Resumo
Os ovos são usados como ingredientes da indústria alimentícia devido às suas propriedades funcionais. Ovos de diferentes espécies de aves podem ser usados no processamento industrial. Foram realizados experimentos reológicos em estado estacionário para obtenção das curvas de fluxo e também em estado dinâmico para estudar as propriedades reológicas dos ovos de emas Rhea americana. O comportamento viscoelástico dos fluidos em função das temperaturas de coagulação para albúmen e gema e da frequência oscilatória foi estudado. Foram analisados 15 ovos de rhea armazenados por até 28 dias a 10 °C em 1, 7, 14, 21 e 28 dias. As frações de albumina e gema mostraram comportamento reológico pseudoplástico com pequeno cisalhamento de fluxo inicial e dependência do tempo de cisalhamento, com albúmen demonstrando tixotropia e a gema mostrando reopexia. Em testes reológicos de cisalhamento baixo, observou-se gelificação térmica de albúmen, apresentando uma primeira mudança no módulo elástico em torno de 56 °C, e um segundo de 78 °C. Na gema, observou-se uma mudança a partir de 66 °C, com variações mais estruturais no desenvolvimento do gel a temperaturas mais elevadas. Para os ovos de rhea, a temperatura estruturante de gel (gelificação) de albumen (80 °C) e gema de ovo (69 °C) não sofreu variações durante os períodos de armazenamento. Em comparação com os ovos comerciais, as maiores temperaturas de viscosidade e gelificação apresentadas pelos ovos rhea podem ajudar a determinar o tamanho do sistema de processamento industrial, pois podem ser submetidos a temperaturas mais altas sem modificar estruturas proteicas e dificultar o processo.
Palavras-chave: aves silvestres; temperatura de desnaturação; fluxo; propriedades funcionais; proteína
Abstract
Eggs are used as food industry ingredients due to their functional properties. Eggs from different bird species are used in industrial processing; therefore, rheological experiments were carried out at steady state to obtain the flow curves and also at a dynamic state to study the rheological properties of greater rhea eggs. The viscoelastic behavior of the fluids as a function of the coagulation temperatures for albumen and yolk and of the oscillatory shear frequency was studied. Fifteen rhea eggs stored for up to 28 days at 10 °C were analyzed at 1, 7, 14, 21, and 28 days. The albumen and yolk fractions showed pseudoplastic rheological behavior with small initial flow shear and dependence on shear time, with albumen demonstrating thixotropy and the yolk showing rheopexy. In low shear rheological tests, thermal gelation of albumen was observed, presenting a first change in the elastic modulus around 56 °C, and a second from 78 °C. In the yolk, a change was observed from 66 °C, with more structural variations in the development of the gel at higher temperatures. For rhea eggs, the gel structuring (gelation) temperature of albumen (80 °C) and egg yolk (69 °C) did not undergo variations during the storage periods. Compared to commercial eggs, the higher viscosity and gelation temperatures presented by the rhea eggs can help determine the size of the industrial processing system as they can be submitted to higher temperatures without modifying protein structures and hindering the process.
Keywords: birds; denaturation temperature; flow; functional properties; protein
Introdução
Os ovos são ingredientes essenciais na indústria alimentícia e são utilizados na fabricação de maionese, massas, produtos de padaria e confeitaria (1) por causa de suas propriedades polifuncionais de emulsificação, coagulação térmica e formação de espuma (2). São necessárias informações sobre suas propriedades físicas e químicas para o processamento de ovos, pois são submetidos a diversas operações unitárias, como armazenamento, bombeamento, agitação, transporte de tubos, troca de calor e secagem (3). Estudos reológicos avaliam as propriedades de fluxo desses fluidos quando submetidos à ação de forças externas (4). A maioria dos fluidos alimentares apresentam comportamento reológico categorizados como não newtonianos. A viscosidade desses fluidos depende da força aplicada pelo sistema, a uma temperatura constante ou também pode depender da variação de temperatura do sistema. Assim, a maioria desses fluidos não se caracteriza apenas pela viscosidade, pois isso não é constante. Modelos mais complexos com pelo menos dois parâmetros são necessários para sua caracterização (5).
A viscosidade dos ovos está associada ao comportamento de cisalhamento do fluxo dependente do tempo, e esses podem demonstrar tixotropia ou reopexia. A tixotropia ocorre quando a estrutura do sistema se rompe, enquanto a reopexia indica um desenvolvimento da estrutura. O comportamento tixotrópico é comum em alimentos estruturados, e no caso do albumen, pode ser associado a uma rede de proteínas em solução que rompe com a tensão do sistema. Por outro lado, a reopexia não é comum em alimentos, onde o aumento da viscosidade com o tempo de processamento está mais associado ao efeito do aquecimento ou da temperatura do sistema do que com o tempo de aplicação (6, 7).
As características físico-químicas do albumen influenciam a formação e elasticidade dos produtos processados (8). Essas características podem mudar com o tempo de armazenamento, especialmente quando submetidas ao tratamento térmico (7, 9). A concentração proteica, a espessura do filme proteico formado, a força iônica dessas moléculas, temperatura e a presença de outros componentes nos sistemas alimentares afetam as propriedades viscoelásticas e espumas de Albumen. À medida que a concentração de proteína aumenta, um filme lamelar espesso geralmente se forma, resultando em maior estabilidade ao processar (10). A viscosidade da gema proporciona boa estabilidade às emulsões; além disso, pode-se ver uma relação linear entre a estabilidade da emulsão e a raiz quadrada da viscosidade (11).
A temperatura também tem um efeito sobre a maioria das proteínas dos ovos, que são desnaturadas quando expostas a aquecimento moderado entre 60 a 100 °C durante uma hora. O tratamento térmico causa a desnaturação de aminoácidos, e após o aquecimento moderado (abaixo de 100 °C), as proteínas são digeridas com mais facilidade. Isso permite que os proteases ajam com mais facilidade. Do ponto de vista nutricional, a desnaturação parcial melhora a digestibilidade e a disponibilidade biológica de aminoácidos essenciais. A desnaturação excessiva da proteína muitas vezes resulta em sua insolubilização (12). No tratamento térmico acima de 100 °C, podem ser formados crosslinks, afetando a funcionalidade e impedindo a digestão proteica, reduzindo assim seu valor nutricional. Em temperaturas acima de 180 °C, ocorre destruição de aminoácidos, reduzindo a digestibilidade da proteína (13).
Como os ovos de emas representam um ingrediente potencial para a indústria alimentícia e são menos estudados, o objetivo deste trabalho foi caracterizar seu comportamento reológico, para fornecer parâmetros para o processamento industrial desses ovos e para seu desenvolvimento como ingredientes nas formulações alimentares. O efeito do tempo de armazenamento de ovos no comportamento reológico foi avaliado por meio de testes de estado constante para obter as curvas de fluxo e testes dinâmicos para verificar o comportamento viscoelástico dos fluidos de acordo com as temperaturas de aquecimento.
Materiais e métodos
Foram utilizados 15 ovos de inférteis de emas provenientes de um criador comercial registrado no Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Reg No: 6012603). Os ovos foram coletados do ninho dentro de um período de 48 horas, embalados separadamente, e enviados para o laboratório. Esses foram armazenados a uma temperatura de 10 °C durante todo o período do experimento. Os ovos foram distribuídos em cinco lotes compostos por três ovos (cinco tratamentos × 3 réplicas) e analisados em 1, 7, 14, 21 e 28 dias em duplicata, com três réplicas independentes por ovo. Os testes reológicos do albumen e da gema de ovo foram realizados em estado estacionário (altas deformações) e estado oscilatório. Foi utilizado um reômetro físico 101 controlado (Anton Paar, Alemanha) com geometria cone-placa em aço inoxidável com 60 mm de diâmetro.
As curvas de fluxo (viscosidade) foram determinadas a uma taxa de cisalhamento entre 0 e 500 s-1 (faixa mais comum nos processos alimentares) a uma temperatura fixa de 25 °C, utilizando o módulo de cisalhamento controlado. Três rampas de fluxo contínua foram utilizadas para verificar a existência de dependência do tempo de cisalhamento, ou a caracterização de tixotropia ou reopexia do sistema: a primeira rampa envolveu aumento da taxa de cisalhamento (0 a 500 s-1) (Rampa 1), a segunda foi uma rampa decrescente (Descida), e posteriormente, a terceira foi uma nova rampa crescente (Rampa 2).
Para caracterizar o comportamento reológico, as curvas de fluxo foram ajustadas aos modelos reológicos de lei da potência (pseudoplástico) (equação 1) e ao modelo Herschel-Bulkley (HB). Este último difere do modelo pseudoplástico, levando em conta a cisalhamento necessária para iniciar o fluxo (equação 2). O ajuste foi realizado utilizando o software Excel, levando o melhor coeficiente de determinação (R2).
Onde σ é a tensão, ẏ é a taxa de deformação, n é o índice de comportamento e k é o índice de consistência e σ0 é a tensão inicial ao início do escoamento do fluido.
Os parâmetros avaliados foram a viscosidade aparente a 100 e 500s-1, os índices de comportamento e de consistência e os valores de tensão inicial ao escoamento. Para os testes de oscilação dinâmica em calha baixa, inicialmente foram realizados testes preliminares a 25 °C em uma frequência constante de 1 Hz. Isso foi feito para verificar a amplitude da viscoelasticidade linear, ou seja, para garantir que os testes do sistema não ultrapassassem 5%. Dentro da faixa linear, foram realizadas varreduras sequenciais para descrever a variação dos módulos elástico (G') e viscoso (G) das amostras de albumen e gema de acordo com a temperatura de aquecimento e a frequência de oscilação.
Utilizou-se a mesma geometria de placa de cone de aço inoxidável de 60 mm de diâmetro.Aprimeira etapa consistiu em um teste de frequência oscilatória entre 0,1 e 10 Hz a 25 °C seguido de uma rampa de aquecimento e rampa de resfriamento subsequente com uma taxa fixa de aquecimento e resfriamento de 1 °C por minuto. Após o teste de resfriamento, a amostra foi novamente submetida a uma frequência oscilatória entre 0,1 e 10 Hz a 25 °C.
Para a caracterização da temperatura de gelificação foi inicialmente considerado o ponto de igualdade entre os módulos elástico e viscoso, porém, dado que muitas amostras já apresentavam modulo elástico superior ao viscoso no início do experimento, foi considerado o ponto significativo de desenvolvimento da estrutura elástica do gel, arbitrariamente definido como o ponto onde a derivada da variação do modulo elástico em função da temperatura (dG’/dT) foi superior ao valor de 5 Pa. Todos os ensaios foram realizados em triplicata e os dados de temperatura de desenvolvimento foram submetidos a análise de variância e avaliados com teste de Tukey p<0,05, usando o software R (14).
Resultados de discussão
Os resultados da curva de escoamento (que associa a tensão de escoaento à taxa de deformação) estão apresentados na Figura 1A para albumen e na Figura 1B para gema de ovo.
Curvas de fluxo para albumen (A) e gema (B) do ovo de ema. Rampa ascendente (▲), rampa para baixo (■), e segunda rampa ascendente (●) de taxa de tensão.
As figuras 1 indicam que tanto o albumen quanto a gema dos ovos de rhea apresentaram fluxo dependente de cisalhamento, pois em ambos os casos, as rampas ascendentes e descendentes apresentaram histerese significativa. As frações de albumen e gema exibiam o mesmo fluxo no momento do cisalhamento para todos os períodos de armazenamento, e a intensidade do fluxo variou (Tabela 1 e 2).
Caracterização do comportamento reológico (modelo de Lei da potência e Herschel Bulkle) para albumen de ovo de ema armazenados nos periodos de 1, 7, 14, 21 e 28 dias a 10oC
Caracterização do comportamento reológico (modelo de lei da potência e Herschel Bulkley) para gema de ovos de emas armazenados nos periodos de 1, 7, 14, 21 e 28 dias a 10oC
Albumen (Figura 1A) apresenta valores mais baixos de cisalhamento do que a gema (Figura 1B), indicando que a gema é um material mais estruturado. A primeira rampa ascendente da taxa de cisalhamento de 0 a 500 s-1 foi maior que a segunda rampa descendente para albumen e foi menor para gema. Este resultado implica que o comportamento reológico depende do tempo de tixotropia para albumen e tempo de reopexia para gema.
O comportamento reopético observado na gema de ovo de ema (Figura 1B) pode estar associado a um efeito emulsionante no sistema com a aplicação da tensão de cisalhamento. Deve-se notar que a gema é um sistema rico em água, gorduras e proteínas, que por sua vez têm atividade emulsificante. É provável que o estresse de cisalhamento tenha promovido uma homogeneização desse sistema complexo, e que a ação emulsionante de proteínas promoveu a formação de uma estrutura mais complexa, culminando no aumento da tensão observada (comportamento reopético). Ohata & Viotto (3) observaram o comportamento tixotrópico em testes reológicos com gemas de ovo de galinha em condições de alta taxa de tensão e estresse de cisalhamento. Os resultados obtidos neste experimento para a gema de ovo de ema mostraram comportamento diferente aos observados em ovos de galinhas comerciais.
Albumen (Figura 1A) apresenta valores mais baixos de cisalhamento do que a gema (Figura 1B), indicando que a gema é um material mais estruturado. A primeira rampa ascendente da taxa de cisalhamento de 0 a 500 s-1 foi maior que a segunda rampa descendente para albumen e foi menor para gema. Este resultado implica que o comportamento reológico depende do tempo de tixotropia para albumen e tempo de reopexia para gema.
O comportamento reopético observado na gema de ovo de ema (Figura 1B) pode estar associado a um efeito emulsionante no sistema com a aplicação da tensão de cisalhamento. Deve-se notar que a gema é um sistema rico em água, gorduras e proteínas, que por sua vez têm atividade emulsificante. É provável que o estresse de cisalhamento tenha promovido uma homogeneização desse sistema complexo, e que a ação emulsionante de proteínas promoveu a formação de uma estrutura mais complexa, culminando no aumento da tensão observada (comportamento reopético). Ohata & Viotto (3) observaram o comportamento tixotrópico em testes reológicos com gemas de ovo de galinha em condições de alta taxa de tensão e estresse de cisalhamento. Os resultados obtidos neste experimento para a gema de ovo de ema mostraram comportamento diferente aos observados em ovos de galinhas comerciais.
Após a terceira curva de tensão (terceira rampa), o material passou por uma intensa força de cisalhamento, culminando na modificação da estrutura e, portanto, na retirada da dependência do comportamento reológico com o tempo. Portanto, essas curvas foram ajustadas aos modelos de lei de poder (pseudoplástico) e HB que obtêm resultados para albumen (Tabela 1) e gemas de ovo (Tabela 2), com os períodos anteriores de armazenamento amostral de 1, 7, 14, 21 e 28 dias.
O índice de consistência (k) foi significativamente maior para a gema, indicando maior viscosidade para esta fração de ovo tanto pela lei de energia quanto pelos modelos HB. Isso também pode ser verificado por valores mais elevados de viscosidade aparente em 100 e 300 s-1. Para o período inicial de armazenamento, a viscosidade da gema tanto baixa deformação (n100) quanto na alta deformação (n300) foi maior, passando por redução significativa (p < 0,05) de 14 dias em diante. Para albumen, a viscosidade em baixa deformação (n100) apresentou diferenças entre os períodos de armazenamento e para a alta deformação (n300), não foram encontradas diferenças significativas. Os valores de viscosidade indicaram que o albumen apresentava um comportamento diferente quando submetido a alta e baixa deformação, enquanto a gema não mostrava tal diferenciação. O índice de fluxo de gema variou entre 0,16 e 0,81 em diferentes dias de armazenamento, e entre 0,34 e 0,44 para albumen, indicando o comportamento pseudoplástico (n < 1) das amostras de ovos de emas.
Observa-se que a viscosidade (n100 e n300) e o índice de consistência (k) da gema diminuíram do sétimo para o décimo quarto dia (observado para os dois modelos ajustados), o que pode estar relacionado à diminuição da estrutura amostral ao longo do período de armazenamento. Em contrapartida, o parâmetro de tensão residual (σ0) diminuiu do sétimo para o décimo quarto dia, aumentando novamente no vigésimo oitavo dia.
O Albumen apresentou valores mais baixos de índice de consistência (k e viscosidade aparente em 100 e 300 s-1 em comparação com a gema de ovo, mas a variação de fluxo nesses parâmetros foi diferente para as duas frações. Com o armazenamento, de acordo com suas composições, o albumen sofreu menos variação, indicando uma estabilidade de consistência com o tempo de armazenamento. A gema, que inicialmente era mais consistente, sofreu mudanças mais intensas na consistência com o tempo. Observou-se também que albumen apresentou menor índice de comportamento (n) do que gema. Em contraste, os valores do cisalhamento de fluxo inicial foram maiores para albumen do que os observados para a gema. A caracterização do comportamento viscoelástico das frações de albumen e gema em ovos armazenados por sete dias, de acordo com a temperatura de aquecimento e resfriamento, podem ser observados na Figura 2.
Dependência do modulo elástico (G’) e viscoso (G”) em relação a temperature do albúmen (A) e gema (B). Aquecimento (●G’;▲G”). Esfriamento (○G’ e△G”).
Com o aquecimento, tanto albumen quanto gema mostraram uma mudança no módulo viscoso e elástico (gel). Para albumen, observou-se um aumento significativo do módulo elástico de aproximadamente 80 °C, enquanto para a gema esta variação foi iniciada a aproximadamente 69 °C. Pode-se notar que a partir dessas temperaturas, o aumento do módulo elástico foi mais pronunciado para albumen do que gema, indicando uma diferença no desenvolvimento da estrutura elástica dos géis obtida pelo aquecimento para os dois sistemas.
Em ambos os sistemas, observou-se um aumento significativo do módulo elástico (G') a partir do ciclo de resfriamento, indicando o fortalecimento da estrutura de gel elástico com o resfriamento do sistema. Além disso, pode-se observar que o módulo elástico foi maior do que o módulo viscoso sobre toda a faixa de temperatura, enquanto o módulo viscoso não sofreu muita mudança. Durante o aquecimento, a variação do módulo elástico dos sistemas foi analisada diferencialmente (dG'/dT) para permitir melhor visualização de mudanças abruptas no desenvolvimento da estrutura do gel. Os resultados da variação do módulo elástico são apresentados na Figura 3 (A) para albumen e (B) para gema.
Comportamentos de transições do módulo elástico em função da temperatura de aquecimento (dG'/dT) ao longo do aquecimento albumen (A) e gema (B) de ovo de emas armazenados por sete dias a 10oC.
É importante ressaltar que a derivada do módulo elástico (dG'/dT) permitiu a determinação da taxa ou velocidade com que as alterações na estrutura do gel ocorrem com o aquecimento. Para albumen, as mudanças foram caracterizadas em uma primeira faixa de transição de aproximadamente 56 °C, onde foi observado um aumento na taxa de modificação estrutural. Uma zona intermediária seguiu-a entre aproximadamente 60 e 67 °C, definida como o planalto intermediário, onde alterações na taxa foram menores. Uma segunda faixa de transição seguiu-se de aproximadamente 69 °C, onde ocorreu um aumento da estrutura elástica.
Tais zonas de transição podem estar relacionadas à desnaturação térmica de frações específicas de proteínas contidas no albumen que têm diferentes temperaturas iniciais de desnaturação e, portanto, contribuem especificamente para o desenvolvimento da estrutura do gel. Tal comportamento foi observado em testes semelhantes realizados por Christ at all (15) na avaliação do desenvolvimento da estrutura de gel de albumen em ovos de galinha.
O mesmo tratamento térmico foi aplicado à gema, e diferentes padrões foram observados. Cinco faixas de transição foram observadas na gema; o primeiro com 64 °C, o segundo em torno de 68 °C, o terceiro a 76 °C, o quarto em torno de 79 °C, e o último de 85 °C. Ao contrário do albumen, a gema apresentou três zonas de redução da taxa de variação do módulo elástico com temperatura (segunda, terceira e quinta banda). Esses dados, como acontece com o albumen, podem estar relacionados à desnaturação térmica de frações proteicas na constituição da gema. Além de reduções na taxa de variação do módulo elástico, isso pode levar a uma possível acomodação estrutural com o desdobramento de frações proteicas específicas.
Antes de serem submetidos ao calor, o ovo e suas frações têm uma textura líquida, e as moléculas são ligadas e configuradas em suas estruturas tridimensionais. Com a aplicação do calor, a partir de 60 °C, novas ligações covalentes são formadas, tornando o gel mais firme e mais forte, e, portanto, elástico (7). As proteínas do albumen de ovos reagem ao calor primeiro, seguidas por proteínas de gema. O processo de gelificação de proteína em ovos de ema começa com albumen a uma temperatura de 57 a 62 °C (16, 17). Os resultados obtidos para albumen e gelificação de gema para ovos de ema indicaram temperaturas inativas de gelificação de 80 °C para albumen e aproximadamente 69 °C para gema. Em comparação com os ovos de galinha, os ovos de ema apresentaram uma temperatura de gelificação mais alta, indicando novas possibilidades de processamento das frações de albumina e gema a temperaturas mais altas do que as usadas atualmente industrialmente, mantendo a integridade da estrutura proteica. As temperaturas de gelação foram obtidas a partir do ponto em que a derivada do módulo elástico, em função da temperatura (dG'/dT), apresentou valores superiores a 5 Pa. Os dados obtidos estão listados na Tabela 3.
Observa-se que para as gemas de ovo de ema, a gelificação ocorreu de 68 a 69 °C, não passando por alterações significativas (p > 0,05) entre o primeiro e o vigésimo sétimo dia de armazenamento. Para o albumen de ovos de ema, temperaturas entre 80 a 81 °C foram observadas sem diferenças significativas (p > 0,05) em temperatura de gelificação para diferentes períodos de armazenamento. A Figura 4 mostra os valores de rampa de frequencia oscilatória em amostras de albumen (A) e gema (B), respectivamente.
Rampa de frequência para o albúmen (A) e a gema (B) do ovo de ema. Antes do aquecimento símbolos fechados ●G’ e ▲G”. Após resfriamento símbolos abertos ○G’ e △G”.
Geralmente, albumen e gema apresentaram módulo elástico muito superior ao módulo viscoso em todo o espectro de frequência oscilatória e não dependiam dessa frequência (valores constantes). Isso caracteriza esses sistemas como géis fortes antes do aquecimento e particularmente após o resfriamento. No entanto, a gema demonstrou um comportamento diferente antes do aquecimento, quando havia uma forte dependência de módulos viscosos e elásticos no resfriamento e valores muito próximos do modulos. Isso pode estar ligado a uma estrutura de gel fraca antes do aquecimento.
Conclusão
As frações de albumem e gema de ovos de ema exibem comportamento reológico dependente do tempo de cisalhamento, com tixotropia no albumen e reopexia na gema. Os dois sistemas também apresentam comportamento pseudoplástico, com pequena tensão inicial ao escoamento em todos os tempos de armazenamento. As temperaturas de gelificação de albumen e gema são mais altas do que as observadas em ovos comerciais e não sofrem variações significativas com o armazenamento. Os maiores valores de temperaturas de viscosidade e gelação obtidas para os ovos de ema podem determinar possíveis mudanças no sistema de processamento industrial, uma vez que essas informações demonstram que podem suportar temperaturas mais altas sem modificar estruturas proteicas e dificultar o processamento.
Agradecimentos
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES-BRASIL), pelo financiamento da bolsa de doutorado. Para o veterinário Dr. William Pires de Oliveira, pela a doação dos ovos de emas provenientes de criatório comercial de animais silvestres, registrado no Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (IBAMA-Reg No: 6012603).
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
09 Set 2022 -
Data do Fascículo
2022
Histórico
-
Recebido
18 Abr 2002 -
Aceito
12 Jul 2022 -
Publicado
08 Ago 2022