RESUMO
JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: Recomenda-se a utilização de cartilhas socioeducativas para auxiliar no controle da dor crônica (DC). No entanto, a eficácia e a segurança dessas tecnologias leves foram pouco testadas para ampla aplicação, com base no modelo de evidências científicas. Este estudo teve como objetivo avaliar o efeito de um programa de educação em saúde em indivíduos com DC por meio da cartilha EducaDor.
MÉTODOS: Ensaio clínico randomizado realizado com indivíduos que apresentam DC em Unidades Básicas de Saúde (UBS) de Salvador, Bahia, Brasil. Os participantes foram submetidos à aplicação do Inventário Breve de Dor (BPI), Escala Analógica Visual (EAV) e do instrumento de Qualidade de Vida da Organização Mundial da Saúde - Bref (WHOQoL-bref ), antes e após a intervenção, para análises intra e intergrupos: Grupo Teste (booklet) e Grupo Controle (cuidado convencional). O conteúdo da cartilha EducaDor foi apresentado didaticamente em seis encontros com intervalo de uma semana entre eles.
RESULTADOS: A amostra foi composta por 10 pessoas em cada grupo (n = 20). No Grupo Controle, houve aumento da intensidade da dor (p=0,034), enquanto o Grupo Teste apresentou redução da intensidade de dor (p=0,015) e menor nível de interferência nos domínios de qualidade de vida físico, psicológico, social e ambiental (p<0,05). Nas comparações intergrupos, observou-se melhora no domínio relações sociais no Grupo Teste (p=0,015).
CONCLUSÃO: A cartilha EducaDor mostrou-se eficaz e segura para a educação de pacientes com DC, por reduzir a intensidade da dor e melhorar a qualidade de vida dos pacientes.
Descritores: Dor crônica; Educação em saúde; Ensaio clínico; Qualidade de vida
ABSTRACT
BACKGROUND AND OBJECTIVES: The use of socio-educational booklets is recommended for assisting in the control of chronic pain. However, the efficacy and safety of these light technologies have not yet been tested enough for widespread application, based on the model of scientific evidence. This study aimed to assess the effect of a health education program in individuals suffering from CP using the EducaDor booklet.
METHODS: Randomized clinical trial conducted with chronic pain patients from Unidades Básicas de Saúde (UBS – Primary Health Care Units) in Salvador, Bahia, Brazil. Assessments were performed using the Brief Pain Inventory (BPI), Visual Analog Scale of Pain (VAS-P) and World Health Organization Quality of Life instrument-Bref (WHOQoL-bref ), before and after the intervention, for intra and intergroup analyses: Test Group (Booklet) and Control Group (Conventional Care). The contents of the EducaDor booklet were presented didactically in six meetings with an interval of one week between them.
RESULTS: The sample was composed of 10 individuals in each group (n = 20). In the Control Group, there was an increase in pain intensity (p=0.034), while the Test Group showed a reduction in pain intensity (p=0.015) and a lower level of interference in the physical, psychological, social relationships and environmental quality of life domains (p<0.05). In the intergroup comparisons, an improvement was observed in the domain of social relationships in the Test Group (p=0.015).
CONCLUSION: EducaDor booklet has been shown to be effective and safe for the education of patients suffering from CP by reducing pain intensity and improving patients’ quality of life.
Keywords: Chronic pain; Clinical trial; Health education; Quality of life
INTRODUÇÃO
A dor é um fenômeno multidimensional no qual lesões de tecidos, respostas biológicas adaptativas e aspectos emocionais, socioculturais e ambientais colaboram para gerar sua cronificação1,2. A dor crônica (DC) é definida pelo Subcomitê de Taxonomia da Associação Internacional para o Estudo da Dor3 como uma dor que persiste por um período superior a três meses, além de ser considerada uma doença que gera altos custos para o sistema de saúde e perda de qualidade de vida para os afetados4.
A DC é considerada um problema de saúde pública, particularmente nos países em desenvolvimento5. Devido a sua natureza multifatorial, recomenda-se a implementação de programas de educação em saúde, que demonstraram efeitos superiores aos de outros tipos de intervenções, tais como o uso isolado de tratamentos farmacológicos6,7.
O uso de cartilhas é comum no processo de educação em saúde, pois elas fornecem informações complementares, favorecendo a autonomia dos pacientes e podendo ser consultadas várias vezes, além de serem facilmente replicadas para o trabalho com as comunidades8. Por meio de cartilhas, pessoas que sofrem de DC, profissionais e familiares podem adquirir conhecimentos sobre a dor em questão, ajudando a minimizar os sintomas e a aumentar a eficácia dos tratamentos. Dessa maneira, as cartilhas devem ser autoexplicativas e atraentes, correspondendo ao contexto sociocultural do público-alvo9. Além disso, as cartilhas podem facilitar o processo de aprendizagem dos estudantes de graduação na área da saúde, bem como ajudar de uma forma mais dinâmica nas propostas de educação contínua para profissionais que trabalham no controle da dor10.
Tendo em vista as considerações anteriores, pesquisadores da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública (EBMSP) e da Universidade Federal da Bahia (UFBA) desenvolveram em 2017 uma cartilha intitulada “EducaDor”11. Este material foi posteriormente validado em uma clínica ambulatorial especializada em dor12. Porém, ainda há uma lacuna a ser preenchida em relação à avaliação de sua eficácia e segurança. Na continuação deste processo, o objetivo do presente estudo foi avaliar o efeito de um programa de educação em saúde em indivíduos que sofrem de DC utilizando a cartilha EducaDor. Uma das estratégias para lidar com a DC é a educação. Educar as pessoas sobre o que é dor, como ela é processada em seus corpos, quais são suas causas e fatores de risco mais comuns e como efetivamente prevenir ou tratar a dor pode ajudar a reduzir suas repercussões negativas, controlar os sintomas e otimizar o uso dos serviços de saúde5,13. Embora as melhores abordagens de educação sobre este tema ainda não sejam totalmente conhecidas, vários estudos apontam a educação em saúde como um pilar importante para a gestão da DC14.
Também deve-se considerar que a DC influencia a vida de uma pessoa não somente em seu aspecto físico, mas também nas relações sociais. Portanto, deve-se pensar em realizar atividades de educação em saúde em grupo, já que é possível aprender uns com os outros como lidar com problemas crônicos, como a DC. O grupo pode ser considerado como um espaço educacional, no qual o indivíduo participa ativamente do processo terapêutico ao mesmo tempo em que aumenta sua rede de apoio15.
Para atender a este processo de educação em saúde, é necessário investir em qualificação profissional, pois os profissionais de saúde desta área podem enfrentar dificuldades, uma vez que sua formação é baseada principalmente no conhecimento biomédico que restringe seu foco a fatores biológicos. Isto pode levar o profissional a negligenciar as necessidades reais que poderiam ser exploradas pelo conhecimento oferecido por tecnologias de saúde16. Também é importante reforçar o trabalho multidisciplinar e a criação de um vínculo entre equipe de saúde e pacientes, uma vez que a DC exige um cuidado abrangente17.
MÉTODOS
Trata-se de um Ensaio Clínico Randomizado (ECR) realizado com indivíduos que sofrem de DC em uma comunidade designada às Unidades Básicas de Saúde (UBS) de Pituaçu e Parque de Pituaçu, Distrito Sanitário Boca do Rio, Salvador, Bahia, Brasil. Os critérios de inclusão foram indivíduos que relataram presença diária de dor durante um período de, pelo menos, seis meses, que têm entre 18 e 60 anos de idade e são alfabetizados. Os critérios de exclusão foram mulheres grávidas, pessoas com dificuldades para compreender os questionários, que não puderam comparecer à unidade de saúde para entrevistas e atividades de educação em saúde e com doenças que afetavam sua qualidade de vida.
Para obter dados sociodemográficos e clínicos, um questionário e os seguintes instrumentos foram aplicados: Inventário Breve de Dor (BPI) para avaliar a intensidade da dor e sua interferência nas atividades da vida diária18; Escala Analógica Visual (EAV)19; e o WHOQoL-bref20. Os pacientes eram responsáveis por fornecer as informações.
Procedimentos do ensaio clínico randomizado
O ECR compreende cinco etapas.
Primeira Etapa: A apresentação do projeto, voltada aos profissionais das equipes de saúde das UBS.
Segunda Etapa: Pessoas com um perfil de acordo com os critérios de elegibilidade foram identificadas pelos profissionais das equipes de saúde ou abordadas nas salas de espera das UBS pelos pesquisadores responsáveis pela coleta de dados. Após uma semana, aqueles que concordaram em participar do estudo foram recrutados e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
Terceira Etapa: Os pesquisadores aplicaram os questionários com os participantes em um consutório da UBS, garantindo assim a confidencialidade e evitando constrangimentos para os entrevistados.
Quarta Etapa: Após as entrevistas, um outro pesquisador conduziu a classificação dos participantes para aloca-los em dois grupos: Grupo Teste (GT) e Grupo Controle (GC). O GT recebeu a cartilha e participou de seis reuniões semanais, com duração de uma hora, coordenadas pelo pesquisador responsável. Nestas reuniões, os participantes tiveram a oportunidade de esclarecer suas dúvidas e discutir seus problemas com seus pares, como uma atividade coletiva de experiências compartilhadas. As reuniões foram realizadas na própria UBS. Neste grupo, foram trabalhados os seis domínios da cartilha EducaDor, utilizando as estratégias metodológicas descritas na Tabela 1.
Domínios das reuniões e estratégias metodológicas utilizadas no ensaio clínico randomizado
Não foi oferecida ao grupo de controle nenhuma intervenção adicional além dos cuidados habituais prestados de acordo com o protocolo do serviço. Entretanto, ao concluir o estudo, os participantes receberam a cartilha EducaDor e foram convidados a participar das seis reuniões.
Quinta Etapa: Na semana após a conclusão das intervenções educativas, os participantes foram convocados para que fossem realizados os mesmos procedimentos de avaliação, como anteriormente, que foram cegos para o grupo ao qual os pacientes foram alocados. As variáveis independentes da pesquisa foram as seguintes: sexo, idade, nível educacional, tempo e localização da dor. A intensidade da dor e o impacto na qualidade de vida foram as variáveis dependentes consideradas.
Amostra
Considerando uma diferença de três pontos a serem detectados pela EAV e um desvio padrão de três pontos para um nível de significância de 1% e potência de teste de 80% para uma hipótese bicaudal, foi identificada a necessidade de 16 indivíduos com DC em cada grupo (GT e GC), totalizando um tamanho de amostra de 32 indivíduos. A aplicação random.org, que gera números aleatórios, foi utilizada para estabelecer os grupos, alocando os sujeitos da pesquisa em números pares (GT) e números ímpares (GC).
Os pesquisadores que aplicaram instrumentos de coleta de dados foram mantidos cegos para a randomização e não estavam presentes nas UBS quando foram realizadas as atividades de educação em saúde. O pesquisador encarregado da randomização e implementação das atividades educacionais foi denominado ‘’Pesquisador Coordenador’’.
O protocolo do estudo foi realizado em conformidade com todas as recomendações da Declaração de Helsinque e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, sob o protocolo nº 2.301.438 (CAAE 68160517.9.0000.5544). A pesquisa foi previamente autorizada pela Secretaria Municipal de Saúde de Salvador, por meio do protocolo nº 330/2017. Além disso, o estudo foi registrado no Registro Brasileiro de Ensaios Clínicos, referência RBR6FYH2C. Os questionários e outros materiais impressos utilizados foram armazenados sob a responsabilidade dos pesquisadores.
Análise estatística
Os dados coletados nos momentos pré e pós-testes nos dois grupos de estudo foram comparados por meio da análise pareada de dados antes e depois da intervenção e da análise não pareada para comparação entre os dois grupos. As variáveis nominais são apresentadas em números absolutos e proporções e analisadas quanto à associação entre as variáveis pelo teste Qui-quadrado. Os dados numéricos são apresentados por meio de medidas de tendência central e dispersão, e as associações foram verificadas por meio do teste t de Student pareado e não pareado, ou testes de Wilcoxon e Mann-Whitney, de acordo com a normalidade da distribuição de dados. Um intervalo de confiança de 95% foi adotado em todas as situações de inferência estatística. As análises foram realizadas pelo pacote estatístico SPSS (Statistical Package for the Social Sciences) versão 27.0 (21).
RESULTADOS
Considerando os critérios de inclusão e exclusão, 84 indivíduos foram identificados, reclamando de episódios diários ou quase diários de dor durante um período de, pelo menos, seis meses. Estes pacientes foram convidados para a primeira entrevista com a equipe de pesquisadores. Dos 84 indivíduos que participaram do pré-teste, dois foram excluídos do estudo, um devido a falecimento e o outro informou a decisão de não querer mais participar, pois a dor estava associada ao diagnóstico de litíase biliar, ou seja, pedras do duto biliar, que foi resolvida após intervenção cirúrgica. Dessa maneira, 82 participantes permaneceram no estudo, sendo 45 alocados para o GT e 37 para o GC.
Dos 45 indivíduos alocados para o GT, 12 participaram das reuniões realizadas pelo Pesquisador Coordenador, 23 aceitaram o convite, mas não compareceram às reuniões, e não foi possível contatar 10. Dos 12 indivíduos que participaram das reuniões, 2 foram excluídos do estudo: 1 porque o indivíduo só participou da primeira reunião, e 1 não foi alocado para o pós-teste.
Quanto ao GC, apenas 10 indivíduos participaram dos dois momentos, ou seja, aplicação dos questionários antes e depois do teste, porque, no momento do pós-teste, 1 indivíduo foi hospitalizado e não foi possível contatar 4 deles. Os pesquisadores decidiram não contatar os outros 22, pois havia apenas 10 pessoas que efetivamente participaram do GT.
O período de coleta foi de outubro de 2018 a dezembro de 2019. Portanto, os dados coletados foram analisados baseados nas entrevistas com 10 indivíduos no GT e 10 no GC (Figura 1).
Caracterização sociodemográfica e clínica
A amostra foi composta por 10 indivíduos no GC e 10 no GT, totalizando 20 indivíduos. A idade média dos participantes foi de 48,1±7,5 anos no GC e 48,3±7,7 anos no GT; e o índice de massa corporal (IMC) mostrou uma média de 29,8±4,9kg/m2 e 29,1±3,7kg/m2, respectivamente. Após análise das características sociodemográficas e clínicas, foi observada homogeneidade entre os grupos (Tabela 2).
A maioria dos indivíduos nos dois grupos de estudo eram do sexo feminino (100% no GC e 80% no GT), de cor escura autorrelatada (60% nos dois grupos), não-fumantes (50% no GC e 90% no GT) e não consumiam álcool (80% no GC e 70% no GT). Além disso, a amostra era composta de indivíduos que sabiam ler e escrever (100% nos dois grupos) e estavam trabalhando naquela época (60% nos dois grupos). Os indivíduos reclamaram de sentir dor por períodos entre 5 e 10 anos (60% no GC e 40% no GT), no período noturno (50% no GC e 90% GT) e, no momento da coleta de dados, 70% dos indivíduos do GC e 60% do GT avaliaram seu estado de saúde como sendo bom (Tabela 3).
Efeito da intervenção sobre a intensidade da dor
A tabela 4 apresenta o valor da intensidade da dor nos momentos de avaliação e reavaliação dos indivíduos com base nos instrumentos BPI e EAV. Com relação às variáveis de BPI, um aumento na intensidade da dor (p=0,034) pôde ser observado nos indivíduos do GC, e eles reclamaram de dor mais intensa no momento da reavaliação (p=0,011). Além disso, os indivíduos relataram na reavaliação que a dor estava interferindo mais intensamente na capacidade de andar, embora isto não tenha sido demonstrado como estatisticamente significativo. Quanto ao GT, foi observada redução nos níveis de dor e menor interferência nas questões da vida diária dos indivíduos, e isto foi estatisticamente significativo em relação à capacidade de caminhar (p=0,041).
Comparação intragrupos da intensidade da dor, com base nas variáveis de BPI e EAV, da amostra de uma UBS. Salvador, Bahia, Brasil
Quanto ao nível de intensidade da dor, com base nas variáveis categorizadas da EAV apresentadas em valores medianos, foi observado que a dor tornou-se mais intensa no GC no momento da reavaliação (p=0,034) em uma comparação intergrupos.
Na tabela 5, a comparação intergrupos é apresentada nos momentos de avaliação e reavaliação dos indivíduos com base nos instrumentos BPI e EAV. A partir das variáveis BPI foi possível observar que, após as seis reuniões, os indivíduos do GT tiveram dor menos intensa do que os do GC (p=0,009). Além disso, a dor relatada na ocasião também foi menos intensa (p=0,007). Além disso, foi observado que a dor começou a interferir menos em todos os aspectos da vida dos participantes do GT.
Comparação intergrupos da intensidade da dor, com base nas variáveis de BPI e EAV, da amostra de uma UBS. Salvador, Bahia, Brasil
Quanto ao nível de intensidade da dor, baseado nas variáveis categorizadas da EAV, apresentadas em medianas, em uma comparação intergrupos, foi possível visualizar que, após a intervenção, os indivíduos do GT apresentaram menos dor que os do GC (p=0,015).
Efeito da intervenção sobre a qualidade de vida
Também foi testado o efeito da intervenção sobre a qualidade de vida dos pacientes. Na comparação intragrupo, foi possível observar após os resultados que os indivíduos do GC consideraram sua qualidade de vida e saúde em geral como boas, em ambos os momentos. Entretanto, no GT, a qualidade de vida foi considerada boa, mas a saúde foi considerada ruim e mostrou uma melhora no momento pós-intervenção, quando o valor categorizado aumentou de 1,0 para 1,5, mas sem significância estatística (p>0,05). Quanto aos domínios físico, psicológico, relações sociais e meio ambiente, observou-se um discreto agravamento no GC nos domínios físico e ambiental.
No GT, o domínio físico foi o único em que não foi observada nenhuma melhora. Entretanto, não houve significância estatística nestas análises (p>0,05).
Na comparação intergrupos e após a intervenção foi possível observar uma diferença estatisticamente significativa (p=0,015) entre GC e GT apenas no domínio das relações sociais.
DISCUSSÃO
Este estudo procurou verificar o efeito de um programa de educação em saúde em indivíduos que sofrem de DC utilizando a cartilha EducaDor, a qual faz referência à intensidade da dor e suas repercussões na qualidade de vida dos participantes. Os resultados apontaram a eficácia e segurança desta tecnologia leve que as equipes de saúde poderiam incorporar imediatamente nos cuidados aos pacientes de DC.
As características sociodemográficas da amostra evidenciaram uma predominância de mulheres com um baixo nível de escolaridade. Na literatura, um perfil sociodemográfico semelhante também foi encontrado em estudos anteriores22,23,24. Acredita-se que a abordagem didática adotada no desenvolvimento da cartilha EducaDor11 e seu processo de validação12, com a participação dos indivíduos afetados pela dor, os quais tiveram um perfil semelhante ao longo de todas as etapas deste estudo, foram fundamentais para a obtenção dos resultados obtidos no presente ECR.
Populações que receberam menos atenção de políticas públicas e que são menos instruídas em saúde também têm uma chance menor de obter resultados satisfatórios em diferentes intervenções, como mostra o estudo25. Portanto, se os efeitos fossem relevantes para esta amostra, acredita-se que eles poderiam ser ainda mais significativos em pessoas pertencentes a classes sociais mais favorecidas, tanto no nível educacional quanto socioeconômico.
A intensidade da dor se agravou no GC, tanto nas variáveis de BPI quanto EAV. Além disso, no GT, foi observado que a dor começou a interferir menos nas relações com os outros. Resultados semelhantes foram encontrados em estudos avaliando a intensidade da dor antes e depois de realizar atividades de educação em saúde dirigidas a pacientes com DC26,27,28,29.
Ações educacionais podem desenvolver mudanças positivas no comportamento de indivíduos, reduzindo crenças errôneas e ampliando atitudes conscientes em relação ao controle de disfunções de DC. O alívio dos sintomas por meio da capacitação dos pacientes de DC leva à esperança e ao otimismo, contribuindo para sua recuperação física, emocional e social. No que diz respeito à qualidade de vida, embora tenha sido identificada no presente estudo uma tendência de melhora nos indivíduos do GT, esta melhora não foi comprovada do ponto de vista estatístico. Além da doença crônica em si, outros fatores dificultaram que o impacto sobre a qualidade de vida fosse considerado relevante, pois envolviam perdas de natureza pessoal, financeira e social30.
Estudos anteriores demonstraram que as ações educacionais melhoraram a qualidade de vida dos pacientes de DC em todos os domínios, exceto o domínio físico26,27,28,29,30,31. Uma hipótese que explicaria este fato é que dificuldades relacionadas a limitações físicas podem levar ao isolamento social, o que também foi observado no presente estudo32. Além disso, o prazo de seis semanas entre a avaliação inicial e final pode ter sido insuficiente para verificar mudanças nos domínios de qualidade de vida, sendo o efeito mais perceptível na intensidade da dor.
A DC influencia as atividades de vida diária e trabalho e, consequentemente, afeta a qualidade de vida, pois isso está relacionado às expectativas individuais. Portanto, embora a concepção do presente estudo possa ter limitado a avaliação da cartilha EducaDor e seus domínios, a avaliação da qualidade de vida em estudos futuros é recomendada. De todo modo, sem prognóstico positivo para a cura, ações preventivas em indivíduos com DC são fundamentais para reduzir as incapacidades funcionais que podem surgir desta condição de saúde e adoecimento33,34.
Durante o período de coleta de dados, não foi possível continuar com o acompanhamento de 62 dos 82 pacientes que realizaram os pré-testes. Apesar dos inúmeros esforços das equipes de saúde e pesquisadores, as perdas para o seguimento foram inevitáveis. As populações com baixo nível educacional e socioeconômico que sofrem de DC têm maiores dificuldades para permanecer em estudos longitudinais, como observado em estudo anterior26. Estas dificuldades são provavelmente ainda maiores em residentes de comunidades que vivem com algum nível de perigo, como as da amostra atual, devido ao medo de se exporem a este perigo.
O baixo nível de adesão às atividades educacionais também pode ter sido associado ao fato de que os usuários das UBS ainda veem o atendimento pelo serviço de saúde como uma ação individual e curativa, na qual os fármacos são a alternativa concreta para atender suas necessidades35,36,37. Para que a população perceba o sistema de saúde por uma perspectiva mais ampla, é necessário, em primeiro lugar, que os profissionais acreditem e se baseiem em propostas educacionais, e que estas sejam bem planejadas e avaliadas.
O tamanho limitado da amostra impediu a verificação de eficácia dos outros resultados avaliados, o que sugere que outros ensaios clínicos devem ser desenvolvidos para testar a eficácia da cartilha EducaDor para o controle da DC. Os profissionais das UBS devem ser treinados para incorporar as intervenções socioeducativas no controle da DC em seus programas/protocolos de atendimento. Independentemente das limitações expressas, a segurança e eficácia demonstradas permitem sugerir a ampla aplicação da cartilha EducaDor em serviços que atendem os pacientes de DC.
CONCLUSÃO
Este ECR teve como objetivo avaliar a eficácia e segurança da cartilha EducaDor na educação em saúde de indivíduos que sofrem de DC atendidos em UBS. Os instrumentos utilizados foram o BPI, a EAV e o WHOQoL-bref. A DC afeta a qualidade de vida e as relações sociais dos participantes e esta tecnologia leve é recomendada para auxiliar no controle da mesma. Por meio da implementação de um programa de educação em saúde para uma amostra de 20 participantes, verificou-se que a cartilha EducaDor demonstrou ser eficaz e segura para a educação dos pacientes de DC, reduzindo a intensidade da dor e melhorando a qualidade de vida. Apesar do tamanho da amostra, que exigirá estudos adicionais para provar a eficácia da cartilha EducaDor, pode-se afirmar que estes resultados preliminares são indicativos da importância de aplicar amplamente este tipo de abordagem.
Além desta conclusão principal, outra precisa ser destacada, a saber, a capacidade de estabilizar o nível de dor, impedindo seu aumento. Por fim, ficou claro que o uso de tecnologias leves, como a cartilha EducaDor, configura uma ferramenta importante no planejamento adequado das intervenções em saúde, especificamente no que se refere à DC. Embora os resultados não permitam conclusões sobre o impacto do instrumento no controle da DC em pacientes, a divulgação do desenho do trabalho pode contribuir para estudos semelhantes, com ajustes que viabilizem coleta de dados. Sugere-se que estudos futuros realizem um número menor de reuniões, com informações condensadas, ou a realização das abordagens através de visitas domiciliares.
AGRADECIMENTOS
Este estudo foi desenvolvido com a colaboração de um grupo de pesquisa acadêmica composto por Renata Santos Cruz (Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública), Thiago dos Santos Araújo (Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública), Catharina Pinho Landim de Moura (Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública) e Abrahão Fontes Baptista (Universidade Federal do ABC). Os autores gostariam de agradecer aos pacientes de DC das comunidades designadas às UBS de Pituaçu e Parque de Pituaçu, Bahia, Brasil, por sua cortesia em participar das entrevistas e atividades de educação em saúde.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
11 Mar 2022 -
Data do Fascículo
Jan-Mar 2022
Histórico
-
Recebido
28 Jun 2021 -
Aceito
26 Out 2021