Acessibilidade / Reportar erro

Tradução e adaptação cultural da Shame and Stigma Scale (SSS) para a língua portuguesa (Brasil) para avaliação de pacientes com câncer de cabeça e pescoço Como citar este artigo: Pirola WE, Paiva BS, Barroso EM, Kissane DW, Serrano CV, Paiva CE. Translation and cultural adaptation of the Shame and Stigma Scale (SSS) into Portuguese (Brazil) to evaluate patients with head and neck cancer. Braz J Otorhinolaryngol. 2017;83:697-704.

Resumo

Introdução:

O câncer de cabeça e pescoço corresponde à sexta causa de morte por câncer no mundo; seu tratamento pode envolver cirurgia, quimio e/ou radioterapia, a cirurgia pode acarretar sequelas mutiladoras, pode alterar a autoimagem do paciente. Assim, o câncer de cabeça e pescoço é muitas vezes ligado ao estigma negativo, com diminuição da qualidade de vida. Poucos instrumentos avaliam o estigma social e a vergonha percebidos por pacientes com câncer de cabeça e pescoço.

Objetivo:

Traduzir e adaptar culturalmente a Shame and Stigma Scale (SSS) para o português/Brasil.

Método:

Fizeram-se duas traduções independentes (do inglês para o português) por dois profissionais fluentes na língua inglesa. Após a síntese das traduções, duas retrotraduções independentes (do português para o inglês) foram feitas por dois tradutores cuja língua materna é o inglês. Todas as traduções foram analisadas criticamente por um comitê de especialistas composto por cinco membros. Uma amostra de 15 pacientes respondeu à versão em português/Brasil da SSS para o pré-teste. Nessa etapa, os pacientes puderam sugerir modificações e avaliar o entendimento dos itens.

Resultados:

Não houve necessidade de alteração da escala após essa fase. A partir das etapas anteriores, obteve-se a versão em português/Brasil da SSS, denominada de Escala de Vergonha e Estigma.

Conclusão:

A versão em português/Brasil da SSS se mostrou apta para ser aplicada na população com câncer de cabeça e pescoço; portanto, as propriedades psicométricas do instrumento serão avaliadas na etapa seguinte.

Palavras-chave:
Qualidade de vida; Vergonha; Estigma social; Neoplasias de cabeça e pescoço

Abstract

Introduction:

Head and neck cancer is the sixth leading cause of death from cancer worldwide and its treatment may involve surgery, chemotherapy and/or radiation therapy. The surgical procedure may cause mutilating sequelae, that can alter patient self-image. Thus, head and neck cancer is often connected to the negative stigma with decreased quality of life. Few studies assess the social stigma and shame perceived by patients with head and neck cancer.

Objective:

To perform the translation and cultural adaptation of the Shame and Stigma Scale (SSS) into Portuguese (Brazil).

Methods:

Two independent translations (English into Portuguese) were carried out by two professionals fluent in the English language. After the synthesis of the translations, two independent back-translations (from Portuguese into English) were performed by two translators whose native language is English. All translations were critically assessed by a committee of experts consisting of five members. A sample of 15 patients answered the Brazilian Portuguese version of the SSS to carry out the pretest. At this step, the patients were able to suggest modifications and evaluate the understanding of the items.

Results:

There was no need to change the scale after this step. Based on the previous steps, we obtained the Portuguese (Brazil) version of the SSS, which was called "Escala de Vergonha e Estigma".

Conclusion:

The Portuguese (Brazil) version of the SSP was shown to be adequate to be applied to the population with HNC and, therefore, the psychometric properties of the tool will be evaluated during following steps.

Keywords:
Quality of life; Shame; Social stigma; Head and neck cancer

Introdução

O câncer de cabeça e pescoço (CCP) corresponde às neoplasias da região anatômico-topográfica do trato aerodigestivo superior, dentre eles, aproximadamente 90% são do tipo carcinoma espinocelular (CEC).11 Casati MFM, Vasconcelos JA, Vergnhanini JA. Epidemiologia do câncer de cabeça e pescoço no Brasil: estudo transversal de base populacional. Rev Bras Cir Cabeça Pescoço. 2012;41:186-91. Dos 580 mil novos casos de câncer estimados no Brasil em 2016, mais de 15 mil são localizados em cavidade oral e mais de sete mil novos casos em laringe. Assim, considerando em conjunto essas duas localizações, o CCP ocupa a segunda e nona posições em incidência, entre os homens e mulheres, respectivamente.22 INCA. Estimativa 2016: incidência de câncer no Brasil/Instituto Nacional de Câncer José Alencar da Silva, Coordenação Geral de Ações estratégicas, Coordenação de Prevenção e Vigilância Rio de Janeiro 2012 [accessed in 08.02.16.]. Available in: http://www.inca.gov.br/estimativa/2016/estimativa-2016-v11.pdf.
http://www.inca.gov.br/estimativa/2016/e...

Os principais fatores de risco associados aos CCP são tabagismo e etilismo. Dentre outros fatores, o papilomavírus humano (HPV) está diretamente relacionado aos tumores de orofaringe;33 Rettig EM, D'Souza G. Epidemiology of head and neck cancer. Surg Oncol Clin N Am. 2015;24:379-96. já o vírus Epstein-Barr está associado com neoplasias de nasofaringe.44 Pezzuto F, Buonaguro L, Caponigro F, Ionna F, Starita N, Annunziata C, et al. Update on head and neck cancer: current knowledge on epidemiology, risk factors, molecular features and novel therapies. Oncology. 2015;89:125-36. As taxas de incidência dessas neoplasias têm diminuído em países onde também ocorreu diminuição do tabagismo.44 Pezzuto F, Buonaguro L, Caponigro F, Ionna F, Starita N, Annunziata C, et al. Update on head and neck cancer: current knowledge on epidemiology, risk factors, molecular features and novel therapies. Oncology. 2015;89:125-36. No entanto, 5 a 30% dos pacientes diagnosticados com CCP nunca fumaram.55 Hashibe M, Brennan P, Benhamou S, Castellsague X, Chen C, Curado MP, et al. Alcohol drinking in never users of tobacco, cigarette smoking in never drinkers, and the risk of head and neck cancer: pooled analysis in the International Head and Neck Cancer Epidemiology Consortium. J Natl Cancer Inst. 2007;99:777-89.

O CCP é uma condição agressiva, debilitante, associada a dores e perda de peso. O tratamento pode ser feito por meio cirúrgico e/ou radioterápico, tratamento sistêmico com quimioterapia e/ou novas drogas. Para a definição do tratamento são obrigatórios a avaliação das características biológicas do tumor e o correto estadiamento clínico. Além disso, é importante avaliar as condições clínicas do paciente e discutir criticamente com ele as complicações que o tratamento pode acarretar. Sempre que possível, o paciente deve participar ativamente das decisões compartilhadas sobre o seu tratamento.66 Rathod S, Livergant J, Klein J, Witterick I, Ringash J. A systematic review of quality of life in head and neck cancer treated with surgery with or without adjuvant treatment. Oral Oncol. 2015;51:888-900.

Os eventos adversos da quimio e radioterapia, além das mutilações decorrentes da cirurgia, podem interferir negativamente na qualidade de vida reportada pelos pacientes.77 Zhang SM, Wu XF, Li JJ, Zhang GH. Management of lymph node metastases from an unknown primary site to the head and neck (review). Mol Clin Oncol. 2014;2:917-22.

As cirurgias podem acarretar modificações na imagem corporal do paciente, seja por alterações na pele ou pelo aparecimento de cicatrizes.88 Moss TP. The relationships between objective and subjective ratings of disfigurement severity, and psychological adjustment. Body Image. 2005;2:151-9. Contudo, quando os pacientes necessitam de alguma intervenção cirúrgica na face, a autoimagem se altera significativamente, por ser a principal parte do corpo em contato visual com as pessoas. As alterações físicas fazem com que o paciente defina sua imagem corporal por meio das novas experiências, modifique seus sentimentos e atitudes. Indivíduos que sofreram mutilações na face vivenciam experiência traumática que pode causar impacto negativo na qualidade de vida e diminuição da autoestima.88 Moss TP. The relationships between objective and subjective ratings of disfigurement severity, and psychological adjustment. Body Image. 2005;2:151-9.

Estudos apontam uma significativa queda na qualidade de vida dos pacientes oncológicos pós-tratamento, principalmente em relação à sociabilização com outras pessoas fora do seu convívio habitual, ou ainda com a própria família. Tais interações sociais podem ser prejudicadas por diversos fatores, como depressão, vergonha pelas modificações na voz ou vergonha da aparência.99 Babin E, Sigston E, Hitier M, Dehesdin D, Marie JP, Choussy O. Quality of life in head and neck cancers patients: predictive factors, functional and psychosocial outcome. European archives of otorhinolaryngology. Eur Arch Otorhinolaryngol. 2008;265:265-70.,1010 Nalbadian M, Nikolaou A, Nikolaidis V, Petridis D, Themelis C, Daniilidis I. Factors influencing quality of life in laryngectomized patients. European archives of oto-rhino-laryngology. Eur Arch Otorhinolaryngol. 2001;258:336-40.

O CCP e as sequelas do tratamento são atrelados principalmente ao estigma negativo, ligado a deterioração, morte e sofrimento. Assim, tanto pacientes quanto seus parentes passam por processo de readaptação, principalmente em relação à imagem corporal.1111 Fingeret MC, Teo I, Goettsch K. Body image: a critical psychosocial issue for patients with head and neck cancer. Curr Oncol Rep. 2015;17:22. O sentimento de estigma pode ser definido como uma sensação de vergonha, resultado de grande impacto negativo na aparência física, como mutilação causada por procedimentos cirúrgicos. Pacientes com esses sintomas podem apresentar depressão e isolamento social.1212 Kissane DW, Patel SG, Baser RE, Bell R, Farberov M, Ostroff JS, et al. Preliminary evaluation of the reliability and validity of the shame and stigma scale in head and neck cancer. Head Neck. 2013;35:172-83.

Assim, torna-se necessário identificar de maneira objetiva o quanto as intervenções relacionadas ao tratamento e à própria doença podem interferir na vida do paciente com CCP. Por meio de revisão da literatura, encontrou-se um instrumento que avalia objetivamente a sensação de vergonha e estigma relatados pelo paciente. A Shame and Stigma Scale (SSS) é uma escala composta por 20 itens, divididos em quatro domínios, oito itens relacionados a vergonha e aparência; três sobre o isolamento social; seis quanto à sensação de estigma; e três sobre arrependimento. As respostas são graduadas em uma escala do tipo likert, que varia de 0 a 4, na qual 0 corresponde a never; 1 seldon; 2 sometimes; 3 often; e 4 all the time. A SSS foi desenvolvida recentemente, originalmente em inglês, apresentou adequadas propriedades psicométricas no estudo original.1212 Kissane DW, Patel SG, Baser RE, Bell R, Farberov M, Ostroff JS, et al. Preliminary evaluation of the reliability and validity of the shame and stigma scale in head and neck cancer. Head Neck. 2013;35:172-83.

O objetivo deste estudo foi traduzir e adaptar culturalmente a escala SSS para a língua portuguesa falada no Brasil.

Método

Desenho do estudo

O presente estudo faz parte de um projeto maior, cujo objetivo final é validar a SSS para uso no Brasil. Neste artigo descreveremos em detalhes a parte de tradução e adaptação, a avaliação das propriedades psicométricas encontra-se ainda em execução. Assim, é considerado um estudo metodológico, de validação de instrumento de avaliação em saúde.

Aspectos éticos

O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do hospital em que foi feito (parecer n° 914/2015). Todos os envolvidos foram convidados a participar da pesquisa e assinar um termo de consentimento livre e esclarecido. Foram convidados a participar do estudo pacientes com sequela funcional e/ou estética proveniente do tratamento de neoplasias em região de cabeça e pescoço, maiores de 18 anos e cientes do diagnóstico oncológico. Foram excluídos pacientes com disfunções neuropsíquicas que dificultassem a interpretação das escalas usadas, de acordo com a avaliação do pesquisador.

Os pacientes foram recrutados por conveniência no Departamento de Odontologia de um hospital oncológico. Todas as entrevistas foram feitas por um único entrevistador em uma sala reservada, na qual estavam presentes apenas o paciente e o entrevistador, a fim de manter o sigilo das respostas e diminuir qualquer inibição do paciente ao responder o questionário. O entrevistador não participou do tratamento dos pacientes, foi responsável apenas pela coleta de dados. Foram convidados a participar do estudo 15 pacientes e não houve recusa.

Processo de tradução e adaptação cultural

A SSS foi submetida a processo de tradução e adaptação cultural de acordo com Beaton et al.1313 Beaton DE, Bombardier C, Guillemin F, Ferraz MB. Guidelines for the process of cross-cultural adaptation of self-report measures. Spine (Phila PA 1976). 2000;25:3186-91. Para o processo de tradução, leva-se em consideração a execução de cinco fases, tradução, síntese da tradução, retrotradução, comitê de especialistas e pré-teste.

  • - Tradução: feita por pelo menos dois tradutores que tenham como idioma principal a língua para a qual o instrumento será traduzido e tenham fluência na língua original do instrumento.

  • - Síntese da tradução: feita em parceria com tradutores e pesquisadores responsáveis pelo estudo. O objetivo desta etapa é finalizar uma nova versão do instrumento na língua proposta para o estudo.

  • - Retrotradução: tradução reversa por tradutores fluentes no idioma para o qual o instrumento é traduzido e no idioma do instrumento original. Para essa etapa, os tradutores não devem ter conhecimento prévio do instrumento original, para que não sejam induzidos ao processo de tradução. No presente estudo, as versões retrotraduzidas foram comparadas com as originais com a colaboração de um dos autores, que desenvolveu originalmente a escala.

  • - Comitê de especialistas: analisa todas as versões, segue parâmetros de linguagem semântico-idiomática, conceitual e cultural e posteriormente consolida uma versão pré-final para ser aplicada em uma amostra menor de pacientes. Tem autonomia para modificar, preservar ou eliminar itens que forem ambíguos ou irrelevantes. No presente estudo, os membros do comitê usaram pontuações para todas as versões da escala com escores que variaram de 1 (item não representativo) a 4 (item representativo). Para todos os itens da escala, e suas respectivas respostas, foram avaliadas três categorias: semântica/idiomática, conceitual e cultural.1414 Fayers PM, Machin D. Introduction. In: Fayers PM, Machin D, editors. Quality of life: the assessment, analysis and interpretation of patient-reported outcomes. England: John Wiley & Sons Ltd.; 2007. p. 3-30..A partir dessas avaliações, calculou-se o índice de validade de conteúdo (IVC), levaram-se em consideração as respostas com notas 3 e 4. Assim, o IVC de cada item correspondeu à soma do número de respostas 3 e 4 dividido pelo número total de respostas. Para que o item avaliado fosse considerado adequado, foi aceito um valor mínimo de 0,80.1515 Alexandre NMC, Coluci MZO. Content validity in the development and adaptation processes of measurement instruments. Ciênc Saude Col. 2011;16:3061-8.

  • - Pré-teste: nessa etapa, os pacientes foram convidados a participar do estudo e responder à versão pré-final do instrumento. Todos foram perguntados quanto a possíveis sugestões que pudessem melhorar o entendimento da escala. Além disso, o pesquisador responsável pela aplicação do pré-teste avaliou objetivamente, de acordo com sua opinião, se os pacientes entendiam ou não adequadamente os itens e as respostas. Os pacientes também foram perguntados se algum item lhes parecia constrangedor.

Todas as etapas do processo de tradução e adaptação cultural podem ser visualizadas na figura 1.

Figura 1
Fluxograma do processo de tradução e adaptação cultural.

Resultados

Processo de tradução e adaptação cultural

Para o processo de tradução da língua inglesa para o português (Brasil), dois tradutores bilíngues (português-inglês) nativos do Brasil foram convidados a traduzir a versão da SSS; as novas versões da escala foram denominadas V1 e V2. Nenhum dos tradutores tinha conhecimento prévio da escala. As duas versões na língua portuguesa foram analisadas por um grupo formado por três autores do estudo, os quais tinham como objetivo sintetizar as versões traduzidas em uma nova versão (V12).

Em sequência, o resultado da primeira versão da escala em português (Brasil) foi submetido a tradução reversa para o inglês por dois nativos em língua inglesa, um americano e um australiano; ambos tinham fluência na língua portuguesa (versões denominadas B1 e B2).

Neste estudo, o comitê de especialistas foi formado por cinco membros: (1) oncologista clínico, pós-doutor em oncologia, com mais de 10 anos de experiência clínica em oncologia, com experiência prévia em validação de instrumentos de avaliação; (2) enfermeira, pós-doutora em oncologia, com mais de 15 anos de experiência clínica, com experiência prévia em validação de instrumentos de avaliação; (3) cirurgião-dentista, doutor em oncologia, com mais de 10 anos de experiência clínica em oncologia e experiência prévia em validação de instrumentos de avaliação; (4) cirurgião-dentista, especialista em oncologia, com cinco anos de experiência clínica; (5) graduado em letras, tradutor profissional, com experiência prévia em validação de instrumentos de avaliação.

Em relação ao IVC, todos os itens apresentaram resultado adequado (IVC ≥ 0,8). Do total de itens avaliados, seis parâmetros de linguagem, em quatro dos itens da escala, obtiveram escore de 0,80; o restante foi igual a 1,0. A tabela 1 detalha os quatro itens que obtiveram IVC = 0,80.

Tabela 1
Itens da escala que apresentaram escores de IVC = 0,80

Um dos autores da pesquisa, que desenvolveu originalmente a escala, avaliou as versões retrotraduzidas e considerou o processo adequado. Além disso, esteve disponível para auxílio no processo de tradução como um todo.

Pré-teste

Para o pré-teste, foram incluídos 15 pacientes diagnosticados com CCP após tratamento cirúrgico mutilador e que estavam em atendimento no Departamento de Odontologia de um hospital oncológico para confecção e/ou manutenção de prótese bucomaxilofacial e prótese obturadora de palato. Nenhum paciente recusou participar do estudo.

A média de idade dos pacientes foi de 63,2 anos (DP = 15,37); oito (53,3%) eram do sexo masculino; 12 (80,1%) apresentavam baixa renda familiar; e nove (60%) não concluíram o ensino fundamental, ou seja, apresentavam baixa escolaridade.

Os pacientes tiveram a opção de ter o instrumento autoaplicado ou aplicado pelo entrevistador. Apenas um (6,7%) optou por responder os itens sozinho. Em todas as outras entrevistas, a SSS foi aplicada pelo entrevistador.

Todos os pacientes responderam a um questionário com perguntas relacionadas ao entendimento de cada item da SSS e suas respectivas respostas. A tabela 2 apresenta os resultados do entendimento da escala e sugestões de mudança sugeridas pelos pacientes entrevistados no pré-teste. A única sugestão de mudança (modificar a palavra "câncer" pela palavra "tratamento") (tabela 2) foi enviada ao comitê de especialistas, que entendeu não haver necessidade de fazer a alteração e manteve os itens da forma original.

Tabela 2
Resultado do entendimento da SSS pelos pacientes entrevistados durante a etapa de pré-teste

Do processo de tradução ao pré-teste, a SSS manteve-se similar à escala original. A escala traduzida e adaptada culturalmente para língua portuguesa (Brasil) pode ser visualizada na tabela 3.

Tabela 3
Escala SSS em português (Brasil) - Escala de vergonha e estigma em câncer de cabeça e pescoço, versão final - 20 itens. Segue abaixo uma lista de afirmações. Por favor, circule um número por linha que melhor indica quão bem a afirmação se aplicou a você durante os últimos sete dias

Discussão

O presente estudo fez a tradução e a adaptação cultural para o idioma português (Brasil) da SSS. Em todas as etapas do estudo, usou-se metodologia sistemática consolidada e aceita internacionalmente para a efetividade do processo de tradução e adaptação cultural de instrumentos de avaliação em saúde. Essa etapa é uma das mais importantes no processo de validação e deve ser feita de forma bastante criteriosa, para que estudos futuros de avaliação das propriedades psicométricas possam confirmar a validade da escala.1313 Beaton DE, Bombardier C, Guillemin F, Ferraz MB. Guidelines for the process of cross-cultural adaptation of self-report measures. Spine (Phila PA 1976). 2000;25:3186-91.,1616 Guillemin F, Bombardier C, Beaton D. Cross-cultural adaptation of health-related quality of life measures: literature review and proposed guidelines. J Clin Epidemiol. 1993;46:1417-32.

Idealmente, busca-se validar instrumentos já existentes, procura-se assim não desenvolver um novo instrumento. A validação de um instrumento já existente auxilia no uso do mesmo padrão de dados em diferentes populações, a fim de fazer novos estudos e comparações internacionais. Esse processo economiza também dinheiro e tempo, quando comparado com o processo complexo de desenvolvimento de novos instrumentos.1414 Fayers PM, Machin D. Introduction. In: Fayers PM, Machin D, editors. Quality of life: the assessment, analysis and interpretation of patient-reported outcomes. England: John Wiley & Sons Ltd.; 2007. p. 3-30.

Após as traduções, é importante que o instrumento seja enviado ao comitê de especialistas, para que possa ser feita a primeira etapa da adaptação cultural, antes de ser submetido ao pré-teste. Essa etapa, que algumas vezes tem sido negligenciada, auxilia na forma com que o paciente entende e responde às questões do instrumento.1313 Beaton DE, Bombardier C, Guillemin F, Ferraz MB. Guidelines for the process of cross-cultural adaptation of self-report measures. Spine (Phila PA 1976). 2000;25:3186-91.,1616 Guillemin F, Bombardier C, Beaton D. Cross-cultural adaptation of health-related quality of life measures: literature review and proposed guidelines. J Clin Epidemiol. 1993;46:1417-32.

Como já é esperada, a população brasileira ainda apresenta problemas com relação à escolaridade. Assim, como o hospital em que o estudo foi feito é um centro de referência em atendimento oncológico público no Brasil, identificou-se no pré-teste uma amostra com baixa escolaridade. Em estudo feito na cidade de São Paulo, de 2000 a 2006, mais de 40% dos pacientes com CCP eram analfabetos ou com ensino fundamental incompleto.1717 Bergamasco VDB, Marta GN, Kowalski LP, Carvalho AL. Epidemiological profile of the head and neck cancer in the State of São Paulo. Rev Bras Cir Cabeça Pescoço. 2008;37:159. Por esse motivo, é importante que as escalas de avaliação sejam sucintas e que apresentem bom entendimento pelos respondedores.

A SSS apresenta 20 itens com afirmações curtas, que podem ser autoaplicadas ou administradas pelo entrevistador. Todos os pacientes foram perguntados quanto à preferência pelo método de resposta da escala (aplicada pelo entrevistador ou autoaplicada). Apesar de a escala original ter sido desenvolvida para ser autoaplicada, apenas um paciente optou por responder dessa forma; todos os outros 14 optaram por que a escala fosse aplicada pelo entrevistador. Embora isso possa ser considerado uma limitação do estudo, os autores acreditam que a inclusão apenas de pacientes com condições de responder adequadamente à escala de forma autoaplicada não representaria a população a ser estudada (que é frequentemente de baixa escolaridade). Interessante ressaltar que um estudo brasileiro prévio identificou que 77% dos pacientes preferem que os instrumentos de avaliação em saúde sejam aplicados por entrevistador.1818 Franceschini J, Jardim JR, Fernandes AL, Jamnik S, Santoro IL. Reproducibility of the Brazilian Portuguese version of the European Organization for Research and treatment of Cancer Core Quality of Life Questionnaire used in conjunction with its lung cancers pecific module. J Bras Pneumol. 2010;36:595-602.

Este estudo foi feito por causa da escassez de instrumentos que avaliem a autoimagem corporal de pacientes com CCP e, principalmente, instrumentos já validados para a língua portuguesa. Instrumentos como o Quality of life Head and Neck Cancer Module EORTC H&N35, FACT-HN e Universidade de Washington UW QOL estão disponíveis para uso na língua portuguesa, porém nenhum deles contempla itens específicos relacionados a vergonha e/ou estigma.

Conclusão

A versão em português da SSS foi considerada adequada e culturalmente adaptada para uso no Brasil. Assim, o instrumento está apto para ser submetido a avaliação de suas propriedades psicométricas.

  • A revisão por pares é da responsabilidade da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial.
  • Como citar este artigo: Pirola WE, Paiva BS, Barroso EM, Kissane DW, Serrano CV, Paiva CE. Translation and cultural adaptation of the Shame and Stigma Scale (SSS) into Portuguese (Brazil) to evaluate patients with head and neck cancer. Braz J Otorhinolaryngol. 2017;83:697-704.

References

  • 1
    Casati MFM, Vasconcelos JA, Vergnhanini JA. Epidemiologia do câncer de cabeça e pescoço no Brasil: estudo transversal de base populacional. Rev Bras Cir Cabeça Pescoço. 2012;41:186-91.
  • 2
    INCA. Estimativa 2016: incidência de câncer no Brasil/Instituto Nacional de Câncer José Alencar da Silva, Coordenação Geral de Ações estratégicas, Coordenação de Prevenção e Vigilância Rio de Janeiro 2012 [accessed in 08.02.16.]. Available in: http://www.inca.gov.br/estimativa/2016/estimativa-2016-v11.pdf
    » http://www.inca.gov.br/estimativa/2016/estimativa-2016-v11.pdf
  • 3
    Rettig EM, D'Souza G. Epidemiology of head and neck cancer. Surg Oncol Clin N Am. 2015;24:379-96.
  • 4
    Pezzuto F, Buonaguro L, Caponigro F, Ionna F, Starita N, Annunziata C, et al. Update on head and neck cancer: current knowledge on epidemiology, risk factors, molecular features and novel therapies. Oncology. 2015;89:125-36.
  • 5
    Hashibe M, Brennan P, Benhamou S, Castellsague X, Chen C, Curado MP, et al. Alcohol drinking in never users of tobacco, cigarette smoking in never drinkers, and the risk of head and neck cancer: pooled analysis in the International Head and Neck Cancer Epidemiology Consortium. J Natl Cancer Inst. 2007;99:777-89.
  • 6
    Rathod S, Livergant J, Klein J, Witterick I, Ringash J. A systematic review of quality of life in head and neck cancer treated with surgery with or without adjuvant treatment. Oral Oncol. 2015;51:888-900.
  • 7
    Zhang SM, Wu XF, Li JJ, Zhang GH. Management of lymph node metastases from an unknown primary site to the head and neck (review). Mol Clin Oncol. 2014;2:917-22.
  • 8
    Moss TP. The relationships between objective and subjective ratings of disfigurement severity, and psychological adjustment. Body Image. 2005;2:151-9.
  • 9
    Babin E, Sigston E, Hitier M, Dehesdin D, Marie JP, Choussy O. Quality of life in head and neck cancers patients: predictive factors, functional and psychosocial outcome. European archives of otorhinolaryngology. Eur Arch Otorhinolaryngol. 2008;265:265-70.
  • 10
    Nalbadian M, Nikolaou A, Nikolaidis V, Petridis D, Themelis C, Daniilidis I. Factors influencing quality of life in laryngectomized patients. European archives of oto-rhino-laryngology. Eur Arch Otorhinolaryngol. 2001;258:336-40.
  • 11
    Fingeret MC, Teo I, Goettsch K. Body image: a critical psychosocial issue for patients with head and neck cancer. Curr Oncol Rep. 2015;17:22.
  • 12
    Kissane DW, Patel SG, Baser RE, Bell R, Farberov M, Ostroff JS, et al. Preliminary evaluation of the reliability and validity of the shame and stigma scale in head and neck cancer. Head Neck. 2013;35:172-83.
  • 13
    Beaton DE, Bombardier C, Guillemin F, Ferraz MB. Guidelines for the process of cross-cultural adaptation of self-report measures. Spine (Phila PA 1976). 2000;25:3186-91.
  • 14
    Fayers PM, Machin D. Introduction. In: Fayers PM, Machin D, editors. Quality of life: the assessment, analysis and interpretation of patient-reported outcomes. England: John Wiley & Sons Ltd.; 2007. p. 3-30.
  • 15
    Alexandre NMC, Coluci MZO. Content validity in the development and adaptation processes of measurement instruments. Ciênc Saude Col. 2011;16:3061-8.
  • 16
    Guillemin F, Bombardier C, Beaton D. Cross-cultural adaptation of health-related quality of life measures: literature review and proposed guidelines. J Clin Epidemiol. 1993;46:1417-32.
  • 17
    Bergamasco VDB, Marta GN, Kowalski LP, Carvalho AL. Epidemiological profile of the head and neck cancer in the State of São Paulo. Rev Bras Cir Cabeça Pescoço. 2008;37:159.
  • 18
    Franceschini J, Jardim JR, Fernandes AL, Jamnik S, Santoro IL. Reproducibility of the Brazilian Portuguese version of the European Organization for Research and treatment of Cancer Core Quality of Life Questionnaire used in conjunction with its lung cancers pecific module. J Bras Pneumol. 2010;36:595-602.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Nov-Dec 2017

Histórico

  • Recebido
    30 Jun 2016
  • Aceito
    14 Out 2016
Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial. Sede da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico Facial, Av. Indianópolia, 1287, 04063-002 São Paulo/SP Brasil, Tel.: (0xx11) 5053-7500, Fax: (0xx11) 5053-7512 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revista@aborlccf.org.br