., Almeida, F. O., Tamanaha, E., & Neves, E. G. (2024). Entre a história antiga amazônica e seu presente etnográfico: colonialismo e persistências nas trajetórias indígenas de longa duração do médio Solimões, Amazonas. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, 19(2), e20230072. doi: 10.1590/2178-2547-BGOELDI-2023-0072.

REFERÊNCIAS

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  • Aguiar, J. V. S. (2011). Narrativas sobre povos indígenas na Amazônia [Tese de doutorado, Universidade Federal do Rio Grande do Sul]. https://lume.ufrgs.br/handle/10183/49075
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  • Almeida, F. O., Lopes, R. A., & Stampanoni Bassi, F. (2021). The cosmopolitan misfits of mainstream Amazonia. In M. Bonomo & S. Archila (Eds.), South American contributions to world archaeology. One world archaeology (pp. 383-409). Springer Nature. https://doi.org/10.1007/978-3-030-73998-0_15
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  • Amazonas, L. M. F. (2008). Em busca de Omagua e Dorado: mito e rebelião na jornada de pedrarias de Almesto, Francisco Vázquez e Gonzalo de Zuñiga (1560-1561) [Dissertação de mestrado, Universidade Federal do Amazonas]. https://tede.ufam.edu.br/handle/tede/3738
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Editado por

Responsabilidade editorial: Pedro Glécio Costa Lima

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Set 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    29 Jul 2023
  • Aceito
    14 Mar 2024
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