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Estimulação elétrica nervosa transcutânea para alívio da dor: você acompanhou as atualizações científicas?

Estimulação elétrica nervosa transcutânea (TENS) é uma intervenção não farmacológica caracterizada pela aplicação de corrente elétrica de baixa frequência na pele para promoção de analgesia11 Dailey DL, Vance CGT, Rakel BA, Zimmerman MB, Embree J, Merriwether EN, Geasland KM, Chimenti R, Williams JM, Golchha M, Crofford LJ, Sluka KA. Transcutaneous electrical nerve stimulation reduces movement-evoked pain and fatigue: a randomized, controlled trial. Arthritis Rheumatol. 2020;72(5):824-36.. Essa modalidade de estimulação elétrica pode reduzir a intensidade de dor, tanto em repouso como durante o movimento, diminuindo tanto hiperalgesia primária e secundária como alodínia; também reduz inflamação, fadiga e medo do movimento, restaura a sensibilização central e aumenta função e qualidade de vida sem relatos de efeitos adversos importantes, sendo, então, utilizada como uma importante alternativa para alívio da dor tanto por diferentes profissionais de saúde que atendem pacientes com dor quanto pelos próprios pacientes, que têm acesso a equipamentos mais simples que podem ser adquiridos em farmácias.

No entanto, apesar de tantos estudos sobre o tema, ainda existe muita dúvida sobre a melhor “dose” da TENS, o que significa, neste caso, a combinação de diversos componentes que devem considerados para que se realize a prescrição de um tratamento individualizado com TENS, a exemplo de frequência (em Hertz; baixa/alta/mista/alternada), intensidade (em mA; nível sensitivo ou motor), duração de pulso (em μs ou ms), tempo (em minutos), colocação de eletrodos (na região de dermátomo, acuponto, trajeto nervoso ou paravertebral). Entretanto, o programa ótimo de TENS para controle da dor varia de acordo com o contexto individual. Nem todos os indivíduos respondem à TENS da mesma maneira visto que existem distintos fatores que influenciam o efeito ótimo tal como a escolha dos parâmetros, expectativas dos pacientes, abordagem placebo/nocebo e crenças limitantes.

Mecanisticamente, estudos pré-clínicos e clínicos tem mostrado que TENS tem ação periférica e central (espinal e supraspinal) no sistema nervoso, reduzindo excitabilidade neural em ambos os níveis. Na periferia, a TENS ativa subnunidades μ de receptores Opioides e receptores α-2 adrenérgicos, além de diminuir concentração de substância P. Na medula espinal, a TENS ativa as subunidades μ e δ de receptores Opioides, receptores gabaérgicos GABA-A, serotoninérgicos 5-HT2 e 5-HT3, muscarínicos M1 e M3 enquanto reduz os níveis de neurotransmissores excitatórios como substância P, glutamato e aspartate. No encéfalo, a TENS ativa também receptores Opioides μ e δ na região rostroventromedial do bulbo, o que ativa as vias descendentes inibitórias da dor. ATENS também exerce um importante papel na substância cinzenta periaquedutal. Adicionalmente, em níveis centrais, frequências baixas e altas de TENS ativam seletivamente receptores Opioides μ e δ, respectivamente. Se a frequência ou a intensidade não for modificada, o efeito de tolerância (perda de eficácia) poderá acontecer22 Vance CG, Dailey DL, Rakel BA, Sluka KA. Using TENS for pain control: the state of the evidence. Pain Manag. 2014;4(3):197-209..

Clinicamente, TENS pode reduzir dor aguda pós-operatória em repouso e durante movimento em diversas condições tais como cirurgias abdominais, torácicas e ortopédicas. Além disso, a TENS também pode melhorar a funcionalidade após cirurgias devido a diminuição da dor e diminuir consumo de medicamentos, reduzindo a frequência ou número de eventos adversos. O efeito pode ser otimizado se a intensidade for aumentada a nível sensitivo alto conforme tolerado pelo paciente. Há evidências de que a TENS também reduz dor aguda em situações de procedimentos, isquemia, cólica renal, parto, fraturas e durante transporte após traumas.

Estudos recentes têm mostrado que a TENS reduz intensidade de dor em repouso e movimento, reduz fadiga, reduz sensibilização neural periférica e central à dor, promove melhor analgesia quando aplicada simultaneamente a intervenções com exercícios físicos, gera resultados clínicos mais pronunciados quando a dor é medida em movimento tanto em dor nociceptiva como nociplástica, diminui medo de movimento, melhorando adesão aos exercícios33 DeJesus BM, Rodrigues IKL, Azevedo-Santos IF, DeSantana JM. Effect of transcutaneous electrical nerve stimulation on pain-related quantitative sensory tests in chronic musculoskeletal pain and acute experimental pain: systematic review and meta-analysis. J Pain. 2023;24(8):1337-82.,44 Tavares Oliveira M, Maciel Santos M, Lucas Mayara da Cruz Reis K, Resende Oliveira L, DeSantana JM. Transcutaneous electric nerve stimulation in animal model studies: from neural mechanisms to biological effects for analgesia. Neuromodulation. 2023;27:S1094-7159(23)00l45-9.. Há evidências que suportam o uso da TENS em populações como fibromialgia, dor pélvica, disfunção temporomandibular, osteoartrite), distúrbios neurológicos (lesão medular, acidente vascular cerebral e neuralgia pós-herpética). Entretanto, ainda há controversas sobre o uso da TENS de forma isolada para tratar a dor como lombalgia, dismenorreia primária, síndrome da dor complexa regional e dores de cabeça55 Bjordal JM, Johnson MI, Ljunggreen AE. Transcutaneous electrical nerve stimulation (TENS) can reduce postoperative analgesic consumption. A meta-analysis with assessment of optimal treatment parameters for postoperative pain. Eur J Pain. 2003;7(2):181-8.,66 Johnson MI, Paley CA, Jones G, Mulvey MR, Wittkopf PG. Efficacy and safety of transcutaneous electrical nerve stimulation (TENS) for acute and chronic pain in adults: a systematic review and meta-analysis of 381 studies (the meta-TENS study). BMJ Open. 2022;12(2):e051073..

Nos anos mais recentes, os estudos não classificam a TENS como convencional, burst, breve e intensa e acupuntura. Tanto baixas quanto altas frequências de TENS podem ser prescritas para qualquer caso de dor, seja ela aguda ou crônica, diferentemente do que muitos clínicos ainda pensam. Manter a frequência constante ao longo dos atendimentos pode promover perda de eficácia devido ao desenvolvimento do mecanismo de tolerância, mas a modulação entre baixa e alta frequências (seja mista – ciclos de baixa e de alta frequência durante o mesmo atendimento - ou alternada – alternando entre baixa e alta frequências em atendimentos consecutivos) podem atrasar o desenvolvimento de tolerância à TENS. Níveis mais altos de intensidade de TENS, inclusive em ponto de contração motora, podem ser mais eficazes para promover um ótimo alívio da dor. Adicionalmente, combinar frequência modulada e aumentar a intensidade de TENS produz maior analgesia. Vinte ou trinta minutos podem ser suficientes para promover analgesia. Como TENS produz efeitos sistêmicos devido ao seu papel no sistema nervoso central, eletrodos podem ser aplicados localmente ou em áreas extrassegmentares para gerar alívio da dor. Em caso de não aplicar os eletrodos em locais dolorosos, estratégias de educação devem ser oferecidas aos pacientes no intuito de que haja informação suficiente sobre sua ação biológica mesmo foram do local primário do relato de dor.

É importante mencionar que a abordagem do profissional é imprescindível; comunicação e atitudes positivas aumentam o efeito analgésico promovido pela TENS (efeito placebo) e expectativas negativas podem prejudicar a analgesia devido ao potencial efeito nocebo77 Agripino ME, Lima LV, Freitas IF, Souto NB, Carvalho TC, DeSantana JM. Influence of therapeutic approach in the TENS-induced hypoalgesia. Clin J Pain. 2016;32(7):594-601..

Nos últimos 30 anos, a melhor compreensão dos mecanismos de ação e da eficácia clínica da TENS é notória, com evoluções no entendimento de suas ações periférica e central no sistema nervoso, na escolha adequada dos parâmetros de estimulação e o tempo de ação. Os procedimentos metodológicos para condução e relato de ensaios clínicos e revisões sistemáticas tem evoluído consideravelmente e é possível que nos próximos cinco a dez anos haja informações de altíssima qualidade e forte nível de evidência em relação ao efeito terapêutico da TENS em diferentes condições de dor e seus impactos na função e na qualidade de vida.

REFERENCES

  • 1
    Dailey DL, Vance CGT, Rakel BA, Zimmerman MB, Embree J, Merriwether EN, Geasland KM, Chimenti R, Williams JM, Golchha M, Crofford LJ, Sluka KA. Transcutaneous electrical nerve stimulation reduces movement-evoked pain and fatigue: a randomized, controlled trial. Arthritis Rheumatol. 2020;72(5):824-36.
  • 2
    Vance CG, Dailey DL, Rakel BA, Sluka KA. Using TENS for pain control: the state of the evidence. Pain Manag. 2014;4(3):197-209.
  • 3
    DeJesus BM, Rodrigues IKL, Azevedo-Santos IF, DeSantana JM. Effect of transcutaneous electrical nerve stimulation on pain-related quantitative sensory tests in chronic musculoskeletal pain and acute experimental pain: systematic review and meta-analysis. J Pain. 2023;24(8):1337-82.
  • 4
    Tavares Oliveira M, Maciel Santos M, Lucas Mayara da Cruz Reis K, Resende Oliveira L, DeSantana JM. Transcutaneous electric nerve stimulation in animal model studies: from neural mechanisms to biological effects for analgesia. Neuromodulation. 2023;27:S1094-7159(23)00l45-9.
  • 5
    Bjordal JM, Johnson MI, Ljunggreen AE. Transcutaneous electrical nerve stimulation (TENS) can reduce postoperative analgesic consumption. A meta-analysis with assessment of optimal treatment parameters for postoperative pain. Eur J Pain. 2003;7(2):181-8.
  • 6
    Johnson MI, Paley CA, Jones G, Mulvey MR, Wittkopf PG. Efficacy and safety of transcutaneous electrical nerve stimulation (TENS) for acute and chronic pain in adults: a systematic review and meta-analysis of 381 studies (the meta-TENS study). BMJ Open. 2022;12(2):e051073.
  • 7
    Agripino ME, Lima LV, Freitas IF, Souto NB, Carvalho TC, DeSantana JM. Influence of therapeutic approach in the TENS-induced hypoalgesia. Clin J Pain. 2016;32(7):594-601.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Jul 2024
  • Data do Fascículo
    2024
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