Open-access Tessituras entre cartografia e terapia ocupacional: experiências e fabulações 1

Resumo

As metodologias de pesquisa estão submetidas às relações estruturais hierárquicas de poder que qualificam meios, discursos e saberes cujos caminhos podem ser mais ou menos controlados. Como terapeutas ocupacionais pesquisadoras, tais questões têm nos instigado a pensar modos de vivenciar e compreender a pesquisa e a construção de conhecimento na chave das atividades humanas e do rigor ético-político. Neste manuscrito, destacamos a cartografia enquanto método qualitativo de pesquisa-intervenção que afirma o corpo como matéria viva do(a) cartógrafo(a) na inseparabilidade pesquisador(a)-objeto. Trata-se de apresentar modos singulares de pesquisar na conexão entre cartografia e terapia ocupacional, destacando movimentos e emergências dos processos. A apresentação se dá a partir de dois atos-fabulação: 1) Movimentos ético-metodológicos na abordagem de pistas cartográficas em experimentação, apreciação e invenção e 2) Emergências em terapia ocupacional para a composição e proposição de uma certa perspectiva e um certo modo de pesquisar. Revela-se nas fabulações traçadas uma dimensão sensível-crítica, que entrelaça experiência e (r)existência na produção de conhecimentos situados e comprometidos, em que a atividade humana de pesquisar está incorporada ao sentir-fazer-pensar-ser pesquisador(a).

Palavras-chave:  Pesquisa; Terapia Ocupacional; Conhecimento; Ética; Cartografia

Abstract

Research methodologies are influenced by hierarchical power structures that shape the means, discourses, and knowledge involved, with varying degrees of control. As researchers in occupational therapy, these considerations have prompted us to reflect on how we experience and understand research and knowledge construction through the lens of human activities and ethical-political stances. In this paper, we advocate for cartography as a qualitative research-intervention method that emphasizes the embodiment of the researcher within the research process. We aim to showcase distinct approaches to exploring the connection between cartography and occupational therapy, emphasizing the dynamic movements and emergent phenomena within these processes. Our discussion is framed around two key acts of storytelling: 1) Ethical-methodological considerations in engaging with cartographic insights through experimentation, interpretation, and innovation; and 2) Emergent challenges in occupational therapy that inform the development of specific perspectives and methodologies. Through these fabulations, we reveal a sensitive-critical dimension that interweaves lived experience and (r)existence/resistance in the production of contextually situated and socially engaged knowledge, wherein the human activity of researching is embedded in feeling-doing-thinking-being a researcher.

Keywords:  Research; Occupational Therapy; Knowledge; Ethics; Cartography

Introdução

O investimento na pesquisa conduz a pesquisadora ou o pesquisador ao encontro com formas de proceder mais ou menos controladas e reconhecidas como metodologias. A identificação de quais referenciais teórico-metodológicos sustentam esse processo representa também uma afirmação sobre determinadas formas de implicação no cenário científico, cuja estrutura hierárquica de poder qualifica meios e discursos, produzindo padrões que priorizam uns em detrimento de outros.

Enquanto terapeutas ocupacionais pesquisadoras, tais questões têm nos instigado a pensar os modos de vivenciar e compreender a pesquisa e a ciência incorporados em nossas perspectivas profissionais. Em uma conexão imprescindível entre fazer, saber, sentir e ser, problematizamos a busca pela legitimidade de resultados positivados e generalizáveis para mergulhar no “como” vinculado ao “porquê” desta atividade humana que é o pesquisar.

Com esses dois indagadores, coloca-se a articulação entre ciência e filosofia, convocando também a política, as artes e os fazeres-saberes experienciais cotidianos e culturais, em busca de criar caminhos condizentes com o interesse da terapia ocupacional (na perspectiva que pautamos) por acompanhar processos, fazeres e sentidos singulares e coletivos.

Diante disso, destacamos a cartografia enquanto método qualitativo de pesquisa-intervenção que afirma a inseparabilidade pesquisador(a)-objeto na realização implicada do ser-conhecer-fazer-transformar. Com o rigor sustentado na experiência, essa perspectiva metodológica persegue os movimentos da vida em expansão e se converte em compromisso e produção da realidade (Passos et al., 2020).

Evidenciam-se como importantes referências dessa temática no Brasil as obras “Micropolítica: cartografias do desejo” (Guattari & Rolnik, 2013), “Cartografia sentimental” (Rolnik, 2014) e “Pistas do método da cartografia”, publicadas nos volumes “Pesquisa-intervenção e produção de subjetividade” (Passos et al., 2020) e “A experiência da pesquisa e o plano comum” (Passos et al., 2016a).

Pautada nas formulações de Deleuze e Guattari e orientada por uma matriz ético-estético-política, a atividade cartográfica não compreende o método como algo a ser aplicado (Passos et al., 2020). Volta-se para a realização de uma experiência ético-metodológica que acontece a partir do engajamento em um determinado universo de compartilhamento de territórios existenciais, na dedicação ao plano da pesquisa em que sujeito e objeto se relacionam em coprodução (Alvarez & Passos, 2020).

A cartografia não pressupõe um modo prescritivo, a orientação em regras prontas ou objetivos previamente estabelecidos. Porém, isso não remete a uma falta de direção, já que o sentido tradicional de método é revertido, colocando em destaque o caminho que em sua tessitura orienta o percurso da pesquisa (Passos & Barros, 2020). Busca-se investigar um processo de produção e não representar um objeto, o que exige do aprendiz de cartógrafo um comprometimento profundo com a experiência. “Informações, saberes e expectativas precisam ser deixadas na porta de entrada, e o cartógrafo deve pautar-se sobretudo numa atenção sensível, para que possa, enfim, encontrar o que não conhecia, embora já estivesse ali, como virtualidade” (Kastrup, 2020, pp. 48-49).

Para Rolnik (2014), a cartografia se faz ao mesmo tempo que acompanha o desmanchamento e a formação de mundos, ou seja, importam as perdas de sentidos e a criação de mundos e modos outros, na busca pela expressão dos afetos contemporâneos. Logo, é “tarefa do cartógrafo dar língua aos afetos que pedem passagem” (Rolnik, 2014, p. 23), o que, sob essa perspectiva, demanda que pesquisadores(as) estejam mergulhados nas intensidades do seu tempo e contexto.

Liberman & Lima (2015), que se relacionam com o método no âmbito da terapia ocupacional, ressaltam que o corpo é a matéria viva do cartógrafo, e que é importante mobilizar qualidades como atenção, presença, disponibilidade e sensibilidade no exercício cartográfico. Trata-se, assim, de “um trabalho de produção permanente de si, na experimentação de um corpo que, continuamente, se configura nos encontros com outros corpos” (Liberman & Lima, 2015, p. 190), em busca do que o corpo pode (sua potência), e não do que ele deve (os constrangimentos impostos).

Terapeutas ocupacionais têm afirmado a cartografia como metodologia em suas pesquisas (Siegmann, 2011; Ferigato, 2013; Angeli & Fonseca 2015; Silva, 2018; Farias, 2021; Cardinalli & Silva, 2021; Cardinalli, 2022; Cardoso, 2023; Shiramizo, 2023), compartilhando, compondo e inventando modos de fazer pautados no encontro entre as sensibilidades ativadas pela experiência cartográfica e aquelas mobilizadas pela construção de conhecimento na/pela terapia ocupacional. Entrelaçamentos, engendramentos e torções se realizam em um pesquisar que coloca a produção da vida em sua complexidade como destaque, na escavação e afirmação dos corpos, afetos e sentidos múltiplos envolvidos.

Incluídas nesse movimento, compartilhamos experiências e produções recentes que revelam uma tessitura de sentidos entre a cartografia e a terapia ocupacional. Neste texto, especificamente, destacamos movimentos e emergências de modos singulares de pesquisar que convocaram a fabulações no estudo “(R)existências afirmadas em terapia ocupacional: vestígios e fabulações” (Cardoso, 2023).

Sobre tessituras

O estudo buscou reconhecer experiências de terapeutas ocupacionais tendo como linha analítica central as resistências acompanhadas e vivenciadas na prática profissional, considerando as estruturas e as dinâmicas hegemônicas de organização e exploração da vida, suas relações, produções e impactos cotidianos. O acompanhamento dos processos que compuseram o plano comum da pesquisa aconteceu a partir de três territórios relacionais que se entrelaçaram: a) encontros e vivências com o grupo de pesquisa Atividades Humanas e Terapia Ocupacional (AHTO); b) participação de terapeutas ocupacionais colaboradoras, com narrativas partilhadas em formulários, expressões livres e cartas; c) movimentos de um corpo cartógrafo multidão – vivo, aberto, em experiência.

Visamos reunir notas vinculadas aos processos e resultados da pesquisa que serão apresentadas em dois atos-fabulação: movimentos ético-metodológicos e emergências em terapia ocupacional. No primeiro, abordaremos algumas pistas (ou princípios) da cartografia que se manifestam em experimentação, apreciação e (re)invenção. No segundo, destacaremos a composição com certa perspectiva e certo modo de pesquisar-fazer-pensar terapia ocupacional.

Os processos investigativos são marcados por acontecimentos singulares que, embora evidenciem distintos modos de pesquisar, se compõem em planos compartilhados de pensar e fazer pesquisa. Este texto emerge de um plano comum de produção científica-afetiva2 sustentado e intensificado em encontros de expansão das potências de agir, que configuram processos e experiências em um contexto no qual é possível compor desejos e diferenças.

Trata-se, portanto, de fabular em uma escrita-pensamento como ato de invenção (Deleuze, 1997) e comunhão na busca por expandir formas de pesquisar em/com a terapia ocupacional e criar novos e mais alegres vínculos com o mundo (Vinci, 2021).

  1. MOVIMENTOS ÉTICO-METODOLÓGICOS

No (re)conhecimento de experiências e produções de terapeutas ocupacionais, nos implicamos nos acontecimentos, subjetividades e criações que compõem esse campo profissional no contexto brasileiro. Na afirmação de que habitamos territórios da terapia ocupacional, percebemos forças, fluxos e processualidades ativando uma atenção sensível em nossos corpos-pesquisadoras que se dedicaram a acompanhar a produção de mapas não estáticos desses territórios. Mapas ancorados no real, abertos, conectáveis e reversíveis que se adaptam a montagens e desmontagens (Deleuze & Guattari, 2011, p. 30). Cabe a nós escavar movimentos dessa criação incessante e reconhecer sentidos produzidos. Aqui, compartilhamos e pensamos alguns processos especificamente na conexão com o método da cartografia.

Nossas criações são ancoradas na compreensão de atividade humana pela terapia ocupacional (Cardinalli; Silva, 2021), que envolve o acompanhamento de pessoas, seus processos singulares e a elaboração de novas questões. Essa interação nos coloca eticamente diante dos encontros com as diferentes formas de existir, ser e pesquisar, cuja integração produz novos saberes-fazeres que queremos afirmar. A percepção dos processos vivenciados nos convoca ainda a nos deslocarmos como possibilidade inventiva de pensar a vida por outros pontos de vista. Assim, ao fabular (n)o caminho, nos encontramos com fungos e patos.

As “micélias” e a ética do cartógrafo

Ao pesquisar, não cremos na captação ou revelação de sentidos existentes. Por outro lado, intentamos produzir um movimento contínuo de (re)significação e criação de sentidos (Rolnik, 2014), investindo em um mapeamento vivo de práticas, produções, discursos e enunciados que “investiga a experiência a partir da experiência” (Passos et al., 2016b, p. 9). Assim, a pesquisa ocorre em uma experimentação criativa, partilhada e sustentada na porosidade e na intensificação de contágios, comunicações e conectividades. Tais processos nos remetem à ética do cartógrafo (Rolnik, 2014; Escóssia & Tedesco, 2020; Costa, 2020), que, enquanto ato,

possui um poder de amplificação, propagação e ressonância que o inscreve na rede de outros atos. Agir eticamente significa se colocar como ponto singular de uma infinidade aberta de relações, sem que sua ação se ampare em normas que funcionem como formas a priori impostas do exterior à ação (Escóssia & Tedesco, 2020, p. 106).

Isso porque a cartografia não convoca somente “a pensar ou agir sobre determinado campo, mas a vivenciá-lo em suas múltiplas dimensões, num movimento ético de porosidade e composição” (Costa, 2020, p. 13) que se volta para a sustentação da vida em sua potência de expansão (Rolnik, 2014). Esse posicionamento ético, e as maneiras de fazer pesquisa que se tecem em propagação e complexidade, nos remetem aos modos de vida dos fungos e seus micélios, que escolhemos chamar de micélias 3 .

Pensar a partir de existências fúngicas e miceliais nos interessa e ajuda a reconhecer e nomear processos que compõem movimentos metodológicos produzidos em contextos singulares de nossos estudos. Nós nos aproximamos desse universo, porém tateando como quem chega delicada e humildemente diante de um saber novo e altamente complexo.

As micélias são a estrutura filamentosa dos fungos multicelulares que se desenvolvem no interior do substrato. A imagem micelial que nos inspira mais especificamente se refere aos ciclos de reprodução e expansão dos cogumelos nas florestas. As micélias, nesse caso, são redes de filamentos microscópicos (hifas) que se alastram horizontalmente no subsolo, enquanto os cogumelos são suas frutificações visíveis.

As redes miceliais formam uma espécie de existência partilhada que conecta a um só tempo existências múltiplas. Permitem, por exemplo, a comunicação entre diferentes árvores. Seriam como uma espécie de inteligência coletiva, compartilhada e construída por várias espécies ao mesmo tempo. Além de ser parte fundamental da ciclagem de matéria orgânica do solo (Pinheiro et al., 2019).

Para Tsing (2022), que investiga possibilidades de vida nas ruínas do capitalismo, o estudo dos fungos e suas micélias possibilita uma outra maneira de pensar a vida, menos antropocêntrica. Não é exclusividade dos humanos a fabricação de mundos e, nesse sentido, os fungos nos ensinam a produção de vida a partir da precariedade e da contaminação colaborativa. A antropóloga, reconhecida e premiada mundialmente, contribui ainda ao destacar que os fluxos que envolvem a digestão micelial se compõem em narrativas de degradação e criação. A decomposição produzida possibilita a criação de novos mundos (Pinheiro et al., 2019).

Outro autor que fabula com as micélias é Tim Ingold4 , quando defende que a melhor imagem para pensar a multiplicidade da vida e operar o conceito filosófico de rizoma5 , desenvolvido por Deleuze e Guattari, é o micélio fúngico ou a malha de fungos.

Segundo o antropólogo, a existência micelial diz mais sobre os pressupostos do conceito que a própria imagem botânica do rizoma. A descentralização de fluxos que possibilita a transmissão de informações ao longo da floresta e a capacidade de reconstrução das micélias em qualquer ponto são características que se destacam nesse sentido, e são questionáveis quando se pensa em rizomas como a bananeira por exemplo – uma vez que estes se formam no entrelaçamento de raízes que se reproduzem criando uma rede de semelhanças: se uma parte for destruída toda a rede se desmonta (Job, 2021).

As micélias ajudam Ingold a elaborar seu conceito de malha, que se refere à própria vida – compreendida enquanto textura de fios entrelaçados, linhas emaranhadas em crescimento, movimento, comunicação e integração (Ingold, 2012, 2015). Entendemos a cartografia como o acompanhamento e o estudo de linhas emaranhadas, suas relações, correspondências e criações, nos considerando enquanto pesquisadoras como parte dessa malha.

Ao nos voltarmos mais especificamente para uma de nossas experiências de pesquisa e alguns de seus movimentos ético-metodológicos (Cardoso, 2023), nos conectamos com a imagem da atmosfera das micélias – em contágio, propagação, conectividade e comunicação descentralizada, na decomposição e criação de narrativas.

São experiências investigativas que dizem sobre habitar territórios existenciais – lugares de passagem, sentidos, modos de expressão e de vida em constante processo de produção (Deleuze & Guattari, 2012). Compreendendo que esses territórios nos informam do entrelaçamento de linhas que não são exteriores às pesquisadoras, mas formam-se em relações de aproximação, distanciamento, comunhão, estranhamento, reconhecimento na integração de paisagens e personagens (Alvarez & Passos, 2020).

Em nossos estudos, contrárias a uma posição em que se analisa e sintetiza o campo estudado (externo e capaz de ser representado), habitamos, partilhamos e constituímos territórios existenciais, realidades em movimento, em expressão, em criação, em conflito. Assim, “não se trata de uma pesquisa sobre algo, mas uma pesquisa com alguém ou algo” (Alvarez & Passos, 2020, p. 135), que acontece em uma imersão atenta às formas, mas também às sensibilidades e forças, e produz mapas referentes a encontros, afetos e sensações que emergem no percurso trilhado (Liberman & Lima, 2015, p. 183).

É assim que a realidade ética na cartografia se constitui, na ressonância e correspondência dos atos, em que cabe ao pesquisador se deixar levar pelo plano coletivo, não por falta de rigor metodológico, mas em função de uma atitude atencional que lhe é propria e necessária (Escóssia & Tedesco, 2020). Um modo de mover que favorece a ativação do plano de forças.

A experiência de pesquisa que se ressalta sinaliza a experimentação de uma ética do encontro, na abertura para relações plurais, não esperadas, sem garantias, a partir de um posicionamento a favor do acontecimento e da vida que questiona e enfrenta normas e imposições exteriores à ação. Ao mesmo tempo, as vivências revelam o desafio de sustentar essa postura diante dos atravessamentos de tantas outras forças em nós: linhas duras e formas de investigar a partir de perspectivas dualistas, hierarquizantes e não amorosas. Sobressai o desejo de afirmar modos outros, no deslocamento de uma dimensão que normatiza para uma dimensão que amplia a potência de agir (Escóssia & Tedesco, 2020).

O pato-mergulhão, o acompanhamento de processos e as análises na cartografia

Na cartografia, acompanhamos processos. Evitando a predominância da busca por informações, lançamo-nos à processualidade, aos encontros e às suas intensidades que ressoam a produção das subjetividades e das invenções (Passos et al., 2020; Barros & Kastrup, 2020). “É como lançar o barco na direção de um mundo ainda não formado – um mundo no qual as coisas ainda não estão prontas, são sempre incipientes no limiar da emergência contínua” (Ingold, 2016, p. 408).

Seguimos as pistas atentas aos movimentos do desejo — intensidades que buscam passagem, expressão e criam mundos (Rolnik, 2014) — com disposição para afirmar as potências do vivo, já que se lançar a essa aventura implica “conectar-se com o pulsar da vida em seu corpo e com caminhos para os quais esse pulsar aponta” (Liberman & Lima, 2015, p. 183). E nesse movimentar-se, em busca de (mais) vida, ressoam os modos de viver, criar mundos e resistir de um pato em extinção.

O pato-mergulhão é um animal discreto e arredio que depende de águas limpas para viver e, por isso, a devastação ambiental faz dele uma das dez espécies de aves mais ameaçadas de extinção do planeta – desmatamento, poluição das águas dos rios, instalação de empreendimentos hidrelétricos e turismo desordenado o colocam criticamente em perigo, segundo o Livro Vermelho da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção (Brasil, 2018).

Esse animal era encontrado em rios encachoeirados e de água muito limpa nas áreas altas do centro-oeste, sudeste e sul do Brasil, assim como na Argentina e no Paraguai. Já foi considerado extinto por pesquisadores e, atualmente, os poucos exemplares restantes sobrevivem em áreas reduzidas de Minas Gerais, Bahia, Goiás e Tocantins (Silveira, 2011; Disconzi, 2012). O pato-mergulhão resiste! E sua morada principal neste planeta é a Serra da Canastra, em Minas Gerais.

O pato se movimenta em busca de vida. Ele anda nas pedras, na mata, faz sobrevoos, nada sobre as águas, contempla, mergulha. Modos de ser-fazer mergulhão em andanças – pela superfície, caminhando, botando ovos em buracos já abertos; em sobrevoos – rasos e atentos aos fluxos das águas, sensíveis aos deslocamentos; em mergulhos – seguindo as vibrações (e efetuações) da vida.

Como destaca Suely Rolnik, o cartógrafo é um antropófago “sempre em busca de elementos/alimentos para compor sua cartografia” (Rolnik, 2014, p. 65). Assim, o pato-mergulhão, seus “modos de expansão, de propagação, de ocupação, de contágio, de povoamento” (Deleuze & Guattari, 2012, p. 20) e suas afetações na pesquisadora incorporam-se aos movimentos ético-metodológicos aqui apreciados, e dizem especialmente sobre como acompanhar processos, reconhecer experiências e produzir análises nessa paisagem metodológica.

Isso porque, quando nos movemos em territórios que constituem um plano comum de investigação-intervenção-produção, operamos uma atenção ao mesmo tempo flutuante, concentrada e aberta, sensível a forças, vibrações, ressonâncias e intensidades que nos convocam a mergulhos – “onde pousar sua atenção” (Kastrup, 2020, p. 35), em busca da vida pulsante, suas mobilizações, criações e transformações. O que se configura em modos singulares de compreender e operar análises no processo cartográfico – que é, antes de tudo, inventivo.

Entendendo, porém, que somos muito mais uma malha de correspondência do que uma rede de conexão, ou seja, o pato não apenas se conecta com a água: o pato é a água, à medida em que não existe pato sem água, assim como não existe aranha sem teia (Ingold, 2015).

Dessa forma, andar, sobrevoar e mergulhar, que são atividades vitais, configuraram-se como modos de fazer pesquisa sensíveis às linhas emaranhadas do plano investigado. Especificamente neste estudo, as andanças remetem à habitação e movência no campo da terapia ocupacional, que se desdobraram no acompanhamento de processos e na produção de materialidades diversas (formulários, cartas, criações artísticas, diário de campo, entre outras). Já os sobrevoos dizem sobre um modo de se relacionar com as materialidades produzidas nos territórios habitados em conexão6 , configurando o que nomeamos como análise processual. Tais materialidades foram acessadas em diferentes momentos, em leituras flutuantes ou mesmo na produção conjunta de registros acadêmicos das experiências (trabalhos apresentados em eventos, artigos, relatórios de extensão). E ajudaram a emergência de provocações, inquietações e questionamentos que antecederam as análises temáticas reflexivas — os mergulhos — que foram guiadas por vibrações-perguntas que convocaram a aprofundamentos nas materialidades, em uma análise transversal e conectiva.

Foi assim que, em andanças, sobrevoos e mergulhos, seguimos rastros e produzimos vestígios sobre a resistência com a terapia ocupacional, em uma atitude micelial de propagação, ativação e conexão, criando modos singulares de produzir materialidades e operar análises no processo cartográfico.

Tais processos de pesquisa aconteceram na habitação dos territórios que constituem o plano comum de investigação e na operação constante de uma atenção ao mesmo tempo flutuante, concentrada e aberta – “Ser que se move, conhece e descreve deve estar atento. Estar atento significa estar vivo para o mundo” (Ingold, 2015, p. 13, grifo do autor).

Forjou-se, assim, um corpo pesquisadora-fungo-pato movente e sensível a forças, formas, vibrações e ressonâncias que indicavam onde pousar a atenção (Kastrup, 2020). Corpo-cartógrafa mergulhado nas intensidades do seu tempo, antropófago (Rolnik, 2014), na busca por devorar rastros de vida pulsante que encontra pelo caminho (experiências, narrativas, conceitos), compondo-se a eles em transformação e criação do novo.

Esse plano inclui a pesquisadora, e evoca mais uma “itinerância” e menos uma interação ou distância, porque se trata de “juntar-se em correspondência” com quem se aprende, com o que se estuda (Ingold, 2016, p. 409).

Nessa perspectiva, a análise comporta uma leitura crítica do próprio processo de pesquisa, ou seja, de sua implicação no território. Contínuo, o processo analítico está presente durante todo o tempo e percurso; não se configura enquanto uma etapa. Move-se a partir de problemas que convocam focos de atenção, na busca por visibilizar forças e relações, constituindo uma realidade compartilhada, o que também representa os resultados da pesquisa (Barros & Barros, 2016).

O método da cartografia não opõe teoria e prática, pesquisa e intervenção, produção de conhecimento e produção de realidade. O ato cognitivo — base experiencial de toda atividade de investigação — não pode ser considerado, nesta perspectiva, como desencarnado ou como exercício de abstração sobre dada realidade. Conhecer não é tão somente representar o objeto ou processar informações acerca de um mundo supostamente já constituído, mas pressupõe implicar-se com o mundo, comprometer-se com a sua produção (Alvarez & Passos, 2020, p. 131).

Assim, na chave da implicação mútua pesquisadora-sujeito-objeto, na produção da pesquisa e do conhecimento, nossas experiências transcorreram em experimentações e trocas com terapeutas ocupacionais, produzindo atenção para afetos, relações e processualidades emergentes em territórios existenciais que compõem um campo comum – a terapia ocupacional ou alguma terapia ocupacional.

  1. EMERGÊNCIAS EM TERAPIA OCUPACIONAL

A experiência ético-metodológica, processual e compartilhada na produção de conhecimento constituiu uma dimensão singular-coletiva que nos possibilita ressaltar algumas notas específicas na tessitura entre cartografia e terapia ocupacional. A partilha e a composição de experiências singulares nos ajudam ainda a reconhecer linhas emergentes das análises que se entrelaçam em um exercício de fabulação sobre o pesquisar em terapia ocupacional que ressignificam forças da cartografia sob nossa perspectiva. Essa proposta apresenta-se em três percepções fabuladas que afirmam modos de compreender e produzir saberes-fazeres com a terapia ocupacional: a) só se conhece na experiência, b) pesquisar é (r)existir em terapia ocupacional e c) revela-se uma dimensão sensível-crítica.

  1. Só se conhece na experiência

Para que seja possível conceber as experimentações de outras perspectivas e modos de vida na pesquisa — e, portanto, para que seja possível criar com fungos, patos e os diferentes seres —, primeiro problematizamos como se compreende a produção de conhecimento, para nos distanciar da ciência moderna positivista e seus interesses. Para se desfazer das dicotomias, como por exemplo, entre sujeito e objeto ou teoria e prática, não bastam apenas mudanças conceituais, mas uma verdadeira torção nas formas de compreender produção e legitimação do conhecimento.

O ato de pesquisar é o acompanhamento de processos inventivos, o que nos diz, também, sobre uma característica do conhecimento que é justamente permanecer em constante transformação. Isso restitui à produção de conhecimento sua condição de acontecimento vivo, ou seja, a todo instante em que se vive é possível conhecer a si e ao mundo, o que coloca todo ser em contínua produção de conhecimento. Portanto, essa atividade não está restrita a pesquisadores, cientistas ou seres humanos, mas seus modos e sua caracterização dependerão da relação que cada ser estabelece singularmente com o mundo e o viver, derivando suas formas de conhecer, de relacionar-se, de inventar e criar.

Do ponto de vista cartográfico, os agenciamentos investidos e as composições entre essas heterogeneidades configuram a produção do conhecimento, juntamente com o acompanhamento de fluxos, pedindo que a(o) cartógrafa(o) se mantenha aberta(o) aos encontros e seus afetos. E, será no acolhimento e registro desses acontecimentos e das forças, concepções e desejos produzidos que se formarão as paisagens e os movimentos na produção compartilhada dos dados (Barros & Kastrup, 2020).

O conhecer e o fazer são inseparáveis, revelando que a experiência é a própria produção de saber: o saber que emerge do fazer. “Tal primado da experiência direciona o trabalho da pesquisa do saber-fazer ao fazer-saber, do saber na experiência à experiência do saber. Eis o ‘caminho’ metodológico” (Passos & Barros, 2020, p. 18).

Larrosa (2015) chama a atenção para o fato de que os modos de vida hegemônicos se colocam em sentido oposto à experiência. Nesse contexto, a ciência, enquanto dispositivo central na produção da subjetividade moderna, ao desconfiar dos atributos da experiência, a condena (Agamben, 2008).

Na lógica cartesiana, conhecimento refere-se principalmente a um conjunto de verdades ou evidências verificáveis e universais. O saber da experiência, por sua vez, remete ao conhecimento encarnado, singular, finito e situado. Demanda abertura aos fluxos, encontros e seus acontecimentos espontâneos, alargamento do tempo, exposição à imprevisibilidade da vida e paixão (Larrosa, 2015) – todos aspectos pouco acolhidos no âmbito acadêmico.

É diante desse cenário que o resgate da experiência se torna uma questão ética, estética e política, e volta-se para a afirmação da existência em si e de sua potência de afetação, variação e singularização, em defesa do vivo que inaugura modos de ser-fazer. Nesse sentido, experiência liga-se à ideia de experimentação, e acontece como força ativa no mundo (Vinci, 2021).

Cada universo singular é composto de inúmeras experiências que envolvem a elaboração e a produção de sentidos (Larrosa, 2015) e, como ensina Quarentei (2001, 2006), a terapia ocupacional se ocupa de experimentar, apreciar e afirmar as atividades e seus sentidos. A experiência corporificada e situada expressa o embaraço singular-coletivo fundamental de toda existência, nas linhas que se emaranham em uma malha de criação da vida. Dessa forma, a afirmação das experiências tem caráter fundamentalmente conectivo, múltiplo e inventivo. E, no acompanhamento dos acontecimentos de vida das diferentes formas de existência, vemos a formação de emaranhados nessa tessitura da atuação-pesquisa cartográfica em terapia ocupacional.

  1. Pesquisar é (r)existir em terapia ocupacional

De diferentes formas, a cartografia evoca a resistência contra modos hegemônicos de pensar e operar a vida e a ciência, sustentados nas dicotomias hierárquicas por oposição (Collins, 2016). Aqui, destacamos especialmente como esse método questiona as cisões sujeito/objeto e teoria/prática, colocando em xeque a neutralidade e afirmando a experiência no sentir-pensar-fazer pesquisa. Desse modo, ele é essencialmente político, porque diz respeito “à escolha de novos mundos, sociedades novas” (Rolnik, 2014, p. 69).

Gostaríamos de pensar, entretanto, como nossas experiências evocam não só a resistência, mas também a (r)existência, na compreensão micropolítica desse termo que ressalta as forças ativas e afirmativas expressas na produção inventiva da vida (Deleuze, 2007; Alvim, 2011). Uma resistência que se afirma por si só, na sua potência de agir, criar e se diferenciar, e contra a qual o poder se posiciona, reage.

Essa ideia mobiliza um posicionamento afirmativo a ser investido em cada uma das ações cotidianas (Rolnik, 2019), destacando a singularidade e ao mesmo tempo a pluralidade de maneiras de viver e criar que abalam as hegemonias de governo e controle da vida. O que requer um compromisso de reconhecimento das formas múltiplas e interseccionais de opressão (Akotirene, 2020) que operam no mundo contemporâneo e são contrárias às expressões do vivo que buscam se afirmar, expandir e diferenciar.

Os processos cartográficos que compartilhamos neste estudo apontam para a produção de um rigor baseado no comprometimento e no cuidado com as forças afirmativas expressas nas experiências envolvidas, incluindo aquelas das pesquisadoras. Da cartografia das próprias experiências de pesquisa emergem linhas múltiplas, mas destaca-se uma singularização desejante e conectiva, sustentada em uma malha coletiva de afetividade e criação. Vestígios de (r)existência na pesquisa em terapia ocupacional, em um sentir-fazer que desfaz coágulos e engessamentos na construção de parcerias e possíveis e que afirma existências no acolhimento de contradições, feridas, fissuras, desejos, marcas e invenções.

Nesse processo, experimentamos e demos consistência a um corpo-cartógrafa sensível-crítico, em atenção constante às reproduções hegemônicas e forças inventivas que delas escapam. Um corpo com corpos, um singular coletivo, que na produção do comum não se sente só.

É esse corpo que pensa a importância de ativarmos corpos em terapia ocupacional rigorosos com a experiência e suas (r)existências. Fazendo uma torção na palavra, como nos ensina Mariângela Quarentei – rigor como sinônimo de cuidado comprometido, de honestidade. Compreendendo que ter rigor com as experiências plurais de terapeutas ocupacionais e das pessoas que acompanhamos é urgente. Cuidar do que afeta, atravessa, marca, compõe e decompõe potência nas profissionais desse campo e suas práticas variadas; do que as forma e transforma, do que lhes acontece.

Isso porque, acessar, apreciar, afirmar e cuidar do que acontece às pessoas que acompanhamos demanda um rigor com a própria experiência. Priorizar o acontecimento vivo em si, no outro, no entre, no com, amplia as condições de entrar em contato com as forças e estruturas que oprimem a vida e seus efeitos.

Sustentar as práticas investigativas de terapia ocupacional na afirmação das experiências e suas (r)existências corporifica e expressa a complexidade da vida, e favorece as possibilidades de compor potência entre singularidades que se conectam e se reconhecem.

  1. Revela-se uma dimensão sensível-crítica

É a partir da ideia de corpo vibrátil que Rolnik (2014) ressalta a ativação da sensibilidade para perceber os efeitos dos encontros dos/nos corpos, no acolhimento de intensidades e sentidos produzidos pelos movimentos do desejo (Rolnik, 2014).

Tal sensibilidade, assim como as singularidades, escapam à racionalidade hegemônica. É preciso, desse modo, retomar o sensível para reconhecer os encontros, as formas de existência, os sentidos das atividades humanas e não humanas, para contemplar ou inventar outros modos de viver. O sensível que revela a potência de criação e diferenciação do vivo, a beleza da simplicidade e a produção de sentidos e de mais vida.

Chamamos de sensível aquilo que opera em uma atenção outra, disponível aos afetos, às forças, às relações e à (re)criação de si (Spinoza, 2013; Quarentei, 2001). Nesse sentido, a compreensão da sensibilidade recupera sua condição crítica ao ir além daquilo que está instaurado pelas forças dominantes. A crítica, por sua vez, nos ajuda na busca por desvelar processos estruturais, situados nos contextos social, histórico, cultural, econômico e político, que incidem sobre a produção da vida e do conhecer sobre a vida (Galheigo, 2012; Castro et al., 2013).

Isso inclui considerar, sobretudo, a autocrítica que ressalta as próprias reproduções das hegemonias, a violência em si, nas relações e atividades, pois nada escapa da incidência do poder ou do desejo pelo poder. Reforçando a composição, é a sensibilidade que nos ajuda despertar e insistir na qualificação da nossa atenção.

Vivemos em uma malha complexa que (re)produz os modos de existir, expressos nos fazeres e cotidianos das pessoas; por isso, é preciso pensar nas experiências e resistências nessa dimensão sensível-crítica dentro de uma abordagem multidimensional dos processos e acontecimentos.

Para a cartografia, é a imersão no território que nos possibilita ver “que as nossas questões não vêm simplesmente das nossas cabeças, mas que nós nos questionamos na medida em que estabelecemos relações com aquilo que nos faz questionar” (Costa, 2014, p. 73). E será a disponibilidade a uma sensibilidade suspeita, curiosa e genuína que promoverá “um deslocamento das ideias prontas, daquilo que está naturalizado, do ‘é assim mesmo’, do óbvio, sem surpresas, do que parece estar desde sempre já dado” (Costa, 2014, p. 74).

Nessa perspectiva, a inseparabilidade da pesquisa-intervenção cartográfica se conecta à percepção sensível-crítica da terapia ocupacional.

Considerações Finais

Como produzir conhecimentos significativos diante das demandas e urgências da atualidade? Camadas de poder, hierarquias, competições, classificações, investimentos e publicações definem temas, métodos, procedimentos, idiomas e grupos.

Este manuscrito apresenta reflexões sobre a construção encarnada de pesquisadoras terapeutas ocupacionais produzindo pesquisas inventivas que propuseram entrelaçar o método qualitativo da cartografia e a construção saberes-fazeres-sentires em terapia ocupacional. Nesse percorrido, o corpo cartógrafo sensível-crítico precisa estar atento às pistas do campo sem se deixar formatar por elas. Assim, os processos inventivos a partir de toda composição com temáticas, estudos e colaboradores seguem ao encontro da experiência, a partir do rigor com a proposta e do compromisso ético-político como balizadores do processo.

O espaço para a inventividade se relaciona com um profundo encontro de sentidos e significados, transbordando hipóteses ou expectativas prescritas, para potencializar as múltiplas conexões construídas e promover novos espaços de compreensão sobre as temáticas trabalhadas.

Nessas experiências, a composição de uma pesquisa singular, mas de construção coletiva, envolvida com as possibilidades e os limites das realidades cotidianas, respeita os processos e acontecimentos dos envolvidos na medida em que compreende sua atuação em estruturação e parceria, seus limites e potências e sua grandeza e insignificância no mundo.

  • 1
    Este trabalho resulta de uma pesquisa de doutorado em que os procedimentos éticos vigentes foram cumpridos – parecer do Comitê de Ética em Pesquisa nº 4.692.379.
  • 2
    Compartilhamento de reflexões a partir de duas pesquisas de doutorado, que foram realizadas entre 2018 e 2023 no Programa de Pós-Graduação em Terapia Ocupacional da Universidade Federal de São Carlos, em que temáticas, métodos, interlocutores e debates convergem.
  • 3
    Pinheiro et al. (2019), que assinam o editorial do Dossiê Fabulações Miceliais publicado na revista ClimaCom Cultura Científica, defendem uma transformação taxonômica ao abordarem o assunto dos fungos e do micélio, o que será também assumido aqui – “Contrariando o habitual da taxonomia das ciências biológicas em português, optamos pelo nome no plural e feminino. A intenção é tanto se endereçar à pluralidade das ‘micélias’ evidenciada na escolha do plural latino mycelia em detrimento do singular mycelium, como combater a universalidade do gênero masculino nas palavras plurais em português (marca indelével do antropocentrismo que fez do Homem seu herói linguístico)” (Pinheiro et al., 2019, p.6).
  • 4
    Tim Ingold é um antropólogo inglês, filho de um importante especialista em fungos. Influenciado pelos estudos de Deleuze e Guattari, sua itinerância causou muito estranhamento no meio antropológico tradicional. Crítico do dualismo moderno, defende a antropologia como uma “filosofia com gente dentro” em que confluem arte, educação e psicologia (Job, 2021).
  • 5
    O termo rizoma aparece pela primeira vez no texto “Rhizome”, sendo posteriormente publicado como capítulo inicial de Mil Platôs. Refere-se a uma forma de compreensão da vida, como um sistema de conexões, sem início e nem fim, permeado por linhas, estratos, intensidades e segmentariedades. A ideia imagem de rizoma é oriunda da botânica e consiste em uma haste subterrânea com ramificações em todos os sentidos, como bulbos e tubérculos (Deleuze & Guattari, 2011).
  • 6
    No caso deste estudo, envolvem as experiências com o grupo de pesquisa, das participantes colaboradoras e da pesquisadora.
  • Como citar: Cardoso, P. T., Cardinalli, I., & Silva, C. R. (2024). Tessituras entre cartografia e terapia ocupacional: experiências e fabulações. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 32, e3473. https://doi.org/10.1590/2526-8910.ctoAO266334731
  • Fonte de Financiamento
    O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código 001.

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Editado por

  • Editora de seção
    Profa. Dra. Adriana Miranda Pimentel

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Ago 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    11 Dez 2022
  • Revisado
    12 Jan 2023
  • Aceito
    15 Dez 2023
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