Resumo
O presente estudo teve por objetivo avaliar o efeito de diferentes doses de lecitina integral de soja na digestibilidade aparente da dieta, comportamento ingestivo, desempenho produtivo, e nas características de carcaça de bovinos de corte terminados em confinamento. O delineamento experimental foi inteiramente casualizado, constituído de três tratamentos, sendo: Ração controle; Ração com lecitina integral de soja (10 g animal dia-1); e Ração com lecitina integral de soja (20 g animal dia-1), com cinco repetições. As rações, em base na matéria seca, foram formuladas e constituídas por 33% de silagem milho e 67% de concentrado. Foram utilizados 30 novilhos não castrados, ½ sangue Angus Nelore, com idade média de 14 meses e peso vivo médio inicial de 432,3 kg. A digesibilidade do extrato etéreo e da fibra em detergente neutro foi melhorada com a inclusão de lecitina integral de soja, já o comportamento ingestivo não foi alterado. A suplementação com 10 g animal dia-1 de lecitina integral de soja proporcionou maior média para ganho de peso (1,707 kg dia-1) seguido dos animais não suplementados (1,645 kg dia-1) e suplementados com lecitina integral de soja na dose de 20 g animal dia-1 (1,587 kg dia-1). Em relção ao acabamento das carcaças, este não foi alterado com a suplementação de lecitina integral de soja. O uso de lecitina integral de soja melhorou o aproveitamento da fração etérea e fibrosa da ração, e garantiu a maior média para ganho de peso, sendo a dose de 10 g animal dia-1 com melhores respostas.
Palavras-chave: comportamento ingestivo; conversão alimentar; desempenho produtivo; digestibilidade de nutrientes; emulsificante
Abstract
The present study aimed to evaluate the effect of different levels of whole soy lecithin on the apparent digestibility of the diet, ingestive behavior, productive performance, and carcass characteristics of feedlot-finished beef cattle. This was a completely randomized experimental design involving three treatments: Control diet; Diet with whole soy lecithin (10 g animal-1 day-1); and Diet with whole soy lecithin (20 g animal-1 day-1), with five replications. The diets were formulated and constituted of 33% corn silage and 67% concentrate, on a dry matter basis. Thirty non-castrated ½ Angus × ½ Nellore steers, with an average age of 14 months and average initial body weight of 432 kg, were used in the experiment. The dietary inclusion of whole soy lecithin improved the digestibility of ether extract and neutral detergent fiber but did not influence ingestive behavior. Supplementation with 10 g animal-1 day-1 of whole soy lecithin resulted in higher average weight gain (1.707 kg day-1) followed by non-supplemented animals (1.645 kg day-1) and those supplemented with whole soy lecithin at 20 g animal-1 day-1 (1.587 kg day-1). Carcass fatness was not altered with the supplementation of whole soy lecithin. The supply of whole soy lecithin improved the use of the ether extract and fiber fraction of the diet and resulted in the highest average weight gain. The level of 10 g animal-1 day-1 provided the best responses.
Keywords emulsifier; ingestive behavior; feed conversion; nutrient digestibility; productive performance
1. Introdução
A intensificação da pecuária nos dias atuais é primordial para garantir rentabilidade ao segmento, a qual pode ser assegurada por melhor desempenho produtivo, melhor eficiência alimentar e pela obtenção de carcaças com melhores acabamentos, que podem agregar valor no momento de sua comercialização. Uma forma de alcançar estes objetivos é utilizar na fase de terminação dietas com maior densidade energética (1). O teor energético da dieta pode ser elevado através da inclusão de carboidratos não fibrosos ou pela inclusão de lipídeos, que contem 2,25 mais conteúdo energético que os carboidratos. No entanto, por questões fisiológicas existem limitações em sua inclusão, e esta não deve ser superior a 7,0% por apresentar toxicidade aos microrganismos ruminais e reduzir a digestão de fibras (2).
Todavia, o uso de dietas com estas características demanda da presença de aditivos que potencializem o uso energético, a síntese de ácidos graxos de cadeia curta, melhorem a eficiência produtiva e a taxa de crescimento animal (3). Uma alternativa para obter estes resultados é realizar o fornecimento de lecitina de soja, que é composta de fosfatidil colina, fosfatidil etanolamina, fosfatidil inositol, glicolipídios, triglicerídeos e carboidratos (4). A lecitina de soja pode ser usada na alimentação de ruminantes como emulsificante, por promover a incorporação de ácidos graxos e aumento de sua absorção no intestino delgado devido sua capacidade de passar pelo rúmen e também aumentar a digestibilidade das gorduras, ações que permitem a utilização de níveis mais elevados de gordura na dieta sem causar danos à fermentação ruminal (5, 6, 7).
A suplementação com emulsificante em níveis crescentes aumenta a digestibilidade, a absorção de ácidos graxos totais e de ácidos graxos com 16 e 18 moléculas de carbono em vacas lactantes, e também eleva os teores de gordura no leite e a concentração de ácidos graxos insaturados plasmáticos (8). Chen et al. (9) ao avaliarem novilhos da raça Simental, verificaram que a suplementação com lecitina de soja proporcionou maior ganho de peso em relação aos não suplementados.
Desta forma, o objetivo da presente pesquisa foi avaliar o efeito da administração de diferentes doses de lecitina integral de soja sobre o desempenho produtivo, o comportamento ingestivo, a digestibilidade aparente da dieta e as características de carcaça bovinos terminados em confinamento.
2. Material e métodos
O experimento foi realizado no Laboratório de Análises de Alimentos e Nutrição de Ruminantes e na Unidade didática, de pesquisa e extensão em Bovinos de Corte - Confinamento do Núcleo de Produção Animal (NUPRAN) junto ao Curso de Mestrado em Ciências Veterinárias do Setor de Ciências Agrárias e Ambientais da Universidade Estadual do Centro-Oeste (CEDETEG/UNICENTRO), localizada em Guarapuava - PR. Os procedimentos experimentais foram previamente submetidos à apreciação do Comitê de Conduta Ética no Uso de Animais em Experimentação (CEUA/UNICENTRO) e aprovados conforme ofício 051/2021 de 03/12/2021. Conforme a classificação de Köppen-Geiger’s o clima da região de Guarapuava é do tipo subtropical mesotérmico úmido (Cfb), sem estação seca, com verões frescos e inverno moderado, apresenta-se em altitude de aproximadamente 1.100 m, com precipitação média anual de 1.944 mm, temperatura média mínima anual de 12,7ºC.
Foram utilizados 30 novilhos não castrados ½ sangue Angus ½ sangue Nelore, com peso médio inicial de 432,3 kg ± 6,0 kg e idade média inicial de 14 ± 1,5 meses. O delineamento experimental foi o inteiramente casualizado, composto por três tratamentos, sendo: Ração controle; Ração com lecitina integral de soja (10 g animal dia-1); e Ração com lecitina integral de soja (20 g animal dia-1), com cinco repetições por tratamento, sendo cada baia, com dois animais, considerada uma repetição. O fornecimento da lecitina de soja integral se deu através do produto POWERBOV LC® da Empresa Sanex Comércio e Indústria Veterinária Ltda., produto que tem como componente principal a lecitina refinada de soja na concentração de 650 g kg-1, também é constituído por precursores de emulsificação, óleo de palmiste, glicina, taurina e sílica.
O período experimental foi de 110 dias, sendo 16 dias de adaptação às dietas e instalações experimentais, e 94 dias avaliativos, divididos em dois períodos de 28 dias e um período de 38 dias. As instalações empregadas eram constituídas de 15 baias de confinamento, com área de 15 m2 cada (2,5 m x 6,0 m), dispondo de comedouro de concreto medindo 2,30 m de comprimento, 0,60 m de largura e 0,35 m de altura e um bebedouro metálico com reposição de água automática. A distribuição dos animais nas unidades experimentais foi realizada com base no peso vivo (PV), na área de olho de lombo (AOL), no marmoreio e na espessura de gordura da picanha (EGP), determinados através de ultrassom (Aloka® SSD-500 Vet) constituído de ecocâmera acoplada a uma probe de 17 cm e 3,5 MHz, avaliação está que foi realizada no último dia da adaptação, ou seja, início do período avaliativo.
Os animais foram alimentados ad libitum, duas vezes ao dia, às 6:00 e às 17:30 horas. O consumo voluntário dos alimentos foi registrado diariamente, pela pesagem da quantidade oferecida e das sobras do dia anterior. Foi realizado o ajuste do consumo diariamente, a fim de manter as sobras em 5,0% do total fornecido na base seca. Os alimentos foram fornecidos na forma de ração total misturada (RTM). As rações foram constituídas por 33% de silagem de milho e 67% de concentrado. Para fabricação do concentrado foi utilizado: farelo de trigo: 16,0%; farelo de soja: 5,1%; casca de soja 14,0%; radícula de cevada: 5,0%; gérmen de milho: 23,0%; grãos de cevada: 5,0%; grãos de milho moído: 25,0%; óleo degomado de soja: 2,8%; cloreto de sódio: 0,6%; calcário calcítico: 2,0%; sal comum: 0,5%; ureia pecuária: 0,5% e premix vitamínico-mineral* 0,5%. Antes do fornecimento aos animais, o emulsificante foi pesado em suas respectivas doses e diluído em 200 g de veículo (milho moído), e fornecido no momento da alimentação, via top dress, misturando-o com os demais componentes da dieta. Para o grupo controle, foi fornecida apenas o veículo.
Amostras de silagem de milho e de concentrado foram coletadas semanalmente e conduzidas a estufa com ventilação de ar forçado a 50°C por 72 horas para determinação da matéria parcialmente seca. As amostras pré-secas foram moídas em moinho tipo Willey contendo peneira com malha de 1,0 mm de diâmetro e conduzidas posteriormente para análise bromatológica. Nas amostras moídas foram determinados os teores de matéria seca (MS), matéria mineral (MM), extrato etéreo (EE) e proteína bruta (PB), segundo técnicas descritas na AOAC (10). Para determinação dos teores de P e Ca foram realizadas análises de acordo com a metodologia descrita por Tedesco et al. (11). Os teores da fibra em detergente neutro (FDN) foram obtidos conforme método de Van Soest et al. (12) com α-amilase termoestável e da fibra em detergente ácido (FDA), segundo Goering e Van Soest (13).
Para a determinação da lignina foi utilizado ácido sulfúrico na concentração de 72%. Os carboidratos não fibrosos (CNF) foram estimados pela fórmula: CNF = 100 - (PB + FDNcp + EE + MM) em que, FDNcp corresponde ao FDN corrigido para proteína e cinzas. A determinação da concentração de amido na dieta foi realizada pelo método enzimático proposto por Knudsen et al. (14). Os teores de nutrientes digestíveis totais (NDT) foram calculados conforme equações propostas por Weiss et al. (15).
Na Tabela 1 consta a composição bromatológica da silagem de milho, e do concentrado utilizados na alimentação dos animais e os valores médios da dieta experimental, com base na matéria seca total.
Composição bromatológica dos alimentos e da dieta experimental utilizada na alimentação de novilhos não castrados ½ sangue Angus ½ sangue Nelore novilhos terminados em confinamento com diferentes doses de lecitina integral de soja inclusa à dieta
Para a avaliação da digestibilidade aparente da MS, FDN e EE foi realizada a coleta total das fezes produzidas pelos animais de cada baia, em intervalos de 6 horas durante dois dias. Após a coleta total, as fezes foram pesadas para se obter o total produzido e uma amostra homogênea de 500 g foi coletada e armazenada sob congelamento. Concomitantemente, foi realizado nos dois dias a coleta das amostras das dietas, e também armazenadas sob congelamento. Após o término da avaliação, as amostras foram descongeladas, homogeneizadas para formar uma amostra composta, por baia e tratamento e encaminhada para a mensuração da MS, FDN e EE, as quais foram realizadas pelas mesmas metodologias utilizadas para amostras de silagem e concentrado. As leituras do pH fecal foram realizadas conforme metodologia estabelecida por Cherney e Cherney (16). A digestibilidade da MS, da FDN e do EE das dietas experimentais foram determinadas conforme a fórmula: D (%) = [(g de nutriente ingerido - g de nutriente excretado) ÷ g de nutriente ingerido] x 100.
Durante o período experimental, diariamente realizou-se a graduação das fezes de cada baia por meio de observação visual. As fezes foram graduadas por meio de escores, variando de 1 a 6 pontos, sendo: 1 = fezes líquidas, pouco consistentes; 2 = fezes líquidas, pouco consistentes, com pilhas pequenas de até 2,5 cm; 3 = fezes intermediárias com anel concêntrico e pilha de 3,0 a 4,0 cm líquidas; 4 = fezes pouco líquidas com anel concêntricos e pilha de mais de 5,0 cm; 5 = fezes mais secassem anel concêntricos e pilha de mais de 5,0 cm; 6 = fezes endurecidas ou ressecadas, com base na metodologia adaptada de Looper et al. (17) e Ferreira et al. (18).
A análise do comportamento ingestivo dos animais foi realizada em tempo contínuo de 48 horas, no meio do segundo período do confinamento (correspondeu ao 42°, 43° e 44° dia de avaliação), com início às 12:00 horas do primeiro dia e término às 12:00 horas do terceiro dia de avaliação, seguindo mesma metodologia utilizada no estudo desenvolvido por Ribas et al. (19).
As observações foram realizadas por nove observadores por turno, durante 48 horas, em sistema de rodízio a cada 6 horas, sendo as leituras tomadas em intervalos regulares de 3,0 minutos. O comportamento foi representado pelas atividades de ócio, ruminação, ingestão de água e ingestão de alimento, expressos em horas dia-1. Seguindo a mesma metodologia, a frequência da ocorrência das atividades de alimentação, abeberação, micção e defecação foram expressas em número de vezes dia-1. Na observação noturna, o ambiente foi mantido com iluminação artificial, condição que ocorria desde a chegada dos animais na unidade experimental.
As avaliações de desempenho foram realizadas aos 28, 56 e 94 dias de experimento, com o intuito de avaliar se as respostas à suplementação com lecitina integral de soja seriam benéficas ou não apenas na fase inicial, intermediaria, final ou se manteria o comportamento do início ao fim do período experimental frente as variáveis mensuradas. Estas avaliações foram realizadas após jejum de sólidos de dez horas, afim a realizar a pesagem individual dos animais. As variáveis avaliadas foram peso corporal (PC), ingestão de matéria seca, expresso em kg animal dia-1 (IMS), ingestão de matéria seca, expresso em porcentagem do peso vivo (IMS, % PV), ganho de peso médio diário (GMD, kg dia-1) e conversão alimentar (CA, kg kg-1).
No último dia do período experimental foram realizadas avaliações de área de olho de lombo (AOL), marmoreio, ratio, espessura de gordura subcutânea do músculo Longissimus dorsi e da picanha através de ultrassonografia pela empresa Designer Genes Technology, através do software “BIA/DGT Brasil”. As medidas foram realizadas na região da 12a e 13a costelas, transversalmente ao músculo Longissimus dorsi seguindo as recomendações de Herring et al. (20). O marmoreio foi avaliado por meio da existência de depósitos de gordura entre as fibras musculares no Longissimus dorsi, e pontuados através de índices crescentes variando de 1,0 (inexistente) a 5,0 (excessivo) pontos, adaptados do sistema proposto por Müller (21). Por diferença das medidas ultrassonográficas obtidas no final e no início do período experimental, foi possível obter o ganho de AOL, marmoreio, ratio e espessura de gordura subcutânea durante a fase de terminação dos animais.
Ao término do confinamento, foi realizado jejum de sólidos de 10 horas, e todos os animais foram pesados antes do embarque para o frigorífico, obtendo-se o peso de fazenda. Nas carcaças foram avaliadas o comprimento de carcaça, comprimento de braço, perímetro de braço, e a espessura do coxão, medida por intermédio de compasso, conforme as metodologias sugeridas por Müller (21). Seguindo as metodologias de Müller (21) também foi obtida as medidas de espessura de gordura do dianteiro (região escapular), costilhar (região das costelas) e traseiro (região superior do quarto traseiro), as quais se deram com auxílio de um paquímetro digital. No momento do abate, também foi realizada a pesagem dos componentes não-integrantes da carcaça denominados de órgãos vitais (coração, fígado, pulmões e rins).
Os dados referentes ao desempenho animal e consumo de matéria seca, a digestibilidade aparente, e à caracterização das carcaças foram submetidos à ANOVA, com posterior comparação das médias pelo teste Tukey com comparação das médias a 5,0% de significância, por intermédio do procedimento GLM do programa estatístico SAS (22). Os dados referentes ao comportamento ingestivo foram submetidos à ANOVA, com posterior comparação das médias pelo teste Tukey com comparação das médias a 5,0% de significância, por intermédio do procedimento PROC MIXED do programa estatístico SAS (22).
O modelo estatístico utilizado foi: Yi = µ + Ti + Ei, onde: Yi = critério de resposta; µ = média geral comum a todas as observações (constante); Ti = efeito do i-ésimo tratamento; e Ei = erro aleatório inerente a todas as observações.
3. Resultados e discussão
Observa-se na Tabela 2 que a produção de fezes (kg dia-1) tanto na matéria seca quanto na matéria natural, o teor de matéria seca das fezes, a digestibilidade aparente da MS e o pH fecal não sofreram alterações (P>0,05) com a inclusão de lecitina integral de soja à ração.
Produção fecal em kg dia-1, base natural (PFMV) ou base seca (PFMS), teor de MS das fezes, digestibilidade aparente da MS, do EE e da FDN, escore e pH das fezes, de novilhos terminados em confinamento com diferentes doses de lecitina integral de soja inclusa à ração
A digestibilidade do EE foi melhor (P<0,05) com a suplementação de lecitina integral de soja nas doses de 10 g dia-1 e 20 g dia-1 (91,69% e 91,21% respectivamente), comparativamente à ração controle (89,19%). Já a digestibilidade da FDN, apresentou maior média para a suplementação na dose de 10 g dia-1 (43,35%), a qual foi superior a ração sem inclusão de lecitina (39,04%) mas não diferiu quando a suplementação foi realizada na dose de 20 g dia-1 (41,17%).
O aumento da digestibilidade do extrato etéreo obtido no presente estudo pode ser justificado por uma maior biohidrogenação ruminal deste componente. A lecitina quando em contato com a fosfolipase A, forma a lisolecitina, que é responsável pela emulsificação dos lipídeos, os tornando mais disponíveis à biohidrogenação ruminal e posterior digestão (23, 24, 25).
Já o aumento da digestibilidade da FDN com a suplementação de lecitina integral de soja em relação a não suplementação sugere ser efeito de um maior aporte energético acessível e melhor utilização do nitrogênio contido ração. Quando a proteína da ração adentra o rumem, uma parcela é degradada e produz N-amoniacal, e de acordo com Sniffen et al. (26) este quando utilizado como fonte de substrato por microrganismos ruminais, contribui com o maior desenvolvimento da flora bacteriana, refletindo em uma maior digestibilidade das porções fibrosas da ração.
Ao avaliar diferentes doses de lecitina de soja na dieta de novilhos da raça Simental, Chen et al. (9) observaram que a presença do aditivo na ração elevou o aporte energético disponível para os microrganismos ruminais e reduziu as concentrações de N-amoniacal no rúmen, quando comparado com os não suplementados. Mesmos autores relatam que quando a disponibilidade de energia e proteína não são fatores limitantes para o desenvolvimento microbiano, sua ação no processo fermentativo é maximizada.
Mesmo que tenha ocorrido melhorias nas digestibilidades do EE e FDN das rações (Tabela 2), as atividades de consumo de alimentos, consumo de água, ruminação e ócio expressos em horas dia-1 não foram alteradas (P>0,05) com a suplementação de diferentes doses de lecitina integral de soja (Tabela 3), assim como a frequência de atividades de alimentação, abeberação, defecação e micção, expressas em vezes dia-1 não foram alteradas.
Comportamento ingestivo e frequência de atividades desenvolvidas por de novilhos terminados em confinamento com diferentes doses de lecitina integral de soja inclusa à dieta
A ausência de diferença no comportamento ingestivo está relacionado com a igualdade da composição física e química das dietas entre os tratamentos, que segundo Van Soest (27) é o fator principal para determinar alterações comportamentais nos ruminantes. Observa-se na Tabela 4 que os animais suplementados com 10 g dia-1 de lecitina integral de soja, ao final do período de confinamento apresentaram as maiores médias para ganhos de peso (1,707 kg dia-1) em relação aos animais suplementados com 20 g dia-1 de lecitina integral de soja (1,587 kg dia-1), porém não diferiram dos animais alimentados com a ração controle (1,645 kg dia-1).
Ganho de peso médio diário (GMD), ingestão de matéria seca expresso em kg dia-1 (IMS) ou por 100 kg de peso vivo e conversão alimentar (CA) de novilhos terminados em confinamento com diferentes doses de lecitina integral de soja inclusa à ração
Em estudo desenvolvido por Chen et al. (9) os autores relatam que a menor concentração de N-amoniacal no rúmen dos animais suplementados com lecitina de soja, proporcionou melhor ganho de peso, por este composto ter sido melhor aproveitado pelos microrganismos como fonte de substrato, e ter potencializado o desenvolvimento da flora bacteriana e a digestibilidade da dieta. Quando existe eficiência no desenvolvimento microbiano, estes garantem que os nutrientes da ração sejam utilizados por parte dos animais com maior eficácia (28). O GMD está diretamente relacionado com digestibilidade dos componentes da ração (29), e os resultados obtidos no presente estudo dão o indicativo de que a dose de 10 g dia-1 foi responsável pela melhor sinergia entre, biohidrogenação, digestibilidade e aproveitamento dos nutrientes pelos animais.
Ao avaliar os parâmetros obtidos a partir dos dados de carcaça (Tabela 5), observa-se que os animais suplementados com lecitina integral de soja na dose de 10 g dia-1 e os alimentados com ração controle possuíram maior peso vivo de abate (591,6 kg e 588,1 kg respectivamente) em relação aos animais suplementados com 20 g dia-1 de lecitina integral de soja. O maior peso vivo ao abate é reflexo as maiores médias de GMD destes animais (Tabela 4).
Características da carcaça de novilhos terminados em confinamento com diferentes doses de lecitina integral de soja inclusa à dieta
A gordura subcutânea no Longissimus dorsi, dianteiro, costilhar e traseiro, não diferiram (P>0,05) entre o uso ou não de lecitina integral de soja. No entanto, os animais de ambos os tratamentos apresentaram espessura de gordura subcutânea dentro do desejado, que é de pelo menos 3 mm, para que ocorra a proteção da carcaça durante seu resfriamento, e a oxidação de mioglobinas seja desacelerada e não gere alteração na qualidade da carne até sua comercialização (30, 31).
O rendimento de carcaça, comprimento de carcaça, espessura de coxão, comprimento de braço e perímetro de braço, também não diferiram (P>0,05), apresentando valores médios de 325,1 kg, 55,56%, 142,3 cm, 25,2 cm, 39,1 cm e 49,8 cm, respectivamente. Parâmetros estes que possuem maior relação com o padrão genético, raça, idade dos animais, e por serem ou não castrados, do que com a dieta propriamente dita (32).
Na avaliação dos pesos dos órgãos vitais, expressos em % do peso vivo também não houve diferença significativa (P>0,05). O que é positivo, pois isto indica que os animais não passaram por nenhuma injuria metabólica que viesse promover alterações nos órgãos. Na Tabela 6, estão apresentados dados de ultrassonografia de carcaça, os quais não apresentaram diferença significativa (P>0,05) entre o uso ou não de lecitina integral de soja, tanto no abate, quanto em relação ao ganho no período de confinamento.
Valores ao abate e ganho no período de confinamento de área de olho de lombo (AOL), ratio, marmoreiro, espessura de gordura subcutânea (EGS) e espessura de gordura de picanha (EGP), de novilhos terminados em confinamento com diferentes doses de lecitina integral de soja inclusa à dieta
Estes resultados mostram que o uso de lecitina integral de soja possuiu maiores efeitos na digestibilidade e aproveitamento de alguns nutrientes da dieta, refletindo em ganho de peso, do que na deposição de tecido subcutâneo, marmoreio e rendimento de cortes cárneos.
4. Conclusão
A administração de lecitina integral de soja melhorou a digestibilidade da fração etérea e fibrosa da ração, e a dose de 10 g animal dia-1 foi mais efetiva que a dose de 20 g animal dia-1, pois garantiu maior média de ganho de peso diário e animais com maior peso vivo no abate.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
26 Fev 2024 -
Data do Fascículo
2024
Histórico
-
Recebido
27 Maio 2023 -
Aceito
06 Set 2023 -
Publicado
27 Dez 2023