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A percepção dos pacientes sobre eventos estressores no desenvolvimento da fibromialgia

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS:

A síndrome da fibromialgia (FM) é uma doença reumática com as seguintes características: dor crônica generalizada, fadiga, sono não restaurador e distúrbios cognitivos. Ela é frequentemente associada à angústia após exposições a estressores crônicos e agudos. O objetivo deste estudo foi determinar a percepção dos pacientes se os eventos estressantes influenciam o desenvolvimento da FM. O objetivo secundário foi avaliar o impacto do estresse agudo na determinação da gravidade futura da FM.

MÉTODOS:

Foram realizados um estudo transversal para o objetivo primário e um estudo de caso controle para o objetivo secundário. Foram utilizados questionários sobre dados demográficos e instrumentos de avaliação da gravidade e impacto da FM (Índice Fibromiálgico - FI, e Revised Fibromyalgia Impact Questionnarie - FIQr), instrumentos de avaliação de aspectos emocionais (PHQ-9 e GAD-7), e um questionário sobre a percepção dos pacientes em relação aos eventos estressores.

RESULTADOS:

Sessenta e um pacientes foram avaliados. Cerca de 59% relataram a presença de estresse agudo como um fator agravante. Os pacientes mencionaram o luto por um parente próximo, problemas financeiros, conflitos familiares e serem vítimas de violência como eventos agravantes. Houve associação significativa entre a presença de incidentes estressantes, FI e FIQr (p<0,05). A presença de circunstâncias agravantes aumentou o escore do FIQr em 2,72.

CONCLUSÃO:

Foi observada associação significativa entre eventos estressantes agravantes e pontuações mais altas do índice de FM e seu impacto sobre os pacientes.

Descritores
Estresse psicológico; Fibromialgia; Qualidade de vida

ABSTRACT

BACKGROUND AND OBJECTIVES:

Fibromyalgia syndrome (FM) is a rheumatic disease with the following characteristics: generalized chronic pain, fatigue, non-restorative sleep and cognitive disturbances. It is often associated to distress followed chronic and acute stressors exposures. The objective of this study was to determine the patients’ perception if stressful events influence the development of FM. The secondary objective was to evaluate the impact of acute stress in determining the future severity of FM.

METHODS:

A cross-sectional study was carried out for the primary objective and a case-control study for the secondary objective. We used questionnaires on demographic data and instruments for assessing the severity and impact of FM (Fibromyalgia Index - FI, and Revised Fibromyalgia Impact Questionnaire - FIQr), instruments for assessing emotional aspects (PHQ-9 and GAD-7), and a questionnaire on patients’ perception of stressful events.

RESULTS:

Sixty-one patients were evaluated. About 59% reported the presence of acute stress as an aggravating factor. Patients mentioned grief for a close relative, financial problems, family conflicts, and being a victim of violence as aggravating events. There was a significant association between the presence of stressful incidents, FI and FIQr (p<0.05). The presence of aggravating circumstances increased the FIQr score by 2.72.

CONCLUSION:

It was observed a significant association between aggravating stressful events and higher index FM scores and their impact on the patients.

Keywords
Fibromyalgia; Psychological distresse; Quality of life

DESTAQUES

O artigo enfatiza a importância da angústia e da exposição a fatores de estresse para paci-entes com fibromialgia;

A angústia é essencial para o impacto da fibromialgia na qualidade de vida;

Os médicos devem considerar a angústia ao abordar os sintomas do paciente.

INTRODUÇÃO

A síndrome da fibromialgia (FM) é uma doença reumática que inclui dor crônica generalizada, fadiga, sono não reparador e distúrbios cognitivos. A FM frequentemente é associada a outras síndromes funcionais, como intestino irritável, enxaqueca, síndrome da dor regional, depressão, ansiedade, etc11 Heymann RE, Paiva ES, Martinez JE, Helfenstein JR, Rezende MC, Provenza JR, Souza EJ. Novas diretrizes para o diagnóstico da fibromialgia. Rev Bras Reumatol. 2017;57(Supp 2):S467-S476..

A FM é considerada a segunda doença reumática mais prevalente depois da osteoartrite. Sua prevalência mundial é de cerca de 2,5%, com grande predominância feminina11 Heymann RE, Paiva ES, Martinez JE, Helfenstein JR, Rezende MC, Provenza JR, Souza EJ. Novas diretrizes para o diagnóstico da fibromialgia. Rev Bras Reumatol. 2017;57(Supp 2):S467-S476.. No Brasil, a prevalência varia de 0,66 a 4,4%, principalmente na faixa etária de 35 a 60 anos. A FM Afeta pessoas em idade produtiva, causando um impacto substancial no trabalho e custos para a sociedade22 Freitas RPA, Andrade SC, Spyrides MHC, Micussi MTABC, Sousa MBC. Impacto do apoio social sobre os sintomas de mulheres brasileiras com fibromialgia. Rev Bras Reumatol. 2017;57(3):197-203.,33 Marques AP, Santo ASE, Berssaneti AA, Matsutani LA, Yuan SLK. A prevalência de fibromialgia: atualização da revisão de literatura. Rev Bras Reumatol. 2017;57(4):356-63.. Trata-se de um fator marcante na redução da qualidade de vida dos pacientes44 Martinez JE. Fibromialgia: impacto na qualidade de vida, medidas de desfecho e acompanhamento clínico. In: Ranzolin, A, Chiuchietta FA, Heymann RE. Dores musculoesqueléticas difusas e localizadas. 2ª Ed. São Paulo, Planmark. 2010; 76-82p..

Embora o diagnóstico possa se basear exclusivamente na observação clínica, o American College of Rheumatology Preliminary Criteria for the Diagnosis of Fibromyalgia (ACR), publicado em 2010, pode ser um recurso auxiliar para o assunto. O ACR 2010 é composto por dois escores: o Índice de Dor Generalizada (GDI) e a Escala de Gravidade dos Sintomas (SSS). Os sintomas devem estar presentes por, pelo menos, três meses e o paciente não deve ter nenhuma outra doença que possa explicar a dor55 Wolfe F, Clauw DJ, Fitzcharles MA, Goldenberg DL, Katz RS, Mease P, Russell AS, Russell IJ, Winfield JB, Yunus MB. The American College of Rheumatology preliminary diagnostic criteria for fibromyalgia and measurement of symptom severity. Arthritis Care Res (Hoboken). 2010;62(5):600-10.. Em 2011, os critérios sofreram pequena modificação com uma redução no número de sintomas somáticos na SSS. Além disso, os autores propuseram um índice baseado na soma do GDI e do SSS, chamado de Escala de Sintomas de Fibromialgia (FS), que varia de 0 a 3, fornecendo ferramentas valiosas para o acompanhamento66 Wolfe F, Clauw DJ, Fitzcharles MA, Goldenberg DL, Häuser W, Katz RS, Mease P, Russell AS, Russell IJ, Winfield JB. Fibromyalgia criteria and severity scales for clinical and epidemiological studies: a modification of the ACR Preliminary Diagnostic Criteria for Fibromyalgia. J Rheumatol. 2011;38(6):1113-22..

Em 2016, uma nova modificação restabeleceu o conceito de dor generalizada como pré-requisito para o uso dos critérios, mantendo os escores desde que a dor esteja presente em 4 das 5 áreas corporais estabelecidas77 Wolfe F, Clauw DJ, Fitzcharles MA, Goldenberg DL, Häuser W, Katz RL, Mease PJ, Russell AS, Russell IJ, Walitt B. 2016 Revisions to the 2010/2011 fibromyalgia diagnostic criteria. Semin Arthritis Rheum. 2016;46(3):319-29..

A FM é multifatorial e os aspectos conhecidos de seu mecanismo são a sensibilização central (acompanhada pela amplificação da percepção do estímulo doloroso) e a angústia88 Paiva ES. Fisiopatologia da Fibromialgia. In: Ranzolin, A, Chiuchietta FA, Heymann RE. Dores musculoesqueléticas difusas e localizadas. 2ª Ed. São Paulo, Planmark. 2010 54-64p.. A história natural da FM pode variar de paciente para paciente. Por exemplo, a exposição a fatores de estresse, distúrbios musculoesqueléticos anteriores, doenças, traumas físicos e emocionais podem representar eventos agravantes da FM.

A exposição frequente a estressores durante a vida é um fato conhecido dos pacientes com FM. Um estudo99 Kaleycheva N, Cullen AE, Evans R, Harris T, Nicholson T, Chalder T. The role of lifetime stressors in adult fibromyalgia: systematic review and meta-analysis of case-control studies. Psychol Med. 2021;51(2):177-93. publicou uma meta-análise que mostrou associação entre o estado de FM com abusos físicos, abuso sexual, trauma médico menor, outros estressores e abusos emocionais. Concluiu-se que “é provável que os estressores sejam um dos muitos fatores de risco para a FM, o que, na opinião dos autores, é mais bem abordado a partir de uma perspectiva biopsicossocial”.

A reação às situações da vida cotidiana é influenciada pela maneira como os pacientes consideram esses eventos estressantes ou não. Um estudo recentemente propôs uma teoria para explicar o desequilíbrio emocional presente nos pacientes com FM. Eles consideram que há um sistema neural de “ameaça” hiperativo e um sistema “calmante” inibido1010 Pinto AM, Geenen R, Wager TD, Lumley MA, Häuser W, Kosek E, Ablin JN, Amris K, Branco J, Buskila D, Castelhano J, Castelo-Branco M, Crofford LJ, Fitzcharles MA, López-Solà M, Luís M, Marques TR, Mease PJ, Palavra F, Rhudy JL, Uddin LQ, Castilho P, Jacobs JWG, da Silva JAP. Emotion regulation and the salience network: a hypothetical integrative model of fibromyalgia. Nat Rev Rheumatol. 2023;19(1):44-60..

A disautonomia relacionada ao estresse é uma característica conhecida da etiopatogênese da FM. Portanto, é essencial saber como os pacientes enfrentam os estressores da vida diária para considerar esse aspecto ao lidar com seu sofrimento. O estresse tem uma estreita relação com outros processos fisiológicos, como o processamento da dor. O tratamento das síndromes de dor exige que os médicos considerem esse papel de relação na vida desses pacientes. O objetivo principal desta pesquisa foi determinar a percepção dos pacientes quanto aos eventos estressantes influenciarem o desenvolvimento da FM. O objetivo secundário foi avaliar o impacto do estresse agudo na determinação da gravidade futura da FM.

MÉTODOS

Foi realizado um estudo observacional transversal analítico para o objetivo primário e um caso-controle para o objetivo secundário. Os dados foram coletados em 2020 no ambulatório de FM do Conjunto Hospitalar de Sorocaba (CHS), a partir de questionários aplicados aos pacientes e da análise dos prontuários médicos.

Sujeitos de pesquisa

Critérios de inclusão: pacientes adultos que atenderam aos critérios do ACR, modificados em 201677 Wolfe F, Clauw DJ, Fitzcharles MA, Goldenberg DL, Häuser W, Katz RL, Mease PJ, Russell AS, Russell IJ, Walitt B. 2016 Revisions to the 2010/2011 fibromyalgia diagnostic criteria. Semin Arthritis Rheum. 2016;46(3):319-29..

Critérios de exclusão: pacientes com comprometimento cognitivo e aqueles com registros médicos incompletos.

Grupos: os pacientes foram divididos em dois grupos de acordo com o relato ou a negação de um evento estressante agravante ao longo da evolução da FM.

Questionário aplicado

A - Questionário sobre dados demográficos, dados clínicos e comor-bidades: sexo, idade, estado civil, situação ocupacional, condição do diagnóstico, tempo de diagnóstico, intensidade dos sintomas e presença de doenças associadas.

B - Uma pergunta direta sobre a presença de um evento estressante que tenha agravado os sintomas de FM durante seu desenvolvimento.

C - FS: baseado na soma das pontuações que compõem o ACR 2010 e modificado em 2011. Varia de 0 a 31, sendo que 0 é a melhor condição clínica e 31 é a pior66 Wolfe F, Clauw DJ, Fitzcharles MA, Goldenberg DL, Häuser W, Katz RS, Mease P, Russell AS, Russell IJ, Winfield JB. Fibromyalgia criteria and severity scales for clinical and epidemiological studies: a modification of the ACR Preliminary Diagnostic Criteria for Fibromyalgia. J Rheumatol. 2011;38(6):1113-22..

D - FIQr: perguntas sobre os desafios das tarefas diárias, dificuldades ocupacionais e intensidade dos sintomas. A pontuação total varia de 0 (nenhum impacto) a 100 (pior impacto possível)1111 Paiva ES, Heymann RE, Rezende MC, Helfenstein JM, Martinez JE, Provenza JR, Bennett RM. A Brazilian Portuguese version of the Revised Fibromyalgia Impact Questionnaire (FIQR): a validation study. Clin Rheumatol. 2013;32(8):1199-206..

E - PHQ9: questionário que avalia a presença de sintomas depressi-vos. A frequência de cada sintoma nas últimas duas semanas é avaliada em uma escala de 0 a 3, correspondendo às respostas “nem um pouco”, “vários dias”, “mais da metade dos dias” e “quase todos os dias”, respectivamente1212 Santos IS, Tavares BF, Munhoz TN, Almeida LS, Silva NT, Tams BD, Patella AM, Matijasevich A. Sensitivity and specificity of the Patient Health Questionnaire-9 (PHQ-9) among adults from the general population. Cad Saude Publica. 2013;29(8):1533-43..

F - GAD-7: Instrumento desenvolvido por um estudo (2007) para avaliação, diagnóstico e monitoramento da ansiedade. Consiste em sete itens, dispostos em uma escala de quatro pontos: 0 (nunca) a 3 (quase todo dia). A pontuação total varia de 0 a 211313 Spitzer RL, Kroenke K, Williams JB, Löwe B. A brief measure for assessing generalized anxiety disorder: the GAD-7. Arch Intern Med. 2006;166(10):1092-7..

Aspectos éticos

Este projeto de pesquisa foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - Campus Sorocaba, sob o parecer CAAE: 30537620.2.0005373.

Análise estatística

A amostragem foi feita por conveniência. Foi utilizada a estatística descritiva para apresentar as variáveis demográficas e os dados clínicos. Foi utilizado o teste T para as associações e os testes Qui-quadrado e Exato de Fisher para as variáveis categóricas entre os grupos.

RESULTADOS

Sessenta e um pacientes foram avaliados. A maioria era do sexo feminino (96,72%), com média de idade de 50,38±9,5 anos. A maioria era casada ou estava em um relacionamento estável (73,7%). Mais da metade tinha uma atividade profissional (54,10%) e 19,67% dos pacientes eram aposentados ou recebiam auxílio-doença. Quanto ao nível de escolaridade, 44,26% tinham ensino fundamental incompleto, 16,39% ensino fundamental completo, 34,43% tinham ensino médio completo e apenas 4,92% ensino superior completo.

A maioria dos pacientes (80,33%) foi diagnosticada por reumatologistas e os demais por médicos de outras especialidades. Quanto ao tempo de diagnóstico, 26,23% receberam o diagnóstico menos de um ano antes da pesquisa, 59,02% mais de um ano e menos de 10 anos, e 14,75% mais de 10 anos antes da pesquisa. Dezoito por cento tinham um diagnóstico anterior de doença psiquiátrica e 81,96% tinham comorbidades somáticas. Apenas 24,6% dos pacientes tinham histórico familiar de FM.

Com relação à intensidade dos sintomas medida pelo FS, a média foi de 24,1±5,14, e o impacto, medido pelo FiQr, foi de 70,08±19,68. Nos aspectos emocionais, observou-se que a intensidade da depressão pelo PHQ9 foi de 16,23±6,30, e a ansiedade medida pelo GAD-7 foi de 13,77±4,92.

Em relação à percepção dos pacientes sobre eventos estressantes que agravaram a FM, cerca de 59% relataram a presença de estresse agudo durante a evolução. Entre os fatores agravantes, o mais prevalente foi a morte de um parente próximo, seguido por conflitos familiares, problemas financeiros e ser vítima de violência.

Não foi encontrada diferença significativa entre os grupos com e sem eventos estressantes para a idade e os escores do PHQ-9 e do GAD-7. Houve associação significativa entre a presença de eventos estressantes agravantes e o FS (p<0,05) e o FIQr, conforme observado na tabela 1.

Tabela 1
Resultados sobre o impacto agravante de eventos estressantes nos parâmetros de acompanhamento da fibromialgia

Também houve associação significativa entre o FIQr e a presença de episódios agravantes (p<0,05). A presença de eventos agravantes aumenta a pontuação do FIQr em 2,72 (IRR= 2,729885, Desvio padrão = 1,278386, z=2,14, p=0,032, intervalo de confiança de 95% 1,090267 e 6,835275).

Quanto às variáveis categóricas, não houve diferença significativa entre os grupos com e sem eventos estressantes para sexo, cor da pele, religião, escolaridade, estado civil e atividade profissional.

DISCUSSÃO

A FM é uma síndrome que afeta de 0,66% a 4,4% da população brasileira. A amostra deste estudo mostrou um perfil epidemiológico com predomínio de mulheres, na faixa etária de 35 a 60 anos, o que é compatível com a literatura22 Freitas RPA, Andrade SC, Spyrides MHC, Micussi MTABC, Sousa MBC. Impacto do apoio social sobre os sintomas de mulheres brasileiras com fibromialgia. Rev Bras Reumatol. 2017;57(3):197-203.. Em relação aos dados educacionais e profissionais, apenas 39,35% dos pacientes tinham ensino médio completo e somente três pacientes tinham ensino superior completo. Em relação à ocupação, 54,1% dos pacientes estavam empregados, 23,6% eram “donas de casa” e 19,67% eram aposentados ou estavam em licença médica. Essa população era atendida pelo serviço público que trata de pacientes de baixa renda. Esses dados são semelhantes aos publicados recentemente por um estudo sobre sexo, idade, estado civil e aspecto ocupacional. Há uma diferença no nível de escolaridade, com um baixo número de pessoas com ensino superior completo na amostra desta pesquisa1414 Fors EA, Wensaas KA, Helvik AS. Prevalence and characteristics of fibromyalgia according to three fibromyalgia diagnostic criteria: a secondary analysis study. Scand J Pain. 2024;24(1):20230143.

Quanto à avaliação dos sintomas de FM, a pontuação média de FI (0 a 31) foi de 24,13±5,14. O índice FiQr médio foi de 70,08±19,68. Ambos foram considerados graves1515 Salaffi F, Di Carlo M, Bazzichi L, Atzeni F, Govoni M, Biasi G, Sarzi-Puttini P. Definition of fibromyalgia severity: findings from a cross-sectional survey of 2339 Italian patients. Rheumatology. 2021;60(2):728-36.. Essa pesquisa foi desenvolvida em uma unidade de saúde terciária, o que pode explicar o perfil desses pacientes. O Estudo Epidemiológico da Fibromialgia no Brasil (Epifibro) apresentou dados semelhantes nesses instrumentos de avaliação (FS - 22,19 =/- 5,8; FIQr - 68±17,1)1616 Martinez JE, Paiva ES, Rezende MC, Heymann RE, Helfenstein M Jr, Ranzolin A, Provenza JR, Ribeiro LS, Souza EJR, Feldman DP, Assis MR. EpiFibro (Brazilian Fibromyalgia Registry): data on the ACR classification and diagnostic preliminary criteria fulfillment and the follow-up evaluation. Rev Bras Reumatol Engl Ed. 2017;57(2):129-33..

Com relação à saúde mental dos pacientes, a média do PHQ9 foi de 16,23 ± 6,30, indicando transtorno depressivo moderado a grave. A média do GAD-7 foi de 13,77±4,92, também sugerindo ansiedade moderada a grave1717 Gaskin ME, Greene AF, Robinson ME, Geisser ME. Negative affect and the experience of chronic pain. J Psychosom Res. 1992;36(8):707-13.. Assim, esse grupo apresentou sintomas graves, como depressão e ansiedade, que podem contribuir para um impacto maior na qualidade de vida, nas relações interpessoais e na capacidade de trabalho. Quanto ao PHQ9, um estudo encontrou escores equivalentes associados a sintomas moderados e graves medidos pelo FIQr. Deve-se considerar que os pacientes estudados foram acompanhados em um centro médico de atendimento terciário1818 Singh R, Rai NK, Pathak A, Rai J, Pakhare A, Kashyap PV, Rozatkar AR, Mishra S, Mudda S. Impact of fibromyalgia severity on patients mood, sleep quality, and quality of life. J Neurosci Rural Pract. 2024;15(2):320-6..

A avaliação da qualidade de vida por meio de questionários tem sido reconhecida como uma ferramenta importante para o conhecimento na área da saúde. Nesse sentido, é possível avaliar fatores subjetivos, já que esses questionários permitem uma avaliação mais objetiva1313 Spitzer RL, Kroenke K, Williams JB, Löwe B. A brief measure for assessing generalized anxiety disorder: the GAD-7. Arch Intern Med. 2006;166(10):1092-7.,1414 Fors EA, Wensaas KA, Helvik AS. Prevalence and characteristics of fibromyalgia according to three fibromyalgia diagnostic criteria: a secondary analysis study. Scand J Pain. 2024;24(1):20230143. Os pacientes com doenças crônicas, incluindo a FM, tendem a ter uma pior qualidade de vida1414 Fors EA, Wensaas KA, Helvik AS. Prevalence and characteristics of fibromyalgia according to three fibromyalgia diagnostic criteria: a secondary analysis study. Scand J Pain. 2024;24(1):20230143. De acordo com a Associação Americana de Ansiedade e Depressão (American Anxiety and Depression Association)1515 Salaffi F, Di Carlo M, Bazzichi L, Atzeni F, Govoni M, Biasi G, Sarzi-Puttini P. Definition of fibromyalgia severity: findings from a cross-sectional survey of 2339 Italian patients. Rheumatology. 2021;60(2):728-36., cerca de 20% dos pacientes com dor crônica também têm um transtorno de humor. Nesta pesquisa, 18,03% dos pacientes tinham um diagnóstico prévio de transtornos de ansiedade e depressão.

Ao questionar a presença de eventos estressantes agudos na experiência dos pacientes, observou-se que tais fatores influenciam tanto os sintomas de intensidade quanto a evolução da FM. Observou-se que o relato da presença de estressores foi considerado importante pelos pacientes. Um aspecto importante é que o relato dos pacientes sobre eventos estressantes agravantes durante a evolução da FM aumentou a pontuação do FIQr. O luto dos familiares destacou-se como o estressor mais frequentemente mencionado. Um dos estressores mais citados na literatura foi o abuso físico durante a infância1919 Kaleycheva N, Cullen AE, Evans R, Harris T, Nicholson T, Chalder T. The role of lifetime stressors in adult fibromyalgia: systematic review and meta-analysis of case-control studies. Psychol Med. 2021;51(2):177-93.. O desenho deste estudo baseado em entrevistas pode ter contribuído para a ausência de relatos sobre traumas na infância, considerando que muitos pacientes relutam em mencionar essas situações. Além disso, os resultados de estudos de caso-controle podem diferir dos resultados de coortes prospectivas devido à memória dos pacientes entrevistados2020 Santos AMB, Assumpção A, Matsutani LA, Pereira CAB, Lage LV, Marques AP. Depressão e qualidade de vida em pacientes com fibromialgia. Rev Bras Fisioter. 2006;10(3):317-24..

Em relação aos pontos positivos desta pesquisa, foi destacada a importância do tópico abordado e que seu conhecimento traz boas oportunidades em termos de medicina para lidar com o gerenciamento do estresse. A limitação desta pesquisa é sua metodologia. Um estudo de coorte positivo valorizaria os resultados. Outro aspecto negativo é que este estudo, realizado em um ambiente de saúde terciária, pode não representar toda a população de pacientes com FM. Novas pesquisas com um número maior de pacientes e em um ambiente de atenção primária podem ampliar esse conhecimento.

A conclusão mais óbvia é que, do ponto de vista neurobiológico, os mecanismos de estresse se sobrepõem aos mecanismos responsáveis pela fisiopatologia dos sintomas que compõem a síndrome da FM2121 Van Houdenhove B, Egle U, Luyten P. The role of life stress in fibromyalgia. Curr Rheumatol Rep. 2005;7(5):365-70..

CONCLUSÃO

Há uma associação significativa entre eventos estressantes agravantes e pontuações mais altas nos índices de avaliação da FM e seu impacto. Os principais estressores mencionados foram as dificuldades financeiras, o luto familiar e as doenças clínicas associadas.

  • Fontes de fomento: PIBIC CNPq - bolsas de iniciação científica para as autoras Ana Júlia Campi Nunes de Oliveira e Thaís Di-Giovanni.

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Editado por

Editor associado responsável:

Luciana Buin

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Set 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    30 Abr 2024
  • Aceito
    25 Jun 2024
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